LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Sumário

I - Litiga de má-fé o A. que invoca ter-se despistado na sua viatura, demonstrando-se, ao invés, que a saída do veículo da estrada e os respetivos estragos não se poderiam ter dado como invocado, por tal ser naturalisticamente impossível.
II - O A. que assim vem a juízo deduz pretensão cuja falta de fundamento não ignorava, alterando a verdade dos factos e fazendo do processo e dos meios processuais um uso manifestamente reprovável.

Texto Integral

Processo: 8848/22.9T8PRT.P1

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Relatora: Teresa Maria Fonseca
1.ª adjunta: Carla Fraga Torres
2.ª adjunta: Ana Olívia Loureiro

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
AA intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “A..., S.A.”.
Pede que a R. seja condenada:
- a pagar-lhe € 73 513,85, referentes a reparação do veículo de matrícula AD-..-.., acrescidos de juros de mora em dobro da taxa legal;
- a pagar-lhe € 6 450,00 de privação de uso, por não lhe ter sido a R. ter facultado veículo de substituição, acrescidos de juros de mora em dobro da taxa legal;
- na sanção de € 200,00, por cada dia de atraso, contados desde 9-2-2022.
Alega ser proprietário do veículo matrícula AD-..-.., por referência ao qual foi celebrado contrato de seguro com a R. e ter sofrido um acidente, recusando-se a R. a indemnizá-la.
A R. contestou dizendo que o sinistro não ocorreu da forma alegada, inexistindo nexo de causalidade entre a dinâmica do acidente e os danos sofridos.
O A. respondeu, negando o alegado. Pediu a condenação da R. como litigante de má-fé.
A R. respondeu ao incidente de litigância de má-fé.
Realizou-se audiência prévia, com saneamento do processo e após a realização de julgamento foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo-se a R. de todos os pedidos. O A. foi condenado como litigante de má-fé no pagamento de uma multa no valor de 40 unidades de conta.
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Inconformado, o A. interpôs o presente recurso, finalizando com as conclusões que em seguida se reproduzem.
1) Da prova produzida resulta de forma evidente que veículo do A. sofreu um sinistro e ficou imobilizado numa ravina, onde caiu.
2) Os factos provados sob os n.ºs 1 e 18 foram incorretamente julgados, pelo que se impõe que os mesmos sejam alterados.
3) Os factos provados sob os n.ºs 34, 37, 38 e 39 foram incorretamente julgados, pelo que se impõe que os mesmos sejam considerados não provados.
4) Também aos factos não provados sob os números 1, 7, 8, 9 e 10 da petição inicial, e sob os números 43 da resposta às exceções, os mesmos foram incorretamente julgados, pelo que se impõe que os mesmos sejam dados como provados.
5) É o que resulta da prova produzida: depoimento das testemunhas BB – Rebocador – inquirido por videoconferência a 04/12/2023; CC – Averiguador – inquirido no dia 04/12/2023; e DD – inquirido no dia 04/12/2023; bem como das declarações prestadas em 26/10/2023 pelo A. (AA), as quais se encontram gravadas no sistema de áudio do Tribunal, e da prova documental junta aos autos, nomeadamente as fotografias do rebocador, as quais foram juntas pela Ré no requerimento datado de 03/11/2022, com a referência citius 33754857 (fotos 34 a 39),
6) Quanto à dinâmica do sinistro, foi dado como provado que “No dia 22 de janeiro de 2022, pelas 00H30, na Rua ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula AD-..-.., cuja propriedade estava registada, à data da instauração desta ação, em favor do autor, imobilizou-se parcialmente fora da via, num terreno em declive/ravina” – facto provado sob o n.º 1, E como não provado que: Ocorreu um sinistro que consistiu num despiste – artigo 1 da PI; Contudo, que ao fazer uma curva à esquerda, o veículo do A. entrou em despiste – artigo 7 da PI; Ato continuo, embateu com a frente e lateral direita num muro e entrou num terreno – artigo 8 da PI; O A. tentou ainda evitar o embate, contudo (após embater no muro) não conseguiu retomar a via e evitar o sinistro - artigo 9 da PI;
7) O A. não mentiu, nem alterou a versão apresentada na PI ou na participação que fez à Ré.
8) As testemunhas da Ré trouxeram meras suposições e suspeitas, mas nenhuma prova concreta ou direta.
9) Apesar das fotografias referenciadas, em nenhum relatório consta a existência de arames ou postes, nem que tipo de vegetação existia no local, nem que por baixo de veículo eram visíveis muitas pedras de várias dimensões e formatos. Também não consta a dificuldade que o rebocador teve em tirar o veículo da ravina, tendo pedido ajuda para tal.
10) Nas fotografias do rebocador, as quais foram juntas pela Ré no requerimento datado de 03/11/2022, com a referência citius 33754857 (fotos 34 a 39), as quais se encontram ampliadas, é visível quer a vedação que existia, quer o arame (farpado), quer as pedras, quer os ramos nus das árvores, bem como a forma como ficou enterrado na ravina, tendo batido em postes, arames, pedras e paus e que as rodas do mesmo se encontram viradas para a direita (tal como declarou o A.).
11) Acresce que, os relatórios de averiguação elaborados pela ré (juntos aos autos com o requerimento de 11-04-2024) não trazem ao processo qualquer conhecimento técnico e são meramente especulativos, apenas baseados em suposições criadas para o processo, não se tratando de documentos com poder pericial porque não foram elaborados por peritos, nem por pessoas isentas e imparciais.
12) Quanto ao relatório do averiguador CC (que além do mais também prestou depoimento testemunhal), o mesmo iniciou as diligências de averiguação do sinistro de forma especulativa, porquanto nem sequer foi ao local com o A.. Mas refere que foi ao local do acidente e confirmou que o veículo embateu naquele local (“como aliás se comprova pelas fotos” - palavras do averiguador constantes do relatório).
13) Quanto ao relatório elaborado pelo coordenador EE (cuja inquirição foi prescindida), há que referir o seguinte, o relatório é iniciado não com base na ocorrência do sinistro, mas com base numa alegada suspeita, embora refira que os vestígios do despiste são bem visíveis na valeta onde caiu o veículo, refere não existir vestígios do embate do veículo seguro no único obstáculo que podia ter causado os danos na lateral direita, onde o condutor declarou não ter embatido. Ora, se integrasse o teor visível das fotografias e do que viu no local, a conclusão seria diferente. Ou o arame farpado não é adequado a fazer riscos de fricção irregular, sobrepostos e curvos? A existência de pedras caídas, ramada, postes de vedação amarrados com arames, que abraçaram o carro na queda - mas isso a Ré optou por omitir. Ou seja, o averiguador, o coordenador e o supervisor omitem tais factos, para assim apresentarem conclusões desconexas com o sucedido, criando a ilusão de que o sinistro não poderia ter acontecido.
14) Quanto ao relatório de supervisão (elaborado pela testemunha DD), o mesmo não teve qualquer contacto com os factos, nem com o A., nem com o reparador do carro, nem recolheu fotografias dos locais que alegadamente visitou, nem do local onde alegadamente retirou as medidas que fez constar do relatório (ficando assim no ar a dúvida se tais foram recolhidas no local certo).
15) As afirmações das testemunhas da Ré não foram sustentadas por nenhum outro depoimento direto e as referidas testemunhas não são especialistas na matéria de ocorrência de sinistros, porquanto os documentos que apresentam não se tratam de perícias ou com validade de perícia, nem estas testemunhas têm a qualidade de peritos.
16) Aliás, apresentam documentos onde, sem falar com o A. no local, sem deslocação ao local acompanhados do A., sem recolha autónoma de fotografias quer do local quer do veículo, trazem aos autos as suas “investigações” que dizem ser isentas, imparciais e autónomas, mas que na realidade não o são.
17) Basta ouvir o depoimento da testemunha BB – Rebocador – inquirido por videoconferência a 04/12/2023, para concluir sobre a existência do sinistro e dinâmica relatada pelo A. (minutos 07:00; 10:00 a 11:00; 12:00 a 12:50; 13:10 a 14:00; 24:50 a 27:00.
18) A testemunha CC – averiguador da Ré – inquirido no dia 04/12/2023, confirmou que não foi ao local do sinistro com o A., que era uma curva fechada e que o A. não referiu a que velocidade seguia – ao minuto 03:40; 05:00; 10:30 a 10:50; 11:00 ao minuto 13:00; 13:25; 03:00 a 06:00 (em virtude de problemas técnicos se ter iniciado nova gravação da inquirição desta testemunha).
19) Acresce que a testemunha também não dá qualquer relevância à vegetação, arames, pedras e postes de madeira existentes no local, mas ainda assim refere que os riscos do lado direito não eram tão vincados assim, mas que foram feitos por pedras – do minuto 17:00 ao minuto 19:00. E ao minuto 28:00, depois de alguma insistência, referiu que local existiam algumas pedras e uns ramos de silvas e árvores junto ao local. Minuto 32:00 a 33:00.
20) A testemunha DD - inquirida no dia 04/12/2023, ao minuto 05:00 - refere que não estabeleceu contacto nenhum com o A.; ao minuto 6:00 refere que foi à oficina, mas não falou com ninguém, nem tirou fotografias. Mas ao minuto 08:00 afirma com toda a certeza que o veículo foi colocado na ravina e que não atingiu quase nenhuma das pedras (mas coisa diferente é demonstrada pelas fotografias anexas).
21) Também o A., em 26/10/2023, prestou declarações, que explicou claramente a forma como ocorreu o sinistro. Do minuto 10:30 a 11:20, o A. explicou que estava a tentar orientar-se, que a curva era à esquerda e quando se apercebeu entrou em contramão e depois viu os faróis dos outros carros e virou à direita. Foi tudo muito rápido e acabou por bater naquele muro. Que a primeira reação foi fugir com o carro. Não sabia onde estava. Que não conhecia aquela zona por aí além. Ao minuto 14:50, o A. disse que sentiu vidros a entrar no carro, mas que não sabe se foram do retrovisor ou do vidro. Do minuto 15:00 ao 16:00, o A. explicou que no local onde ocorreu o sinistro havia muito arame farpado, que tinha uns postes e que não era murete muito bem construído. Do minuto 22:00 ao minuto 23:00, o A. disse que as rodas do veículo não estavam viradas para a frente, estavam viradas para a direita.
22) Ora, da prova vinda a analisar (testemunhal, documental e declarações do A.), resulta evidente a ocorrência do sinistro e dinâmica do mesmo relatada pelo A..
23) Pelo que deve a redação do facto provado sob o n.º 1 dos provados ser alterada e passar a constar como provado que “No dia 22 de janeiro de 2022, pelas 00H30, na Rua ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula AD-..-.., cuja propriedade estava registada, à data da instauração desta ação, em favor do autor, sofreu um sinistro e ficou imobilizou(ado) fora da via, num terreno em declive/ravina”.
24) Devendo os factos não provados sob os artigos 1, 7, 8 e 9 da petição inicial passar a provados e ficar a constar como provado que: Ocorreu um sinistro que consistiu num despiste – artigo 1 da PI; Contudo, que ao fazer uma curva à esquerda, o veículo do A. entrou em despiste – artigo 7 da PI; ato contínuo, embateu com a frente e lateral direita num muro e entrou num terreno – artigo 8 da PI; O A. tentou ainda evitar o embate, contudo (após embater no muro) não conseguiu retomar a via e evitar o sinistro – artigo 9 da PI;
25) Quanto ao facto provado sob o n.º 18, porque resulta do documento 14 junto com a contestação, deve o mesmo ser alterado e passar a constar com o provado também que: entre A. e Ré, reunidos no dia 15/02/2022, fica estabelecido, de comum acordo, que os prejuízos ocasionados na viatura Porsche AD-..-.. em consequência do acidente ocorrido no dia 22/01/2022, em Vila Nova de Famalicão se cifram em quarenta e cinco mil e quinhentos euros.
26) Quanto aos factos provados sob os números 34, 37, 38 e 39 dos factos provados, devem os mesmos passar a constar como não provados, porquanto resultou da prova produzida (quer das fotografias do rebocador, as quais foram juntas pela Ré no requerimento datado de 03/11/2022, com a referência citius 33754857 (fotos 34 a 39), quer dos depoimentos testemunhais) que no local existiam pedras, de várias dimensões e formatos, paus, arames e vária vegetação.
27) De facto, do depoimento da testemunha BB - Rebocador - inquirido por videoconferência a 04/12/2023, é possível perceber que no local existia uma ramada (do minuto 13:00 ao minuto 14:00).
28) Quanto aos factos não provados sob o artigo 10 da petição inicial (Em consequência dessas manobras, o veículo do A. ficou danificado) e artigo 43 da resposta às exceções (Porquanto, os danos existentes na viatura do A., frente do lado direito, foram causados com o despiste) que também se impugnam, deve a redação dos mesmos ser alterada e passar a constar como provado que “Em consequência sinistro, o veículo do A. ficou danificado” e “os danos existentes na viatura do A., frente do lado direito, foram causados com o sinistro/despiste”. Tais factos resultam não só da prova produzida, mas também das consequências do sinistro.
29) Das declarações prestadas pela testemunha BB – Rebocador - inquirido por videoconferência a 04/12/2023, o mesmo referiu ter visto danos no veículo, em virtude do sinistro ocorrido (minuto 24:00 ao minuto 27:00, a testemunha referiu que viu danos na frente, na zona do para-choques frontal, na zona dos radiadores. Que do lado direito tinha qualquer coisa. Que do lado do passageiro foi zona de impacto, porque aquilo era uma curva e o A. tinha de ter batido com o lado direito ou com a frente. Era uma curva à esquerda e ele embateu com o lado direito).
30) A testemunha CC – Averiguador da Ré – inquirido no dia 04/12/2023, referiu que viu o carro uma vez na oficina (minuto 05:00 a 06:00).
31) Acresce que os danos resultam também das fotografias juntas pela Ré 03/11/2022, com a referência citius 33754857 (fotos 34 a 39) - anexas na motivação.
32) E sendo o sinistro uma dinâmica de acontecimentos até à imobilização, os danos podem ocorrer das mais variadas formas, até porque no local existiam pedras (que podem saltar e partir peças), ramos de vegetação, postes em madeira e arame – tudo capaz de provocar os danos que o veículo sofreu.
33) Também o A., em 26/10/2023, prestou declarações, as quais se encontram gravadas, que explica (do minuto 10:30 a 11:20), que estava a tentar orientar-se, que a curva era à esquerda e quando se apercebeu entrou em contramão e depois viu os faróis dos outros carros e virou à direita. Foi tudo muito rápido e acabou por bater naquele muro. E que sentiu vidros a entrar no carro, mas que não sabe se foram do retrovisor ou do vidro (minuto 14:50).
34) Nessa medida, os factos não provados sob o artigo 10 da petição inicial (Em consequência dessas manobras, o veículo do A. ficou danificado) e artigo 43 da resposta às exceções (Porquanto, os danos existentes na viatura do A., frente do lado direito, foram causados com o despiste) devem passar a constar como provados com a seguinte redação: “Em consequência sinistro, o veículo do A. ficou danificado” e “os danos existentes na viatura do A., frente do lado direito, foram causados com o sinistro/despiste”.
35) Alterada a matéria de facto quanto à verificação do sinistro, dinâmica e danos, deve a Ré ser condenada nos termos do contrato celebrado, no valor peticionado.
36) Sendo assim da responsabilidade da Ré o pagamento do valor de reparação do veículo sinistrado, por força do contrato de seguro de responsabilidade civil, titulado pela apólice n.º ..., com cobertura de danos próprios, com o capital garantido de 112.000,00€, celebrado entre as partes.
37) Dos factos provados, ficou provado que o A. tinha direito a uma viatura de substituição em caso de acidente, num período de 30 dias e que a Ré não facultou ao A. uma viatura de substituição. Também resultou provado que o aluguer de uma viatura de substituição equivalente à do A. é de 600,00€ (facto provado n.º 14).
38) Na situação presente, provada que ficou a ocorrência do sinistro, impõe-se à Ré cumprir a prestação contratual a que se obrigou, satisfazendo ao A. o pagamento do valor de reparação da viatura, bem como o valor relativo à privação de uso (30 dias à razão de 600,00€) – porquanto se encontrava convencionada entre A. e Ré.
39) O A. não mentiu, nem nos autos, nem ao averiguador da Ré, nem na participação do sinistro que fez, porque o sinistro ocorreu e, nessa medida, participou-o como qualquer pessoa o faria.
40) Não mentiu sobre os danos ocorridos, participados e pelos quais pretende ser indemnizado, aliás os mesmos apenas foram contabilizados pelas entidades e nunca pelo próprio.
41) A versão apresentada pelo A. é verdadeira, só não é consonante com as versões da Ré.
42) Nem o sinistro, nem os danos foram causados intencionalmente pelo A. - nem isto resulta do processo, nem da prova produzida.
43) Também não foi dado como provado qualquer facto que fundamente a condenação do A. como litigante de má-fé.
44) E a ausência de prova do sinistro não pode ser bastante para levar a uma condenação do A. como litigante de má-fé.
45) Foi exatamente por entender que lhe assiste razão que o A. propôs a presente ação – só que a prova que levou aos autos não foi criada em laboratório como a da Ré.
46) Na verdade, a Ré criou um cenário e justificou-o empiricamente com testemunhas que nada presenciaram,
47) E o A. é obrigado a aceitá-lo, senão está a mentir.
48) O que decorre dos autos é que ficaram provados factos contrários à versão do A. (e que pelo presente recurso vão impugnados), tanto mais que não são factos, mas meras suposições - o que afirmamos com convicção.
49) A litigância de má-fé não se pode bastar com a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta.
50) Devendo, assim, o A. ser absolvido da condenação como litigante de má-fé.
51) Mostra-se assim violado, entre outros, o disposto nos artigos 798.º e seguintes do Código Civil, 542.º e 607.º do CPC.
Pelo que, revogando a douta sentença e proferindo outra que altere a matéria de facto e condene a R. conforme supra exposto e absolva o A. da litigância de má-fé em que foi condenado, farão V/Exas. Venerandos Desembargadores a costumada Justiça!
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A R. contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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II - Questões a dirimir:
a - da reapreciação da matéria de facto;
b - do erro de julgamento;
c - da condenação do A. enquanto litigante de má-fé.
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III - Fundamentação de facto
Factos provados
1.º No dia 22 de janeiro de 2022, pelas 00H30, na Rua ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula AD-..-.., cuja propriedade estava registada, à data da instauração desta ação, em favor do autor, imobilizou-se parcialmente fora da via, num terreno em declive/ravina.
2º. Era noite, estava bom tempo e a visibilidade era boa.
3º. No local a via tem aproximadamente cerca de 7,50 metros de largura, sendo 7,40m a largura da faixa de rodagem, as bermas com 1m.
4º. Apresenta duas vias de trânsito, uma em cada sentido.
5.º No dia referido em 1º o veículo conduzido pelo autor circulava na Rua ..., pelo lado direito da via, no sentido .../....
6.º O veículo conduzido pelo autor, nesse dia, hora e local, saiu da estrada, entrando parcialmente numa ravina situada do lado direito da via, ficando imobilizado em posição “de frente”, perpendicular em relação à via, da forma melhor identificada nas fotografias identificadas com os n.ºs 32 a 39 juntas com a contestação, com a parte traseira ligeiramente ainda sobre a via – que integram o doc. 14 junto com a contestação.
7º. O autor solicitou a um terceiro - oficina - a elaboração de um orçamento para reparação dos danos, orçamento constante de fls. 3 verso a 5 verso, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, que apresentou um valor de reparação no montante de 73.513,85€, orçamento com data de 31 de janeiro de 2022, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
8º. Para a reparação seriam ainda necessários trabalhos de alinhamento de direção, serviço de mecânica, serviço de chapa e serviço de pintura.
9º. À data referida em 1) estava em vigor um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel outorgado entre autora e ré no dia 23/10/2020, contrato que tinha por objeto a garantia da responsabilidade civil obrigatória emergente da circulação do veículo ligeiro de passageiros da marca Porsche, modelo ..., matriculado no mês de Junho de 2017, ao qual foi atribuída a chapa de matrícula portuguesa AD-..-.., com a duração de um ano, renovável por iguais períodos e a pedido do autor, de 29-10-2020 (fls. 6 a 7 verso) passou a incluir também a cobertura das condições especiais de choque, colisão e capotamento do referido veículo, contrato titulado pela apólice com o n.º ....
10º. O capital que ficou segurado para a condição especial de choque, colisão e capotamento, foi de €112.000,00, mediante o pagamento do tomador de uma franquia de € 2.000,00 (doc. 4 junto com a PI).
11º. Apesar do referido no ponto anterior e de ser esse o valor final contratualizado, a ré procedeu a três avaliações ao veículo, nomeadamente em 15-10-2020, 22-10-2020 e 02-11-2020, cada uma por um perito avaliador diferente, obtendo nas duas primeiras o valor de € 90.000,00 e na última o valor de € 92.500,00, constando dos documentos que os pedidos foram efetuados a solicitação do autor (docs. n.ºs 4, 5 e 6 juntos com a contestação e constantes de fls. 63 verso a 66 do anexo documental).
12º. Nos termos do contrato de seguro, o autor tinha direito a uma viatura de substituição, em caso de acidente, num período máximo de 30 dias, com um limite de duas ocorrências por ano e máximo de 5 dias entre a imobilização e início da reparação (doc. 4, página 2, junto com a PI).
13º. A ré não facultou ao autor uma viatura de substituição.
14º. O valor diário de aluguer de uma viatura equivalente à do A. é de 600,00€ (doc. 6 junto com a PI).
15. Nos termos do preceituado nas cláusulas 42ª e 43ª das condições gerais da apólice, o capital contratado pelo autor para a referida condição especial ficou sujeito a desvalorização, mediante a aplicação do correspondente coeficiente previsto na tabela de desvalorização constante das condições particulares da apólice, por força do qual o capital previsto no contrato para a condição especial de choque, colisão e capotamento estava limitado, à data do “sinistro” (22/01/2022), ao montante máximo de 93.106,00€, sendo ainda de lhe aplicar a franquia contratualmente estabelecida no valor de 2.000,00€. (fls. 16 a 63).
16º. Aquando da renovação da apólice, ocorrida em 23.10.2021, o capital da apólice estabelecido para a cobertura de choque, colisão e capotamento era já de 96.924,80€ e não o valor inicial de € 112.000,00(fls. 16-16-verso).
17º. Nos termos da alínea b) do n.º 1 da cláusula 40ª das condições gerais da apólice, “para além das exclusões previstas na cláusula 5.ª, o contrato também não garantirá ao abrigo das coberturas facultativas acima previstas, as seguintes situações:
(…)
b) Danos causados intencionalmente pelo Tomador do Seguro, Segurado, pessoas por quem estes sejam civilmente responsáveis ou às quais tenham confiado a guarda ou utilização do veículo seguro;” (fls. 16 a 63)
18º. No dia 15 de fevereiro de 2022 o autor e o perito avaliador da ré, assinaram o documento n.º 14 junto com a contestação denominada “Ata de Avaliação dos Prejuízos”, mediante a qual ambos declararam que:

E que o autor reconhece, com base nesse acordo e consoante o grau de responsabilidade que se vier a apurar, totalmente ressarcido e exonerando a A... S.A..
19º. Em 25/01/2022, o autor participou à ré o sinistro referido em 1º, nos seguintes termos: “Seguia no sentido ... - ... ao fazer uma curva para a minha esquerda por motivo de distração entrei em despiste embatendo num muro, entrando num terreno”. Com a participação elaborou um croquis do despiste, constante da participação, em que coloca o seu veículo parcialmente fora da via, entrando do terreno e imobilizado na posição obliqua em face da faixa de rodagem, da forma identificada no documento de fls. 2-2 verso do anexo documental.
20º. Na sequência da participação a ré procedeu a averiguações sobre as causas do despiste que foi participado, com a deslocação do averiguador ao local.
21º. O local onde o autor referiu ter ocorrido o despiste do veículo seguro situa-se nas proximidades do km 40,350 da E.N. ..., em ..., Vila Nova de Famalicão (Rua ...), configurava uma curva à esquerda, atento o sentido de marcha em que o autor circulava, no sentido ... - ....
22º. Essa curva desenha um ângulo de cerca de 145 graus, configurando uma curva pouco acentuada e de boa visibilidade, com uma inclinação de 4,87%, ascendente para o sentido de marcha do AD.
23º. A via é delimitada à direita por um muro de pedra tosco, parcialmente desfeito de forma intermitente, considerando uma deslocação longitudinal à via.
24º. Logo após o final da referida curva à esquerda, do lado direito da mesma (atento ao sentido de marcha do AD), situa-se o local onde o veículo seguro saiu da estrada, caindo frontalmente num terreno que se encontra num patamar inferior à estrada em cerca de 3,50 metros e onde foi encontrado pelo rebocador, imobilizado.
25º. À data da averiguação eram ali visíveis destroços plásticos pertencentes ao AD e marcas da parte inferior do AD de ter friccionado com a sua parte inferior após a passagem do respetivo eixo dianteiro.
26º. Esse local - onde o AD ficou imobilizado - situava-se a cerca de 4,46m após uma estrutura em cimento existente logo após a berma direita da via, na qual se encontrava instalado um contador de eletricidade e um contador de água.
27º. Estrutura que apresentava 1,52 m de altura e 0,87 m de largura e que, atento o sentido de marcha do AD, era antecedida por um muro com 1,30 m de comprimento, que gradualmente se elevava em altura, desde ao solo, atingindo os 70 cm no seu ponto mais alto, ao lado da dita estrutura.
28º. Após a referida estrutura, atento o mesmo sentido de marcha, o muro continuava por mais 1,10 metros de extensão, começando com a altura máxima de 80 cm e decrescendo em altura até atingir o nível do asfalto da via.
29º. O AD apresentava danos essencialmente na sua dianteira, sobre todo o lado direito da mesma e dianteira inferior e ainda danos na sua lateral direita.
30º. Os referidos danos eram compostos por vários riscos separados entre si, os quais delineavam uma trajetória ligeiramente descendente, no sentido da frente do veículo para a sua retaguarda, visíveis nas fotografias com os n.ºs 12 a 20 juntos com a contestação e imagens 4, 7, dos relatórios juntos pela ré no seu requerimento de 11.04.2024.
31º. Os danos na referida lateral direita consubstanciavam danos de fricção (riscos) irregulares e individuais, sendo que alguns se achavam sobrepostos, curvos, iniciando com uma orientação diferente daquela com que terminavam, não tendo essa orientação continuidade no risco imediatamente precedente, atento o sentido da frente do veículo para a sua retaguarda.
32º. Os aludidos riscos apresentavam uma intensidade constante ao longo da lateral direita do veículo, sendo que se iniciavam no guarda-lamas dianteiro direito atrás da roda dianteira direita, a 62 cm de altura, e prolongam-se ao longo da lateral do AD por cerca de 2 metros, interrompendo-se a cerca de 30 cm da roda traseira direita.
33.º Porém, os danos na lateral direita do veículo prosseguiam após o rodado traseiro direito do AD, mais propriamente no respetivo para-choques traseiro direito, mas afastados deste rodado do veículo seguro.
34º. No local, considerando a posição em que o veículo ficou e resulta das fotografias com os n.ºs 32 a 40, juntos com a contestação, não existe qualquer objeto que seja adequado a causar o embate com o espelho retrovisor que se partiu e os diversos riscos que o veículo apresentava na lateral direita e que se prolongam para além da roda traseira, sendo que esta parte ainda ficou sobre a via, na medida em que nesse local o muro é muito baixo e fica afastada da parte do muro que se apresenta mais alta e, ainda, afastado de qualquer estrutura com a qual o veículo, seguindo a descrição do autor constante da participação, pudesse estar na origem dos danos constatados nas laterais do veículo.
35.º O espelho retrovisor direito do AD, situado a 97 cm de altura, estava partido, assim como o vidro da porta lateral direita dianteira.
36º. O retrovisor esquerdo, situado também a 97 cm de altura, apresentava danos pequenos de fricção com orientações diferentes entre si e curvos, intermitentes na sua continuidade.
37º. No local onde o AD se imobilizou, em queda para o terreno em patamar abaixo ao nível de estrada, não existe qualquer estrutura que pudesse ter causado os danos constatados nos espelhos retrovisores laterais.
38. Contiguamente à estrutura referida em 26º, antes e depois dela, encontravam-se partes de muros de pedra, formando uma “frente” contínua paralela à via, com cerca de 3,30 m de extensão, sem altura, nem morfologia para causarem os danos existentes nas laterais do AD.
39.º Os danos do veículo não se enquadram com a descrição do sinistro participada pelo autor e reafirmada nas declarações que prestou e constante de fls. 69.
40.º O AD era dotado de sistema eletrónico de controlo de estabilidade, de controlo de tração, de travões ABS, de TCS (traction control sistem), de EBA (eletronic brake assist), de assistente eletrónico de travagem em curva e de tração às quatro rodas.
41º. Todo este equipamento eletrónico de segurança ativa e passiva de que o veículo seguro era dotado teria impedido e teria garantido o controlo e a travagem do AD em segurança ao descrever a curva dos autos, a uma baixa velocidade de cerca de 30 a 40 km, velocidade a que autor referiu que circulava.
42.º. O AD tem um comprimento de 5,049 metros, uma largura de 1,937 metros (2,165 com espelhos), uma altura de 1,423 metros, uma distância entre eixos de 2,950m e uma capacidade de curva com 11,89 m de diâmetro.
43º.Considerando o local onde o veículo seguro teria embatido com o respetivo retrovisor direito antes de sair de estrada, bem como o local por onde patentemente saiu de estrada, situados ambos a cerca de quatro metros de distância um do outro, verifica-se que o local onde o veículo seguro se imobilizou após a saída supera a sua capacidade de curva.
44.º Após a saída da via o veículo ficou numa posição quase perpendicular ao eixo da via em que circulava e com os rodados direcionados para a sua direita (fotos 37 a 39º juntas com a contestação).
45.º Não existiam quaisquer marcas de travagem ou de derrapagem no local por onde o veículo saiu de estrada.
46.º Nem os pré-tensores dos cintos de segurança do AD, nem os respetivos air-bags, foram acionados com o embate.
47º. Por carta enviada para o autor em 4 de maio de 2022 a ré comunicou ao autor que declinava a responsabilidade pela liquidação dos danos resultantes do sinistro participado porque, após terem procedido a averiguações e peritagem “ (…) se constatou um conjunto de irregularidades que nos levam a concluir que o sinistro não terá ocorrido de uma forma aleatória, súbita e/ou imprevista (…)” (doc. 5 junto com a PI).
48.º Anteriormente a ré tinha enviado ao autor uma outra carta, com data de 8 de fevereiro de 2022, com o seguinte conteúdo: (doc. 10 junto com a contestação):

49.º No âmbito das averiguações, o autor prestou as declarações constantes de fls. 69 e por si assinadas e que aqui se dão por reproduzidas em que, quanto à dinâmica do sinistro, mantém o que já tinha referido na participação e ainda que tinha comprado o veículo em setembro de 2020, tendo pago o preço de 125.000,00€.
50º. No entanto, o autor adquiriu a viatura em causa em França, em 23-09-2019, pelo preço de 40.000,00€, a que acresceram os custos administrativos e fiscais devidos pela sua importação para Portugal, no valor de 1.438,14€ (fatura de fls. 100 e documento da autoridade aduaneira de fls. 103 verso a 104 verso).
51º. Quando tratou dos procedimentos para obtenção da matrícula portuguesa, o autor declarou por documento escrito e assinado por si em 8-10-2020 (fls. 101) que o veículo tinha entrado em território nacional no dia 25 de Setembro de 2020, informações que constam da declaração da autoridade aduaneira (fls. 104);
52.º O veículo entrou em território nacional em 2019 e foi entregue pelo autor no início de 2019 na oficina “B... Lda.”, onde foi reparado e posteriormente, com data de 6-7-2020, deu entrada no C... em Matosinhos para certificação, tendo sido entregue em 2-10-2020 e foi no dia 3-10-2020 submetido à inspeção para efeitos de atribuição de matrícula.
53º. O veículo identificado em 1º, após a carta enviada pela ré de maio de 2022 e ainda no ano de 2022, foi vendido pelo autor como salvado pelo valor de € 42.000,00 ao gerente da oficina “B...”.
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Factos não provados:
Petição Inicial
1.º Não provado: que ocorreu um sinistro que consistiu num despiste.
7. Contudo, ao fazer uma curva à esquerda, o veículo do A. entrou em despiste.
8. Ato contínuo, embateu com a frente e lateral direita num muro e entrou num terreno.
9. O A. tentou ainda evitar o embate, contudo (após embater no muro) não conseguiu retomar a via e evitar o sinistro.
10. Em consequência dessas manobras, o veículo do A. ficou danificado.
33. E o A. pretende reparar a viatura, uma vez que necessita da mesma na sua vida diária, para as suas deslocações profissionais e nas viagens de lazer.
Contestação
7º: Não provado que o autor tenha indicado que pretendia fixar o capital da cobertura especial de choque, colisão e capotamento pelo valor de € 120.000,00.
14. Não provado que as três avaliações tenham sido uma tentativa forçada do autor para obter um valor de avaliação do veículo superior ao valor de mercado do veículo àquela data, situado entre os 83.000,00€ e os 86.000,00€.
15. Não provado que o autor, não contente com o resultado das sobreditas vistorias técnicas, acabou por lograr garantir o veículo pelo indicado capital de 112.000,00€, mediante a intervenção do seu mediador de seguros, de forma intencional.
67.º Não provado que tipo de objeto provocou os danos na lateral direita do veículo.
80.º Não provado que os riscos foram feitos manualmente.
Requerimento de resposta às exceções:
43. Porquanto, os danos existentes na viatura do A., frente do lado direito, foram causados com o despiste e
44. Com tentativas de retirar a viatura do local onde a mesma parou,
45. E, bem assim, ao efetivamente retirar a viatura do local do acidente.
46. Causando naquela viatura, para além dos danos provocados pelo embate, danos secundários advenientes da retirada da viatura do local por força de cabos (e reboque), durante a noite,
47. Sujeitando-se a outros toques, que agravaram os danos iniciais (provocados pelo embate).
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IV - Fundamentação jurídica
a - Da reapreciação da matéria de facto
O apelante requer que a redação do facto provado sob o n.º 1 seja alterada, passando a constar como provado que “no dia 22 de janeiro de 2022, pelas 00H30, na Rua ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula AD-..-.., cuja propriedade estava registada, à data da instauração desta ação, em favor do autor, sofreu um sinistro e ficou imobilizou(ado) fora da via, num terreno em declive/ravina”.
O facto provado n.º 1, tal como dado por assente, tem o seguinte teor:
1.º No dia 22 de janeiro de 2022, pelas 00H30, na Rua ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula AD-..-.., cuja propriedade estava registada, à data da instauração desta ação, em favor do autor, imobilizou-se parcialmente fora da via, num terreno em declive/ravina.
O pedido do A. prende-se com o cerne da questão recursória, e da ação, a saber, se, conforme alega, existiu um despiste verdadeiro e próprio, no sentido de involuntário.
O facto n.º 1 cingiu-se a descrever os eventos de um ponto de vista naturalístico (dia, hora, local, identificação do veículo, propriedade e local da imobilização), sem introduzir a matéria da verificação do sinistro. Esta, atentos os moldes da discussão, congrega questão controversa. Assim, não é verdade que, como afirma o A. se trate de matéria relativamente à qual inexiste divergência. Pelo contrário. É o pomo da discórdia. Indefere-se, por isso, a alteração.
O recorrente visa que os factos não provados correspondentes aos artigos 7.º, 8.º, 9.º e 10.º da petição inicial e 43.º da resposta às exceções passem a provados, ficando a constar:
7. (da P.I.) Contudo, ao fazer uma curva à esquerda, o veículo do A. entrou em despiste.
8. (da P.I.) Ato contínuo, embateu com a frente e lateral direita num muro e entrou num terreno.
9. (da P.I.) O A. tentou ainda evitar o embate, contudo (após embater no muro) não conseguiu retomar a via e evitar o sinistro.
10. (da P.I.) Em consequência dessas manobras, o veículo do A. ficou danificado.
43. (da resposta às exceções) Porquanto, os danos existentes na viatura do A., frente do lado direito, foram causados com o despiste
Por outro lado, requer que os factos 34.º, 37.º, 38.º e 39.º passem a não provados.
Reproduz-se o teor dos factos 34.º, 37.º, 38.º e 39.º:
34.º No local, considerando a posição em que o veículo ficou e resulta das fotografias com os n.ºs 32 a 40, juntos com a contestação, não existe qualquer objeto que seja adequado a causar o embate com o espelho retrovisor, que se partiu e os diversos riscos que o veículo apresentava na lateral direita e que se prolongam para além da roda traseira, sendo que esta parte ainda ficou sobre a via, na medida em que nesse local o muro é muito baixo e fica afastada da parte do muro que se apresenta mais alta e, ainda, afastado de qualquer estrutura com a qual o veículo, seguindo a descrição do autor constante da participação, pudesse estar na origem dos danos constatados nas laterais do veículo.
37.º No local onde o AD se imobilizou, em queda para o terreno em patamar abaixo ao nível de estrada, não existe qualquer estrutura que pudesse ter causado os danos constatados nos espelhos retrovisores laterais,
38.º Contiguamente à estrutura referida em 26º, antes e depois dela, encontravam-se partes de muros de pedra, formando uma “frente” contínua paralela à via, com cerca de 3,30 m de extensão, sem altura, nem morfologia para causarem os danos existentes nas laterais do AD.
39.º Os danos do veículo não se enquadram com a descrição do sinistro participada pelo autor e reafirmada nas declarações que prestou e constante de fls. 69.
Está em causa, de um lado, a versão dos factos tal como alegada pelo A.; do outro lado, a defesa da R., que contradita os acontecimentos reportados pelo primeiro.
O tribunal de 1.ª instância enjeitou, na sua generalidade, a versão dos factos carreada para os autos pelo A., esteando-se nos elementos carreados para os autos pela R., que tornam impossível a tese daquele.
Analisada a prova produzida, entende-se que a versão adotada pelo tribunal de 1.ª instância é a acertada, conforme se passará a expor.
Desde já se consigna que o depoimento do A. é de difícil audição, assinaladamente nos trechos por si invocados, logrando-se, todavia, discernir o sentido do por si declarado a partir da circunstanciação que a Mmª. Juiz vai fazendo.
Está fundamentalmente em causa que os factos não poderão ter ocorrido como descrito na petição inicial por tal não se mostrar física ou naturalisticamente possível.
Vejamos porquê.
Da prova produzida respigamos o seguinte:
- a análise das fotografias carreadas para os autos pela R., com identificação do local, permite constatar a ausência de obstáculos laterais no local da imobilização.
- o depoimento de BB, rebocador, que tirou as fotografias do veículo no local onde o encontrou, arredou a possibilidade de ter sido a manobra de retirada do veículo do local a causar os estragos;
- FF, que analisou os estragos no veículo, asseverou que estes não são compatíveis com a dinâmica do sinistro, tal como participada, consistente no despiste no local identificado, assinaladamente, não é possível explicar os riscos disformes, descontínuos, sobrepostos e que se prolongam ao longo de toda a lateral direita, incluindo na parte a seguir à roda traseira;
- os depoimentos das testemunhas CC e DD, responsáveis pela elaboração dos relatórios de averiguações juntos pela R. explicitaram as suas conclusões; segundo estas testemunhas, os danos no espelho retrovisor direito e ao longo da lateral direita do veículo são incompatíveis com a manobra, atenta a ausência de obstáculos no local da imobilização.
Uma vez que apenas estes depoimentos são compatíveis com os elementos objetivos - fotografias do local e do veículo - mereceram inteira credibilidade.
Ao contrário do avançado pelo A., não é por existirem pedras e uma ramada no local, conforme depôs BB, que se deve concluir que foram estas a causar os estragos, isto atenta a localização de umas e de outros. As pedras, paus, vegetação, efetivamente existentes no local, conforme se pode observar nas fotografias facultadas pelo rebocador (juntas pela R. no requerimento de 03-11-2022 - fotos 34 a 39) e pelos colaboradores da R. são insuscetíveis de causar os estragos no veículo do A. reportado, designadamente que o espelho retrovisor direito ficasse partido, assim como o vidro da porta lateral direita dianteira.
Analisadas as fotografias do local, verifica-se que o veículo está afastado de qualquer estrutura que pudesse causar os danos na lateral e que o percurso por si necessariamente efetuado foi muito breve, já que se quedou quase imediatamente a seguir à berma da estrada. No local, a única estrutura com altura bastante para ser suscetível de afetar o espelho retrovisor direito é a estrutura identificada como correspondendo a contador de água e luz. Atendendo ao local onde a viatura sai da estrada, não faz sentido que tivesse existido fricção, nem os danos de fricção do lado direito do AD são compatíveis com a aludida estrutura/contador.
Mais se reporta na análise pericial que o eixo dianteiro do AD se encontra voltado para a direita, o que tampouco faria sentido, a não ser que, de forma intencional, se atirasse o veículo para fora da estrada.
Avulta, assim, que os factos, tais como descritos pelo A., não podem corresponder à realidade. Como disse CC a propósito dos estragos no veículo: não os consigo enquadrar no local.
Deste desenquadramento é inevitável retirar que os estragos laterais existiam anteriormente à imersão do veículo no local de onde veio a ser rebocado. Também a posição em que ficou o veículo sinistrado é conducente à conclusão de que este não se desviou inadvertidamente da faixa de rodagem por imperícia e imprevidência do condutor, mas sim que foi deliberadamente colocado no local evidenciado nas fotografias.
Está em causa, ao cabo e ao resto, a versão dos factos consentânea com a prova produzida em conformidade com os depoimentos já assinalados de BB, FF, CC e DD.
Ressalta-se o seguinte trecho do relatório de supervisão, perfeitamente condizente com as fotografias do local e do veículo:
Salienta-se ainda que nem os pré-tensores dos cintos de segurança, nem os air-bags foram acionados, o que não faz qualquer sentido se o AD era tripulado. Em análise ao registo fotográfico facultado pelo rebocador verifica-se ainda que o eixo dianteiro do AD se encontra voltado para a direita, o que não faria sentido, a não ser que de forma intencional se “atirasse” o veículo para fora de estrada.
A imagem 13 pretende representar/ compatibilizar o dano que o AD apresenta no espelho retrovisor direito, com a única estrutura próxima do local com altura suficiente onde o espelho pudesse ser embatido.
No entanto a fim de compatibilizar esta versão, o AD teria de se encontrar em posição paralela ao limite direito da via a 3,36 m do local onde saiu de estrada alegadamente por despiste.
Na imagem 14 verificamos a representação da dinâmica passível para o enquadramento do embate do espelho retrovisor direito do AD.
Para tal verificamos a necessidade de uma aproximação controlada atempada ao limite direito da via de forma a permitir o embate do espelho direito, sem que existam danos na lateral direita inferior, resultante do que seria uma maior aproximação aos muros.
Além disso, considerando essa hipótese, em que o espelho retrovisor direito embate na estrutura, o AD não podia prontamente mudar de direção à direita, pela inexistência dos danos na lateral direita do referido veículo, que forçosamente resultariam na parte inferior da referida lateral em consequência do embate nos muros adjacentes à estrutura. Por tal o AD teria após o embate prosseguir paralelamente ao muro e só mais à frente mudar a sua direção à direita de forma a não colidir com o muro. Atendendo que a capacidade de curvatura do AD tem um diâmetro de 11,89 m, e que esta capacidade apenas se reflete a baixa velocidade do veículo, verificamos que mesmo assim, não é coerente com a posição final do AD representada a vermelho na imagem 14.
Salienta-se ainda que tanto nas fotos facultadas pelo rebocador, como das inúmeras deslocações ao local, não são visíveis marcas de travagem derrapagem do AD.
Conclusão
Após distinta análise dos dados, demonstrados por uma análise de compatibilidade de danos o veículo AD apresenta danos compatíveis com uma colisão frontal fruto da saída de estrada e consequente queda no terreno a um nível inferior. Contudo, foram verificados danos na lateral direita, no espelho retrovisor direito e espelho retrovisor esquerdo, não compatíveis com essa saída de estrada, pela morfologia dos danos, sua localização, sendo inviável a sua ocorrência nas condições de “dinâmica” alegadas pelo condutor do AD e enquanto acontecimento fortuito.
Mesmo excluindo os danos na lateral direita, a posição final do AD é incoerente com um despiste resultante de uma subviragem pelo facto do veículo sair de estrada no final de curva.
Por sua vez o que seria resultante da realização da curva a uma velocidade superior à Velocidade Crítica, que resultaria na tentativa de contrariar a força centrifuga gerada pelo movimento longitudinal do veículo, inerente à sua circulação na via ao descrever a referida curva, resultaria numa sobreviragem que colocaria, no caso em concreto, o veículo AD em despiste, rodando sobre si mesmo no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio, o que não é coerente com o local e posição final do AD.
Assim, os elementos apurados apontam, claramente, que o condutor do AD detinha o controlo desse veículo, numa trajetória direta e linear nos momentos que antecederam a saída de estrada do AD, não se tratando assim de um acontecimento fortuito.
Os elementos recolhidos, demonstram que o AD foi propositadamente e intencionalmente atirado para fora de estrada, com o único propósito de causar danos nesse veículo e, de seguida, reclamar à seguradora a correspondente indemnização
Daqui se segue que as fotografias obtidas do veículo imobilizado no local retratam uma saída de estrada de veículo de frente e não uma saída lateral, própria de um despiste que, segundo o A., teria sido ocasionado por distração com o telemóvel.
De quanto se vem de explanar resulta que a improcedência da impugnação da matéria de facto atinente aos factos não provados correspondentes aos artigos 7.º, 8.º, 9.º e 10.º da petição inicial e 43.º da resposta às exceções improceda, mantendo-se estes como não provados. Improcede, outrossim, a impugnação atinente aos factos 34.º, 37.º, 38.º e 39.º, que se mantêm como provados.
No que se refere ao facto provado sob o n.º 18, alega o apelante que o mesmo deve ser alterado, passando a constar como provado que entre A. e Ré, reunidos no dia 15/02/2022, fica estabelecido, de comum acordo, que os prejuízos ocasionados na viatura Porsche AD-..-.. em consequência do acidente ocorrido no dia 22/01/2022, em Vila Nova de Famalicão se cifram em quarenta e cinco mil e quinhentos euros.
O facto 18 tal como configurado pelo tribunal de 1.ª instância tem o seguinte teor:
18º. No dia 15 de fevereiro de 2022 o autor e o perito avaliador da ré, assinaram o documento n.º 14 junto com a contestação denominada “Ata de Avaliação dos Prejuízos”, mediante a qual ambos declararam que:
A matéria, tal como foi dada como assente pelo tribunal, reporta-se ao que efetivamente consta do documento, intitulado ata de avaliação de prejuízos. É precisamente o que decorre daquele: que as partes avaliaram os prejuízos em € 45 500, 00. Do mesmo não emerge, por qualquer forma, que a R. tenha aceite que os prejuízos foram ocasionados por acidente ocorrido no dia 22/01/2022, em Vila Nova de Famalicão.
Indefere-se, por isso, também este pedido de alteração da matéria de facto.
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b - Do erro de julgamento
Dependendo a reapreciação da matéria de direito do recurso da procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mantendo-se esta, fica prejudicado o conhecimento daquela (art.º 608.º/2, ex vi parte final do n.º 2 do art.º 663.º, ambos do C.P.C.).
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c - Da litigância de má-fé do A.
O A. foi condenado enquanto litigante de má-fé em multa em 40 unidades de conta (UC), com fundamento na circunstância de ter vindo a tribunal com pretensão alicerçada em fundamentos que sabia não corresponderem à verdade dos factos.
O A. pugna pela revogação da condenação, dizendo que a sua versão dos factos é verdadeira e que a ausência de prova dos factos por si alegados não pode ser bastante para levar à respetiva condenação como litigante de má-fé.
Respiga-se, pelo seu superior interesse para a questão, a seguinte matéria de facto:
- considerando a posição em que o veículo ficou e resulta das fotografias com os n.ºs 32 a 40, juntos com a contestação, não existe qualquer objeto que seja adequado a causar o embate com o espelho retrovisor, que se partiu e os diversos riscos que o veículo apresentava na lateral direita e que se prolongam para além da roda traseira, sendo que esta parte ainda ficou sobre a via, na medida em que nesse local o muro é muito baixo e fica afastada da parte do muro que se apresenta mais alta e, ainda, afastado de qualquer estrutura com a qual o veículo, seguindo a descrição do autor constante da participação, pudesse estar na origem dos danos constatados nas laterais do veículo;
- no local onde o AD se imobilizou, em queda para o terreno em patamar abaixo ao nível de estrada, não existe qualquer estrutura que pudesse ter causado os danos constatados nos espelhos retrovisores laterais;
- o local onde o veículo seguro se imobilizou após a saída supera a sua capacidade de curva, não podendo, atenta a descrição do acidente, ter a viatura ficado imobilizada na posição em que foi encontrada acaso a saída da faixa de rodagem se tivesse ficado a dever a despiste.
Preceitua o art.º 542.º/1 do C.P.C que, tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
E o n.º 2 do mesmo art.º: diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a discussão da causa;
c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A prova de uma versão dos factos ou de parte de uma e de parte de outra não conduz, sem mais, à condenação do autor material da versão total ou parcialmente infirmada enquanto litigante de má-fé.
Vejamos porquê.
O princípio da boa-fé não é exclusivo do direito substantivo, também podendo ser violado numa perspetiva da atuação processual, mormente, pelo recurso a juízo através de ações ou procedimentos cautelares abusivos. Configura-se, nesse caso, a existência do abuso do direito de ação, a culpa in agendo, e faz-se apelo à prudência normal (cf. ac. S.T.J., de 4-11-2008, proc. 08A3127, Fonseca Ramos). De outra forma, a parte que perde a ação, a menos que a questão fosse exclusivamente de direito, seria invariavelmente condenada enquanto litigante de má-fé (o sistema de condenação automática da parte perdedora como litigante de má-fé já vigorou no direito português - cf. Cordeiro, António Menezes, Litigância de Má-Fé, Abuso do Direito de Ação e Culpa in Agendo, Coimbra, Almedina, p. 17).
O sistema tem por razoável que as partes litiguem dentro duma verdade aceitável. Dir-se-ia, então, que a verdadeira pedra de toque do sistema no que toca às partes é, mais do que a boa-fé, entendida como dever de litigar, quer com verdade, quer com diligência aceitável, a ausência de má-fé. Desde que dentro de limites de razoabilidade, as partes mantêm alea para sustentar a diversidade de posições que as trazem a juízo. O sistema funda-se na boa-fé das partes, entendida esta com alguma parcimónia, como vem sendo defendido pela jurisprudência.
O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que as regras consagradas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 542.º do C.P.C. devem ser interpretadas em consonância com a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprias de um Estado de Direito, incompatíveis com interpretações mais ou menos literais.
No ac. do S.T.J. de 11-12-2003 (proc. 03B3893, Quirino Soares) concluiu-se que só quando o processo fornece elementos seguros da conduta dolosa ou gravemente negligente deverá a parte ser sancionada como litigante de má-fé. A verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico. […] a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual, de autor ou réu.
No ac. da Relação do Porto de 12-11-2008 (proc. 0722723, Canelas Brás) defendeu-se que desde que a versão dos factos aventada pela parte que perdeu não seja destituída de fundamento, tratando-se apenas da versão do problema que não vingou em tribunal, inexiste fundamento para a condenação por má-fé.
A litigância de má-fé exige a consciência de que quem pleiteia de certa forma tem a consciência de não ter razão (ac. do S.T.J. de 11-9-2012, proc. 2326/11.09TBLLE.E1.S1, Fonseca Ramos). A má-fé depende de intenção maliciosa ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da atuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação e idêntica reação punitiva (ac. do S.T.J. de 12-11-2020, proc. 279/17.9T8MNC-A.G1.S1, Maria do Rosário Morgado). Sumaria-se no ac. da Relação do Porto de 13-3-2023 (proc. 651/21.0T8OAZ.P1, Carlos Gil): o instituto da litigância de má-fé visa que a conduta dos litigantes se afira por padrões de probidade, verdade, cooperação e lealdade. A concretização das situações de litigância de má-fé exige alguma flexibilidade por parte do intérprete, o qual deverá estar atento a que está em causa o exercício do direito fundamental de acesso ao direito (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa), não podendo aquele instituto traduzir-se numa restrição injustificada e desproporcionada daquele direito fundamental. Importa não olvidar a natureza polémica e argumentativa do direito, o caráter aberto, incompleto e autopoiético do sistema jurídico, a omnipresente ambiguidade dos textos legais e contratuais e as contingências probatórias quer na vertente da sua produção, quer na vertente da própria valoração da prova produzida.
A sanção por litigância de má-fé exige a verificação de dolo ou negligência da parte que adota tal conduta, o que não sucederá, normalmente, com a dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento se verificou por mera fragilidade da prova e incapacidade de convencer o tribunal da realidade trazida a julgamento, ou mercê da discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos.
Os tribunais devem ser prudentes na condenação por litigância de má-fé, apurando-se casuisticamente como a alegação, a negação ou a omissão foram feitas.
Na verdade, nem sempre a condenação na lide significa que o réu ou o autor reconvindo agiu sob o signo da má-fé ou formulou pretensão injusta, a reclamar o seu sancionamento como litigante de má-fé. Traduzindo a lide processual um conflito de interesses, poderá compreender-se que as partes, convictas do seu direito, percam algum discernimento e objetividade, congeminando uma versão dos factos que é para elas a verdadeira e que pode não corresponder àquela que venha a ser reconhecida a final.
Trata-se de uma área de elevado melindre. É, pois, compreensível que se observe um grau de prudência razoável, numa apreciação casuística da situação em confronto. É verdade que a interpretação acurada da norma em apreço permite uma maior exigência quanto ao desempenho das partes, mas, até ao momento, a análise jurisprudencial não permite concluir que os tribunais venham a usar de um crivo mais apertado, erigindo a boa-fé em verdadeiro esteio do sistema. Conferem às partes o benefício da dúvida e só as confrontam com a litigância de má-fé em casos de manifesto desrespeito ético.
Na concreta situação que nos ocupa, o A. veio a juízo dizendo que o carro em que circulava se despistou inadvertidamente, pedindo que a R. o indemnize nos termos do contrato de seguro celebrado. Pelo que vimos de dizer, é apodítico que a saída do veículo da estrada e os estragos laterais nela visíveis não se verificaram como alegado, do que o recorrente não pôde, nem pode deixar de ter consciência. Da reapreciação da matéria de facto concluímos já, não só que o A. não logrou produzir prova de que os eventos se tenham dado conforme alegou, como também que o por si invocado não corresponde à realidade, ou seja, não se provou apenas que o sinistro não se deu como alegado, mas que o invocado é falso.
O recorrente deduziu, assim, pretensão cuja falta de fundamento não ignorava, alterou a verdade dos factos e fez do processo e dos meios processuais um uso manifestamente reprovável.
Deve, por isso, ser mantida a condenação do A. enquanto litigante de má-fé.
Atento o valor pecuniário em causa, as circunstâncias económicas do apelante, que adquiriu um veículo de gama alta, e a reiteração processual da sua tese, o quantitativo da condenação afigura-se-nos ajustado.
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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se integralmente a sentença recorrida.
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Custas pelo apelante, por ter decaído na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 10-3-2025
Teresa Fonseca
Carla Fraga Torres
Ana Olívia Loureiro