RESOLUÇÃO DO CONTRATO
CLÁUSULA RESOLUTIVA EXPRESSA
Sumário

I - Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual.
II - A lei substantiva (artigo 432º do Código Civil) admite a resolução convencional, facultando às partes, de acordo com o princípio da autonomia da vontade, o poder de expressamente, por convenção, atribuir a ambas ou a uma delas o direito de resolver o contrato quando ocorra certo e determinado facto.
III - Quando se esteja em presença de cláusula resolutiva expressa, verificado o respetivo fundamento, a parte adimplente pode resolver imediatamente o contrato mediante declaração à outra parte sem ter, preambularmente, de recorrer ao procedimento estabelecido no artigo 808º, nº 1 do Código Civil.

Texto Integral

Processo nº 1191/23.8T8PRD.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este, Penafiel – Juízo Central Cível, ...

Relator: Miguel Baldaia Morais

1ª Adjunta Desª. Teresa Sena Fonseca

2º Adjunto Des. António Mendes Coelho


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SUMÁRIO

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO

AA intentou a presente ação declarativa sob a forma comum contra A..., Sociedade Unipessoal, Ldª., pedindo que: a) seja declarado o incumprimento definitivo do contrato promessa pela ré, devendo esta ser condenada a devolver ao autor o valor de € 48.200,00 (quarenta e oito mil e duzentos euros), equivalente ao dobro do sinal adiantado por este, acrescido de juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento; b) ou, na improcedência do anterior pedido, subsidiariamente, seja a ré condenada em abuso do direito, ao abrigo do disposto no artigo 334.º do Código Civil, bem como a liquidar/pagar ao autor o valor de € 24.100,00 (vinte e quatro mil e cem euros) por este adiantado a título de sinal.

Para substanciar tais pretensões alegou que, 19 de junho de 2021, celebrou contrato promessa nos termos do qual declarou prometer comprar à ré que, por seu turno, declarou prometer vender-lhe, pelo preço de €241.000,00, uma moradia de tipologia “T-três”, sita na Rua ..., Lugar ..., ..., ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...14, concelho e freguesia ..., com o artigo matricial nº ...31.

Acrescenta que a título de sinal e princípio de pagamento entregou a quantia de € 24.100,00, sendo que em virtude de terem existido dificuldades na obtenção do financiamento para liquidação do preço remanescente, foi acordado entre as partes alterar o programa contratual, ficando definido que a escritura pública do contrato prometido seria realizada até ao dia 29 de abril de 2022, convencionando-se ainda que a formalização do negócio prometido somente teria lugar caso o autor obtivesse a aprovação do empréstimo bancário destinado ao pagamento do preço sobrante.

Adianta que, apesar de se ter procedido à marcação da escritura para a mencionada data de 29 de abril de 2022, não compareceu nesse ato notarial, porquanto, nessa ocasião, não tinha ainda obtido aprovação do pedido de financiamento, facto do conhecimento da demandada, razão pela qual se revela infundada a resolução contratual por esta operada.

Contestou a ré por impugnação, alegando que jamais acordou com o autor que a aprovação do crédito bancário a que este iria recorrer para proceder ao pagamento do preço da compra do imóvel fosse condição para a realização do contrato prometido.

Acrescenta que a escritura destinada a formalizar o contrato prometido não foi realizada na data acordada para o efeito por facto imputável ao autor, data essa que foi contratualmente estabelecida como “inultrapassável”.

Foi proferido despacho saneador, definiu-se o objeto do litígio e fixaram-se os temas da prova.

Realizou-se audiência final, vindo a ser proferida sentença que julgou a ação improcedente.

Não se conformando com o assim decidido, o autor interpôs o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES:

1. A sentença recorrida, no que concerne à matéria de facto, julgou incorretamente os factos dados como provados e não provados da Base instrutória.

2. Com efeito, que depois do dia 16/03/2022, o autor, com o auxílio da B..., Unipessoal, Lda., apresentou um pedido de financiamento junto de uma instituição bancária, pedido esse que não foi aprovado.

3. Este facto em concreto, não foi alegado, em requerimentos algum do A. e da R.

4. Não ficou, em momento algum, provado que o A. não tinha dinheiro, por outra via, que não o empréstimo, para conseguir comprar a casa.

5. Vejamos o que cada uma delas diz quanto a este “facto”.

Depoimento da BB:

Ora, no seu depoimento – 12:22 - 12:36, de 03.55 a 04:18,

“…. Saber se ele iria recorrer a crédito, na qual me foi dito sempre que para ele dinheiro não era problema, porque isso estava fora de cogitação… não precisaria de crédito … não precisaria de recorrer a crédito, porque ele ia buscar ao país de origem dele o dinheiro, para nós não nos preocuparmos.”

Ainda, no seu depoimento – 12:22 - 12:36, de 05.19 a 05:28,

“…também tínhamos a nossa gestora de créditos que também tentou de todas as formas fazer a parte do crédito e também não conseguiu…”

Ainda, no seu depoimento – 12:22 - 12:36, de 05.58 a 06:00,

“… e para nós nos preocuparmos porque o dinheiro não era problema…”

Depoimento da CC

Ora, no seu depoimento – 12:37 - 12:48, de 01.46 a 04:18,

A instâncias da MMª Juiz – 01:52 a 01:53,

“Qual foi a sua intervenção?”

Resposta da testemunha – 01:53 a 2:24

“A intervenção que eu tive foi, como gestora de créditos…”

“… no apoio do pedido de crédito do senhor AA…”

A instâncias da MMª Juiz – 02:28 a 02:33,

Pergunta: “Está recordada qual foi a primeira vez em que esse apoio foi pedido?”

Resposta da testemunha – 02:37 a 02:58

“…foi, sim…foi em março de 2022…. eu estou ao corrente do processo porque ali na imobiliária, para além desta função, também acompanho os processos desde o contrato-promessa de compra e venda até à escritura…”

A instâncias do mandatário da R.– 07:39 a 07:40,

Pergunta: “Eles nunca se esforçaram para pedir o financiamento?

Resposta da testemunha – 07:41 a 07:42,

“Connosco, não”

A instâncias do mandatário do A. – 08:05 a 08:06,

Pergunta: “Qual foi a resposta das financeiras, está lembrada?”

Resposta da testemunha – 08:08 a 08:24,

“…não ter residência permanente …… e não sei se era o cartão de cidadão…”

Depoimento do DD:

A instâncias da MMª Juiz – 09:17 a 09:21,

Pergunta: “até ao dia da assinatura, foi falado de crédito?”

Resposta da testemunha – 09:21 a 09:23,

“…não …”

Resposta da testemunha – 20:27 a 20:34,

“… para os bancos, para ver se tinha viabilidade ou não… não tinha viabilidade…pelo menos a Banco 1...…”

6. Pelo que, salvo o devido respeito, tal facto, não deveria ser dado como provado.

7. Por sua vez, o facto 9 da matéria não provada, deveria ter sido dado como provado, porquanto resulta dos depoimentos o seguinte:

Depoimento da EE- 10:07 - 10:18

A instâncias do mandatário do A. – 04:50 - 04:55

Pergunta – “Porquê é que o contrato de compra ficou em nome do AA?”

Resposta da testemunha: - 04:58 a 05:14

“ … por isso ele …. só 26 anos, é pouco, o meu marido está velho, por isso…”

A instâncias do mandatário do A. – 05:15 a 05:17

Pergunta – E porquê?

Resposta da testemunha: - 05:18 a 05:30

“.. para comprar casa, precisa de crédito, e este fazia melhor com AA… e não pode com o FF, meu marido, já com 58 anos…”

A instâncias do mandatário do A. – 05:39 a 05:49

Pergunta – Chegaram a pedir empréstimo em algum banco? “….O AA? Chegou a pedir? Em que Banco?

Resposta da testemunha: - 05:55 a 05:30

“…não sei …. nosso banco, não sei.”

Pelo que, salvo o devido respeito, tal facto, deveria ser dado como provado.

8. Por sua vez, o facto 10 da matéria não provada, deveria ter sido dado como provado, porquanto resulta dos depoimentos o seguinte:

Depoimento da EE- 10:07 - 10:18

Nomeadamente com o testemunho reproduzido supra.

Depoimento da FF- 11:45 - 12:20

A instâncias da MMª Juiz – 09:17 a 09:21,

A instâncias do mandatário do A. – 17:50 a 17:51

Pergunta – Quando é que se começou a falar do crédito?

Resposta da testemunha – 17:52 a 18:01

“…. Foi da segunda vez… quando nós já, assinamos contrato…”

A instâncias do mandatário da R. – 18:01 a 18:02

Pergunta – Quando foi a segunda vez?

Resposta da testemunha - 18:03 a 18:05

“Quando fomos assinar o contrato”

9. Pelo que, salvo o devido respeito, tal facto, deveria ser dado como provado.

10. A matéria provada no ponto 6, cuja impugnação se faz, visa afastar aquela que parece ser a tese de que, porque foi feito um pedido de financiamento bancário que, alegadamente, não foi aprovado, colocaria o A. numa situação de incapacidade para cumprir a obrigação, o que não era verdade.

11. Já quanto à matéria dos pontos 9 e 10 dados como não provados, resulta dos testemunhos supra transcritos.

12. Estando o A./Recorrente constituído em mora, porque não procedeu à marcação da escritura até ao dia 29 de abril de 2022, à R/Recorrida não assistia o direito de resolver o contrato-promessa que havia celebrado.

13. É entendimento da jurisprudência que a simples mora do devedor não confere ao credor o direito de resolver o contrato.

14. Havendo prazo marcado para o cumprimento da obrigação, a sua não observância pelo devedor não dá, sem mais, lugar ao não cumprimento definitivo da obrigação.

15. A resolução só é permitida quando haja incumprimento definitivo imputável ao devedor.

16. O A./Recorrente apenas estava numa situação de mora, não tendo havido ainda incumprimento definitivo da sua parte.

17. Nos casos de simples mora, como era o caso, esta apenas se converteria em incumprimento definitivo se a prestação se tivesse tornado impossível ou se o credor, a R/Recorrida, tivesse perdido objetivamente o interesse na prestação ou, ainda, se o A/Recorrente tivesse fixado um prazo razoável ao devedor para o cumprimento da obrigação.

18. Assim, à R./Recorrida apenas assistia o direito de resolver o contrato, face à mora do A/Recorrente, nos casos em que a lei equipara a simples mora ao não cumprimento definitivo, ou seja, nos casos do artigo 801º. do Código Civil.

19. A obrigação considera-se então não cumprida quando: a) em consequência da mora o credor perder o interesse que tinha na prestação; b) a prestação não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor.

20. A R./Recorrida, atento o facto 33 da matéria provada, mantinha interesse na prestação, ou seja, na venda do imóvel.

21. No presente caso, o R. não fixou um prazo para o A. cumprir a sua obrigação que era marcar a data para celebração da escritura.

22. Estando o devedor, aqui A. Recorrente, em mora, o credor, aqui R/Recorrida, não fez o que devia, ou seja, notificá-lo, concedendo-lhe um prazo razoável para o cumprimento, sob pena de considerar definitivamente incumprida a prestação debitória.

23. A R./Recorrida não procedeu à chamada notificação ou interpelação admonitória ao A./Recorrente.

24. No presente caso, a conversão da mora em incumprimento definitivo pressupunha uma intimação admonitória para cumprir, feita pelo credor ao devedor.

25. Decorrido, que fosse, esse prazo peremptório, se não houvesse cumprimento por parte do A/Recorrente, verificava-se, aí sim, a conversão da mora em incumprimento definitivo, ficando o R/Recorrido com as mesmas armas daquele que perdeu, objectivamente, o interesse na prestação.

26. De referir que a interpelação admonitória deve conter três elementos: 1- intimação para o cumprimento; 2-fixação de um termo peremptório com dilação razoável para o cumprimento e 3 - a cominação de que a obrigação se terá como definitivamente incumprida se o cumprimento não ocorrer dentro daquele prazo.

27. Esta interpelação cominatória não ocorreu e não foi feita em termos claros e peremptórios, de modo a que o A/Recorrente tivesse plena consciência dessa declaração e das suas consequências.

28. Entendemos, por isso, ao contrário daquela que foi a decisão da primeira instância, que houve incumprimento definitivo por parte da Ré, pelo que ao Autor assiste o direito de receber o sinal em dobro prestado à Ré.

29. O A./Recorrente, ao não ter procedido à marcação da escritura, até ao dia 29 de Abril de 2022, incorreu, tão somente, em mora mas, pelos motivos supra alegados, essa mora nunca chegou a ser convertida em incumprimento definitivo uma vez que a R/Recorrida não lhe fixou um prazo certo, razoável, para o cumprimento da sua obrigação, situação esta em que a lei equipara a simples mora ao não cumprimento definitivo.

30. Não assistia, pois, à R./Recorrida o direito de marcar a escritura e, por falta do A. na mesma, resolver o contrato-promessa que havia celebrado com o A/Recorrente.

31. Pelo que, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 410, 432, 801, 804 n.º 2, 805 nº 2 al. a), 808, nº 1 todos do Código Civil, incorrendo ainda em erro de julgamento.


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Não foram apresentadas contra-alegações.


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Após os vistos legais, cumpre decidir.


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II. DO MÉRITO DO RECURSO


1. Definição do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].

Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, são as seguintes as questões solvendas:
. determinar se o tribunal a quo incorreu num error in iudicando, por deficiente avaliação ou apreciação das provas e assim na decisão da matéria de facto;
. decidir em conformidade face à alteração, ou não, da materialidade objeto de impugnação, mormente dilucidar se mostram preenchidos os necessários pressupostos normativos para o autor poder, a título principal, exigir da ré o dobro do sinal que prestou por força do contrato promessa entre eles celebrado e, subsidiariamente, reclamar a restituição desse sinal.

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2. Recurso da matéria de facto

2.1. Factualidade considerada provada na sentença

O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:

1. Com data de 19 de junho de 2021, o autor e a ré celebraram por escrito um acordo, que intitularam de contrato-promessa de compra e venda, nos moldes e termos vertidos no documento nº 1, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente: (…) “É celebrado o presente contrato de promessa de compra e venda que se rege pelas seguintes cláusulas e, no omisso, pela legislação em vigor.”

Cláusula Primeira

O Primeiro outorgante é dono e legítimo proprietário do seguinte imóvel:

“Fração autónoma designada pela letra “E”, a quinta unidade habitacional a contar da esquerda para a direita, do lado frente do loteamento, correspondente a uma moradia de tipologia “T-três”, constituída por cave, rés-do-chão e primeiro andar, com duas frentes e logradouro na frente e nas traseiras, sito na Rua ..., Lugar ..., ..., ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...14, concelho e freguesia ..., com o artigo matricial nº ...31, com Alvará de Construção nº ....8/20C, emitido pela Câmara Municipal ..., em 09 de Julho de 2020. Com data prevista de conclusão de obra a 31 de janeiro de 2022.

Cláusula Segunda

Pelo presente contrato o Primeiro Outorgante promete vender, livre de quaisquer ónus ou encargos, ao Segundo Outorgante, e este promete comprar a fração autónoma identificada na alínea anterior do presente contrato, pelo valor de € 241.000,00 (duzentos e quarenta e um mil euros).

Cláusula Terceira

1– A título de sinal e princípio de pagamento o segundo Outorgante procede ao pagamento, da quantia de 24.100 € (vinte e quatro mil e cem euros), através de transferência bancária do IBAN do promitente comprador com o nº  ...05, do Banco 2..., para o IBAN do promitente vendedor com o nº  ...13, do C..., S.A., da qual será dada quitação com a boa cobrança da mesma até 10 dias úteis.

2 – O remanescente do preço, no valor de 216.900,00€ (duzentos e dezasseis mil e novecentos euros) será pago pelo Segundo Outorgante ao Primeiro Outorgante, no ato de realização da escritura pública de compra e venda, através de cheque bancário/visado.

3 – Os outorgantes convencionam, nos termos do artigo 432º do Código Civil, que o presente contrato promessa de compra e venda se considera automaticamente resolvido, sem necessidade de qualquer interpelação e qualquer que seja o fundamento invocado, se a quantia entregue a título de sinal, prevista no número um da presente cláusula, não se mostrar concretizada no prazo de trinta dias úteis a contar da presente data.

Cláusula Quarta

A escritura pública de compra e venda terá se ser realizada no prazo de 270 (duzentos e setenta) dias contados a partir da data de hoje, cabendo ao Segundo Outorgante a sua marcação, que deve ser comunicada ao primeiro Outorgante, na morada desta acima indicada, através de carta registada com aviso de receção, ou por qualquer outro meio acordado pelas partes, indicando o dia, a hora e o local da sua realização, com a antecedência mínima de, pelo menos, 10 (dez) dias úteis após comunicação prévia do Primeiro Outorgante ao Segundo Outorgante, com 30 (trinta) dias de antecedência, a informar a conclusão de obra e possível marcação da outorga da escritura pública, na morada desta acima indicada, através de carta registada com aviso de receção, ou por qualquer outro meio acordado pelas partes.

Cláusula Quinta

1 – Se o incumprimento definitivo do presente contrato promessa for imputável ao Promitente-Comprador, terá o Promitente-Vendedor o direito a fazer suas as quantias recebidas a título de sinal e princípio de pagamento, ficando totalmente livre de poder vender a terceiros a fração autónoma identificada, salvo se optarem por exercer o direito de execução específica.

2 – Se o incumprimento definitivo do presente contrato-promessa for imputável ao Promitente-Vendedor, terá o Promitente-Comprador, direito à devolução em dobro da quantia paga a título de sinal e princípio de pagamento, salvo se optarem por exercer o direito de execução específica.

Cláusula Oitava

1 – Todos os outorgantes deste contrato aceitam os domicílios acima aludidos para todos os efeitos legais, nomeadamente para efeitos de citação ou notificações judiciais;

2 – A alteração dos domicílios não pode ser oposta se não tiver sido previamente notificada com três dias de antecedência;

3 – Todas as notificações previstas no presente contrato devem ser efetuadas por escrito, por carta registada com aviso de receção e remetidas para os domicílios constantes do presente contrato, ou por qualquer outro meio que permita a sua receção.

Cláusula Décima

O presente contrato foi objeto de mediação imobiliária, prestada pela empresa B..., Unipessoal, Lda., portadora da licença AMI nº ...24, com sede na Rua ..., ... ....

2. A ré, em 11 de maio de 2020, celebrou com a empresa B..., Unipessoal, Lda., um contrato de mediação imobiliária, tendo como objeto a moradia descrita no contrato promessa de compra e venda, nos moldes vertidos no doc. n.º 1 junto com a contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

3. O companheiro da mãe do A., FF, procedeu ao pagamento da quantia de € 24.1000,00 (vinte e quatro mil e cem euros), referente ao sinal e princípio de pagamento à ré, por meio de transferências bancárias da sua conta aberta no Banco 2... S.A - Banco 2... - com o IBAN:  ...05, da seguinte forma: a. No dia 25 de Junho de 2021 - € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros); b. No dia 09 de Julho de 2021 - € 2.000,00 (dois mil euros); c. No dia 30 de Julho de 2021 - € 2.000,00 (dois mil euros); d. No dia 01 de Agosto de 2021 - € 7.000,00 (sete mil euros); e. No dia 11 de Agosto de 2021 - € 2.000,00 (dois mil euros); f. No dia 13 de Agosto de 2021 - € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros); g. No dia 18 de Agosto de 2021 - € 1.100,00 (mil e cem euros).

4. O A., na data e hora agendadas pela R., para a realização da escritura, não compareceu.

5. No dia 16/03/2022, por escrito que intitularam de “aditamento ao contrato promessa de compra e venda”, o autor e a ré acordaram o vertido no documento n.º 6 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

6. Depois do dia 16/03/2022, o autor, com o auxílio da B..., Unipessoal, Lda., apresentou um pedido de financiamento junto de uma instituição bancária, pedido esse que não foi aprovado.

7. No dia 18 de Abril de 2022, a BB, gestora administrativa do mediador imobiliário, B..., Unipessoal, Lda., por email comunicou ao FF, companheiro da mãe do A., que a escritura estava marcada para o dia 29 de abril de 2022, pelas 10:30h., no Cartório Notarial, sito na Rua ..., na freguesia e concelho ..., tudo como consta do teor do email junto com a petição inicial como Doc. 8 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

8. O FF, companheiro da mãe do A., em resposta ao referido email referido no ponto anterior, no dia 28 de Abril de 2022, comunicou à R, o seguinte:

“Bom dia,

Amanhã não poderemos aparecer porque ainda não temos crédito aprovado. Só temos resposta entre próxima segunda e terça (dias 2 e 3 maio).

Cumprimentos,

FF”.

9. O mediador imobiliário, DD, na execução do contrato de mediação imobiliária celebrado com a ré, em resposta ao referido email, disse:

“boa tarde, a escritura está agendada para o dia de amanhã, conforme já foi solicitado, amanhã estaremos todos presentes para a escritura, até amanhã

obrigado

DD

Director Comercial/Jurista”.

10. O FF, companheiro da mãe do A., em resposta ao referido email, no dia 28 de Abril de 2022, comunicou à R, o seguinte:

“Senhor DD

Nós não temos dinheiro para comprar casa...

Crédito para rapaz russo ahora

Muito, muito complicado...

Eu sei que para vocês não interessa Guerra. Mais interessa dinheiro.

Melhor tratamos tudo com nosso advogado.

Porque você no diz nada de valor de escritura...???

Porque não chamou tradutor...????

E temos muito mais porque....

Não vou perder 24 000€

Eu ganhei este dinheiro com muito suor e sangue...

E não vou fazer prendas para vocês

Eu não tenho culpa nesta situação de guerra...

Vocês só pensa em dinheiro

Situação dos outros não vos interessa...

Obrigado Senhor DD

E boa noite”?

11. A gestora administrativa do mediador imobiliário, BB, na execução do contrato de mediação imobiliária celebrado com a ré, no dia 29 de abril de 2022, remeteu o seguinte email ao FF:

“Boa tarde,

Vimos, pelo presente email, disponibilizar a declaração de presença referente à escritura da Moradia de ....

Sem outro assunto de momento.

Com os melhores cumprimentos,

BB

Gestora Administrativa”.

12. O A. não compareceu dia 29 de Abril de 2022, pelas 10:30h., no Cartório Notarial, sito na Rua ..., na freguesia e concelho ....

13. Quando o autor prometeu comprar, a casa estava ainda em construção e foram introduzidos elementos ao projeto que não estavam previstos.

14. E foi-lhe concedida a possibilidade de poder escolher materiais.

15. Neste contexto, em 21 de setembro de 2021 e em 4 de novembro do mesmo ano, o autor acompanhado por sua mãe e juntamente com GG e com o consultor imobiliário HH, dirigiu-se até à empresa de materiais de construção, denominada “D...”, sita em Penafiel, para escolha dos revestimentos cerâmicos das casas de banho, cozinha e lavandaria, bem como as respetivas louças sanitárias.

16. Em meados de dezembro de 2021 o Autor, acompanhado por familiares, visitou a moradia para escolha da cor dos móveis de cozinha e o modelo do granito para os balcões.

17. O A., de nacionalidade Russa, é filho de EE.

18. A mãe do A., EE, de nacionalidade Russa, vive em união de facto com FF (reportado à data da propositura da ação), de nacionalidade Ucraniana.

19. O A. vive com a mãe e companheiro desta numa casa, sita na Rua ..., ..., ... ..., ....

20. Por volta de meados do ano de 2021, a mãe do autor e companheiro desta, resolveram, conjuntamente, proceder à aquisição de uma casa.

21. Em inícios de junho de 2021, a mãe do autor e o companheiro desta encontraram a casa que ambicionavam comprar, a qual ainda estava em fase de construção, correspondente a uma moradia de tipologia T3, constituída por cave, rés-do-chão e primeiro andar, com duas frentes e logradouro na frente e nas traseiras, sito na Rua ..., Lugar ..., ..., ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...14, concelho e freguesia ..., com o artigo matricial nº ...31, com Alvará de Construção nº ....8/20C, emitido pela Câmara Municipal ..., em 09 de Julho de 2020.

22. A mãe do A. e companheiro desta, por intermédio da agência imobiliária, B..., Unipessoal, Lda., portadora da licença AMI nº ...24, com sede na Rua ..., ... ..., representada pelo Exmo. Senhor DD, negociaram a aquisição do prédio supra identificado.

23. Após a visita ao imóvel e apresentadas as condições do negócio, nomeadamente o preço pelo qual o proprietário o pretendia vender, a mãe e companheiro do autor manifestaram interesse em comprar o sobredito prédio.

24. A mãe do autor e companheiro desta contam com 55 e 57 anos, respetivamente.

25. Por razões em concreto não apuradas, a mãe do autor, o companheiro desta e o autor combinaram que, quer o contrato promessa de compra e venda quer o contrato de compra e venda, seriam celebrados pelo autor, sem prejuízo de todos os assuntos relacionados com estes aspectos poderem ser tratados com qualquer um deles, o que tudo a ré aceitou.

26. No dia 19 de Junho de 2021, o Exmo. Senhor HH, agente imobiliário da B..., Unipessoal, Lda., na execução do contrato de mediação imobiliária celebrado com a ré, remeteu para o email do companheiro da mãe do A., FF..........@..... – um pedido a solicitar os documentos de identificação do autor.

27. No dia 19 de Junho de 2021, II, com conhecimento ao Exmo. Senhor DD, ambos agentes imobiliários da B..., Unipessoal, Lda., na execução do contrato de mediação imobiliária celebrado com a ré, remeteu ao companheiro da mãe do A., via correio eletrónico, para o email dele - FF..........@....., a minuta do contrato promessa de compra e venda, nos moldes vertidos no documento n.º 3 junto com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

28. A R. não notificou o A., por carta registada com aviso de receção, ou por qualquer outro meio que permita a sua receção, para que o A. procedesse à marcação da escritura.

29. A R. não providenciou pela presença de um tradutor para a leitura do contrato promessa.

30. A R. pelos serviços prestados de mediação imobiliária pagou à sociedade B..., Unipessoal, Lda, a título de comissão, o montante de 5.499,33€ (cinco mil quatrocentos e noventa e nove euros e trinta e três cêntimos).

31. Aquela sociedade, nas relações tidas com o Autor agiu no âmbito da sua atividade de mediação do imóvel, descrito no contrato promessa de compra e venda.

32. A moradia foi concluída ao gosto do Autor.

33. Como ele não concluiu o negócio e porque os clientes que, entretanto, apareceram à Ré e lhe manifestaram interesse em comprar a moradia em questão apenas a pretendiam adquirir se fossem alterados os materiais anteriormente escolhidos pelo Autor, a Ré, a fim de a vender a esses clientes, acabou por remover as louças sanitárias e revestimentos cerâmicos das paredes e pavimentos das casas de banho.

34. A cozinha em termolaminado à cor cinza-escuro foi executada com as medidas para incorporar um frigorífico do Autor, e uma vez que o “frigorífico combinado” dos ulteriores compradores era diferente, foi necessário remover o módulo do frigorífico e executá-lo de acordo com as medidas corretas; as portas e gavetas dos móveis foram também removidas uma vez que os novos clientes não gostavam da tonalidade cinza escuro.


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2.2. Factualidade considerada não provada na sentença

O Tribunal de 1ª instância considerou não provados os seguintes factos:

1. A casa onde o autor vive fosse arrendada.

2. À data da celebração do acordo descrito em 1 dos factos provados, a mãe do autor e companheiro desta necessitavam de recorrer a financiamento bancário para proceder ao pagamento de parte do preço da aquisição do referido imóvel.

3. A mãe do autor e companheiro desta, atentas as suas idades, porque viam ser, substancialmente, reduzido o prazo de reembolso do empréstimo a contrair junto de uma qualquer instituição bancária, bem como os seguros de vida serem, substancialmente, mais caros, foram aconselhados pelo mediador imobiliário, Exmo. Senhor DD, a fazer o pedido de empréstimo e consequentemente a aquisição do sobredito prédio em nome do autor, já que este apenas tinha, à data, 24 anos.

4. No dia 19 de Junho de 2021, o Exmo. Senhor DD, agente imobiliário da B..., Unipessoal, Lda., em representação da R., redigiu a minuta do contrato promessa de compra e venda referido nos factos provados.

5. O A., embora não tenha tido qualquer intervenção na negociação das cláusulas do contrato, não domine totalmente a língua portuguesa, e não lhe tenha sido explicado os direitos e obrigações subjacentes naquele contrato promessa de compra e venda, estava convencido que o mesmo tinha como propósito a salvaguarda de ambas as partes.

6. Aquando da assinatura do contrato promessa referido nos factos provados e nas negociações que o antecederam, o A. tivesse ficado de obter a restante parte do preço, no montante de € 241.000,00 (duzentos e quarenta e um mil euros), mediante a concessão de empréstimo bancário.

7. Aquando da assinatura do contrato promessa referido nos factos provados e nas negociações que o antecederam, a mãe do A. e companheiro desta necessitassem de recorrer a financiamento bancário para proceder ao pagamento do preço da aquisição do referido imóvel.

8. E antes de ser assinado o contrato promessa de compra e venda, porque havia necessidade de recorrer a financiamento bancário, o Exmo. Senhor DD, aconselhou-os a fazer o pedido de empréstimo e consequentemente a aquisição do sobredito prédio em nome do A..

9. Isto porque, uma vez que o A., à data, com apenas 24 anos de idade, veria ser reduzido o prazo de reembolso do empréstimo a contrair junto de uma qualquer instituição bancária, bem como o seguro de vida ser, também ser mais barato.

10. Todos eles, companheiro da mãe, esta e o A., estavam convictos que a realização da escritura estava condicionada à obtenção de um empréstimo, junto de uma instituição de crédito, para realizar o pagamento da maior parte do restante preço.

11. Ou seja, a aprovação de crédito bancário para financiamento do montante de € 241.000,00 (duzentos e quarenta e um mil euros) era condição para a realização do contrato prometido.

12. A R. tinha conhecimento que o cumprimento do contrato-promessa de compra e venda estava condicionado à obtenção de um empréstimo bancário para financiar o remanescente do preço do imóvel em falta, ou seja, € 216.900,00 (duzentos e dezasseis e novecentos mil euros).

13. Tal como haviam sido aconselhados pelo mediador imobiliário contratado pela R. e antes da celebração do aditamento referido nos factos provados, o A., tendo em vista o pagamento do preço referido na cláusula terceira nº 2 do contrato promessa de compra e venda, apresentou junto do Balcão ... do Banco 2... – um pedido de financiamento do remanescente do preço em falta.

14. Em virtude de, no dia 20 de fevereiro de 2022, a Rússia ter iniciado a guerra na Ucrânia, o A. imediatamente, começou a sentir bastantes entraves no processo de financiamento do crédito à habitação junto do Banco 2..., não tendo sido aprovado o referido pedido de empréstimo.

15. Dificuldades essas que comunicaram, por intermédio do mediador imobiliário, DD, à R.

16. Face às dificuldades sentidas pelo A. com vista à aprovação do crédito bancário, foi sugerido, mais uma vez pelo mediador imobiliário, DD, a celebração do aditamento ao contrato-promessa de compra e venda referido nos factos assentes.

17. Ao A. foi garantido que, com aquele aditamento, o que se pretendia era a salvaguarda dos seus direitos, nomeadamente para que pudesse ter mais tempo para conseguir aprovar o crédito bancário para financiamento do preço do imóvel em falta, ou seja, € 216.900,00 (duzentos e dezasseis e novecentos mil euros).

18. O A. e R., na altura em que assinaram o contrato, bem como aquando da celebração do seu aditamento, condicionaram-no à obtenção de um empréstimo por parte do A. junto de uma instituição de crédito, para realizar o pagamento do restante preço.

19. Facto de que a R. tinha pleno conhecimento.

20. O Autor não tivesse comparecido na escritura agendada por não ter conseguido obter financiamento junto da instituição de crédito.

21. O Autor, a sua mãe e o companheiro desta não dominassem a língua portuguesa.

22. Pelo facto de não haver tradutor no acto da assinatura do contrato promessa, o Autor, a sua mãe e o companheiro desta, não tivessem compreendido que, caso o crédito bancário não fosse aprovado, incorriam em incumprimento do contrato e perderiam o sinal.

23. O facto descrito em 33 dos factos provados tivesse causado à R. prejuízos no montante de 8 790.00€ (oito mil e setecentos euros).

24. O facto descrito em 34 dos factos provados tivesse provocado à R. um prejuízo de 2.640.00€ (dois mil seiscentos e quarenta euros), por ter sido ela, a final, a suportar os custos daqueles trabalhos.

25. No mercado, a Ré não conseguisse vender a moradia em questão sem fazer as alterações descritas em 32 e 33 dos factos provados.


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2.3. Apreciação da impugnação da matéria de facto

Nas conclusões recursivas veio o apelante requerer a reapreciação da decisão de facto em relação a um conjunto de factos julgados provados e não provados, com fundamento em erro na apreciação da prova, advogando que: (i) deve ser dada como não provada a afirmação de facto vertida no ponto nº 6 dos factos provados; (ii) devem ser dadas como provadas as proposições factuais constantes dos pontos nºs 9 e 10 dos factos não provados.

No referido ponto nº 6 deu-se como provado que “Depois do dia 16/03/2022, o autor, com o auxílio da B..., Unipessoal, Lda., apresentou um pedido de financiamento junto de uma instituição bancária, pedido esse que não foi aprovado”.

Por seu turno, nos mencionados pontos nºs 9 e 10 deu-se como não provado:

. “Isto porque, uma vez que o A., à data, com apenas 24 anos de idade, veria ser reduzido o prazo de reembolso do empréstimo a contrair junto de uma qualquer instituição bancária, bem como o seguro de vida ser, também ser mais barato” (ponto nº 9);

. “Todos eles, companheiro da mãe, esta e o A., estavam convictos que a realização da escritura estava condicionada à obtenção de um empréstimo, junto de uma instituição de crédito, para realizar o pagamento da maior parte do restante preço” (ponto nº 10).

Questão que imediatamente se coloca é a de saber qual o efetivo relevo da impugnação das transcritas proposições factuais para a decisão do presente pleito.

Como é consabido, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto visa, em primeira linha, alterar o sentido decisório sobre determinada materialidade que se considera incorretamente julgada. Mas este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal recorrido considerou provada ou não provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que, afinal, existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu. O seu efetivo objetivo é, portanto, conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante.

Se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.

Quer isto dizer - conforme vem sendo entendido[2] -, que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.

Alinhando por igual visão das coisas, entendemos que a preconizada alteração do sentido decisório referente às aludidas proposições factuais é concretamente inócua, posto que da mesma não se extrai qualquer consequência jurídica com reflexo na decisão das questões que delimitam objetivamente o âmbito do presente recurso, que se prendem em dilucidar se, in casu, a ré, enquanto promitente vendedora, incumpriu o contrato promessa de compra e venda que celebrou com o autor e, por via disso, se mostram verificados os pressupostos que justificam a sua condenação no pagamento do dobro do sinal que prestou ou a restituição em singelo do mesmo.

Nesse contexto, independentemente do juízo probatório que possa ser emitido quanto à aludida materialidade, não se antolha a sua concreta relevância para o mencionado efeito, já que, na economia da ação, não está propriamente em causa saber se foi, ou não, aprovado pedido de financiamento formulado pelo demandante para a aquisição do imóvel que constituía objeto mediato do contrato promessa firmado entre as partes e se aquele, a sua mãe e o seu padrasto estariam convencidos que a realização da escritura pública destinada a formalizar o contrato prometido estaria condicionada à obtenção desse empréstimo. Aliás, a respeito desta última afirmação de facto, da mesma não resulta sequer que a ré fosse conhecedora dessa putativa condição, não sendo despiciendo sublinhar que uma eventual estipulação verbal nesse sentido sempre enfermaria de vício de nulidade por mor do disposto no nº 1 do art. 221º do Cód. Civil.

Pelas apontadas razões, não há, pois, que apreciar o referido segmento impugnatório.


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3. FUNDAMENTOS DE DIREITO

Como emerge do substrato factual apurado (e ora estabilizado), entre o autor/apelante e a ré foi celebrado contrato, que denominaram de contrato promessa (qualificação jurídica que não é fundadamente posta em crise nestes autos), nos termos do qual o primeiro declarou prometer comprar e a segunda declarou prometer vender o imóvel melhor identificado no ponto nº 1 dos factos provados.

Como se deu nota, no articulado com que deu início à presente ação, o autor concluiu pedindo, a título principal, a condenação da ré a pagar-lhe o dobro do sinal que prestou ao abrigo desse vínculo contratual, já que esta, ao resolvê-lo de forma infundamentada, incumpriu definitivamente o contrato; subsidiariamente impetra a restituição em singelo desse sinal.

Na sentença recorrida essas concretas pretensões de tutela jurisdicional foram julgadas improcedentes por se entender que a resolução contratual operada pela ré se mostra legitimada em resultado de a escritura pública destinada a formalizar o contrato prometido não ter sido celebrada até ao dia 29 de abril de 2022, prazo esse que, nos termos do contrato, assumia natureza essencial e absoluta.

O apelante insurge-se contra esse sentido decisório sufragando o entendimento de que o facto de a escritura pública não ter sido outorgada nessa data implicou, tão-somente, que tenha entrado em situação de mora, razão pela qual não assistia à ré o direito de resolver o contrato e de fazer seu o sinal prestado, posto que as consequências previstas no nº 2 do art. 442º do Cód. Civil, conforme entendimento corrente, apenas podem ser despoletadas em situação de incumprimento definitivo, o que não é o caso.

Que dizer?

É conhecida a divergência doutrinal e jurisprudencial em torno da questão de saber se no citado normativo se consagra um regime específico para o incumprimento no contrato-promessa, segundo o qual bastaria uma simples mora de um dos promitentes para que sejam despoletadas as consequências nele previstas, ou se, pelo contrário, será aplicável o regime geral da resolução do contrato, sendo então necessário um incumprimento definitivo do mesmo para que esses efeitos sejam desencadeados.

Na doutrina tem sido predominante o segundo entendimento[3]. De igual modo, a casuística dos tribunais superiores tem sido, nos últimos anos, praticamente unânime nesse mesmo sentido[4].

Temos assim que, em consonância com este entendimento, largamente dominante, perante um incumprimento do promitente comprador, o promitente vendedor tem duas faculdades, consoante o incumprimento constitui um mero atraso na prestação ou constitui um incumprimento definitivo: no primeiro caso poderá recorrer à execução específica do contrato-promessa, de acordo com o art. 830º do Cód. Civil, forçando o promitente faltoso a cumprir o acordado; no segundo caso, considerando o contrato findo, poderá recorrer às sanções previstas no art. 442º, nº 2, do mesmo diploma.

De igual modo, vêm-se assentindo[5] que o incumprimento definitivo ocorrerá nas seguintes situações: impossibilidade definitiva da prestação (arts. 790º e 801º do Cód. Civil), recusa categórica e antecipada de cumprimento, e nos casos previstos no art. 808º do Cód. Civil (alegadamente equiparados por lei à impossibilidade definitiva da prestação), isto é, desaparecimento do interesse do credor apreciado objetivamente e de não realização da prestação dentro do prazo admonitoriamente fixado.

Em todas essas situações a lei substantiva confere ao credor o direito de resolução do contrato.

Haverá, no entanto, que atentar que as mencionadas regras assumem natureza de normas dispositivas e supletivas podendo ser afastadas, nomeadamente, mediante a previsão de uma cláusula resolutiva expressa, possibilitando a criação de um direito convencional de resolução do contrato, a exercer nos termos e com os efeitos nele previstos. A função normal de uma cláusula desse tipo é justamente a de organizar ou regular o regime do incumprimento mediante a definição da importância de qualquer modalidade deste para fins de resolução. Os sujeitos da relação contratual, o credor e o devedor, concordam em atribuir a um determinado facto contrário ao dever o significado de facto constitutivo do direito de resolução do contrato e, ao concordarem em atribuir a um determinado facto contrário ao dever o significado de facto constitutivo do direito de resolução do contrato, podendo a respetiva cláusula ter um de três efeitos: (i) dar ao credor um direito de resolução que a lei não lhe dava; (ii) dar ao credor o direito de resolução que a lei (já) lhe dava, concretizando-se o efeito da cláusula resolutiva em afastar qualquer dúvida ou incerteza quanto à importância de tal inadimplemento; (iii) retirar ao credor o direito de resolução que a lei lhe dava, limitando-o.

Portanto, a resolução surge, nesse contexto, como um remédio para uma perturbação da estabilidade contratual e como forma de evitar efeitos perversos nos interesses postos em jogo através da convenção contratual querida e assumida pelos intervenientes na relação contratual, tal como lhes é permitido pelo nº 1 do art. 432º do Cód. Civil, facultando às partes, de acordo com o princípio da autonomia da vontade, o poder de expressamente, por convenção, atribuir a ambas ou a uma delas o direito de resolver o contrato quando ocorra certo e determinado facto.

Assim como a resolução do contrato pode ser fundada em convenção, há, por isso, que atentar ao que as partes concretamente clausularam a este respeito.

Em conformidade com o programa contratual inicialmente definido no ajuizado contrato-promessa (cfr. cláusula 4ª) a escritura pública de compra e venda deveria ser realizada no prazo de 270 dias, ou seja, até ao dia 16 de março de 2022.

Em virtude de nessa data não ter sido formalizado tal ato notarial, no dia 16 de março de 2022 foi acordado entre as partes reduzir a escrito um denominado “aditamento ao contrato-promessa de compra e venda”, onde ficou consignado que «Por motivos alheios ao primeiro outorgante [a sociedade A..., Sociedade Unipessoal, Ldª.], a escritura pública da fração autónoma, não será celebrada no tempo útil estipulado. Assim sendo, por mútuo acordo entre o primeiro contraente e segundo contraente [o ora autor] manifestou-se vontade em proceder à prorrogação do prazo estipulado para a celebração da escritura pública, nos seguintes termos e condições: A celebração da escritura pública do referido imóvel, deverá ser concretizada até ao dia 29 de abril de 2022, não podendo ultrapassar esta data, sob pena de o negócio não ser concretizado e do primeiro contraente usufruir do direito de anulação do contrato de promessa de compra e venda realizado, fazendo suas, por direito, as quantias recebidas a título de sinal e princípio de pagamento, ficando totalmente livre de poder vender a terceiros a fração autónoma identificada».

Apelando às regras da hermenêutica negocial que regem nesta matéria (cfr. arts. 236º e 238º do Cód. Civil), afigura-se-nos claro que a transcrita disposição contratual consubstancia uma cláusula resolutiva expressa, que, como tem sido recorrentemente enfatizado pela doutrina pátria, constitui uma forma de pressionar e compelir o devedor a cumprir escrupulosamente as suas obrigações[6].

De facto, um declaratário normal não poderia deixar de extrair do conteúdo da cláusula que a mesma deveria valer com o sentido de que a não formalização do contrato prometido dentro do limite temporal nela definido por facto imputável ao promitente-comprador concedia à contraparte o direito à imediata resolução do contrato promessa, sendo de registar que, malgrado no texto se aluda a um “direito de anulação”, essa referência deve, em termos rigorosos, ser entendida como concessão de um direito potestativo de resolução à promitente vendedora.

Portanto, na economia do contrato, as partes outorgantes elegeram como fundamento específico de destruição imediata do mesmo a não realização da escritura destinada a formalizar o contrato prometido dentro de uma determinada data, data essa que, na conformação contratual, não poderia ser ultrapassada, prevendo, deste modo, um evento suficientemente determinado ou concretizado como fundamento de resolução.

Ora, como deflui da materialidade apurada, na data contratualmente definida para a celebração da escritura pública, tal ato notarial não foi outorgado por facto imputável ao demandante (que se presume culposo, por mor do disposto no nº 1 do art. 799º do Cód. Civil[7]), razão pela qual se mostra verificada a mencionada causa resolutória (com o consequente direito, contratualmente previsto, de a ré promitente vendedora “fazer suas as quantias recebidas a título de sinal e princípio de pagamento”), sendo de assinalar que, para a sua operância, ao invés do que parece ser entendimento do apelante, não se torna mister afirmar a existência de uma situação de incumprimento definitivo por aplicação das regras estabelecidas nos arts. 801º e 808º do Cód. Civil, já que, como bem sublinha BRANDÃO PROENÇA[8], o leitmotiv da cláusula resolutiva expressa reside, precisamente, “na fuga à aplicação das normas dispositivas e supletivas do regime legal, incluindo aspetos de procedimento que tornem mais célere e segura a própria eficácia da declaração resolutiva”.

Impõe-se, por isso, a improcedência do recurso.


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III. DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas do recurso a cargo do apelante (art. 527º, nºs 1 e 2).

Porto, 10.03.2025

Miguel Baldaia de Morais

Teresa Fonseca

Mendes Coelho.


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[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[2] Cfr., inter alia, acórdãos da Relação de Coimbra de 27.05.2014 (processo nº 1024/12) e de 24.04.2012 (processo nº 219/10), acórdão da Relação de Lisboa de 14.03.2013 (processo nº 933/11.9TVLSB-A.L1-2), acórdãos da Relação de Guimarães de 15.12.2016 (processo nº 86/14.0T8AMR.G1) e de 13.02.2014 (processo nº 3949/12.4TBGMR.G1) e acórdão desta Relação de 17.03.2014 (processo nº 7037/11.2TBMTS-A.P1), todos acessíveis em www.dgsi.pt. No mesmo sentido se pronuncia ABRANTES GERALDES, Recursos, pág. 297, onde escreve que “de acordo com as diversas circunstâncias, isto é, de acordo com o objeto do recurso (alegações e, eventualmente, contra-alegações) e com a concreta decisão recorrida, são múltiplos os resultados que pela Relação podem ser declarados quando incide especificamente sobre a matéria de facto. Sintetizando as mais correntes: (…) abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum com a solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados”.
[3] Cfr., por todos, CALVÃO DA SILVA, in Sinal e Contrato Promessa, 13ª edição, Almedina, págs. 85 e seguintes, GALVÃO TELLES, Manual dos Contratos, 6ª edição, Coimbra Editora, pág. 112, ANA PRATA, In O Contrato Promessa e o seu Regime Civil, Almedina, 1995, págs. 780 e seguintes, MENESES LEITÃO, in Direito das Obrigações, vol. I, 4ª edição, Almedina, pág. 240, SOUSA RIBEIRO, O Campo de Aplicação do Regime Indemnizatório do artigo 442º do Código Civil: Incumprimento Definitivo ou Mora?, BFDUC, volume comemorativo, 2003, págs. 209 e seguintes e GRAVATO MORAIS, Contrato-Promessa em Geral – Contratos Promessa em Especial, Almedina, 2009, págs. 202 e seguintes.
[4] Cfr., inter alia, acórdãos do STJ de 15.01.2015 (processo nº 473/12.9TVLSB), de 19.05.2016 (processo nº 924/14.8TVLSB.C1.S1), de 2.02.2017 (processo nº 280/13.1TBCDN.C1.S1), de 30.11.2017 (processo nº 1550/06.0TBSTR.E1.S2) e de 27.11.97 (processo nº 97B528), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[5] Cfr., sobre a questão, entre outros, PINTO DE OLIVEIRA, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 2011, págs. 420 e seguintes e CATARINA MONTEIRO PIRES, Contratos – Perturbações na execução, Almedina, 2019, págs. 72 e seguintes.
[6] Isso mesmo é posto em evidência por CALVÃO DA SILVA, in Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, pág. 322 e seguinte, registando que «um devedor que tem interesse na manutenção e continuação da relação contratual agirá de modo a não dar ocasião ao credor de poder exercer mediante declaração unilateral, embora receptícia, o direito potestativo de resolução. É que a resolução se seguirá automaticamente, ipso iure, à declaração unilateral do credor, de modo inelutável, dada a situação de sujeição em que a este respeito se encontra».
[7] Culpa que, no entanto, não constitui condição sine quo non da resolução, mas tão só da indemnização que nela assenta, como recorrentemente tem sido referido pela doutrina – cfr., por todos BRANDÃO PROENÇA, in A resolução do contrato no Direito Civil – Do enquadramento e do regime, Coimbra Editora, 2000, págs. 121 e seguintes e CALVÃO DA SILVA, ob. citada, pág. 328.
[8] In Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, Coimbra Editora, 2011, pág. 367; em análogo sentido se pronuncia CALVÃO DA SILVA, ob. citada, pág. 323.