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PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO (PEAP)
PLANO DE PAGAMENTOS
FALTA DE APROVAÇÃO UNÂNIME
SUPRIMENTO PELO JUIZ
REQUISITOS
Sumário
I - Nos termos do art. 257º nº 1 do CIRE o plano de pagamentos é tido por aprovado se nenhum credor recusar o plano de pagamentos (aprovação unânime) ou se a aprovação de todos os que se opuseram for objecto de suprimento nos termos do art. 258º do CIRE. II - O art. 258º do CIRE permite que o juiz possa suprir a falta de aprovação unânime do plano de pagamentos, mas essa possibilidade está dependente da verificação cumulativa de duas exigências legais: i. é indispensável que seja apresentado ao tribunal um pedido de suprimento da aprovação por algum dos credores que aceitaram o plano, ou pelo devedor- o suprimento não pode ser da iniciativa do juiz; ii. é indispensável que o plano de pagamentos tenha sido aceite por credores cujos créditos representem mais de dois terços do valor total dos créditos relacionados pelo devedor (maioria qualificada). III - Não pode o Tribunal da Relação apreciar, em sede de recurso, do pedido de suprimento apresentado pelo Apelante, quando esse pedido não foi formulado perante o Tribunal de 1ª Instância e como tal não foi apreciado na sentença recorrida.
Texto Integral
Processo n.1785/24.4T8STS-B.P1- Apelação
Juízo de Comércio de Santo Tirso- ...
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Sumário (elaborado pela Relatora):
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I. Relatório
1.AA, e BB, por requerimento de 14.03.2024, intentaram Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP) ao abrigo do disposto no art. 222º-A do CIRE, alegando estarem numa situação económica difícil, mas recuperável, pretendendo encetar negociações com os seus credores, com vista a com eles concluírem um acordo que permita a sua revitalização. 2. Sob o anexo V apresentaram a seguinte relação de credores:
a) €230.000,00 (Duzentos e Trinta Mil Euros), a que acrescem juros de mora vincendos, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento à A..., S.A., cuja natureza se prende com empréstimo para aquisição de casa própria, apoio à atividade empresarial e, ainda, investimentos imóveis, relativamente, tendo, para o efeito, logrado constituir hipoteca;
b) €50.000,00 (Cinquenta Mil Euros), ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, cuja natureza se prende com as contribuições devidas e legalmente exigíveis pelo erário público;
c) €30.000,00 (Trinta Mil Euros) à Autoridade Tributária e Aduaneira, cuja natureza se prende com as contribuições devidas e legalmente exigíveis pelo erário público;
d) €30.000,00 (Trinta Mil Euros) a CC, proveniente de diversos empréstimos particulares;
e) €18.000,00 (Dezoito Mil Euros) à Instituição bancária Banco 1..., relativo a um crédito pessoal. 3. Por despacho proferido em 15.03.2024 foi ordenado o prosseguimento do PEAP.
4. Por requerimento de 9.04.2024 foi apresentado pelo Administrador judicial provisório a lista provisória de credores, nos termos do art. 222º-D nº 3 do CIRE.
5. Por requerimento de 3.05.2024, o Administrador judicial provisório comunicou o resultado da votação do plano, não tendo sido o mesmo aprovado.
6. Foi proferida decisão em 16.05.2024 a declarar encerrado o processo negocial sem aprovação de acordo de pagamento, nos termos do art. 222º-G nº 1 do CIRE.
7. Por requerimento de 28.05.2024 o Administrador judicial emitiu parecer no sentido de que os devedores se encontravam em situação de insolvência.
8. Notificados do referido Parecer, vieram os Devedores apresentar plano de pagamentos ao abrigo do art. 249º do CIRE e perante o voto contra do credor AT, vieram reformular o Plano por requerimento de 2.07.2024, tendo relacionado os seguintes credores:
a) CC---crédito no valor de €30.000,00;
b) DD---crédito no valor de € 40.000,00;
c) Autoridade Tributária e Aduaneira---crédito no valor de €75.327,16;
d) A..., S.A.---crédito no valor de € 265.981,28;
e) EE---crédito no valor de € 70.000,00;
f) Instituição bancária Banco 1...---crédito no valor de € 21.917,24;
g) Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social---crédito no valor de € 2.786,01;
h) FF---crédito no valor de € 80.000,00;
i) GG---crédito no valor de € 80.000,00.
9. Apresentaram voto contra o plano de pagamentos os credores Banco 1..., SA, A..., SA e Instituto da Segurança Social, IP
10. Foi proferida decisão em 24.08.2024, Ref. Citius 462807701, com o seguinte teor (transcrição). SENTENÇA DE NÃO HOMOLOGAÇÃO “Analisados os autos, não é possível afirmar, com segurança, o valor dos créditos da Autoridade Tributária e Aduaneira (cfr. requerimento de 2.7.2024 e requerimento de 8.7.2024, a que acrescem o email de 9.8.2024, o requerimento de 13.8.2024 e a promoção que antecede). De todo o modo, mostra-se alegado pelos devedores (requerimento de 21.6.2024 e subsequentes) um crédito desta entidade que ascende a €75.327,16, pelo que apenas este valor pode ser considerado (note-se que neste processo / incidente não há lugar a qualquer reclamação de créditos). Por outro lado, dos votos emitidos e juntos aos autos, verifica-se que votaram contra a aprovação do plano de pagamentos os credores A..., S.A., o Instituto da Segurança Social, IP e o Banco 1..., SA, com um total de créditos indicados de €290.684,53. Os demais credores, com um total de créditos indicados de €375.327,16, votaram de forma favorável. Isto significa que aceitaram o plano de pagamentos 56% dos créditos indicados, o que não nos permite afirmar que o indicado plano foi aceite por credores com créditos representativos de mais de dois terços do valor total dos créditos. Assim, não é viável o suprimento da aprovação, a que alude o art. 258º do CIRE (sendo ademais certo que este suprimento não se mostra, de todo o modo, requerido). E, por esta via, não pode igualmente dizer-se que o plano de pagamentos foi aprovado (art. 257º, n.º 1 do CIRE). Não se mostrando aprovado o indicado plano de pagamentos, não pode o mesmo ser homologado (cfr. art. 259º à contrário do CIRE). Notifique e Registe.” 11. Inconformado com a decisão, o Credor CC interpôs recurso de apelação da decisão, formulando as seguintes CONCLUSÕES 1º A sentença recorrida concluiu que o plano de pagamentos não poderia ser homologado por não atingir a maioria de dois terços dos créditos exigida pelo artigo 258.º do C.I.R.E; 2º Essa decisão aplicou uma interpretação rígida da norma legal, sem considerar a finalidade do regime de recuperação, que visa preservar o património dos devedores e satisfazer os credores de forma equilibrada; 3º O C.I.R.E tem como objetivo a viabilização económica dos devedores e a maximização da satisfação dos credores; 4º O artigo 1.º do C.I.R.E estabelece a recuperação como um dos seus princípios centrais; 5º A aplicação literal do artigo 258.º ignorou esses princípios, não levando em conta o apoio de 56% dos créditos ao plano; 6º A interpretação mais flexível deveria ter considerado a viabilidade da recuperação e a preservação dos interesses dos credores favoráveis; 7º A rigidez na aplicação da exigência dos dois terços não é apropriada neste caso, em que houve apoio significativo ao plano; 8º O Tribunal a quo deveria ter ponderado a razoabilidade do plano e a preferência dos credores por uma solução de recuperação em vez da liquidação; 9º A liquidação resultaria em prejuízo para todos os credores, como demonstrado pela prática dos processos de insolvência; 10º A jurisprudência reconhece que o Tribunal pode suprir a falta da maioria qualificada quando há apoio substancial e o plano é viável; 11º O Tribunal a quo deveria ter ponderado o suprimento da aprovação para evitar uma liquidação desvantajosa para os credores; 12º A aplicação rígida do artigo 258.º resultou num erro de julgamento que compromete a recuperação, colocando em risco a satisfação dos créditos; 13º Requer-se a reconsideração da decisão de não homologação, com o suprimento da necessidade de dois terços de aprovação; 14º A sentença desconsiderou o princípio da viabilidade económica e da recuperação, previsto no artigo 1.º do C.I.R.E; 15º Este princípio privilegia a recuperação dos devedores sempre que existam condições para tal, em detrimento da liquidação; 16º O plano de pagamentos, apoiado por 56% dos créditos, reflete a intenção de recuperação dos devedores; 17º A sentença negligenciou a viabilidade da recuperação e a vantagem do plano sobre a liquidação; 18º A jurisprudência sustenta que o Tribunal deve privilegiar a recuperação quando o plano oferece uma alternativa melhor à liquidação; 19º Ao não realizar uma avaliação apropriada da viabilidade do plano, o tribunal comprometeu o interesse dos credores e a eficácia do processo de insolvência; 20º A falha na análise das perspetivas de sucesso do plano prejudicou os credores e a recuperação; 21º Requer-se a reconsideração da decisão, com base na viabilidade do plano e nos benefícios que ele representa para todos os credores; 22º A sentença não valorizou adequadamente a importância dos votos favoráveis dos credores com maior peso económico; 23º Em processos de insolvência, o valor dos créditos deve ser ponderado pelo seu peso económico, e não apenas pela sua quantidade numérica; 24º Os credores de maior peso, ao votar favoravelmente, demonstraram a confiança na viabilidade do plano; 25º O Tribunal a quo desvalorizou a intenção desses credores, que preferem a recuperação à liquidação; 26º A jurisprudência reconhece que o Tribunal deve ponderar o impacto económico dos votos favoráveis e pode suprir a falta da maioria qualificada; 27º A decisão de não homologação prejudicou os interesses dos credores de maior peso, violando o princípio da equidade; 28º Requer-se a homologação do plano, valorizando adequadamente o peso económico dos votos favoráveis; 29º A sentença reconheceu o crédito da AT no valor de €75.327,16, mas admitiu que o valor correto deve ser apurado mediante certidão oficial; 30º A exclusão parcial desse crédito afetou a avaliação da votação, distorcendo o resultado; 31º A inclusão do valor total poderia ter alterado significativamente a votação, possivelmente levando à aprovação do plano; 32º A jurisprudência e a doutrina sustentam que, em caso de incerteza, o tribunal deve adotar uma estimativa provisória; 33º Requer-se que o Tribunal inclua o valor total dos créditos da AT ou adote uma estimativa provisória para garantir uma votação justa. 34º A sentença desrespeitou o princípio da igualdade de credores ao não ponderar adequadamente os votos favoráveis dos credores com maior peso económico; 35º O princípio da igualdade deve ser interpretado de forma substancial, levando em consideração a proporcionalidade e o impacto económico dos votos; 36º A decisão favoreceu indevidamente os credores contrários, sem considerar o peso substancial dos votos favoráveis; 37º O Tribunal a quo prejudicou o equilíbrio negocial entre credores e devedores, ao rejeitar o plano de pagamentos, que representava uma solução negociada e equilibrada; 38º Requer-se a reconsideração da decisão, respeitando a igualdade substancial entre os credores e preservando o equilíbrio negocial; 39º O artigo 258º do C.I.R.E prevê a possibilidade de suprimento judicial da aprovação, em casos onde, embora não se atinja a maioria qualificada, existam condições que justifiquem essa medida; 40º O apoio de 56% dos credores, especialmente os de maior peso económico, justifica o suprimento da aprovação, evitando uma liquidação desvantajosa; 41º O Tribunal deveria considerar o suprimento com base na viabilidade do plano e no interesse da maioria dos credores; 42º A jurisprudência e a doutrina sustentam que o Tribunal deve privilegiar a recuperação sempre que ela seja exequível e benéfica para a maioria; 43º Requer-se o suprimento da aprovação, com base na proteção dos interesses dos credores e na maximização da recuperação; 44º A aplicação rígida do artigo 258.º do C.I.R.E, ao exigir a maioria de dois terços, compromete os princípios da igualdade, proporcionalidade e proteção dos direitos de crédito, consagrados na Constituição; 45º A exigência de dois terços dos créditos, sem considerar o apoio substancial de uma maioria simples, resulta numa desigualdade material entre os credores e é desproporcional face ao objetivo de recuperação; 46º A aplicação literal do artigo 258.º compromete o direito de propriedade dos credores favoráveis ao plano, ao impedir que eles recuperem os seus créditos de forma mais eficiente; 47º Requer-se que seja declarada a inconstitucionalidade do artigo 258.º do C.I.R.E por violação dos princípios constitucionais e que o plano de pagamentos seja homologado. 48º A aplicação rígida do artigo 258.º do C.I.R.E no presente caso pode ser considerada inconstitucional por violar os artigos 13º, 18º, 62º, 80º e 202º da Constituição da República Portuguesa. Concluiu, pedindo que o presente recurso seja dado como procedente e, em consequência: 1) Seja homologado o plano de pagamentos, nos termos expostos pelos devedores, considerando a viabilidade da recuperação, os benefícios para a maioria dos credores e a inconstitucionalidade da aplicação rígida do artigo 258.º do C.I.R.E, uma vez que a jurisprudência reconhece que, em casos onde há uma aprovação substancial, embora não atinja os dois terços, o Tribunal pode suprir essa falta, com base na proteção do interesse da maioria dos credores e na viabilidade económica do plano de recuperação. 12. Não foram apresentadas contra-alegações.
13. Foram observados os vistos legais.
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II. Delimitação do objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
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A questões a decidir, em função das conclusões do recurso, são as seguintes: 1ª Questão- Se houve erro de julgamento quanto à maioria necessária para a aprovação do plano de pagamentos; 2ª Questão-se a imprecisão do montante dos créditos tributários teve impacto na decisão de não homologação do plano de pagamentos; 3ª Questão- se foi violado o princípio da igualdade de credores; 4ª Questão- se o tribunal a quo devia ter suprido a falta de aprovação dos credores com vista a obter a maioria necessária para homologação do plano de pagamento; 5ª Questão- se o pedido de suprimento da aprovação pode ser apresentado nesta instância de recurso; 6ª Questão- se o art. 258º do CIRE é inconstitucional por violar o princípio da igualdade entre os credores (art. 13º da CRP), o princípio da proporcionalidade (art. 18º da CRP) e o princípio do direito de propriedade dos credores favoráveis ao plano (art. 62º da CRP) ou o art. 80º da CRP, face à exigência de aprovação do plano por dois terços dos créditos.
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III. Fundamentação de facto
Para a decisão a proferir relevam todos os factos inerentes à tramitação processual e respectivas peças processuais, constantes do relatório acima elaborado.
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IV. Fundamentação de direito
O Apelante é credor dos devedores, os quais têm processo de insolvência suspenso a aguardar o desfecho do presente incidente de Plano de Pagamentos aos Credores, incidente esse que segue as regras previstas nos arts. 251º a 263º do CIRE.
Gorado que se mostrou o Processo Especial para Acordo de Pagamento que os devedores haviam intentado, por não ter havido acordo dos credores, foi o mesmo declarado encerrado, e em face do parecer do Administrador judicial provisório que concluiu pelo estado de insolvência vieram os devedores apresentar um plano de pagamentos aos credores, optando por não contestar o pedido de declaração de insolvência, como lhes permite o art. 253º do CIRE.
O plano de pagamentos deve conter uma proposta de satisfação dos direitos dos credores que acautele devidamente os interesses destes, de forma a obter a respectiva aprovação, tendo em conta a situação do devedor, conforme previsto no art. 252º nº 1 do CIRE.
Os devedores apresentaram plano de pagamentos e o juiz a quo determinou a suspensão do processo de insolvência até à decisão sobre o presente incidente do plano de pagamentos, tendo feito uma análise liminar sobre a provável viabilidade do plano de pagamentos em termos de vir a merecer aprovação, pois caso tivesse considerado altamente improvável que o plano viesse a merecer aprovação daria por encerrado o incidente, sem que dessa decisão inclusivamente coubesse recurso (art. 255º nº 1 do CIRE ), não o tendo feito.
Não foi o tribunal a quo que inviabilizou o plano de pagamentos apresentado pelos devedores, como o Apelante sugere, porquanto deixou prosseguir o incidente, desse modo permitindo que o plano de pagamentos apresentado pelos devedores fosse submetido a aprovação pelos credores.
Quem não viabilizou o plano de pagamentos apresentado foram os credores, uma vez que a lei exigia para a sua homologação que todos os credores o tivessem aceite, o que não aconteceu. O plano de pagamentos só podia ser homologado pelo juiz a quo se tivesse sido aprovado nos termos dos arts. 257º e 258º do CIRE, conforme consagra o art. 259º nº 1 do CIRE.
Segundo o art. 257º nº 1 do CIRE, o plano de pagamentos é tido por aprovado se nenhum credor tiver recusado o plano de pagamentos (aprovação unânime) sendo este o princípio-regra, cabendo ao conjunto dos credores que foram relacionados como tal pelos devedores (art. 252º nº 4 al. d) do CIRE) essa decisão em função dos seus interesses, ou então se a aprovação de todos os que se oponham for objecto de suprimento nos termos do art. 258º do CIRE.
No caso sob apreciação resulta evidente que não se verifica a primeira daquelas hipóteses, porquanto votaram expressamente contra o plano de pagamentos os credores Banco 1..., SA (crédito garantido no valor relacionado de €21.918,00), A..., SA (crédito garantido no valor relacionado de €265.981,28) e a Segurança Social, IP (crédito privilegiado no valor relacionado de €2.786,01).
O Apelante sustenta que a sentença recorrida concluiu que o plano de pagamentos não poderia ser homologado por não atingir a maioria de dois terços dos créditos exigida pelo art. 258º do CIRE mas está equivocado, porque o tribunal a quo só poderia homologar o plano se houvesse aceitação de todos os credores, pois que a mera maioria de dois terços dos créditos exigida pelo referido preceito legal não bastaria para tal homologação.
Bastava que um credor recusasse o plano de pagamentos, qualquer que fosse o peso do seu crédito no cômputo geral, para que o mesmo não fosse aprovado, como aconteceu, porquanto o art. 257º do CIRE exige para a aprovação do plano de pagamentos que nenhum credor o recuse.
Melhor dizendo, a aprovação do plano de pagamentos supõe a sua aceitação por parte de todos os credores.
Aceitação essa que não ocorreu.
O equívoco radicará na menção que é feita na sentença recorrida à maioria qualificada de dois terços do valor total dos créditos, maioria essa aludida no art. 258º do CIRE, pois não se terá atentado devidamente que aquele dispositivo legal o que permite é que o juiz possa suprir a falta de aprovação unânime do plano de pagamentos, mas essa possibilidade está dependente da verificação cumulativa de duas exigências legais, as quaiso juiz não pode deixar de considerar:
i. é indispensável que seja apresentado ao tribunal um pedido de suprimento da aprovação por algum dos credores que aceitaram o plano, ou pelo devedor- o suprimento não pode ser da iniciativa do juiz[1]; e
ii. é indispensável que o plano de pagamentos tenha sido aceite por credores cujos créditos representem mais de dois terços do valor total dos créditos relacionados pelo devedor (maioria qualificada).
Por conseguinte, só depois de lhe ser apresentado um pedido de suprimento por uma daquelas pessoas (credor que o aprovou, ou devedor) e de confirmar que o plano de pagamentos foi aprovado por credores cujos créditos representem mais de dois terços do valor total dos créditos, é que o juiz estará em condições de poder aferir se deve ou não suprir a falta de aprovação dos demais credores que não aceitaram o plano, aferindo nesse segundo momento se se mostram verificadas as demais condicionantes exigidas pelo art. 258º nº 1 al. a) a c) do CIRE.
Perante esta clarificação do regime legal implementado pelos arts. 257º e 258º do CIRE, a pretensão recursiva do Apelante está votada desde o início ao insucesso, porquanto todas as objecções suscitadas contra a decisão recorrida esbarram naqueles dois obstáculos inultrapassáveis:
1. nenhum credor apresentou requerimento ao tribunal a quo a pedir o suprimento da aprovação dos credores que votaram contra o plano de pagamentos, não o tendo feito os devedores, nem nenhum dos credores que manifestaram a sua aceitação, designadamente o aqui Apelante;
2. ainda que existisse tal pedido de suprimento, os credores que aceitaram o plano apenas totalizam 56% dos créditos relacionados pelos devedores (sendo a questão da incerteza do valor dos créditos tributários irrelevante pois que para este efeito o que conta são os créditos relacionados pelos devedores como expressamente menciona o art. 258º do CIRE)- créditos com a expressão monetária de €375.327,16- quando era preciso que o plano tivesse sido aceite por credores cujos créditos representassem mais de dois terços do valor total dos créditos- créditos com uma expressão monetária de €444.007,793- o que manifestamente não aconteceu.
Contudo, volta-se a frisar, a verificação desta segunda condição também só teria de ser apreciada caso tivesse sido apresentado um pedido de suprimento, sendo este pedido uma condição indispensável à ponderação da possibilidade de suprimento.
Maria do Rosário Epifânio escreve a esse propósito que, “a aprovação dos credores que se tenham oposto ao plano de pagamentos pode ser objeto de suprimento pelo tribunal nos termos do art. 258º, desde estejam reunidos os seguintes requisitos cumulativos. Desde logo, que o plano de pagamentos tenha sido aceite por credores titulares de créditos que representem pelo menos mais de 2/3 do valor total dos créditos relacionados pelo devedor, se tiver sido apresentado requerimento de algum desses credores ou do devedor. E, depois, desde que se verifique uma de duas situações fundamentais: preenchimento de todos os requisitos elencados nas als. a) a c) do nº 1 do art. 258º ou preenchimento do nº 3 do art. 258º.”[2]
Sendo assim, bastava ao tribunal a quo ter fundamentado a não homologação do plano de pagamentos apresentado pelos devedores no facto de alguns credores o terem recusado, sem que lhe tivesse sido apresentado qualquer pedido de suprimento da aprovação dos credores que o haviam recusado.
Sem pedido de suprimento da aprovação não havia que aferir qualquer percentagem dos que haviam aceite o plano, porque nesse caso a já mencionada recusa de aprovação por parte de três credores conduziria de forma inelutável à não homologação do plano.
E no caso sob apreciação a falta daquele pedido de suprimento é inegável, e tanto assim é que o Apelante se viu na contingência de formular esse pedido de suprimento a este Tribunal da Relação, em sede do presente recurso, quando o deveria ter formulado no Tribunal de 1ª Instância, não cabendo a este tribunal de recurso aprecia-lo quando não foi anteriormente apreciado na sentença recorrida porque não lhe havia sido suscitado anteriormente para decisão.
Assim sendo, enquanto questão nova, dela não pode tomar conhecimento este Tribunal, que se limita a reapreciar decisões proferidas pelo tribunal recorrido, não podendo conhecer de questões não antes conhecidas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, não sendo este o caso (neste sentido Ac STJ de 2/2/2023, Proc. Nº 314/19.6YHLSB.L2.S1, www.dgsi.pt).
Neste sentido, entre outros, A. Abrantes Geraldes escreve que, “(…) a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. Seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente temos seguido um modelo de reponderação, que visa o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame no sentido da repetição da instância no tribunal de recurso.”[3]
Também F. Amâncio Ferreira refere que, (…) vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.”[4]
Deste modo, impedida como está esta instância de recurso de conhecer daquela pretensão de suprimento- questão nova- a qual não é de conhecimento oficioso, dela não se conhecerá.
Não obstante, para além de se tratar de uma questão nova, insuscetível de ser conhecida em sede de recurso, afigurando-se-nos inclusivamente extemporânea[5], caso se entenda, o que não se concede, que a sentença recorrida implicitamente indeferiu o pedido de suprimento, ao ter feito alusão à falta da maioria de dois terços, também não poderia ser reapreciada tal decisão uma vez que, nos termos do art. 258º nº 4 do CIRE, não cabe recurso da decisão que indefira o pedido de suprimento da aprovação de qualquer credor.
Consequentemente, colocado perante a recusa do plano de pagamentos por três credores, não havendo aceitação unânime, nem possibilidade de suprimento dos credores que não o aceitaram porque não lhe fora apresentado esse pedido, nunca poderia o tribunal a quo homologar o plano de pagamentos apresentado pelos aqui devedores, qualquer que fosse o seu conteúdo ou as virtualidades que lhe foram apontadas pelo Apelante.
É totalmente inconsequente debruçarmo-nos, como pretende o Apelante, sobre a alegada aplicação literal do art. 258º do CIRE pelo tribunal a quo sem tomar em devida conta a finalidade do regime de recuperação, ou sobre o facto de não ter levado em conta o apoio significativo de 56% dos créditos, não ter ponderado a razoabilidade do plano e a preferência dos credores por uma solução de recuperação em vez da liquidação desvantajosa para os credores, porque de nada importa se o plano de pagamentos foi apoiado por 56% dos créditos, ou se tinha vantagem sobre a liquidação, porque para que o tribunal o pudesse homologar tinha de ter sido aprovado por todos os credores ou ter sido pedido, e deferido, o suprimento dos três credores que o recusaram.
Não o tendo sido, nem tendo sido pedido o suprimento da aprovação dos credores que não o aceitaram, não restava outra alternativa ao tribunal a que que não fosse recusar a homologação do plano de pagamentos.
Faz pouco sentido que o Apelante se queixe que o tribunal a quo fez uma avaliação inapropriada da viabilidade do plano e com isso tenha prejudicado os credores e a recuperação dos devedores, quando o tribunal não fez nem podia ter feito um juízo sobre a possibilidade de suprimento da falta de aprovação dos credores que o haviam rejeitado em função do tipo e virtualidades do plano, pois nem os devedores, nem sequer o aqui Apelante, lhe pediram que suprisse a falta de aprovação daqueles três credores que o haviam rejeitado, tendo obrigação de saber que sem esse pedido não havia aceitação de todos os credores, e como tal falhava essa condição indispensável à homologação do plano.
Salvo o devido respeito, o Apelante só dele próprio se pode queixar, porquanto os argumentos que agora suscita e o pedido de suprimento que só agora formula deviam ter sido apresentados perante o Tribunal de 1ª Instância, sem que o tenha feito.
Deste modo, é irrelevante também o conhecimento da alegada incerteza sobre o valor dos créditos da AT, sobre a alegada violação do princípio da igualdade substancial entre credores, proporcionalidade e proteção dos direitos de crédito, porque não foi recusada a homologação do plano de pagamentos por aplicação do art. 258º do CIRE, mas por aplicação pura e simples dos arts. 257º e 259º do CIRE.
Não há motivos para aflorarmos a questão da inconstitucionalidade do art. 258º do CIRE apontada pelo Apelante quanto à maioria exigida para o suprimento, porque, voltamos a repetir, não foi pedido ao tribunal a quo que procedesse ao suprimento da aprovação dos credores que o rejeitaram, qualquer que fosse a maioria dos que o aprovaram.
Em suma, não tendo o plano de pagamentos sido aprovado por todos os credores, nem tendo sido pedido o suprimento de aprovação dos que o rejeitaram, é totalmente inconsequente debruçarmo-nos sobre as demais questões colocadas pelo Apelante nas conclusões do presente recurso, cujo conhecimento se considera prejudicado.
Perante a improcedência dos argumentos recursivos confirma-se a sentença recorrida.
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V. DECISÃO:
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso interposto pelo Apelante, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do Apelante.
Notifique.
Porto, 11.03.2025
Maria da Luz Teles Meneses de Seabra
(Relatora)
Márcia Portela
(1ª Adjunta)
Ramos Lopes
(2º Adjunto)
(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
___________________________ [1] Neste mesmo sentido CIRE Anotado, A. Carvalho Fernandes e João Labareda, 3ª Edição, pág. 896; Ac RC de 8.05.2018, Proc. Nº 4500/17.5T8VIS-A.C1, www.dgsi.pt [2] Manual de Direito da Insolvência, 8ª Edição, Almedina, pág. 426 [3] A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 139 e 140 [4] Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 147 [5] Ver nesse sentido CIRE Anotado, Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, pág. 701.