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OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
INJUNÇÃO
USO INDEVIDO
EXECUÇÃO
EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
INDEFERIMENTO LIMINAR PARCIAL
Sumário
I - De acordo com a articulação do disposto no art. 857º do CPC com o art. 14º-A nº 2 al. a) do DL nº 269/98 de 1.09, podendo o executado invocar, em sede de embargos de executado a execução fundada em requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, a alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou a ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso (não existindo preclusão desses fundamentos de defesa em sede de execução), por maioria de razão poderá o Tribunal competente para tramitar tal execução delas conhecer oficiosamente, em despacho liminar, à luz do art. 726º nº 2 al. b) do CPC. II. As quantias referentes a custos administrativos relacionados com diligências de cobrança da dívida não podem ser reclamadas em sede de injunção por não serem obrigações pecuniárias emergentes do próprio contrato, mas obrigações pecuniárias emergentes de responsabilidade civil, enquanto danos decorrentes de um incumprimento contratual, pelo que, se forem reclamadas em sede de execução deverá ser proferido despacho de indeferimento liminar parcial do requerimento executivo.
Texto Integral
Processo n.1228/24.3T8VLG-A.P1 Apelação
Juízo de Execução de Valongo- Juiz 1
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Sumário (elaborado pela Relatora):
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I. Relatório
1.A..., SA intentou execução sumária para pagamento de quantia certa contra AA com vista à cobrança da quantia de €3.408,91, apresentando como títulos executivos dois requerimentos de injunção, aos quais foi aposta fórmula executória-injunção nº ...,injunção nº ...-, alegando no requerimento executivo que apesar de ter sido notificado no âmbito das injunções que servem de base à presente execução, o executado não procedeu ao pagamento dos valores reclamados, sendo devedor da aludida quantia, acrescida de (i) juros de mora vencidos e vincendos, contabilizados à taxa legal comercial desde a data de entrada das injunções até efectivo e integral pagamento, (ii) juros à taxa de 5% ao ano, calculados sobre os títulos executivos desde a data de aposição das fórmulas executórias até efectivo e integral pagamento, nos termos dos art.º 21º e 13º alínea d) do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, os quais revertem em partes iguais para a Exequente e para o Cofre Geral dos Tribunais, (iii) das quantias exigíveis nos termos do art.º 33º, n.º 4 da Lei 32/2014, de 30.05 [art.º 5º, alínea c) vi) e vii) do mesmo diploma] e art.º 26º, n.º 3 alínea c) do RCP.
2. Foi proferido despacho em 11.04.2024, Ref. Citius 458933430, com o seguinte teor: “Convida-se a exequente a vir esclarecer, dos valores que reclama e diz “dependente de simples cálculo aritmético”, quais os que respeitam às quantias exigíveis nos termos do art.º. 33º. nº. 4 da L. 32/2014 e quais as que reclama ao abrigo do disposto no artº. 26º. nº. 3 al. c) do RCP. Mais deverá esclarecer, dos valores que reclama no procedimento de injunção, qual o que respeita à invocada cláusula penal. Até que se mostre regularizado o processado deverá a Srª. AE abster-se da prática de qualquer ato. D.n.”
3. A exequente respondeu ao referido despacho mediante a apresentação de requerimento com o seguinte teor: “A..., S.A., Exequente nos autos à margem identificados em que é Executado AA, tendo sido notificada do despacho proferido, vem esclarecer que o valor dependente de simples cálculo aritmético resulta da soma das seguintes rubricas: • Taxa de justiça Pepex: 94,10 Euros - Art.º. 33º. nº. 4 da L. 32/2014 • Custas de parte: 19,13 Euros - Artº. 26º. nº. 3 al. c) do RCP • Juros compulsórios: 178,76 Euros • Juros da Execução: 370,84 Euros Mais vem informar que não se encontra peticionado qualquer valor relativo a cláusula penal.”
4. Foi proferido despacho liminar em 2.05.2024, Ref Citius 459530347, com o seguinte teor (transcrição integral): “A..., S.A. veio interpor a presente ação executiva contra AA com vista ao pagamento da quantia de € 3.408,91 e dando à execução o requerimento de injunção nº. ... no valor de € 407,60 e no qual reclama o pagamento da quantia de € 100,00 “a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida” e o requerimento de injunção nº. ... no valor de € 2.338,48 valor que inclui o de € 360,91 “a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida”. No requerimento executivo faz acrescer ao valor de € 2.746,08, valor que diz corresponder ao valor dos títulos, a quantia de € 662,83 que diz respeitar aos juros de mora contabilizados à taxa legal comercial desde a entrada da injunção, dos juros compulsórios e das quantias exigíveis nos termos do art.º. 33º. nº. 4 da L. 32/2014 e artº. 26º. nº. 3 al. c) do RCP. Notificada para vir esclarecer que montantes respeitam às quantias exigíveis nos termos do art.º. 33º. nº. 4 da L. 32/2014 e quais as que reclama ao abrigo do disposto no artº. 26º. nº. 3 al. c) do RCP veio dizer que reclamada ao abrigo do artº. 33º. nº. 4 da L. 32/2014 € 94,10 e ao abrigo do artº. 26º. nº. 3 al. c) do RCP, € 19,13. Nos termos do artigo 7º do DL n.º 269/98 de 1 de setembro (DL n.º 269/98 de 1 de setembro)considera-se injunção “a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003 de 17 de fevereiro”. Do exposto, resulta que são duas as situações que podem fundamentar o uso deste processo especial: transações comerciais nos termos do Decreto-Lei n.º 32/2003 de 17 de Fevereiro e o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato de valor não superior a 15.000 Euros. Do alegado pela exequente e dos requerimentos de injunção dados à execução resulta que estes foram intentados, na parte em que respeitam às quantias de € 100,00 e € 360,91, não para o cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, mas, antes, para fazer valer direitos indemnizatórios concernentes à responsabilidade contratual inerente ao incumprimento do contrato celebrado com o executado. Ora, como resulta do artº. 1º. do D.L. 269/98, o procedimento de injunção destina-se a “exigir o cumprimento de obrigações pecuniária emergentes de contratos”, ou seja, obrigações consistentes na entrega de dinheiro em sentido estrito e não obrigações de valor, como é o caso das cláusulas penais, sejam elas indemnizatórias ou compulsórias ou qualquer outra indemnização a título de responsabilidade contratual em que o valor pecuniário traduz apenas a liquidação do valor da obrigação. Nas palavras de Salvador da Costa, o regime processual da injunção “só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual.” –A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 6ª. ed., pág. 48. No mesmo sentido pode ver-se Paulo Duarte Teixeira, Os Pressuposto Objectivos e Subjectivos do Procedimento de Injunção, in Themis, VII, págs, 184 e 185. Temos, assim, que a atuação da exequente, ao pretender obter título executivo relativamente ao pagamento das prestações do preço dos seus serviços, bem como das quantias de € 100,00 e € 360,91 a título de indemnização pelas despesas de cobrança, não é “compatível com a natureza do procedimento. Este uso indevido do procedimento de injunção, constitui uma exceção dilatória inominada que afeta “todo o procedimento de injunção, designadamente a aposição da fórmula executória, por não se mostrarem reunidos os pressuposto legalmente exigidos para a sua utilização (as condições de natureza substantiva que a lei impõe para que seja decretada a injunção) não permitindo o aludido vício qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento, pois caso contrario, estava encontrado o meio para, com pensado propósito de, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, se defraudar as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção” – Ac. da RP de 8 de novembro de 2022, proferido no Proc. nº. 901/22.5T8VLG-.P1, relatado pela Srª. Desembargadora Alexandra Pelayo. Os procedimentos de injunção deviam ter sido recusados pela secretaria com fundamento na pretensão neles deduzidas não se ajustar à finalidade do procedimento, em conformidade com o que dispõe o artº 11º n.º 1 al. h) do Regime Anexo ao Dec. Lei 269/98 de 01/09, na redação introduzida pelo Dec. Lei 107/2005 de 01/07 ou, não o tendo sido, sempre devia o secretário judicial ter recusado a aposição da formula executória, conforme prevê o artº 14º n.º 3 do citado diploma. E não obstante a questão não tenha sido suscitada nos procedimentos de injunção pelo requerido, nada obsta a que na ação executiva ela possa ser apreciada uma vez que estamos perante um título executivo ilegal, porquanto obtido à revelia dos pressupostos legalmente exigidos para o recurso ao procedimento de injunção Estamos, assim, perante uma exceção dilatória inominada, insuprível, de conhecimento oficioso, que tem como consequência a absolvição da instância – cfr. artº. 576º. nº. 2 do e 578º. CPC – relativamente às quantias reclamadas a título de indemnização pelas despesas de cobrança. Quanto à quantia reclamada com fundamento no disposto no artº. 26º. nº. 3 al. c) do RCP: A liquidação da obrigação de pagamento das custas de parte que o artº. 533º. do CPC faz recair sobre a parte vencida é regulada pelas normas dos artºs. 25º. e 26º. do RCP, devendo a mesma e a respetiva interpelação ocorrer até ao momento previsto no nº 1 do artigo 25º do RCP. e as que venha a ter direito em virtude da interposição da presente execução apenas são reembolsáveis a final e nos termos do disposto no artº. 541º. do C.P.C. e Regulamento das Custas Processuais. Do que se conclui que carece em absoluto de título a pretensão da exequente de receber a quantia de € 19,13 a título de custas de parte previstas no artº. 26º. nº. 3 al. c) do Regulamento das Custas Processuais. Pelo exposto, e ao abrigo do disposto no artº. 726º. nº. 2 al. b) e 734º. nº. 1 do CPC rejeito a presente execução relativamente à quantia de € 480,04, prosseguindo os autos para cobrança das quantias de € 307,60 (requerimento de injunção nº. 104154/22.2YIPRT), € 1.977,57 (requerimento de injunção nº. ...) e € 94,10, acrescidas dos juros moratórios a contar da entrada dos requerimentos injuntivos e dos juros compulsórios a contar da data de aposição da formula executória calculados sobre o capital em dívida nos valores de € 227,98 e € 1.804,56, respetivamente. Custas do decaimento pela exequente. Notifique.” 5. Inconformada, a Exequente interpôs recurso de apelação da decisão de indeferimento liminar parcial, formulando as seguintes CONCLUSÕES 1. Considerou o Tribunal a quo existir exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção, absolvendo a Apelado da instância, no valor de €100,00 e 360,91 respeitante à indemnização pelos encargos com a cobrança da dívida, 2. Por a Autora ter lançado mão de injunção destinada a exigir o cumprimento de obrigação emergente de contrato e do não cumprimento do mesmo. 3. Salvo, porém, o devido respeito, tal decisão carece de oportunidade e fundamento, sendo contrária à Lei. 4. Desde logo porque a lei não habilita o Tribunal a quo a conhecer oficiosamente de exceções dilatórias relacionadas com o conteúdo do título executivo; 5. Das causas admissíveis de indeferimento liminar do requerimento injuntivo constantes do art. 726º do CPC não resulta o uso indevido do procedimento de injunção; 6. Permitir-se ao juiz da execução pronunciar-se ex officio relativamente à exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção esvaziaria de função o artigo 14º-A nº 2 do DL 269/98, de 01 de setembro, e atentaria contra o princípio da concentração da defesa ínsito no artigo 573º do CPC. 7. A sentença proferida pelo Tribunal a quo trata-se de um indeferimento liminar da petição inicial, o que legitima a apresentação do presente recurso. Sem prescindir, 8. A injunção é um meio adequado para peticionar ao devedor o pagamento dos referidos custos administrativos relacionados com diligências de cobrança da dívida. 9. Outra conclusão seria manifestamente contrária ao “espírito” legislativo associado à criação do DL 269/98, de 01 de Setembro, conforme decorre, indubitavelmente da leitura do preâmbulo deste diploma legal. Concluiu, que por tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão recorrida, ao rejeitar, liminarmente, a execução, violou, nomeadamente, o artigo 726º nº 2 do C.P.C, bem como violou o artigo 1º do diploma preambular anexo ao DL 269/98, de 01 de Setembro e o art. 590º do CPC e, consequentemente deverá ser revogada e substituída por decisão que admita o requerimento executivo e mande prosseguir os autos. 6. Não foi apresentada resposta ao recurso. 7. Foram observados os vistos legais.
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II. Delimitação do Objecto do Recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
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A questão a decidir, em função das conclusões do recurso, é a seguinte: -se a exequente fez um uso indevido do procedimento de injunção e se tal pode fundamentar despacho de indeferimento liminar do requerimento executivo.
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III. Fundamentação de Facto
Para a decisão a proferir relevam todos os factos, inerentes à tramitação processual e respectivas peças processuais, constantes do relatório acima elaborado, tendo-se procedido à consulta integral dos autos para prolação da presente decisão.
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IV. Fundamentação Jurídica
Estando-se perante uma execução que tem como título executivo requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, afigura-se-nos correcto o enquadramento legal vertido na sentença recorrida, do qual a Apelante não dissente, e como tal consideramos despiciendo sobre ele tecer outras considerações que não sejam as estritamente necessárias para contextualizar a questão decidenda.
Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva (art. 10º nº 5 do CPC), estando os títulos executivos enumerados taxativamente no artigo 703º do CPC, nos quais se incluem os documentos a que por disposição especial seja atribuída força executiva, como é o caso do requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, nos termos da articulação dos arts. 21.º n.ºs 1 e 2 do DL 269/98 de 1.09 e art.º 703º al. d) do CPC[1].
A injunção constitui a providência que tem por fim conferir força executiva ao requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000,00 (art. 7º do DL nº 269/98 de 1.09) ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo DL n.º 62/2013 de 10-5 o qual confere ao credor o direito de recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.
Nos termos do artº. 7º do DL 269/98 de 1.09, este procedimento de injunção só deve ser usado tendo por fundamento o incumprimento de obrigações emergentes de transações comerciais ou de obrigações pecuniárias emergentes de contratos.
O que se deve entender como estando abrangido na expressão “obrigação pecuniária emergente de contrato” tem sido objecto de aturado labor jurídico, mormente da jurisprudência, que embora se tenha debruçado com mais vigor sobre a questão da inclusão ou não nessa expressão da denominada cláusula penal, não deixou, contudo, de abordar essa questão também relativamente a outras importâncias que o requerente da injunção tem por hábito incluir no requerimento injuntivo, como é o caso das quantias referentes aos custos suportados com a cobrança da dívida.
E é precisamente por entender que esse tipo de quantias está contido no título executivo dado à execução pela Apelante, cujo requerimento executivo o Tribunal a quo em parte indeferiu liminarmente, que a Apelante suscita o presente recurso, argumentando que tal decisão carece de oportunidade e fundamento, sendo contrária à lei, resumindo essencialmente a sua argumentação a quatro pontos:
i. a lei não habilita o Tribunal a quo a conhecer oficiosamente de excepções dilatórias relacionadas com o conteúdo do título executivo;
ii. das causas admissíveis de indeferimento liminar do requerimento executivo constantes do art. 726º do CPC não resulta o uso indevido do procedimento de injunção;
iii. permitir-se ao juiz da execução pronunciar-se ex officio relativamente à excepção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção esvaziaria de função o art. 14º-A nº 2 do DL 269/98 de 1.09 e atentaria contra o princípio da concentração da defesa ínsito no art. 573º do CPC;
iv. a injunção é um meio adequado para peticionar ao devedor o pagamento dos referidos custos administrativos relacionados com diligências de cobrança da dívida.
Como veremos, a argumentação apresentada pela Apelante não nos merece acolhimento.
A Apelante admite, tal como o faz a maioria da doutrina e da jurisprudência[2], que o uso indevido do procedimento de injunção consubstancia uma excepção dilatória inominada, porém, sustenta que em sede de execução essa excepção não pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal.
Afigura-se-nos, porém, que o uso indevido do procedimento de injunção enquanto excepção dilatória, insuprível, de conhecimento oficioso, também em sede executiva pode e deve ser conhecida em despacho liminar, por resultar na violação de regras relativas a pressupostos processuais[3]- art. 578º do CPC- que cairá dentro da previsão do art. 726º nº 2 al. b) do CPC, ao traduzir-se na cobrança coerciva de quantias que não podem ser reclamadas em sede de injunção e como tal não se podem considerar contidas de forma válida no título executivo.
Como se pode ler no artigo da Revista Julgar, da autoria de Henrique Simões “(…) tendo sido aposta fórmula executória ao requerimento de injunção e tendo sido intentada a competente ação executiva com base nesse título ou tendo havido oposição e o procedimento sido convolado em ação declarativa, o uso indevido do procedimento de injunção configura exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso.”[4]
O argumento da Apelante de que o executado pode invocar tal fundamento de oposição à execução baseada em requerimento de injunção, à luz do art. 14º-A nº 2 do DL nº 269/98 de 1.09, não impede que o juiz em despacho liminar conheça desse mesmo fundamento enquanto excepção dilatória insuprível de conhecimento oficioso, pelo contrário, reforça o entendimento contrário ao perfilhado pela Apelante, pois que, se de acordo com a articulação do disposto no art. 857º do CPC com o art. 14º-A nº 2 al. a) do DL nº 269/98 de 1.09, o executado, em sede de embargos de executado a execução fundada em requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, pode invocar a alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso(não existindo preclusão desses fundamentos de defesa em sede da execução),por maioria de razão poderá o Tribunal competente para tramitar tal execução delas conhecer oficiosamente, em despacho liminar, à luz do art. 726º nº 2 al. b) do CPC.
A propósito da possibilidade de conhecimento da excepção dilatória inominada do uso indevido do procedimento de injunção mesmo em sede da execução de injunção à qual tenha sido aposta a fórmula executória, e no sentido de que o mesmo, a verificar-se, determina o indeferimento liminar do requerimento executivo, a decisão recorrida acolheu o entendimento perfilhado no Ac RP de 8.11.2022[5], também por nós sufragado, sendo disso mesmo elucidativo o respectivo sumário: “I - O regime legal da ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos previsto no DL 269/98 de 1/09, só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual. II - Assim, só pode ser objeto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes do contrato, mas já não pode ser peticionado naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil. III - A injunção à qual foi aposta fórmula executória nestas circunstâncias está assim afetada de vício que constitui exceção dilatória inominada justificativa do indeferimento liminar da execução, que será parcial em face da coligação de pedidos que exijam formas de processo distintas.”[6]
Nesse aresto justificou-se a confirmação da decisão recorrida do indeferimento liminar da execução, tecendo-se as seguintes considerações, que pela sua pertinência aqui se reproduzem: “Terá assim de concluir-se que, tendo a ora exequente, optado por recorrer ao procedimento de injunção para obter título executivo cumulando pretensão por dívidas referentes a prestações pecuniárias emergentes de contrato com indemnização por incumprimento contratual, onde incluiu também a indemnização pelas despesas originadas com a cobrança da dívida), não sendo tal atuação compatível com a natureza do procedimento, existe um efetivo vício que constitui exceção dilatória inominada, afetando todo o procedimento de injunção, designadamente a aposição da fórmula executória, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização (as condições de natureza substantiva que a lei impõe para que seja decretada a injunção), não permitido o aludido vício qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento, pois caso contrário, estava encontrado o meio para, com pensado propósito de, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, se defraudar as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção. (ver neste sentido o Ac STJ 14/2/2012, no processo 295/04.OTBOFR.C1.S1 Constata-se pelo exposto, a falta de um pressuposto processual da ação executiva, isto é a falta de título exequendo, atenta a ilegalidade do título oferecido com o requerimento executivo, pelo que a presente execução não poderia ter passado a fase liminar. Na situação dos autos está-se perante uma cumulação objetiva de pedidos, a que é aplicável, ex vi do disposto no art 555ºnº 1 do CPC, a disposição do art 37º, referente aos obstáculos à coligação, onde se dispõe que «a coligação não é admissível quando aos pedidos correspondam formas de processo diferentes». É o caso do pedido referente à cláusula penal e da indemnização pelas despesas peticionadas, pois, como acima já se acentuou, tal pedido não pode “tout court” ser exigido através de injunção – corresponde-lhe forma de processo diferente do procedimento processual da injunção, o que sucede por razões de finalidade. O recurso ao procedimento de injunção quando este não se ajusta à pretensão formulada, acarreta erro na forma do processo, nulidade de conhecimento oficioso que pode ser conhecida em sede execução cujo título executivo é o requerimento injuntivo ao qual, embora ao arrepio da lei, tinha sido atribuída força executória, implicando o indeferimento liminar parcial da execução, nos termos dos artigos artº. 726º. nº. 2 al. a) e 734º. do CPC, tal como se entendeu na decisão recorrida que urge confirmar.”
No mesmo sentido, e mais uma vez no âmbito de uma execução cujo título executivo era uma injunção, abordando inclusivamente a questão da importância reclamada a título de despesas de cobrança, pode ler-se no Ac RP de 27.09.2022, que “o procedimento de injunção não é meio processual próprio para se peticionar o pagamento de uma quantia a título de cláusula penal indemnizatório ou qualquer outra quantia a título de indemnização pelos encargos com a cobrança da dívida. Intentando-se a execução dando-se como título executivo injunção de onde resulte que abrange semelhantes quantias, há que se verificar o erro na forma de processo, excepção dilatória de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância, devendo-se indeferir liminar e parcialmente, em conformidade, o requerimento executivo.”[7]
O indeferimento liminar parcial do requerimento executivo, com fundamento no erro na forma do processo foi também sustentado no Ac RP de 26.09.2022, dele constando que “Deve ser liminarmente indeferido o requerimento executivo quanto aos pedidos indemnizatórios referidos, porquanto o erro na forma de processo não permite qualquer adequação processual ou convite a aperfeiçoamento, consubstanciando nulidade de todo o processo e que conduz à absolvição da instância – artºs 193º, 576º, nº 2, 577º nº 1 al. b) e 578º todos do CPCivil e artº 14º-A nº 2 al. a) do Regime dos Procedimentos, DL nº 269/98 de 01/09.”[8]
Este parece-nos ser o entendimento mais consentâneo com a coerência do regime estabelecido para o procedimento de injunção, porquanto, se o requerente não puder peticionar determinadas importâncias através do recurso ao procedimento de injunção sob pena de incorrer em uso indevido desse meio processual e se esse uso indevido consubstancia uma excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso, ainda que tal excepção não seja suscitada naquele procedimento, deverá poder ser conhecida oficiosamente pelo tribunal em sede de execução cujo título seja a injunção à qual tiver sido aposta fórmula executória, por existir um vício que afecta a própria formação do título executivo, sob pena de o exequente poder obter em sede executiva aquilo que não podia obter em sede de injunção.
Quanto à argumentação da Apelante de que a injunção é o meio adequado para peticionar o pagamento dos encargos administrativos atinentes às diligências de cobrança da dívida, também se afigura maioritária a jurisprudência que repudia tal entendimento.
A propósito da abrangência da “obrigação pecuniária emergente do contrato” já subscrevemos[9] o Ac RP de 23.04.2024 do qual se pode ler que “Sobre a noção de obrigação pecuniária, Antunes Varela esclareceu que se trata de uma obrigação cuja prestação consiste em dinheiro, visando proporcionar ao credor o valor que as respectivas espécies possuam como tais. Distingue-se das dívidas de valor “que não têm directamente por objecto o dinheiro mas uma prestação desta natureza ou a atribuição de certo poder aquisitivo, sendo o dinheiro apenas um ponto de referência ou um meio necessário de liquidação da prestação. O dinheiro deixa de ser nelas um instrumento (procurado) de trocas, para ser apenas a medida do valor de outras coisas ou serviços. Será, por exemplo, o caso do direito à legítima, quando integrada em dinheiro; é o caso da indemnização, quando a reconstituição natural (a reparação em espécie) não seja possível.” Neste sentido, e concretamente sobre a interpretação da noção de obrigação pecuniária à luz do diploma que instituiu o mecanismo da injunção, Paulo Duarte Teixeira refere que são “(…) apenas aquelas que se baseiam em relações contratuais cujo objecto da prestação seja directamente a referência numérica a uma determinada quantidade monetária (…) daqui resulta que só pode ser objecto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias directamente emergentes de contrato, mas já não pode ser peticionado naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil. O pedido processualmente admissível será, assim, a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objecto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro».” A jurisprudência maioritária tem destacado que a obrigação pecuniária stricto sensu é a única cujo cumprimento pode ser exigido mediante o procedimento de injunção. No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20/02/2020 esclarece-se que “o critério de distinção entre as dívidas de dinheiro e as dívidas de valor reside no seguinte: nas dívidas de dinheiro a prestação pecuniária é a prestação devida; já nas dívidas de valor, a prestação pecuniária é uma prestação substitutiva da prestação devida. Exemplo paradigmático das dívidas de valor é o das dívidas indemnizatórias, face à consagração, nos artº 562 e 566º do CC do princípio da prioridade da indemnização em espécie sobre a indemnização em dinheiro. (Cf. Nuno Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, pág. 369). Exemplo paradigmático das obrigações pecuniárias de quantidade ou dívidas em dinheiro é a obrigação de pagar o preço, na compra e venda, na empreitada, ou a obrigação de pagar a renda ou aluguer nos contratos de concessão de gozo.” Subscrevendo o entendimento perfilhado no citado aresto também se reconhece que a interpretação da norma, tendo presente a finalidade estruturalmente simplificadora deste mecanismo processual, apenas permite incluir no seu âmbito as obrigações pecuniárias (de dinheiro) como prestação principal do contrato e já não as dívidas de valor liquidáveis em moeda.”[10]
Partindo deste pressuposto e reconduzindo-se as obrigações pecuniárias emergentes de contrato passíveis de ser reclamadas através de procedimento de injunção apenas e só às obrigações pecuniárias de quantidade ou dívidas em dinheiro, e não também às dívidas de valor que se destinem a ressarcir danos decorrentes do incumprimento contratual, é nosso entendimento que as quantias referentes a custos administrativos relacionados com diligências de cobrança da dívida não podem ser reclamados em sede de injunção por não serem obrigações pecuniárias emergentes do próprio contrato, mas obrigações pecuniárias emergentes de responsabilidade civil, por danos decorrentes de um incumprimento contratual.
Em reforço desta nossa posição, referimos, entre outros, o Ac RP de 4.07.2024, segundo o qual “Não cabe no âmbito do procedimento de injunção geral, o pedido de pagamento de encargos associados à cobrança da dívida, os quais constituem danos decorrentes do incumprimento contratual, não sendo obrigação directamente emergente do contrato.”[11]
Assim também se decidira no Ac RP de 12.07.2023 nos termos do qual “Não cabe no âmbito das “outras quantias devidas”, no que respeita ao procedimento de injunção geral, o pedido de pagamento de encargos associados à cobrança da dívida, os quais constituem danos decorrentes do incumprimento contratual, não sendo obrigação directamente emergente do contrato”[12]
Realça-se que a inclusão desses encargos na injunção apesar de expressamente prevista para o caso de transações comerciais abrangidas pelo DL nº 62/2013 de 10.05 no art. 7º, não é aplicável ao caso uma vez que as transações comerciais estabelecidas entre a Apelante e o Apelado (este na qualidade de consumidor como fez menção a Apelante no formulário de injunção) estão excluídas desse diploma nos termos do art. 2º nº 2 al. a). [13]
De resto, se o legislador teve necessidade de prever os custos de cobrança no artigo 7.º do DL n.º 62/2013 é porque considerou que estes não estavam incluídos nas "outras quantias" referidas no artigo 10.º, n.º 2, al. e), do DL n.º 269/98.
No caso sob apreciação, uma vez que a Apelante apresentou como título executivo injunção à qual foi aposta fórmula executória, tendo peticionado a cobrança coerciva de valores a “título de indemnização pelos encargos com a cobrança da dívida” para os quais usou indevidamente do procedimento de injunção, tal configura erro na forma de processo, que constitui uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, passível de conduzir ao indeferimento liminar do requerimento executivo.
Pelo exposto, andou bem o Tribunal a quo ao indeferir liminarmente, de forma parcial, o requerimento executivo, uma vez que a exequente só pode executar as quantias para as quais a injunção constituía a forma de processo adequada, não podendo reclamar do executado as quantias relativas aos encargos atinentes à cobrança da dívida que não têm cabimento no âmbito da injunção.
Por conseguinte, improcedendo a argumentação recursiva, confirma-se a decisão recorrida.
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V. Decisão
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da Apelante, que ficou vencida.
Notifique.
Porto, 11.03.2025
Maria da Luz Teles Meneses de Seabra
(Relatora)
Alberto Paiva Taveira
(1º Adjunto)
Artur Dionísio Oliveira
(2º Adjunto)
(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
_______________________________ [1] A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe Pires de Sousa, CPC Anotado, Vol. II, pág. 29 [2] Entre outros Ac RP de 14.09.2023, Proc nº 109743/21.8YIPRT.P1 e Ac RC de 11.12.2024, Proc. Nº 143012/23.4YIPRT.C1, www.dgsi.pt [3] A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe Pires de Sousa, CPC Anotado, Vol. I, pág. 682 [4] O âmbito de aplicação material do procedimento de injunção, Julgar.pt, Março de 2024 [5] Também subscrito pelo aqui 1º Adjunto [6] Proc. Nº 901/22.5T8VLG-A.P1, www.dgsi.pt [7] Proc. Nº 418/22.8T8VLG.-A.P1, www.dgsi.pt [8] Proc. Nº 756/22.0T8VLG-A.P1, www.dgsi.pt [9] A aqui Relatora e o 2º Adjunto [10] Proc. Nº 55201/23.3YIPRT.P1, www.dgsi.pt [11] Proc. Nº 3368/23.7T8VLG-A.P1, www.dgsi.pt [12] Proc. Nº 3889/21.6T8VLG-A.P1, www.dgsi.pt [13] Neste sentido Ac RC de 11.12.2024, Proc. Nº 143012/23.4YIPRT.C1, www.dgsi.pt