SOCIEDADE COMERCIAL
CITAÇÃO
SEDE
Sumário

I - Nos termos do artigo 246.º, n.º 2, CPC, a carta para citação da sociedade é endereçada para a sede inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas.
II - Sobre a sociedade impende o ónus de manter actulizada a sua sede ou endereço postal (cfr. alínea d) do artigo 6.º do Regime do Registo Nacional das Pessoas Colectivas, anexo do Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de Maio), bem como de garantir que a correspondência para aí enviada seja recebida, designadamente através a correspondência que lhe é dirigida seja efectivamente recebida, seja através de reexpedição de correspondência, ou de qualquer outro expediente, v.g., consulta regular do receptáculo postal, quando na sede não existem pessoas que possam receber a citação.
III - Contrariamente ao que sucedia no direito pregresso, não há que tentar a citação da sociedade no local de laboração, quando este não coincida com a sede, nem na residência ou local de trabalho do legal representante.

(Sumário da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Apelação n.º 1369/23.4T8STS-G.P1







Acordam no Tribunal da Relação do Porto


Relatora: Marcia Portela
1.º Adjunto: Alberto Taveira
2.º Adjunto: Lina Batista




1. Relatório

Nos autos de insolvência de A... Unipessoal, Ld.ª, foi proferido o seguinte despacho:
A devedora interpôs recurso da sentença de declaração de insolvência proferida nos autos (alegações de 28.08.2023), recurso que fora admitido pela primeira instância, tendo sido rejeitado pelo Tribunal da Relação do Porto (cfr. Apenso C), que não conheceu do objeto do recurso, salientando que “Quando a parte recorre, sendo esta a sua primeira intervenção no processo, e nas suas alegações de recurso vem alegar a falta ou nulidade da sua citação, o tribunal recorrido deve conhecer destes factos com todas as implicações decorrentes na marcha dos autos.”, concluindo que “não se conhece o objeto do recurso, a fim de que o tribunal recorrido se pronuncie sobre esta matéria, julgando-se em consequência findo o recurso- artº 652º, nº1, h) do CPC.”
Cumpre, assim, pronunciarmo-nos sobre esta matéria referente à alegada falta ou nulidade da citação da devedora.
Alega a devedora que não deduziu oposição ao pedido de insolvência apresentado pelo credor requerente, B..., Limitada, por não ter sido citada para o efeito, dado que não se encontra instalada na sua sede há mais de um ano, por ter mudado para a rua ..., ... Póvoa de Varzim, o que era do conhecimento da própria requerente, que menciona no artigo 13º da sua petição, que “A sociedade requerida possuía dois estabelecimentos comerciais na Póvoa de Varzim”. A requerente sabia que a recorrente não se encontrava na morada da sua sede social, constante do seu registo. E tal facto, também foi informado pelo carteiro/distribuidor que procedeu à entrega da carta para citação, que anotou em 22/05/23 que a aqui recorrente mudou-se, conforme consta da devolução do envelope para citação, ao processo. Considera a devedora que tal facto exigiria, que o Tribunal a quo tivesse providenciado pela efetiva citação da recorrente.
Factualidade relevante:
- B..., Lda requereu a insolvência de A..., Unipessoal Lda indicando a sede social da devedora constante no registo comercial, sita na Avenida ..., ... ...;
- A credora requerente refere nos art.s 13.º e 14.º da PI o seguinte: “A sociedade requerida possuía dois estabelecimentos comerciais na Póvoa de Varzim, 14º Contudo os mesmo encontram-se encerrados,”
- A primeira tentativa de citação da devedora para a sede constante no registo comercial veio devolvida com a menção “mudou-se”:
- Efetuada consulta no referido Registo Nacional de Pessoas Coletivas e mantendo-se a mesma morada da sede social da requerida, foi enviada nova carta de citação, com o mesmo teor e com observância do disposto nos art.ºs 246º n.º 4, 229º n.º 5 e 230º n.º 2 do Código de Processo Civil, a qual fora depositada no recetáculo postal dessa mesma sede a 06.06.2023.

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Ocorre falta de citação nos termos do disposto no Art.º 188º do CPC:
a) Quando o ato tenha sido completamente omitido;
b) Quando tenha havido erro de identidade do citado;
c) Quando se tenha empregado indevidamente a citação edital;
d) Quando se mostre que foi efetuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-
se de pessoa coletiva ou sociedade;
e) Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.
Atenta a factualidade acima descrita, afigura-se-nos que não ocorre a apontada nulidade ou qualquer irregularidade na citação da requerida.
Com efeito, foi enviada uma primeira carta para a sede social e, em presença da respetiva devolução ainda que com a menção “mudou-se”, foi efetuada pesquisa no Registo Nacional de Pessoas Coletivas para apurar a sede atual de requerida, verificando-se que a sede era a mesma.
Assim, fora enviada nova carta que foi depositada no recetáculo postal, nos termos do art. 246.º CPC.
Ora, a citação de pessoas coletivas está prevista no Art.º 246º do CPC que impõe que a carta de citação é necessariamente enviada para a sede que conste no Registo Nacional de Pessoas Coletivas (n.º 1). Devolvido o expediente enviado, repete-se a citação com envio de nova carta registada com aviso de receção, observando-se o disposto no Art.º 229º/5 (n.º 4), ou seja, é efetuado depósito ou, não sendo este possível, deixado aviso.
Estes passos foram cumpridos.
Da análise da petição inicial não decorre a existência de outro local onde possa ser efetuada a citação da requerida, sendo que apesar da referência a dois estabelecimentos, é também referido na petição inicial que ambos os estabelecimentos estão encerrados.
Importa atentar que do art. 246.º CPC decorre que é sobre as pessoas coletivas (e sobre as sociedades) o ónus de garantir a correspondência entre o local inscrito como sendo a sua sede e aquele em que esta se situa de facto, atualizando-o com presteza, a fim de evitar que à sua citação se venha a proceder em local correspondente a uma sede anterior, deixando de ser tolerada que, por facto imputável às pessoas coletivas que não atualizam a sua sede não seja possível a sua citação.
Como se disse no Ac. da RL 17/11/2015 (Proc.º 2070/13.2TVLSB-B),
I- Ao contrário do que constava do n.º 1 do art.º 236º do CPC revogado, o art.º 246º do NPC, no seu n.º 2, impõe agora que a carta registada com aviso de receção, destinada a citar pessoa coletiva, seja expedida para a sede inscrita no ficheiro central do Registo Nacional, estabelecendo o seu n.º 4 que, nos casos de devolução do expediente aí previstos, se proceda ao depósito da carta nos termos previstos no n.º 5 do art.º 229º.
II- Passou, pois, a recair sobre as pessoas coletivas (e sobre as sociedades) o ónus de garantir a correspondência entre o local inscrito como sendo a sua sede e aquele em que esta se situa de facto, atualizando-o com presteza, a fim de evitar que à sua citação se venha a proceder em local correspondente a uma sede anterior.
III- Sobre a pessoa coletiva impende o ónus de garantir que chegue ao seu conhecimento, em tempo oportuno, uma citação que lhe seja enviada por um tribunal, o que poderá fazer por qualquer meio à sua escolha, como sejam, a periódica e regular inspeção do seu antigo recetáculo postal, o acordo estabelecido com o novo detentor do local das suas anteriores instalações, no sentido do aviso de recebimento ou da entrega do expediente, ou a contratação do serviço de reexpedição junto dos CTT.
Assim, foram cumpridas as formalidades de citação da requerida, não cabendo ao Tribunal efetuar novas diligências para apurar outro local para citar a requerida, dado que o local de citação é na sede social constante do registo, o que fora efetuado.
Ora, nos termos do disposto no Art.º 188º, alínea e), há falta de citação quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.
Tendo as cartas para citação sido remetidas para a sede social constante do Registo Nacional de Pessoas Coletivas não se pode, em face do ónus que impende sobre estas, concluir que a requerida não teve conhecimento do ato por facto que não lhe seja imputável.
O que poderia relevar em benefício da requerida seria a prova de que a não atualização do registo público acontecera por razões que não lhe são imputáveis, situação não evidenciada nos autos.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09/28/2022, Proc. 178/14.6TTVFX-C.L1-4, que aqui seguimos de perto, in www.dgsi.pt:
“1 – A citação de pessoas coletivas faz-se em cumprimento do disposto no Art.º 246º do CPC, ou seja, para a morada da sede que conste no Registo Nacional de Pessoas Coletivas.
2 – Recai sobre as pessoas coletivas um especial ónus de manter atualizado esse registo de modo a que haja uma efetiva correspondência entre a realidade e o facto ali inscrito.
3 – A falta de citação, conducente à nulidade do processo, pressupõe que se demonstre que o destinatário não teve conhecimento da citação em virtude de facto que não lhe seja imputável.
4 – Em presença do ónus que recai sobre as pessoas coletivas, de manter atualizados os dados ínsitos no Registo Nacional de Pessoas Coletivas, se este se mostra desatualizado sem que se prove a razão pela qual tal ocorre, não pode concluir-se por falta de citação.”
Pelo exposto, julga-se válida a citação da requerida, julgando-se improcedente a falta/ nulidade de citação arguida em sede de alegações de recurso.
Inconformada, apelou a devedora, apresentado as seguintes conclusões:
1- A recorrente considera que não foi devidamente citada para a presente ação.
2- E não o foi porque foi verificado pelo distribuidor postal, que a recorrente não labora na morada indicada como sendo a sua sede.
3- Pelo que nenhuma pessoa, gerente, trabalhador ou colaborador, recebeu em seu nome a citação.
4- Por outro lado, a própria recorrida sabia que a recorrente laborava noutros locais que não o indicado por si na petição inicial.
Do mesmo passo,
5- Também a recorrente não está numa situação de insolvência, mesmo a dar-se como provados os factos alegados pela recorrida.
6- Na verdade, o crédito da recorrida é relativamente recente em relação à data da entrada da petição de insolvência em juízo.
7- E foi pago grande parte dele, quarenta dias antes desse mesmo pedido de insolvência.
8- E não representa falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstância do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.
9- Pelo que foram violados, entre outros, os artigos 246º do Código de Processo Civil e os artigos 3º, nº 1 e 2 e 20º, nº 1, alínea b) do CIRE.

Nestes termos, e nos mais, de direito, que V. Exªs., entendam dever aplicar-se, deve o presente recurso ter provimento e ser a douta sentença substituída por douto acórdão que declare a falta de citação da recorrente, devendo esta ser citada para deduzir oposição no prazo legal, ou caso assim não se entenda, ser declarado improcedente o pedido de insolvência formulado pela recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.



2. Factualidade relevante

Consta do relatório.



3. Do mérito do recurso

O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigos 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC), consubstancia-se em saber se ocorreu falta de citação da devedora para a acção em que foi declarada a sua insolvência.
Consigna-se que este recurso se reporta exclusivamente a questão da falta de citação, não cabendo aqui conhecer da questão da declaração de insolvência, a que se reportam as conclusões 4.º a 8.ª e 2.ª parte da 9.ª, conforme despacho proferido em 03.02.2025.
A simples leitura das conclusões 1.ª a 4.ª revelam que a apelante não responde ao despacho recorrido, que considerou inverificada a arguição da falta de citação por ter considerado regular a citação dirigida para a morada da sede da insolvente, por sobre esta impender o ónus de manter actualizada a sede da sociedade, e não ter demonstrado que essa falta de actualização não lhe era imputável.
O que levaria, liminarmente, a confirmação da decisão recorrida.
Diremos, no entanto, que esta decisão não merece censura, por observar o legalmente previsto para pessoas colectivas com obrigatoriedade de inscrição no Registo Nacional de Pessoas Colectivas.
O Regime do Registo Nacional das Pessoas Colectivas, anexo do Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de Maio, estabelece no artigo 4.º, n.º 1, as entidades cujas informações são integradas no ficheiro central de pessoas colectivas (FCPC), designadamente as sociedades comerciais.
De acordo com a alínea d) do artigo 6.º deste Regime, a alteração da localização da sede ou do endereço postal está sujeita a inscrição no FCPC, razão por que sobre as sociedades impende o ónus de manter actualizada a sua sede.
Desde logo porque, nos termos do artigo 246.º, n.º 2, CPC, a carta para citação da sociedade é endereçada para a sede inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas.
No regime pregresso, o artigo 236.º estabelecia, no seu n.º 1, que a citação da pessoa colectiva era feita através do envio de carta registada com aviso de recepção para a respectiva sede ou para o local onde funciona normalmente a administração. E, não podendo a citação efectuar-se nesses termos, por aí não se encontrar nem o legal representante, nem qualquer empregado ao seu serviço, procedia-se à citação do representante, mediante carta registada com aviso de recepção, remetida para a sua residência ou local de trabalho, nos termos do disposto no artigo 236.º.
Este regime implicava consulta a base de dados, desviando os funcionários de outras tarefas, o que não se justifica face a obrigatoriedade legal de manter a sede actualizada.
Rompendo com esse modelo burocratizado, o artigo 246.º, n.º 2, CPC, em consonância com o regime previsto para o registo das pessoas colectivas, conferiu relevo a sede da sociedade inscrita no registo.
Como referem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Almedina, vol. I, 2.ª edição, pg. 241,
O regime previsto neste artigo está desenhado à imagem das pessoas coletivas, refletindo a sua natureza especial. A criação de uma pessoa coletiva - ou a participa­ção numa - comporta ónus e deveres, subjetivamente imputáveis ao ente coletivo, assim se explicando a relevância aqui dada ao registo obrigatório da sede.
Assim, enviada a carta registada com aviso de recepção para a sede da sociedade, podem ocorrer as seguintes situações:
a carta de citação é entregue a um representante;
─ a carta é entregue a um empregado;
─ recusa do empregado ou do representante a assinar o aviso ou receber carta;
─ impossibilidade de entrega da carta por outro motivo, designadamente por não se encontrar ninguém na sede.
Na última situação ─ que é a que corresponde a situação dos autos ─, e nas palavras de
Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, vol. I, 4.ª edição, pg. 496,
… é deixado aviso, se posível, aplicando-se os n.ºs 5 e 7 do art. 228. Devolvido o expediente, também se se tratar de pessoa coletiva cuja inscrição no Registo Nacional de Pessoas Coletivas é obrigatória, é repetida a citação, mediante nova tentativa, postal, desta vez com a cominação de que a citação se considera efetuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal, ou, se tiver que ser deixado aviso, no 8.º dia posterior a essa data (art. 230-2). Não sendo de novo possível a entrega, por motivo diferente de recusa, o distribuidor postal deposita a carta em local que certifica ou, sendo isso impossível, deixa aviso termos do art. 228-5 (art. 229-5), considerando-se feita a citação (pessoal: ver o n.º 2 da anotação ao art. 225) na data referida· no art. 230-2.
Em conformidade com o exposto, é irrelevante que o requerente da insolvência tenha referido que a requerida, ora apelante, laborava noutros locais que não o indicado por si na petição inicial. O que conta é a sede constante do FCPC.
Carece igualmente de relevo que o distribuidor postal tenha verificado que a apelante não labora na morada da sede, e que, por essa razão, nenhuma pessoa, gerente, trabalhador ou colaborador, tenha recebido a citação em seu nome.
Na verdade, para além de manter a sede actualizada, sobre a sociedade impende o ónus de diligenciar para que a correspondência que lhe é dirigida seja efectivamente recebida, seja através de reexpedição de correspondência, ou de qualquer outro expediente, v.g., consulta regular do receptáculo postal.
Do exposto resulta que a apelante não logrou demonstrar o preenchimento da alínea e) do n.º 1 do artigo 188.º CPC, o único fundamento de falta de citação cuja aplicação era passível de ser equacionado na situação em apreço: demonstrar que não chegou a ter conhecimento do acto de citação por facto que não lhe fosse imputável.

Improcede, pois, a apelação.




4. Decisão

Termos em que, julgando a apelação improcedente, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela apelante (artigo 527.º CPC).







Porto, 11 de Março de 2025

Márcia Portela
Alberto Taveira
Lina Baptista