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CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
CRIME PARTICULAR
PRAZO
APOIO JUDICIÁRIO
IRREGULARIDADE
CONHECIMENTO OFICIOSO
Sumário
I. Conforme decorre do AUJ 1/2011 in DR, I Série, de 26/01/2011, o prazo constante do n.º 4, do artigo 246º do CPP Penal é preclusivo, pelo que a respectiva inobservância compromete a possibilidade de intervir como assistente no processo e conduz ao arquivamento dos autos, em caso de crime dependente de acusação particular. II. Ao requerente que pretenda fazer prova de ter pedido o benefício do apoio judiciário na modalidade de isenção do pagamento de taxa de justiça e custas para efeitos de interrupção de prazo em curso, cabe juntar o comprovativo da manifestação de tal pretensão. III. Todavia, se o requerente solicitar a constituição de assistente em requerimento desprovido das condições para tal pretensão ser deferida – quer por não haver liquidado a taxa de justiça, quer por não ter advogado constituído – cabe à Secção cumprir o determinado na Lei, convidando o requerente a liquidar a taxa de Justiça em dobro (artigo 8º, n.º 4 do RCProcessuais) e a ao Juiz convidar o requerente a constituir mandatário, em prazo a fixar (artigo 41º do CPCivil, aplicável ex vi artigo 4º do CPPenal), ficando interrompido o prazo em curso. IV. Constatando-se o incumprimento das aludidas regras, o despacho recorrido padece de irregularidade, de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no art. 123º do CPPenal. V. Na verdade, não obstante consubstanciar um vício menor relativamente à nulidade, a mesma poderá e deverá ser oficiosamente reparada, quando possa afectar o valor do acto praticado como se prevê no n.º 2 do mencionado artigo 123º do CPPenal. VI. Assim, a recorrente deve ser notificada para pagar a taxa de justiça em dobro, uma vez que na data em que formulou o pedido não dispunha de apoio judiciário, nem o houvera requerido; todavia, já não deverá ser efectuado o convite para a constituição de mandatário, dada a nomeação entretanto ocorrida.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório
No Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, Juiz 7, foi proferido o seguinte despacho, datado de 28 de Fevereiro de 2024: (transcrição)
“Compulsadas as conclusões de recurso do Ministério Público, cumpre ao abrigo do artigo 414.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, reparar a decisão proferida a 14-02-2024, ref. 8730823, nos seguintes termos:
O Ministério Público, a fls. 40, pugna pela extemporaneidade do pedido de constituição como assistente, quanto ao crime de injúria, uma vez que a requerente teria sido notificada para o fazer em 10 (dez) dias, em 06-06-2023 (fls. 21), tendo o pedido de apoio judiciário apenas dado entrada no Instituto da Segurança Social, IP, no dia 28-06-2023, ou seja, após a preclusão do prazo de 10 (dez) dias, pelo que não houve interrupção de prazos em curso ao abrigo do artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29-07.
Notificada para o efeito, a requerente exerceu o contraditório entendendo que o prazo se interrompeu a 16-06-2023 quando a queixosa protestou juntar o requerimento de apoio judiciário (fls. 57).
Cumpre apreciar e decidir.
O artigo 68.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, concernente à constituição como assistente, prevê que «tratando-se de procedimento criminal dependente de acusação particular, o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n.º 4 do artigo 246.º».
Por sua vez, o artigo 246.º, n.º 4, prevê que «(…) tratando-se de crime cujo procedimento depende de acusação particular, a declaração é obrigatória, devendo, nesse caso, a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal a quem a denúncia foi feita verbalmente advertir o denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar».
O artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29-07, consagra que «quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo». Nos termos do n.º 5, «o prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos: a) a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação; b) a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono».
A fls. 19, AA subscreveu um requerimento ao Ministério Público onde manifesta a sua intenção se constituir assistente, o mesmo está datado de 16-06-2023.
Protestou juntar cópia do requerimento de protecção jurídica, mas não o fez nessa data.
Apesar de constar no processo físico organizado como se fosse cronologicamente anterior, fls. 13 a 18, só a 03-07-2023, é que foi junto o requerimento de protecção jurídica de pessoa singular, com selo de recebimento pelo Instituto da Segurança Social, IP, a 28-06-2023, requerendo apoio na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento de compensação ao patrono.
A fls. 25, em 19-07-2023, a Il. Advogada nomeada para representar a requerente requereu a constituição da segunda como assistente.
Consta de fls. 21 a notificação para constituição de assistente não assinada pela requerente, citada pelo Ministério Público em sede de contraditório, mas a fls. 29 consta a versão assinada e com a data de 06-06-2023, conforme citado pelo Ministério Público em sede de conclusões de recurso, pelo que se concorda que o prazo se iniciou nessa data, e terminaria em 19-06-2023.
Para que possa ocorrer a interrupção do prazo, conforme a Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais, é necessário, por um lado, que seja requerido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e tem de ser junto ao processo que já esteja pendente o documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo, datado, não bastando protestar juntá-lo.
Para que haja qualquer prazo interrompido é também necessário que tal seja feito, logicamente, antes do decurso do prazo que se pretende interromper.
Se a ofendida apenas juntou o comprovativo de apresentação do requerimento junto do Instituto de Segurança Social, IP, a 03-07-2023, fê-lo após ter decorrido o prazo que o legislador lhe concedeu notando-se, como pugna o Ministério Público, que o sempre seria este prazo de dez dias não interrompido no caso concreto, dado que o próprio pedido de apoio judiciário já foi apresentado após a preclusão do prazo em causa, pelo que a junção aos autos é necessariamente posterior.
Igualmente extemporâneo é o requerimento da sua advogada a fls. 24, pois foi deduzido a 19-07-2023.
Assim, e por todas as razões enunciadas, indefere-se a requerida constituição de AA como assistente, quanto a qualquer crime de natureza particular, nomeadamente injúria, por extemporaneidade, ex vi artigos 68.º, n.º 2 e n.º 4, e 246.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, e 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29-07.
Notifique.”
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Inconformada com tal decisão, a assistente veio interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):
“CONCLUSÕES
A) Foi a Assistente notificada do despacho proferido em 28-02-2024, onde se extrai que a Meritíssima Juiz de Instrução, constituição de AA como assistente, quanto a qualquer crime de natureza particular, nomeadamente injúria, por extemporaneidade, ex vi artigos 68.º n.º 2 e n.º 4, e 246.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, e 24.º n.º 4, da lei n.º 34/2004, de 29- .
B) Considera para o efeito que, embora a fls. 19, AA tenha subscrito a 16-06-2023 um requerimento ao Ministério Público, onde manifesta a sua intenção de se constituir assistente, aí protesta juntar cópia do requerimento de proteção jurídica mas apenas depois o faz com data de 03-07-2023, concluindo que, somente com a junção do comprovativo de ter requerido proteção jurídica é que tal prazo ficaria interrompido e que este ultimo documento já só foi junto após os 10 dias que dispunha desde 06-06-2023 (fls. 21), para o fazer e como tal, seria o seu pedido de admissão como assistente extemporâneo.
C) Com tal decisão a aqui recorrente não se conforma.
D) A 06/06/2023 a então queixosa foi notificada para se constituir assistente no prazo de 10 dias (fls. 29).
E) A 16/06/2023, dentro do prazo dos 10 dias que dispunha e através de requerimento (fls.19), atravessa aos autos requerimento, pelo seu próprio punho, onde, por suas palavras, requer a sua constituição como assistente e protesta “(…) juntar a cópia do pedido de apoio judiciário”.
F) Só posteriormente, e fora dos 10 dias iniciados 06/06/2023, veio juntar o comprovativo do pedido de apoio judiciário que ulteriormente lhe veio a ser deferido nas modalidades de “Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo” e “Nomeação e pagamento de compensação a patrono.”
G) A questão que nos toma é se, o requerimento atravessado aos autos, a 16/06/2023, dentro dos 10 dias, onde exprime a sua vontade em se constituir assistente e protesta juntar o comprovativo de ter pedido apoio judiciário, cumpre com a legal obrigação ínsita no artigo 68.º n.º 2 do Código de Processo Penal. Entendemos que sim.
H) Porquanto o requerimento a solicitar a admissão da ofendida a intervir nos autos na qualidade de assistente foi formulado nos autos no prazo legal de dez dias para o efeito.
I) Porquanto, a não apresentação de documento comprovativo do pedido ou deferimento do apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça, o não pagamento da taxa de justiça, a não junção de procuração forense, não torna o ato processual praticado extemporâneo ou inexistente.
J) O requerimento, apresentado a 16/06/2023, desacompanhado da taxa de justiça devida, ou em sua substituição o pedido de concessão de apoio, bem como a falta de constituição de mandatário, dariam lugar a 2 outras consequências i) nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 4 do art. 8.º do Regulamento das Custas Processuais a secretaria notifica o interessado para proceder à sua apresentação no prazo de 10 dias, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante e ii) a ratificação do processado dá lugar à regularização do mandato, nos termos dos artºs 40º e 41º do Código de Processo Civil , ex vi do artº 4º do Código de Processo Penal.
K) Aliás, as modalidades de apoio judiciário que requereu foram-lhe deferidas muito antes do Douto despacho agora recorrido.
L) Em termos formais, a lei apenas impõe que, quando se trata “de procedimento dependente de acusação particular que o requerimento tenha lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n.º 4 do CPP). Nenhuma outra formalidade impõe, designadamente que o requerimento seja subscrito por advogado ou que seja junta o comprovativo do pedido de apoio judiciário e/ou pedido de apoio judiciário.
M) Razão pela qual, não se poderá afirmar que o ato praticado em 16/06/2023, não seja apto a cumprir o prazo perentório, artigos 246.º n.º 4 e 68.º n.º 2 do Código de Processo Penal, a que a ali queixosa se encontrava vinculada. ”
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Ao recurso, depois de admitido, foi atribuído efeito devolutivo e determinado que subisse imediatamente e em separado.
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Na resposta apresentada o Ministério Público pugnou pela manutenção do decidido, apresentando as seguintes conclusões (transcrição parcial):
“(…) III. Atendendo a que parte da factualidade denunciada será apta a integrar a prática do crime de natureza de crime particular, o órgão de policia criminal recebeu a queixa (fls.28), procedeu a imediata notificação pessoal da ofendida para requerer a sua constituição como assistente, comunicando a legal consequência processual, em 06.06.2023 (fls. 29).
IV. Considerando a validade da notificação para requerer a sua constituição como assistente nestes autos em 06/06/2023, é nessa data que se inicia o prazo legal de10 dias para requerer a sua constituição como assistente, para os efeitos processuais previstos para o crime de natureza particular, atingindo o seu termo em 16.06.2023.
V. Veio AA, em requerimento datado de 16.06.2023 pretende constituir-se assistente e protestar juntar cópia do pedido de apoio judiciário. Tal requerimento, por si e sem apresentação de requerimento de apoio judiciário, não é apto a suspender ou interromper o prazo em curso.
VI. essa interrupção apenas ocorre com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação, nos serviços da Segurança Social, do requerimento em que é formulado o pedido de apoio judiciário, requerimento esse que apenas foi apresentado no Instituto de Segurança Social em 28.06.2023 (fls. 14 e 15), pelo que nenhuma causa interruptiva ocorreu no decurso do prazo legal de 10 dias para a prática do acto.
VII. O requerimento para constituição de assistente formulado nos autos em 19.07.2023 ocorreu quando já precludido o sobredito prazo.
VIII. Importa concluir que, não tendo o requerimento de AA sido tempestivo perante a notificação pessoal a fls. 29, não poderá a sua constituição como assistente nestes autos produzir efeito para o procedimento criminal do crime particular, carecendo o Ministério Público de legitimidade, quanto a este ilícito para prosseguir ulteriormente a ação penal.
IX. Devendo a decisão recorrida ser mantida, pela admissão de AA a intervir nos autos como assistente com exceção do crime particular, aplicando o disposto nos artigos 246.9, n.º 4, e 68.9, n.º 2, do Código de Processo Penal, declarando o requerimento de constituição como assistente extemporânea e sem eficácia para efeitos do procedimento criminal pelo crime particular denunciado.”
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Neste Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso referindo, designadamente (transcrição parcial):
“Concordamos e aderimos inteiramente ao teor da resposta apresentada, em sentido concordante, o recente acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09-01-2024 proferido no processo 53/23.3GACBT-A. G1:
I- O artigo 68º do CPP depois de definir quem tem legitimidade para se constituir assistente, no seu nº 4 acrescenta que “Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no nº 4 do artigo 246º”.
A propósito desta norma, o Supremo Tribunal de Justiça firmou jurisprudência segundo a qual “Em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito, no prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º do Código de Processo Penal” (AFJ, nº 1/2011, in DR, Iª Série, nº 18, de 26.01.2011).
II - O pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono interrompe o prazo que estiver em curso. Mas para que tal suceda é imprescindível que o requerente, antes que o prazo tenha terminado, proceda à junção aos autos de documento comprovativo da apresentação do pedido de apoio judiciário perante a Segurança Social, sendo um ónus que sobre si impende (artigo 24º, n.º 4 do Lei nº 34/2004, de 29.07, aqui aplicável por força do artigo 44º, nº 2 da mesma lei).(,…)
Na presente situação, o requerimento de protecção jurídica de pessoa singular deu entrada nos serviços da segurança social, no dia 28 de junho de 2023, ou seja, muito depois de o prazo para a constituição de assistente ter precludido.
Sem mais considerandos, porque excessivos e desnecessários, entendemos que pelos motivos de facto e de direito constantes daquela resposta deve o recurso improceder.”
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Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, tendo a assistente vindo reiterar o conteúdo das suas alegações de recurso, pugnando pela respectiva procedência.
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Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
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II- Questões a decidir:
Preceitua o art, 412.º, n.º 1, do CPPenal que “A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
É consabido que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou de nulidades que não se considerem sanadas, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na decorrência dos argumentos expendidos em sede de motivação.
Assim, a questão a decidir nos presentes autos prende-se com a tempestividade do pedido de constituição de assistente relativamente a crimes de injúria, ou seja, a crimes de natureza particular.
III. dos elementos do processo relevantes para apreciação do recurso
Do exame dos autos verifica-se que:
- Em 02/06/2023, a recorrente apresentou queixa junto do OPC competente contra BB, por factos susceptíveis de consubstanciar a prática de crime de injúria.
- Em 06/06/2023, a PSP notificou a recorrente nos seguintes termos: “Atendendo à natureza particular do crime comunicado, torna-se necessário que no prazo máximo de DEZ DIAS (seguidos, excepto em períodos de férias judiciais), contados a partir desta data, requerer junto dos Serviços do Ministério Público do tribunal competente, a CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE, sob pena de o Ministério Público não poder, por falta de legitimidade, exercer a acção penal. Fica ainda advertido que a constituição de assistente depende de: - Constituição de advogado ou pedido de apoio jurídico para nomeação de Patrono - Requerimento dirigido ao M.º Juiz a solicitar a constituição de assistente - Pagamento de Taxa de Justiça (art.º 519 do C.P.P.) ou pedido para isenção da mesma.”
- Em 16-06-2023, a recorrente juntou requerimento aos autos a solicitar a sua constituição como assistente, protestando juntar comprovativo do pedido de apoio judiciário.
- Em 28/06/2023, a recorrente apresentou junto da Segurança Social pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação de patrono.
- Em 03/07/2023, a recorrente procedeu à junção aos autos do comprovativo do requerimento de apoio judiciário por si apresentado junto da Segurança Social em 28/06/2023.
- Em 19 de Julho de 2023, a Il. Advogada nomeada para representar a requerente, no âmbito do pedido de apoio judiciário entretanto deduzido, requereu a constituição como assistente.
- Em 14/11/2023, o Ministério Público promoveu o indeferimento do pedido de constituição como assistente relativamente ao crime de injúria, por extemporaneidade.
- Em 05/12/2023 o MP, depois de ter comprovado que tinha sido concedido apoio judiciário à recorrente, promoveu que a mesma fosse admitida a intervir como assistente no que tange aos demais ilícitos em investigação.
- Em 19/12/2023 foi a recorrente notificada para se pronunciar relativamente à extemporaneidade do pedido de constituição como assistente, como alegado pelo MP.
- A tal requerimento respondeu a recorrente em 10/01/2024, invocando, desde logo, que: “(…) não se poderá afirmar cabalmente que o ato praticado em 16/06/2023, não seja apto a cumprir o prazo perentório, artigos 246.º n.º 4 e 68.º n.º 2 do Código de Processo Penal, a que a ali queixosa se encontrava vinculada. 3 – Porquanto, não obstante infirmado da falta de mandato e taxa de justiça para o efeito, ou então, comprovativo de ter requerido apoio judiciário nas modalidades que posteriormente, sabe-se, lhe vieram a ser deferidas, 4 - Por um lado, a inexistência de procuração a mandatário constituído, aquando do requerimento de constituição de assistente dá lugar à regularização do mandato, nos termos conjugados dos artºs 40º e 41º do Código de Processo Civil, ex vi do artº 4º do Código de Processo Penal; 5 - Por outro, a falta de pagamento da taxa de justiça devida, daria, no limite, lugar a notificação para o efeito (artigo 8º, nº 4, do Regulamento das Custas Processuais). Razão pela qual, e em cumprimento do princípio do aproveitamento possível dos atos processuais, se requer, seja atendido aquele requerimento de 16/06/2023, não se considerado assim, quanto ao crime de injúria, precludido pela queixosa, o prazo contido no artigo 68.º n.º do Código de Processo Penal.”
- Por decisão proferida em 14/02/2024 a recorrente foi admitida a intervir nos autos como assistente, mesmo relativamente ao crime de injúria.
- Em 26/02/2024 o Ministério Público recorreu da decisão que havia admitido a recorrente a intervir nos autos como assistente também no que tange ao crime de injúria.
- Em 28/02/2023 foi proferida a decisão, objecto de recurso, que reparou a decisão de 14/02/2024 e não admitiu a recorrente a intervir nos autos como assistente, quanto ao crime de natureza particular, por extemporaneidade.
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IV. Fundamentação
No caso dos autos a recorrente apresentou queixa, entre outros, relativamente a um crime de injúria.
Em 06/06/2024 foi devidamente notificada pelo OPC de que, face à natureza particular do crime em causa, teria no prazo de 10 dias de constituir-se assistente, devendo, para o efeito, nomear advogado ou apresentar pedido de apoio jurídico para nomeação de Patrono, solicitar ao juiz a constituição como assistente, proceder ao pagamento de taxa de justiça (art.º 519 do C.P.P.) ou efectuar pedido para isenção da mesma.
Com efeito, de acordo como preceituado no artigo 246º, nº 4, do CPP “O denunciante pode declarar, na denúncia, que deseja constituir-se assistente. Tratando-se de crime cujo procedimento depende de acusação particular, a declaração é obrigatória, devendo, neste caso, a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal a quem a denúncia for feita verbalmente advertir o denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar.”
Por outro lado, decorre do artigo 68º, 4 do CPPenal que “Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no nº 4 do artigo 246º”.
O Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência – cfr. AFJ, nº 1/2011, in DR, Iª Série, nº 18, de 26.01.2011 – a propósito do estatuído na citada norma no sentido de que “Em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito, no prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º do Código de Processo Penal”.
Preceitua o artigo 24º, nº 4 da Lei nº 34/2004, de 29.07, aplicável ex vi artigo 44º, nº 2 da mesma lei que “Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.”
Por seu turno, o nº 5, da norma citada, estatui que “O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos: a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação; b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.”
Ou seja, de acordo com a antedita norma, o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono interrompe o prazo que estiver em curso desde que o requerente proceda à junção aos autos de documento comprovativo da apresentação desse pedido junto da Segurança Social.
Com efeito, é ao requerente que cabe diligenciar pela junção aos autos do comprovativo do apoio judiciário por si deduzido, sendo certo que não procedendo desse modo a consequência é que o prazo em curso não se interrompe, mesmo nos casos em que até haja solicitado tal espécie de apoio.
É certo que também se admite que tal falta de comunicação por parte do requerente possa ser suprida, com a consequente interrupção do prazo, se for junta ao processo informação comprovativa, ainda que prestada por terceiro, designadamente, pela Segurança Social, de que o pedido de nomeação de patrono foi formulado e até eventualmente deferido.
Na realidade, nos citados casos, mostrar-se-á objectivamente cumprido o pressuposto legal da interrupção do prazo – ou seja, a junção aos autos do comprovativo do pedido.
Porém, não cabe ao tribunal indagar, nos casos em que o requerente não junta o aludido comprovativo, se foi ou não tempestivamente requerido o apoio judiciário. Com efeito, nesses casos, o prazo em curso não se pode considerar interrompido.
A este propósito pode ler-se no Ac. da RP de 24.10.2019, proferido no processo 7470/18.9T8PRT-A.P1, disponível em www.dgsi.pt, “Se é certo que outro sistema poderia ser implementado, mais cómodo para o cidadão, como seja a comunicação direta da Segurança Social ao tribunal, certo é que esta matéria do processo de comunicação da dedução do requerimento de proteção jurídica ao processo judicial para que é requerida, ainda cabe nos poderes de conformação do legislador ordinário, sem que isso atente contra o direito fundamental de acesso ao direito. Cremos até que o legislador terá sido sensível a alguma ineficiência dos serviços da Segurança Social nas comunicações no âmbito do apoio judiciário, realidade diariamente retratada nos processos, optando pela imposição desse ónus ao interessado direto e por parte de quem por isso será de esperar maior diligência”.
No mesmo sentido foi decidido, entre outros, no Ac RG de 07.05.2018, proc. 954/17.8GBBCL-A.G1; no Ac RE de 28.05.2013, 1026/11.4GBLLE-A.E1; no Ac RC de 06.11.2013, proc. 40/13.0GBAGD-A.C1; no Ac. RG de 10.07.2023, processo 1077/22.3T8BGC.G1; no Ac. RE de 26.05.2022, processo 76987/21.4YIPRT-A.E1; no Ac. RC de 11.10.2022, processo 2372/20.1T8CBR-B.C1; e no Ac. RP de 12.10.2023, processo 11137/22.5T8PRT.P1, todos in www.dgs.pt.
No Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo nº 53/23.3GACBT-A. G1, in ECLI, pode ler-se “Neste sentido, entendemos que a referida exigência de comprovação no processo, dentro do prazo que estiver em curso, da formulação do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono é conforme à proteção constitucional do acesso ao direito e aos tribunais, de acordo com o disposto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, pois que a obrigação de comprovar no processo o pedido de apoio não constitui um ónus desproporcionado, sendo conforme à Constituição a imposição do referido ónus, face ao interesse do estabelecimento de prazos perentórios disciplinadores do processo, cfr. Ac STJ de 06.12.2012, proc. 1588/09.6TBVNG-A.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, e acórdãos do Tribunal Constitucional 98/2004, 285/2005 e 57/2006, 117/2010, e 585/2016, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt”.
Ou seja, dúvidas não há que no caso dos autos a recorrente não juntou ao processo, no prazo de 10 dias que para tanto lhe havia sido concedido, o comprovativo de pedido de apoio judiciário, pelo que o prazo em curso nunca poderia ter sido considerado interrompido.
Aliás, verifica-se, até, que a requerente unicamente em 28/06/2023 acabou por solicitar o apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação de patrono; por outro lado, somente em 03/07/2023 foi junto ao processo o comprovativo de ter efectuado tal pedido.
Todavia, como também refere a recorrente, a mesma, no dia 16/06/2023, juntou aos autos um requerimento de constituição como assistente, ainda que desprovido das condições passíveis de o fazerem vingar – efectivamente, não constituiu mandatário, nem procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida por tal acto.
Contudo, estatui o artigo 8º do Regulamento das Custas Judiciais que: «1 - A taxa de justiça devida pela constituição como assistente é autoliquidada no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, para um valor entre 1 UC e 10 UC, tendo em consideração o desfecho do processo e a concreta atividade processual do assistente. 2 - A taxa de justiça devida pela abertura de instrução requerida pelo assistente é autoliquidada no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz para um valor entre 1 UC e 10 UC, tendo em consideração a utilidade prática da instrução na tramitação global do processo. 3 - O documento comprovativo do pagamento referido nos números anteriores deve ser junto ao processo com a apresentação do requerimento na secretaria ou no prazo de 10 dias a contar da sua formulação no processo, devendo o interessado ser notificado no ato para o efeito. 4 - Na falta de apresentação do documento comprovativo nos termos do número anterior, a secretaria notifica o interessado para proceder à sua apresentação no prazo de 10 dias, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante. 5 - O não pagamento das quantias referidas no número anterior determina que o requerimento para constituição de assistente ou abertura de instrução seja considerado sem efeito».
Ora, a recorrente defende que ao não ter procedido ao pagamento da taxa de justiça e não tendo junto comprovativo do pedido de apoio judiciário deveria ter sido notificada para o pagamento em falta, acrescido de igual montante de acordo com o estabelecido no nº 4 da norma citada.
Por outro lado, defende, ainda, que sendo obrigatória a constituição de Advogado deveria ter sido notificada para, em prazo a indicar, vir juntar procuração a mandatário ao abrigo do preceituado no art. 41º do CPCivil, aplicável, ex vi art. 4º do CPPenal.
Ora, deve dizer-se que não pode deixar de se considerar que assiste razão à recorrente na aludida pretensão.
Com efeito, não reunindo a mesma os pressuposto para que se julgasse interrompido o prazo de constituição como assistente em curso – precisamente porque não juntou o comprovativo do pedido de apoio judiciário – deveria, nos termos do citado art. 8º, 4, do RCProcessuais, ter sido notificada para proceder ao pagamento da taxa de justiça em dobro.
Por outro lado, sendo obrigatória a constituição de mandatário, o juiz, ao abrigo do preceituado no art. 41º do CPCivil, aplicável ex vi art. 4º do CPPenal, deveria ter concedido prazo à recorrente para ela outorgar procuração a mandatário; na verdade, decorre da norma citada que se for obrigatória a constituição de mandatário, o tribunal, oficiosamente, deve notificar o sujeito processual – neste caso a queixosa – para o constituir em prazo a fixar.
No Ac. da RPorto de 30 de Janeiro de 2019, proferido no processo nº 307/17.8GBBAO-A.P1, in ECLI, pode ler-se que “Como se deixa claro uma coisa é o prazo para o ofendido declarar que se pretende constituir assistente no processo que tem de ser feita, quando se trata de crime particular, no prazo que consta do artigo 68º número 3 do Código Processo Penal – [prazo esse que é perentório como o decidiu o AUJ 5/2011 a que a decisão sob recurso alude, ao invés do que sucede quando o ofendido se pretende constituir assistente quando esteja em causa a prática de crimes semipúblicos ou públicos em que, nos termos do número 3 desse mesmo preceito: «Os assistentes podem intervir em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se encontrar, desde que o requeiram ao juiz: a) Até cinco dias antes do início do debate instrutório ou da audiência de julgamento; b) Nos casos do artigo 284.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 287.º, no prazo estabelecido para a prática dos respetivos atos. c) No prazo para interposição de recurso da sentença.] - outra, diversa, é o momento em que o ofendido, requerente, preenche todos os pressupostos de que depende a admissão a intervir no processo na qualidade de assistente. Assim a decisão que veio a ser proferida confunde realidades diversas; o prazo que tem de ser respeitado para apresentação do requerimento manifestando o propósito de intervir nos autos como assistente o qual, tratando-se de crime particular tem de respeitar o que consta do artigo 68º número 2 do Código Processo Penal; o momento em que se mostram satisfeitos todos os requisitos dos quais depende a prolação do despacho que admite o requerente a intervir no processo como assistente.”
Ou seja, no seguimento do entendimento plasmado no Acórdão acabado de citar, considera-se que, ao invés de ter sido proferida a decisão a não admitir a recorrente a intervir nos autos como assistente, deveria esta ter sido notificada para proceder ao pagamento da taxa de justiça em dobro, bem como para, em prazo a fixar, vir constituir mandatário.
Com efeito, só no caso de a recorrente não proceder ao pagamento da taxa de justiça em dobro ou de não constituir mandatário é que – então sim – deveria ter sido proferida a decisão de não a admitir a intervir nos autos como assistente.
Verifica-se, pois, que tais notificações não ocorreram no caso dos autos – o que, indubitavelmente, constitui uma irregularidade de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no art. 123º do CPPenal, na medida em que não foi arguida pela queixosa no prazo de 3 dias após a intervenção no processo, mas unicamente no requerimento apresentado em 10/01/2024 e em sede de recurso. Com efeito, mesmo a considerar-se que a primeira intervenção ocorreu com a notificação datada de 19/12/2023, em 10/01/2024, já o citado prazo de 3 dias se encontrava esgotado.
Porém, não obstante a irregularidade consubstanciar, em princípio, um vício menor relativamente à nulidade, a mesma poderá e deverá ser oficiosamente reparada, quando possa afectar o valor do acto praticado como se prevê no n.º 2 do mencionado artigo 123º do CPPenal. Como elucida Maia Gonçalves (Código de Processo Penal Anotado, pág. 341, nota 3): apesar de as irregularidades serem consideradas em geral vícios de menor gravidade do que as nulidades, a grande variedade de casos que na vida real se podem deparar impõe que não se exclua a priori a possibilidade de ao julgador se apresentarem irregularidades de muita gravidade, mesmo susceptíveis de afectar direitos fundamentais dos sujeitos processuais. Daí a grande margem de apreciação que se dá ao julgador, nos nºs 1 e 2, que vai desde o considerar a irregularidade inócua e inoperante até à invalidade do acto inquinado pela irregularidade e dos subsequentes que possa afectar, passando-se pela reparação oficiosa da irregularidade.
No caso em análise, a irregularidade cometida, coarctando a possibilidade do prosseguimento do processo no que tange ao crime de injúrias, afecta, indubitavelmente, o valor do acto praticado, impondo-se a sua reparação nos termos do art. 123º, 2 do Código de Processo Penal.
Ou seja, a decisão proferida deverá ser substituída por outra que determine a notificação da requerente para proceder ao pagamento da taxa de justiça em dobro, nos termos do disposto no art. 8º, nº 4 do Regulamentos das Custas Processuais.
Na verdade, sendo certo que posteriormente a recorrente veio a beneficiar de apoio judiciário – tendo, até, sido admitida a intervir nos autos como assistente, no que tange a outros ilícitos, designadamente de natureza semi-pública – é certo que, no prazo que havia sido fixado para a constituição como assistente, a mesma não solicitou apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos bem como da nomeação de patrono. De facto, apenas mais tarde veio fazer tal pedido.
Assim, para que não fique violado o efeito preclusivo decorrente do citado Ac. para Fixação de Jurisprudência, a situação que deverá ser reposta é aquela que na data da apresentação do requerimento de constituição como assistente se verificava.
Já diferentemente, no que tange à constituição de mandatário, não fará sentido a notificação da queixosa, para em prazo a indicar, vir outorgar procuração, na medida em que, neste momento, a mesma já se encontra representada nos autos.
Nestes termos, cumpre neste segmento julgar procedente o recurso interposto, com a consequente anulação da decisão recorrida que deve ser substituída por outra que determine a notificação da recorrente para proceder ao pagamento da taxa de justiça em dobro, nos termos do disposto no art. 8º, 4 do RCP.
Procedendo a recorrente a tal pagamento, poderá ser admitida a intervir como assistente, no que tange também ao crime de injúria. Caso assim não proceda, deverá ser proferida decisão a não admitir tal intervenção
V-DECISÃO:
Nestes termos, cumpre neste segmento julgar procedente o recurso interposto, com a consequente anulação da decisão recorrida que deve ser substituída por outra que determine a notificação da recorrente para proceder ao pagamento da taxa de justiça em dobro nos termos do disposto no art. 8º, 4 do RCP.
Lisboa, 6 de Março de 2025
Rosa Maria Cardoso Saraiva
André Alves
Isabel Maria Trocado Monteiro (vencida nos termos da declaração que junto)
Declaração de voto
Com todo o respeito que nos merecem as nossas Ex.mos Colegas que formaram maioria nos presentes autos, e que sustentam a decisão vemo-nos forçados a dissentir da mesma, já que, em nosso humilde entender, haveria de ter sido outro o sentido da decisão.
No caso a recorrente aceita que a falta de constituição de advogado e de pagamento da taxa de justiça, ou de demonstração da isenção desse pagamento, são fundamentos bastantes para indeferir o seu requerimento de constituição de assistente. O que diz é que, antes desse indeferimento, deveria ter sido oficiosamente notificada para suprir os vícios do requerimento e que o tribunal, o tinha de fazer.
O recurso, não é uma impugnação direta da conformidade do despacho com o direito, mas sim a arguição da omissão de um ato processual que o tribunal deveria ter praticado e não praticou.
Isto é, o objeto do recurso não é saber se o requerimento de constituição de assistente tem de ser acompanhado por advogado, que represente e se a recorrente está ou não isenta do pagamento da taxa de justiça, mas sim se o tribunal a devia ter notificado para suprir esses vícios.
Ora as questões suscitadas não foram apreciadas pelo despacho recorrido.
O que se invoca no recurso é uma invalidade processual, consistente na omissão de um acto que se entende como previsto na lei, que o tribunal deveria ter praticado e não praticou.
Isto é uma irregularidade, a qual tinha de ser sido arguida no prazo e na forma previstos no artigo 123º do CPP, junto do tribunal de primeira instância.
Isso teria permitido, ou o suprimento do vício ou, se a arguição fosse desatendida, o recurso do respetivo despacho.
Não tendo a invalidade sido devidamente arguida, ou não tendo sido do despacho que sobre a mesma recaiu que foi interposto recurso, o eventual vício que pudesse existir ficou sanado, o que preclude, em nosso entender, o direito de recorrer.
Não foi esse o entendimento neste acórdão, que se debruçou sobre o mérito do despacho que indeferiu a constituição de assistente, da ofendida, admitindo por um lado, que fora do prazo (perentório) de dez dias, previsto no artigo 68, nº2, do Código de Processo Penal, a ofendida pudesse ver-se representada, para a promoção do crime particular, por patrona nomeada, (advogada) no âmbito do apoio judiciário e por outro, decidindo pela possibilidade da ofendida efetuar o pagamento da taxa de justiça, em dobro, nos termos do disposto no art.º 8º, nº4 do RCP, e assim, poder reunir as condições para se constituir assistente, para a promoção do procedimento criminal por crime particular, não obstante o seu protesto da junção de pedido apoio judiciário, ainda na modalidade de isenção de taxa de justiça, fora de prazo.
Na realidade o acórdão faz recair sobre a secretaria do Tribunal, nos casos em que o ofendido não cumpra os procedimentos para se constituir como assistente, previsto no artigo 246º, nº 4 do Código de Processo Penal, (e para os quais foi informado e notificado), de através de novas notificações voltá-los a repetir, (ainda que protestasse apresentar o pedido de apoio judiciário) convidando a constituir advogado e a pagar a taxa de justiça em divida, com acréscimo de multa, muito para além do prazo dos dez dias, o que contende com a natureza perentória do prazo fixado no nº2, do artigo 68º, do Código de Processo Penal (que se completou pelo seu decurso, pois não foi interrompido) e a excecionalidade do circunstancialismo do requerimento para a constituição de assistente, no âmbito dos crimes particulares.
Isto é, o acórdão cria com o decidido uma nova causa de interrupção do prazo perentório para a constituição de assistente, nos crimes particulares, previsto no art.º 68º, nº2, do Código de Processo Penal, que mais não é do que o protesto para apresentar documentos, do pedido de apoio judiciário, apresentados após o prazo de dez dias e assim impedindo que tal prazo se complete, estando assim subjacente o entendimento reconhecidamente contra o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 1/2011, de 16-12-2010, DR , I série, Nº 18, 26.01.2011 que estabeleceu, ser perentória a natureza do prazo previsto no nº2, do artigo 68º, do C.P.P e assim só por força da lei poder ser interrompido ou suspenso.
Cabe à lei, deferir as situações de interrupção dos prazos, e foi isso que o legislador fez ao estabelecer no artigo 24º, nº 4, da Lei n.º 34/2004, de 29-07, que «quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo»e não do protesto da sua junção. Nos termos do n.º 5, «o prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos: a) a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação; b) a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono».
Não foi o que aconteceu nos autos, razão pela qual dissenti, ainda por estes motivos a jusante, do acórdão proferido, por entender que seria de manter o despacho recorrido o qual não me merece reparo. E assim sendo voto, muito respeitosamente, vencido.