RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
DECISÃO SINGULAR
RECURSO DE REVISTA
INADMISSIBILIDADE
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
CONTRADIÇÃO DE JULGADOS
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
DECISÃO
NOTÁRIO
RATIFICAÇÃO
MANDATO
Sumário


I – Cabe recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação proferido sobre decisão da 1.ª instância que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.
II – Não é admissível a revista em termos gerais quando se está perante uma situação de existência de dupla conforme.
III – Verifica-se dupla conformidade decisória impeditiva da admissão de recurso de revista ao abrigo da regra geral contida no art. 671.º/1, do CPCivil, sempre que a decisão proferida em primeira instância seja confirmada sem voto de vencido e sem que seja utilizada fundamentação essencialmente diferente para a solução jurídica adotada.
IV – Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias, isto é, não finais, só podem ser objeto do recurso de revista, no caso de se verificar uma das situações previstas no art. 672º/a/b, do CPCivil.

Texto Integral

RECLAMAÇÃO9266/23.7T8SNT.L1
RECLAMANTEAA
RECLAMADOS– BB;

– CC;

– DD.



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SUMÁRIO1,2


I – Cabe recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação proferido sobre decisão da 1.ª instância que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.

II – Não é admissível a revista em termos gerais quando se está perante uma situação de existência de dupla conforme.

III – Verifica-se dupla conformidade decisória impeditiva da admissão de recurso de revista ao abrigo da regra geral contida no art. 671.º/1, do CPCivil, sempre que a decisão proferida em primeira instância seja confirmada sem voto de vencido e sem que seja utilizada fundamentação essencialmente diferente para a solução jurídica adotada.

IV – Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias, isto é, não finais, só podem ser objeto do recurso de revista, no caso de se verificar uma das situações previstas no art. 672º/a/b, do CPCivil.



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ACÓRDÃO



Acordam em conferência os juízes da 1ª secção (cível) do Supremo Tribunal de Justiça:

AA, veio ao abrigo do disposto no art. 652º/3 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil, reclamar da decisão singular de 2025-01-20, por inadmissibilidade legal.

Cumpre decidir - art. 666º ex vi do art. 685º, ambos do CPCivil3.


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A reclamante apresentou as seguintes alegações:

A decisão proferida não considera que a impugnação da decisão interlocutória não pode ser autonomizada (e não foi) do recurso da sentença homologatória da partilha que, confirmando também aquela decisão interlocutória, pôs fim ao processo.

No que respeita à fundamentação essencialmente idêntica, a decisão proferida valora que ambas as decisões consideraram que “aos mandatários foram conferidos poderes especiais para ratificarem tudo aquilo que foi processado”. Mas não é esta a fundamentação relevante para as decisões (e para o recurso): a questão é que, a partir daquela base comum, pacífica, uma das decisões entende que a ratificação do processado foi expressamente feita pelos mandatários, enquanto a outra entende que os mandatários não ratificaram o processado, mas que se deve olhar às regras da lógica e do senso comum, ao princípio da proporcionalidade e ao facto de haver até jurisprudência que se basta com uma procuração com poderes gerais para efeito de ratificação do processado. É essa a fundamentação essencialmente diferente.


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Inadmissibilidade da revista

Revista normal

Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos – art. 671º/1, do CPCivil.

Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte – art. 671º/3, do CPCivil.

Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista, nos casos em que o recurso é sempre admissível, ou, quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme – art. 671º/2/a/b, do CPCivil.


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A reclamante, AA, veio recorrer de revista (normal) do acórdão proferido pelo tribunal a quo na parte relativa à questão da ratificação do processado pelo mandatário dos interessados, EE e CC, conforme procuração que lhes foi outorgada.

A admissibilidade do recurso de revista para a terceira instância, ao abrigo do art. 671º/1, do CPCivil, reside precisamente no facto de uma das decisões proferidas por qualquer das duas instâncias inferiores - o tribunal de l.ª instância ou a Relação - ter posto termo ao processo.

No caso, não se tratando de decisão que tenha conhecido do mérito da causa ou, que tenha posto termo ao processo, não se aplica o art.671º/1, do CPCivil4.

O recurso de revista (art. 671º/1, do CPCivil) recai sobre acórdãos da Relação que versem sobre a resolução material do litígio ou que ponham termo ao processo, não se integrando nesse segmento normativo “o acórdão da Relação que aprecia simplesmente alguma exceção dilatória ou qualquer outro aspeto de natureza puramente formal ou adjetiva, sem que ponha termo ao processo”, como é o caso dos acórdãos “que julguem improcedente alguma exceção dilatória (v.g. ilegitimidade ou ineptidão da petição inicial) que tenha sido apreciada no despacho saneador, determinando o prosseguimento do processo para apreciação das demais questões”5.

Estamos assim, perante um recurso de revista de acórdão da Relação que apreciou decisão interlocutória que recaiu unicamente sobre a relação processual (ratificação do processado pelo mandatário dos interessados, EE e CC).

A sua admissibilidade seria pois subsumível ao art. 671º/2/a/b, do CPCivil, isto é, nos casos em que o recurso é sempre admissível (acórdãos da Relação que, incidindo sobre decisões interlocutórias, se integrem nas previsões contempladas no art. 629º/2/a/b/c, do CPCivil), e quando o acórdão da Relação se encontre em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, sem que a divergência jurisprudencial se encontre resolvida por acórdão uniformizador de jurisprudência6,7,8,9.

Temos, pois, que o recurso, nesta hipótese (ratificação do processado pelo mandatário dos interessados, EE e CC), só seria admissível se acaso ocorresse alguma das hipóteses de exceção previstas no art. 671º/2/a/b, do CPCivil.

Porém, nenhuma dessas hipóteses ocorre, pois não é caso em que o recurso seria sempre admissível, nem foi alegada contradição com acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.

Concluindo, tendo o acórdão recorrido apreciado uma decisão interlocutória (ratificação do processado pelo mandatário dos interessados, EE e CC) e, não se verificando qualquer das hipóteses em que aquela admite recurso de revista, o mesmo não é admissível.


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Também, no caso, o Tribunal da Relação confirmou o despacho da senhora notária de 2021-12-14, sem voto de vencido, pelo que, prima facie, não será admissível recurso de revista10,11.

E, a fundamentação de ambas as decisões será essencialmente idêntica e, deste modo, pela existência de dupla conforme, obstativa da admissibilidade da revista12,13,14,15,16,17.

Vejamos.

Quanto ao segmento decisório (ratificação do processado pelo mandatário dos interessados, EE e CC), o despacho da senhora notária de 2021-12-14, entendeu que “aos mandatários foram conferidos poderes especiais para ratificarem tudo aquilo que foi processado, para intervirem em incidentes e para a prática de todos os demais atos que sejam necessários ou convenientes ao bom exercício dos seus poderes, tal como é exemplo o pedido de redução por inoficiosidade. Efetivamente, ao apresentarem o pedido de redução por inoficiosidade os mandatários estão, pelo menos em tese, a praticar um ato destinado ao bom exercício dos seus poderes, defendendo aqueles que entendem ser os direitos de um interessado no âmbito de um processo de inventário destinado à partilha de acervo hereditário”18.

Quanto a este segmento decisório, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa também entendeu que “a opção dos interessados Arménio Mota e CC foi a de atribuírem poderes especiais aos mandatários constituídos para ratificarem o processado. (…) Por isso bem andou a decisão recorrida ao considerar validamente ratificado o processado pelos mandatários de DD e de CC”19.

Concluindo, neste segmento decisório, a fundamentação de ambas as decisões foram essencialmente idênticas, pois consideraram que “aos mandatários foram conferidos poderes especiais para ratificarem tudo aquilo que foi processado.

Temos, pois, que o núcleo essencial da fundamentação jurídica no segmento decisório (ratificação do processado pelo mandatário dos interessados, EE e CC), é idêntico, não havendo divergências quanto aos fundamentos das decisões20,21,22,23,24.

Isto porque, só se pode considerar existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na relação tenha assentado, de modo radical ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença recorrida25.

Conforme jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça, o conceito de fundamentação essencialmente diferente não se basta com qualquer modificação ou alteração da fundamentação no iter jurídico que suporta o acórdão do tribunal a quo em confronto com a sentença de 1.ª instância, sendo antes indispensável que, naquele aresto, ocorra uma diversidade estrutural e substancialmente diferente no plano da subsunção do enquadramento normativo da mesma matéria litigiosa.

A alusão à natureza essencial da diversidade da fundamentação claramente nos induz a desconsiderar, para o mesmo efeito, discrepâncias marginais, secundárias, periféricas, que não representa, efetivamente um percurso jurídico diverso. O mesmo se diga quando a diversidade de fundamentação se traduza apenas na recusa, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado ou que não tenha sido admitido, ou no reforço da decisão recorrida através do recurso a outros argumentos, sem pôr em causa a fundamentação usada pelo tribunal de 1.ª instância26.

Estaremos perante uma fundamentação essencial diversa “quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância”27.

Assim, “verifica-se fundamentação essencialmente diferente quando o acórdão da Relação, embora confirmativo da decisão da 1.ª instância, sem vencimento, o faça com base em fundamento de tal modo diferente que possa implicar um alcance do caso julgado material diferenciado do que viesse a ser obtido por via da decisão recorrida” 28.

No caso sub judice, a operação de subsunção jurídica levada a cabo pelo tribunal a quo foi nuclearmente coincidente com a efetuada pelo despacho da senhora notária de 2021-12-14, já que o enquadramento jurídico delineado pelo acórdão recorrido para fundamentar a não admissão do recuso de revisão se moveu no âmbito do mesmo instituto mobilizado pelo despacho da senhora notária de 2021-12-14, traduzindo-se os aspetos não coincidentes em meros acrescentos, que não importaram alteração do decidido pela senhora notária29,30.

Só quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara o despacho proferido pela senhora notária em 2021-12-14, é que se pode considerar existir uma fundamentação essencialmente diferente, o que não se verificou no caso.

Concluindo, no caso, não é admissível recurso de revista (normal), porquanto:

a) Não se trata de decisão que tenha conhecido do mérito da causa ou que tenha posto termo ao processo;

b) Foi apreciada decisão interlocutória sobre a relação processual e não se verificam os pressupostos específicos do art. 671º/2/a/b, do CPCivil;

c) Existe dupla conforme.

Destarte, improcedendo as razões invocada pela reclamante, mantém-se a decisão singular que não admitiu o recurso, por inadmissibilidade legal.

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (21) do Supremo Tribunal de Justiça, em confirmar a decisão singular de 2025-01-20, que não admitiu o recurso de revista interposto por AA.

Custas do incidente de reclamação para a conferência31,32 pela reclamante, AA (na vertente de custas de parte, por outras não haver), fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC, porquanto a elas deu causa por ter ficado vencida.

Lisboa, 2025-02-2833,34

(Nelson Borges Carneiro) – Relator

(António Magalhães) – 1º adjunto

(Jorge Leal) – 2º adjunto

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1. O juiz que lavrar o acórdão deve sumariá-lo – art. 663º, nº 7, do CPCivil.↩︎

2. O sumário não faz parte da decisão, consistindo tão só numa síntese daquilo que fundamentalmente foi apreciado com mero valor de divulgação jurisprudencial. Por tais motivos, o sumário deve ser destacado do próprio acórdão, sendo da exclusiva responsabilidade do relator – ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, pág. 301.↩︎

3. A retificação ou reforma do acórdão, bem como a arguição de nulidade, são decididas em conferência – art. 666º/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎

4. Nos termos do n.º 1 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, cabe recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação proferido sobre decisão da 1.ª instância que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-11-25, Relator: ANTÓNIO LEONES DANTASINÁCIO RAÍNHO, https:// www.dgsi.pt/jstj.↩︎

5. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 2020, pp. 396/97.↩︎

6. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-10-11, Relatora: GRAÇA AMARAL, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

7. Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias, isto é, não finais, só podem ser objeto do recurso de revista no caso de se verificar uma das situações previstas nas alíneas a) e b) do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-11-26, Relator: FERREIRA LOPES, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

8. O recurso de revista sobre decisão interlocutória relativa à tempestividade do rol de testemunhas apresentado em ação cível comum segue o regime previsto no art. 671.º/2, do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-12-10, Relator: INÁCIO RAÍNHO, https:// www.dgsi.pt/jstj.↩︎

9. O recurso de revista sobre acórdão do Tribunal da Relação que aprecie decisão interlocutória que recaia unicamente sobre a relação processual, só é admissível em qualquer das situações previstas nas alíneas a) e b) do art. 671º do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-09-20, Relator: JOSÉ FETEIRA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

10. A dupla conformidade decisória impede a interposição de recurso de revista, nos termos do n.º 3 do art. 671.º do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-05-26, Relator: HENRIQUE ARAÚJO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

11. Não é admissível a revista em termos gerais quando se está perante uma situação de existência de dupla conforme – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-09-07, Relator: RAMALHO PINTO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

12. A única circunstância divergente entre as decisões admitida por lei como insuscetível de afastar a dupla conforme resultante da confirmação unânime, pela Relação, da decisão da 1ª instância, é a divergência quanto a algum fundamento da decisão – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2011-09-08, Relator: SILVA SALAZAR, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

13. Igualmente existe dupla conforme quando, embora com desenvolvimento e nível de concretização diferentes, o Tribunal da Relação não decide com fundamentação essencialmente distinta – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-09-07, Relator: RAMALHO PINTO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

14. A figura da “dupla conforme” que se encontra plasmada no n.º 3 do art. 671.º do CPC, que obsta ao recurso de revista normal, pressupõe que haja um acórdão da Relação que confirme a decisão (recorrida) da primeira instância e que essa confirmação ocorra sem qualquer voto de vencido e sem uma fundamentação essencialmente diferente – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-02-15, Relator: ISAÍAS PÁDUA, Revista: 16399/15.1T8LSB-A.L1.S.↩︎

15. Estando formada uma dupla conformidade decisória das instâncias, não é admissível recurso ordinário de revista. O art. 671.º, n.º 3, do CPC não padece de inconstitucionalidade – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-02-08, Relator: JOSÉ RAINHO, Reclamação: 471/18.9 T8SSB.E1-A.S1.↩︎

16. Verifica-se dupla conformidade decisória impeditiva da admissão de recurso de revista ao abrigo da regra geral contida no art. 671.º, n.º 1, do CPC sempre que a decisão proferida em primeira instância seja confirmada sem voto de vencido e sem que seja utilizada fundamentação essencialmente diferente para a solução jurídica adotada – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-10-10, Relator: MANUEL AGUIAR PEREIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

17. O art. 671º, 3, do CPC, determina a existência de “dupla conformidade decisória” entre a Relação e a 1.ª instância como obstáculo ao conhecimento do objeto do recurso de revista normal ou regra junto do STJ, em relação aos segmentos decisórios e seus fundamentos com eficácia jurídica autónoma (objeto de impugnação) nos quais se verifica identidade de julgados, sem fundamentação essencialmente diferente e sem voto de vencido, ou, para além disso, em que a decisão recorrida, no ou nos segmentos decisórios recorridos (mesmo que sem confirmação integral no dispositivo) e seus fundamentos atendíveis, se revela mais favorável, qualitativa ou quantitativamente, à parte recorrente (mesmo que só com procedência parcial do recurso), sem voto de vencido – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-11-02, Relator: RICARDO COSTA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

18. “4. É o seguinte o teor de parte do despacho proferido em 14 de dezembro de 2021 pela Srª Notária: “I- Das procurações juntas aos autos. Os interessados DD (na pessoa do interessado BB) e CC foram notificados para virem juntar, cada um deles, uma nova procuração com a especificação e poderes suficientes para os atos praticados e a praticar pelos mandatários, assim como ratificarem expressamente o processado, sob pena de ficar sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelos mandatários até ao momento. Através do mesmo despacho, os mandatários identificados nas procurações datadas de 12.04.2021 foram notificados para virem juntar nova procuração com a especificação e poderes suficientes para os atos praticados e a praticar, sob pena de ficar sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelos mandatários até ao momento. Dava-se, pois, cumprimento ao previsto no CPC, conforme se sustentou no anterior despacho deste Cartório. No dia 23.09.2021, um desses mandatários, o Dr. FF, veio requerer a junção aos autos de duas procurações, “com as especificações dos poderes para os atos, praticados e a praticar, assim como a respetiva ratificação de todo o anterior processado”. As aludidas procurações são ambas datadas de 22.09.21, sendo a primeira, outorgada pelo interessado BB, na qualidade de procurador de DD e a segunda procuração outorgada por CC. Pese embora tenham sido objeto de termo de autenticação em diferentes cartórios, ambas conferem poderes forenses aos dois mandatários que já patrocinavam o interessado BB e apresentam conteúdo idêntico. Pronunciando-se acerca destas procurações, a Cabeça de Casal, por intermédio de um requerimento datado de 07.10.2021, requereu que fosse “dado sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelos aparentes mandatários dos interessados DD e CC, antes da procuração agora junta, datada de 22 de setembro de 2021”. A Cabeça de Casal alega, em síntese, o seguinte: - Que foram juntas duas procurações, mas não ratificado expressamente o processado; - Os interessados (mandantes) limitam-se a conferir aos mandatários “poderes para ratificar todo o processado”, nada ratificando expressamente na procuração; - Os mandatários limitam-se, no requerimento de 23 de setembro, a juntar as procurações, para aí remetendo no que respeita a “especificações dos poderes para os atos, praticados e a praticar, assim como a respetiva ratificação de todo o anterior processado”. Cumpre decidir. Compulsadas as duas procurações, constata-se que em ambas são especificados diversos poderes que são conferidos aos mandatários no âmbito do presente inventário. Dentro desses poderes importa, por agora, reter estes dois:- “representá-lo em quaisquer incidentes que venham a ocorrer no âmbito do respetivo processo de inventário, e de um modo geral praticar todos os demais atos que sejam necessários ou convenientes ao bom exercício dos seus poderes, assinado e requerendo tudo o que necessário se torne útil ou conveniente para os referidos efeitos, o que desde já estão autorizados a fazer”: - “Mais lhe confere os poderes para ratificar todo o processado.” Resulta do que se encontra vertido nessas duas passagens das procurações- cremos que de forma inequívoca- que aos mandatários foram conferidos poderes especiais para ratificarem tudo aquilo que foi processado, para intervirem em incidentes e para a prática de todos os demais atos que sejam necessários ou convenientes ao bom exercício dos seus poderes, tal como é exemplo o pedido de redução por inoficiosidade. Efetivamente, ao apresentarem o pedido de redução por inoficiosidade os mandatários estão, pelo menos em tese, a praticar um ato destinado ao bom exercício dos seus poderes, defendendo aqueles que entendem ser os direitos de um interessado no âmbito de um processo de inventário destinado à partilha de acervo hereditário. É certo que, no requerimento apresentado por um desses mandatários no dia 23.09.2021, o mesmo não escreve, de forma expressa, que ratifica tudo o processado. No entanto, além de juntar procuração com esse poder, refere, no próprio requerimento, que lhe foram atribuídos esses poderes especiais. Em acréscimo- e que se afigura importante- se foram os mandatários que apresentaram ao Cartório, através da plataforma dos inventários, os anteriores requerimentos que deram origem aos incidentes e, agora, demonstram possuir poderes para ratificar esses mesmos requerimentos, impõem as regras da lógica e o senso comum que, naturalmente, ratificam o que foi por eles processado. Equacionar uma interpretação contrária configuraria um contrassenso.

Em consequência, ainda que se constate que o mandatário dos interessados não tenha, com a junção das procurações, evidenciado a ratificação do processo da forma que se consideraria mais adequada, a hipotética rejeição das duas procurações, o considerar-se não ter ocorrido a ratificação e a eventual aplicação da consequência do n.º 2 do artigo 48 do CPC- ficar sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário- seria uma decisão ferida de desproporcionalidade, desajustada e que não mais seria do que um injustificado excesso de formalismo. Observe-se neste sentido, a título exemplificado, o decidido no seguinte aresto: “Se é certo que a aplicação da cominação prevista no n.º 2 do artigo 48 do CPC mostra-se adequada quando a parte, pela sua inércia, revela total indiferença pelo decurso ou sorte dos autos, contudo, revela-se excessiva na situação, como a que ocorre no caso vertente, em que a parte, procurou suprir a irregularidade do mandato, ainda que incorreta ou inabilmente” (Ac. do Tribunal Central Administrativo Norte datado de 28.04.2016, processo n.º 01273/15.0BEPNF, in www.dgsi.pt). Note-se inclusive que existe jurisprudência superior que vai mais longe, decidindo que simples procuração com poderes gerais é suficiente para proceder à ratificação, porquanto, com a outorga posterior pelo mandante de procuração com poderes forenses gerais está implícita a confiança daquele na atuação do seu mandatário (vide Ac. do STJ de 11.01.96 in BMJ 453, págs. 376 e seguintes). Em conclusão, admite-se a junção aos autos das duas procurações em crise, considerando-se ratificado o processado pelos mandatários de DD e de CC, nomeadamente o que foi requerido nos dois requerimentos de 13.04.2021 relativamente à redução de inoficiosidade e tramitação subsequente (…)” .↩︎

19. “Determinar se os mandatários dos interessados DD e CC ratificaram o processado conforme procuração que lhe foi outorgada. As procurações juntas contém a menção "Mais lhe confere poderes para ratificar todo o processado". A ratificação é a declaração de vontade pela qual alguém faz seu, ou chama a si, o ato jurídico realizado por outrem em seu nome, mas sem poderes de representação (Art0 268° CC). Pretende-se pois através da exigência da ratificação proteger os interesses das partes a fim de obstar a que uma deficiente intervenção processual possa prejudicar a sua posição substancial na relação jurídica litigada [Em abono vide Antunes Varela " Manual de Processo Civil", 2" ed., Coimbra Editora, 4 I 6 1985, pág. 189 e ss ( 194 e nota 1 ), Castro Mendes, Manual de Processo Civil 1980, 11, pág. 150, nota l, José Lebre de Freitas et alia, "Código de Processo Civil Anotado", Coimbra editora, 1999, pág. 81/82, nota 2 ao artigo 40°, e António Santos Geraldes," Temas da Reforma do Processo Civil" I, 23 ed., 1998, pág. 282/283 e nota 540, com referência jurisprudencial.]. Ora, a ratificação expressa do processado, como ato pessoal que é, tanto pode fazer-se diretamente por declaração do mandante no processo ou por intermédio do respetivo representante, atribuindo-lhe poderes especiais para esse efeito. Está o mandante, de uma maneira ou de outra, a manifestar expressamente a sua vontade (e é esta que releva para validar os atos praticados pelo mandatário). E a opção dos interessados DD e CC foi a de atribuírem poderes especiais aos mandatários constituídos para ratificarem o processado. E esta ratificação foi feita, embora, reconhecemos, não do modo mais claro. No requerimento junto em 23 de setembro de 2021 o mandatário Dr. FF apresenta um requerimento no processo do qual consta "Nos autos supra mencionados, vimos, em cumprimento do despacho datado de I 6 de setembro de 2021, juntar as procurações, com a especificações dos poderes para os autos, praticados e praticar, assim como a respetiva ratificação de todo o anterior processado". Com a junção deste requerimento, e no âmbito dos poderes especiais que lhe foram conferidos pelas procurações o advogado ratificou o que tinha praticado até à data. Por isso bem andou a decisão recorrida ao considerar validamente ratificado o processado pelos mandatários de DD e de CC, nomeadamente o que foi requerido nos dois requerimentos de 13 de abril de 2021 relativamente à redução por inoficiosidade e tramitação subsequente. Perante esta conclusão é manifesto que tem de improceder a pretensão da recorrente de que se considere prejudicado o direito dos interessados CC e DD requererem a redução da doação inoficiosa por terem apresentado requerimento de forma que a lei não permite e configura nulidade processual. A ratificação do processado permite que os interessados, através daqueles mandatários, possam apresentar o referido requerimento. E essa ratificação foi efetuada com a apresentação do requerimento datado de 23 de setembro de 2021. Improcede o recurso nesta parte”.↩︎

20. A alusão à natureza essencial ou substancial da diversidade da fundamentação determina que sejam desconsideradas para o efeito as discrepâncias marginais ou secundárias que não constituam um enquadramento jurídico alternativo – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 579.↩︎

21. A admissão do recurso de revista interposto de um acórdão da Relação que confirmou a decisão da 1ª instância, depende da verificação de uma situação em que o núcleo essencial da fundamentação jurídica é diverso – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 579.↩︎

22. O conceito de fundamentação essencialmente diferente (art. 671.º, n.º 3, do CPC) não se basta com qualquer modificação ou alteração da fundamentação, sendo antes indispensável que o âmago fundamental do enquadramento jurídico seguido pela Relação seja completamente diverso daquele que foi seguido pela 1.ª instância – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-03-31, Relator: FERNANDO BAPTISTA, Revista: 14992/19.2T8LSB.L1.S1.↩︎

23. Tratando-se de um conceito vago/indeterminado fornecido pelo legislador, o conceito de “fundamentação essencialmente diferente” deve ser densificado/concretizado no sentido de entender que “há fundamentação essencialmente diferente” quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radical ou profundamente inovatório, em 179 normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão recorrida, sendo de desconsiderar as discrepâncias marginais, secundárias ou periféricas, que não representem efetivamente um percurso jurídico diverso, e bem como ainda o mero reforço argumentativo levado a cabo pela Relação para fundamentar a mesma solução alcançada pela decisão apelada ou até o aditamento porventura de outro fundamento jurídico, que não tenha sido considerado, desde que não saia do âmbito/perímetro normativo/ substancial/ material em que se moveu a decisão recorrida – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-02-15, Relator: ISAÍAS PÁDUA, Revista: 16399/ 15.1T8LSB-A.L1.S.↩︎

24. Para que se esteja perante uma fundamentação essencialmente diferente é necessário que as instâncias divirjam essencialmente no iter jurídico conducente à mesma decisão – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2016-01-21, Relator: TÁVORA VICTOR, Revista: 5838/11.0 TBMAI.P1.S1.↩︎

25. A “dupla conforme” não se descaracteriza quando a argumentação do segundo grau de jurisdição não é integralmente coincidente com a fundamentação do primeiro grau num dos fundamentos autónomos da pretensão judicial desde que isso não implique um desvio no caminho interpretativo-aplicativo da sentença recorrida. Quando assim é, com adição ou esclarecimento ou assunção, mesmo que em sentido distinto, de argumentos em segunda instância, não existe diversidade essencial da fundamentação que obste à aplicação do art. 671º, 3, do CPC, uma vez que ambas as decisões judiciais convergiram inteiramente no aspeto absolutamente fundamental e decisivo na aplicação de um mesmo regime jurídico (no caso, a resolução condicional em benefício da massa insolvente do art. 120º do CIRE no que toca ao pressuposto da má fé do terceiro) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-11-02, Relator: RICARDO COSTA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

26. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª ed., 2020, p. 413.↩︎

27. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2015-02-19, Relator: LOPES DO REGO, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

28. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-04-27, Relator: TOMÉ GOMES, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

29. Para efeitos de aferição da conformidade ou da desconformidade decisória, não pode ser atribuído significado a alterações irrelevantes e sem reflexo na decisão final, sob pena de, no caso contrário, o disposto no artigo 671.º, n.º 3, do CPC ficar destituído da sua função substancial (que é a de efetuar a seleção dos casos em que é justificado o acesso ao terceiro grau de jurisdição) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-11-07, Relatora: CATARINA SERRA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

30. Não releva, para este efeito, a alteração factual operada pela Relação, pois que conhecendo, em regra, o STJ de matéria de direito (arts. 46.º da Lei n.º 62/2013, de 26-08, e 682.º, n.ºs 1 a 3, do CPC), «os elementos de aferição das aludidas “conformidade” ou “desconformidade” das decisões das instâncias (os chamados elementos identificadores ou diferenciadores) têm de circunscrever-se à matéria de direito (questões jurídicas); daí que nenhuma divergência das instâncias sobre o julgamento da matéria de facto seja suscetível de implicar, a se, a “desconformidade” entre as decisões das instâncias geradora da admissibilidade da revista. Tal “desconformidade” terá sempre de reportar-se a matérias integradas na competência decisória (ou seja, nos poderes de cognição) do STJ» – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-06-29, Relator: JOAQUIM PIÇARRA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

31. A reclamação para a conferência configura-se como um incidente inserido na fase processual de recurso, enquadrado na 5.ª espécie de distribuição, que consta no artigo 214.º do CPCivil. Sendo um incidente, corresponde-lhe a taxa de justiça prevista no n.º 4 do artigo 7.º do Regulamento das Custas Processuais, cuja quantificação está prevista no penúltimo retângulo da tabela II anexa àquele Regulamento, entre o correspondente a 0,25 de UC e 3 UC, ou seja, entre € 25,50 e € 306.↩︎

32. A UC é atualizada anual e automaticamente de acordo com o indexante dos apoios sociais (IAS), devendo atender-se, para o efeito, ao valor de UC respeitante ao ano anterior – art. 5º/2, do RCProcessuais.↩︎

33. A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º, nº 2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.↩︎

34. Acórdão assinado digitalmente.↩︎