IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODERES DA RELAÇÃO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL
DOCUMENTO AUTÊNTICO
FORÇA PROBATÓRIA PLENA
PRESUNÇÃO JUDICIAL
ILOGICIDADE DA PRESUNÇÃO
SINDICÂNCIA
VIOLAÇÃO DE LEI
IMPROCEDÊNCIA
Sumário


I – Nas competências do Supremo Tribunal de Justiça cabe verificar se a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal da Relação respeitou as normas de direito probatório aplicáveis (arts. 674º/1/b/3, e 682º/3, do CPCivil).
II – Daí que não possa censurar a convicção a que as instâncias chegaram sobre a matéria de facto submetida ao princípio geral da prova livre, a que alude o art. 607º/5, do CPCivil.
III – Ao Supremo Tribunal de Justiça está vedado sindicar o não uso duma presunção judicial pela Relação.
IV – O que o Supremo Tribunal de Justiça pode aferir é se as presunções extraídas pelas instâncias violam os artigos 349º e 351º do CC, por se tratar duma questão de direito, podendo assim sindicar se as ilações foram inferidas de forma válida, designadamente se foram retiradas dum facto desconhecido por não ter sido dado como provado e bem assim se contrariam ou conflituam com a restante matéria de facto que tenha sido dada como provada.

Texto Integral

RECURSO DE REVISTA18502/20.0T8PRT.P2.S1
RECORRENTEORANGE SPHERE, SA,
RECORRIDAAA


***


SUMÁRIO1


I – Nas competências do Supremo Tribunal de Justiça cabe verificar se a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal da Relação respeitou as normas de direito probatório aplicáveis (arts. 674º/1/b/3, e 682º/3, do CPCivil).

II – Daí que não possa censurar a convicção a que as instâncias chegaram sobre a matéria de facto submetida ao princípio geral da prova livre, a que alude o art. 607º/5, do CPCivil.

III – Ao Supremo Tribunal de Justiça está vedado sindicar o não uso duma presunção judicial pela Relação.

IV – O que o Supremo Tribunal de Justiça pode aferir é se as presunções extraídas pelas instâncias violam os artigos 349º e 351º do CC, por se tratar duma questão de direito, podendo assim sindicar se as ilações foram inferidas de forma válida, designadamente se foram retiradas dum facto desconhecido por não ter sido dado como provado e bem assim se contrariam ou conflituam com a restante matéria de facto que tenha sido dada como provada.



***

ACÓRDÃO2



Acordam os juízes da 1ª secção (cível) do Supremo Tribunal de Justiça:

1. RELATÓRIO

ORANGE SPHERE, S. A., intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA pedindo:

A) Que se julguem liquidadas as supostas dívidas que a ré alega que o autor tem para com ela;

B) Que se promova a renegociação do contrato de arrendamento comercial por tempo determinado;

C) A condenação da ré a restituir o valor correspondente aos 1400,00 euros de acréscimo que tem vindo a pagar indevidamente todos os meses, a multiplicar pelo período de tempo que já passou desde o início do contrato, que foram 22 meses, a que corresponde em termos rendas pagas a 26 rendas (rendas e caução), no valor de € 35 000,00€;

D) Que seja indemnizada pelo facto de ter tido de realizar obras de remodelação e decoração no piso superior que foi retirado por imposição da Câmara Municipal ..., bem como a demolição do referido piso, e a reestruturação do piso inferior sem o superior, valor esse a determinar pelo Tribunal, com todas as devidas e legais consequências.

Foi proferida sentença em 1ª instância que:

1) Absolveu a ré dos pedidos formulados pela autora.

2) Declarou a resolução do contrato de arrendamento referido no ponto 1 dos factos provados, condenando a autora a entregar o locado à ré livre e devoluto de pessoas e bens e no estado em que o recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato.

3) Condenou a autora no pagamento à ré da quantia de 29 501,18€ (vinte e nove mil, quinhentos e um euros e dezoito cêntimos), acrescidas do valor mensal das rendas vencidas e vincendas desde a data da apresentação da reconvenção e até entrega do locado.

4) Condenou a autora a indemnizar a ré pelo valor do dano que, aquando da entrega, o imóvel revelar como decorrente da destruição/alteração do mezanino/piso intermédio mencionado nos articulados, a liquidar posteriormente.

5) Absolveu a autora do mais peticionado em sede de reconvenção.

Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto proferido acórdão que:

1) Julgou extinta, por inutilidade superveniente da lide, a instância relativa aos pedidos de renegociação do contrato de arrendamento, resolução do contrato de arrendamento e de entrega do locado – artigo 277.º, e), do C. P. C. -.

2) Condenou a autora/reconvinda a entregar à ré/reconvinda, no âmbito da entrega do locado no estado em que se encontrava quando o recebeu, a:

. reconstruir o entrepiso original;

. reparação de três telhas do telhado;

. retirada de toldo colocado na fachada e reparação dos respetivos furos.

3) Alterou a decisão recorrida, no sentido de se revogar a condenação da autora/ reconvinda a indemnizar a ré pelo valor do dano que, aquando da entrega, o imóvel revelar como decorrente da destruição/alteração do mezanino/piso intermédio mencionado nos articulados, a liquidar posteriormente.

Inconformada, veio a autora interpor recurso de revista deste acórdão, tendo extraído das alegações3,4 que apresentou as seguintes


CONCLUSÕES5:


I – O presente recurso tem por objeto Acórdão da Relação que julgou parcialmente procedente a apelação promovida pela ora recorrente quanto à decisão proferida na 1ª Instância.

II – Pelo que o presente recurso de Revista é sempre admissível como de Revista Normal, nos termos do artº 671 nº 1 do CPC.

Sem prescindir

III – Ainda que assim se não entendesse, o que não se consente, a presente Revista deveria – deverá – então ser admitida como de Revista Extraordinária, nos termos do artº 672 nº1, alíneas a) e c) do CPC.

IV – Porquanto, a apreciação do seu objeto, tem também a ver com a aplicação da Lei substantiva sobre a valoração das provas e consubstancia questão relevante para a boa aplicação do Direito, como também a decisão recorrida, nos termos expostos, está em contradição com decisões proferidas nos Tribunais da Relação e no STJ, nomeadamente o Acórdão proferido no STJ no processo nº 665/13.3TVPRT, de 31.01.2023, sobre a mesma questão de direito, que para esta hipótese se invoca como Acórdão fundamento.

V – No entendimento da A. existem dois documentos juntos aos autos não impugnados, um deles até autêntico, que o Tribunal da Relação não considerou na sua plenitude, violando assim não só norma substantiva que estabelece as regras sobre o valor das provas (no caso prova documental), como consubstancia violação dos poderes da Relação quanto à alteração ou modificação da decisão da matéria de facto.

VI – O acórdão da Relação é, pois, neste sentido até nulo, nos termos expostos.

VII - São esses documentos os seguintes:

a) o contrato de arrendamento junto aos autos com a p.i. (e cujas clausulas, no que aqui importa, estão até dadas como provadas na decisão da 1ª Instância e no Acórdão recorrido);

b) certidão junta aos autos com a p.i., emitida pela C.M. ....

VIII – De tais documentos resulta claro:

a) A área do arrendado para o exercício da atividade pretendida pela A. foi reduzida e, em conformidade teria/ terá cabimento a pretensão – o pedido formulado pela A. de redução de renda e a restituição à A. de uma parte de tal importância, correspondente à área reduzida do locado;

b) E, por consequência ao pedido de rendas formulado pela Ré haveria – haverá - de ser reduzido ou compensado o valor indemnizatório a que a A. entendia achar-se com direito (como entende) quanto ao pedido de redução do valor de renda;

c) Por outro lado, no entender da recorrente, salvo o devido respeito, esta não está obrigada à reposição do mezanino primitivo, nem o pode fazê-lo;

d) É que o mezanino original era um “peça” anómala, ilegal, não reconhecida pela entidade administrativa licenciadora, conforme provado documentalmente nos autos;

e) Daí que nem a Ré tem o direito a exigir da A. a reposição de uma ilegalidade, nem esta o pode fazer, pois que não pode construir nada em violação da Lei;

f) E se assim é – como se entende -, não pode o Tribunal condenar a A., recorrente, à execução de uma obra ilegal.

g) Acrescendo ainda como reconhecido nos autos, que a A. já procedeu à entrega do locado à Ré, sendo assim e de outro modo materialmente impossível para a A. tal construção, pelo que a manutenção da condenação da A. na construção do entre piso original é uma decisão ilegal

IX – Esta matéria que a A. considera inequivocamente provada documentalmente nos autos é manifestamente importante e relevante para a boa decisão da causa quer no que respeita à decisão quanto à ação, quer no que respeita à decisão sobre a reconvenção.

X – Deveria, pois, o Tribunal da Relação ter tomado em consideração na sua total plenitude o valor probatório de tais documentos, com todas as legais consequências, nomeadamente considerando a ação parcialmente procedente quanto ao pedido indemnizatório da A. pela redução da área do arrendado, por facto que não lhe é imputável, quer quanto ao pedido reconvencional pela absolvição da A. quanto à obrigação da A. de realizar qualquer obra de reposição do mezanino original.

XI – Assim, no acórdão recorrido, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 662 nº 1 do CPC, pelo que o mesmo deve ser anulado e, em consequência, deve ordenar-se a baixa do processo ao Tribunal a quo para que este profira novo acórdão no qual proceda a um novo julgamento da prova produzida em 1ª Instância, com reanalise critica de todas as provas indicadas pela recorrente no recurso de apelação e, bem assim, da demais prova produzida nos autos.

Sem prescindir,

XII - Caso se entenda que o STJ pode diretamente e sem mais corrigir a reapreciação desses itens formulados na ação e na reconvenção deve, então, ser reconhecida a violação da disposição legal substantiva no que concerne à valoração das provas, devendo julgar-se procedente nessa instância os pedidos indemnizatórios formulados pela A. por redução da área locativa e necessidade de demolição e/ou alteração do mezanino, absolvendo-se a A. da reposição do mezanino originário, fazendo sempre baixar os autos ao Tribunal da Relação, nos termos e para todos os efeitos legais (nomeadamente para a respetiva quantificação).

XIII – Violou assim o Acórdão recorrido por erro de aplicação ou interpretação, além do mais, o disposto nos artigos 371, 376 do Código Civil e artigos 615 e 662 nº 1 do CPC

Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, julgando procedente o presente recurso.

A recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência da revista e a manutenção do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos6, cumpre decidir.

OBJETO DO RECURSO7,8,9

Emerge das conclusões de recurso apresentadas por ORANGE SPHERE, S. A., ora recorrente, que o seu objeto está circunscrito à seguinte questão:

1.) Saber se a matéria de facto deve ser alterada por violação de lei reguladora de direito probatório material.

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA

1. Em 27 de Dezembro de 2018, a autora, como segunda outorgante e a ré, como primeira outorgante, subscreveram o documento intitulado “Contrato de Arrendamento Comercial por Tempo Determinado”, junto com a petição inicial que, no que infra não se faça constar, aqui se dá por integralmente reproduzido.

2. Segundo a sua cláusula primeira “1. A Primeira Outorgante é dona e legítima possuidora da fração autónoma designada pela letra “G” correspondente ao n.º 42 do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., (…) ... (doravante abreviadamente designada por Locado)”.

3. Nos termos da sua cláusula segunda “1. Pelo presente instrumento, a Primeira Outorgante dá de arrendamento à Segunda Outorgante, e esta aceita, o Locado.”

4. Segundo a cláusula terceira “1. A Segunda Outorgante está ciente de que o locado se encontra licenciado para “comercio de têxtil – grossista – armazém têxtil” se bem que aquela o pretende afetar à atividade de bar, snack-bar, restaurante ou “grill”, e outras que sejam relacionadas, comprometendo-se a não lhe dar outro uso ou finalidade para além da que pretende afetar o locado. 2. Compete à Segunda Outorgante e esta obriga-se, a suas expensas e responsabilidade em obter as licenças ou autorizações requeridas ao funcionamento daquelas atividades no Locado.

5. Segundo a cláusula quarta “1. O prazo de duração do contrato de arrendamento é de 5 (cinco) anos, com início em 01/01/2019 e renovável automaticamente por iguais e sucessivos períodos de 1 ano, podendo qualquer uma das partes opor-se à renovação ou denunciar o presente Contrato, nos termos descritos na presente cláusula.”

6. Dispondo a cláusula quinta que “1 A renda mensal é de 4.964,40 € (…) que a Segunda Outorgante pagará em duodécimos mensais, no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que se refere, por transferência bancária permanente e automática para a conta bancária de que a Primeira Outorgante é titular no Millennium BCP o IBAN PT50 ...60 5. 2. A renda sofrerá os seguintes aumentos anuais de 3% relativamente ao valor pago no ano antecedente, aplicando-se este aumento durante o prazo inicial e respetivas renovações sucessivamente m relação a cada uma delas; tudo e sempre no pressuposto de que a atualização anual da renda se opera de forma automática obrigando-se o inquilino a cumpri-la independentemente de qualquer interpelação da senhoria nesse sentido; tudo e sempre no pressuposto de o coeficiente legal não ser superior a 3%, caso em que aplicará esse coeficiente (…) 5. A falta de pagamento de duas rendas confere ao senhorio o direito a resolver o presente arrendamento, com carácter imediato, através de interpelação enviada à Segunda Outorgante por via postal com AR (…)”

7. Segundo a cláusula sexta “1. Compete à Segunda Outorgante: a) obter todas as licenças, alvarás, ou quaisquer outras autorizações necessárias ao funcionamento da sua atividade; b) obter as competentes licenças e autorizações para realização de obras no Locado bem como na instalação ou aplicação de qualquer meio publicitário para o exercício da respetiva atividade, com autorização previa da senhoria; c) realizar as obras que tiver por convenientes para tornar o Locado apto ao desenvolvimento da atividade definida no n.º 1 da Cláusula Terceira; d) contratar e manter plenamente válida e em vigor, durante a vigência do contrato de arrendamento um seguro multirriscos que cubra, nomeadamente, a responsabilidade civil por danos pessoais ou materiais sofridos, em resultado da sua atividade e da utilização do Locado e que cubra as perdas de exploração, nomeadamente, o pagamento de rendas. 2. A Segunda Outorgante compromete-se a desenvolver a atividade referida no n.º 1 da Cláusula Terceira nos termos e limites legalmente impostos, nomeadamente no que respeite à emissão de odores e ruídos (…)”.

8. Dispõe a cláusula sétima que “1. A Segunda Outorgante é responsável pelo pagamento de todos os custos e encargos decorrentes: a) (…); b) das obras que a Segunda Outorgante deva realizar no Locado; c) das obras de reparação que decorram de uma manifesta má utilização que a Segunda Contraente faça do Locado e eventuais indemnizações que sejam reclamadas pagar (…)”.

9. Segundo a cláusula oitava “1. A Segunda Outorgante conhece o estado de conservação atual do Locado, aceitando-o no estado em que o mesmo se encontra. 2. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a Primeira Outorgante autoriza desde já a Segunda Outorgante a realizar as obras referidas na al. c) do n.º 1 da Cláusula Sexta. 3. A Segunda Outorgante deverá obter prévia autorização da Primeira Outorgante para a realização de obras que impliquem alteração da estrutura do edifício ou do Locado, alteração da estética exterior do edifício, construção de marquises ou alteração da configuração das divisões do Locado, devendo essa autorização revestir a forma escrita. 4. A colocação de meios publicitários ou reclamos autorizados pela primeira outorgante serão preceitos do competente licenciamento camarário, cujo custo é da responsabilidade da segunda contraente. Estes deverão, findo o contrato, ser retirados, sendo responsabilidade da arrendatária a reposição em perfeito estado de conservação os locais em que os mesmos foram afixados”.

10. Nos termos da cláusula nona “1. Todas as obras de beneficiação e benfeitorias realizadas passarão a integrar o Locado e nele permanecerão, findo o Contrato, sem que daí resulte para a Segunda Outorgante qualquer direito de retenção ou indemnização pelas mesmas. 2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, a Segunda Outorgante obriga-se a repor o Locado no estado em que o mesmo foi dado de arrendamento, removendo quaisquer alterações por si realizadas no arrendado, se for essa a vontade da Primeira Outorgante, comunicando essa vontade com a antecedência mínima de 30 dias relativamente ao termo deste Contrato.”

11. Acrescentando a cláusula décima segunda que “1. A Segunda Outorgante compromete-se a manter para o locado os seguros que forem impostos para o efeito bem como a manter um seguro de recheio e multirriscos ativo durante a vigência do contrato. 2. A Segunda Contraente obriga-se a não emitir cheiros, odores, sujidade, ruídos ou barulhos que estorvem os restantes residentes ou ocupantes do prédio (…) 4. A Segunda Contraente terá de restituir o local arrendado devoluto até ao último dia do contrato, em perfeitas condições de funcionamento e estado de conservação, nomeadamente respetiva instalação elétrica, ora existente no arrendado, conservação e limpeza.”.

12. Em 29 de Junho de 2019, por uma comissão de vistoria organizada pela Direção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal ... foi elaborado o documento intitulado “Auto de Vistoria”, de “Recintos de Espetáculos e Divertimento” referente ao locado para efeitos de emissão de alvará de autorização de utilização, onde se descreve o recinto como “espaço com dança”.

13. Tal documento, junto a estes autos com a petição inicial e que no mais aqui se dá por reproduzido, prestou parecer desfavorável, indicando como motivo “Desconformidade com a licença n.º 284/82, por existência de um entrepiso e seu acesso, que não consta das peças aprovadas. Obteve parecer desfavorável do BSB (faz parte integrante do auto a informação NUF/52119/2019/CMP). O explorador do estabelecimento ficou advertido que o entrepiso não possui condições de arejamento/ventilação/luminosidade para a permanência de pessoas (utente/ funcionários). Pelo que deverá ser solicitada nova vistoria após terem sido efetuadas as devidas correções de forma a dar cumprimento às condições impostas pelos técnicos que integram esta Comissão. Prazo concedido / dias úteis.”.

14. A autora removeu o piso superior do locado (mezanino/entrepiso), realizando obras de remodelação e decoração (pinturas, tetos falsos, espelhos, portas, etc.).

15. A autora construiu um novo mezanino no espaço locado, visando satisfazer os requisitos referidos no documento descrito no ponto 13.

16. A ré não suportou o custo das obras referidas no ponto 14.

17. Antes da subscrição do documento descrito no ponto 1, os representantes da autora visitaram o locado e verificaram se o espaço existente lhes servia para os fins que pretendiam.

18. A 26-08-2019, a Sr.ª BB, em representação da autora, remeteu à ré um email, no qual é anexo o documento descrito no ponto 13, não tendo a ré compreendido que o piso intermédio já tinha sido derrubado.

19. A autora não obteve da ré autorização, nem verbal, nem escrita, para realização de obras de eliminação do piso intermédio.

20. Com a demolição do piso intermédio, a autora obteve licença para desenvolver no locado a atividade de recinto de diversão e recinto destinado a espetáculos de natureza não artística.

21. A autora apresenta-se como Bar/Discoteca.

22. No locado são realizadas festas onde a música é o componente principal.

23. Nessas festas não é possível manter uma conversação devido ao volume a que se encontra a música.

24. Há recurso a amplificadores de som.

25. Os clientes juntam-se no espaço para dançar.

26. Há um disco Jockey colocado num palco.

27. O imóvel é um edifício do início do século XX, com estrutura interior composta quase exclusivamente por madeira, sem isolamento acústico adequado para a atividade de discoteca.

28. A autora comprometeu-se a fazer um isolamento acústico que protegesse os pisos superiores do ruído provocado pela música, mas não o fez ou não o fez de forma adequada.

29. O ruído que emana do locado, a diferentes horas do dia, provoca incómodo nos restantes utilizadores do prédio.

30. A ré, no registo predial, sob a descrição ...52/20050401, tem inscrição definitiva a seu favor da propriedade da fração “I”, sita no primeiro andar do prédio referido em 1, destinada a escritórios, que a ré destina a arrendamentos.

31. O ruído que emana do locado provocou queixas dos inquilinos da parte da fração referida I, arrendada pela autora, que se situa imediatamente por cima do locado.

32. A autora destruiu três telhas do telhado.

33. Em virtude da destruição destas telhas, começou a entrar água no terceiro andar, o que causou diversos estragos.

34. A autora incorporou na fachada do edifício onde se encontra o locado um toldo, sem para tal pedir autorização à ré.

35. Tendo, para o efeito, feito furos na fachada.

36. A autora nunca fez prova à ré da contratualização de um seguro multirrisco.

37. A autora não entregou à ré nenhuma quantia destinada a liquidar a renda vencida no mês de Abril de 2020, correspondente ao arrendamento do mês de Maio de 2020, nem as subsequentes, até à data de apresentação do pedido reconvencional (23 de Fevereiro de 2021).

38. Em 17 de Maio de 2022, a autora transferiu para a conta bancária referida na cláusula quinta do documento descrito no ponto 1 a quantia de €8.137,10, inscrevendo como descritivo da operação “Hora extra renda de maio e junho de 2022”.

39. Em 3 de Junho de 2022, a autora transferiu para a conta bancária referida na cláusula quinta do documento descrito no ponto 1 a quantia de €4.068,55, inscrevendo como descritivo da operação “Renda de Julho de 2022 ORANGE SPHERE”.

40. Em 28 de Outubro de 2022, por meio de transferência bancária e em numerário, a autora entregou à ré a quantia de €15.000,00, “por conta da quantia reclamada”, conforme consta do auto de arresto (apenso C).

41. A entrega do locado à ré no estado em que se encontrava implica, designadamente, que em tal data se verifique a: a) recolocação de todas as madeiras no estado em que se encontravam na data do início do arrendamento; b) reposição da cor branca nas paredes; c) reconstrução o piso intermédio; d) limpeza do gradeamento exterior.

42. Em 22/12/2023 a Autora entregou o imóvel, objeto do arrendamento, à Ré, com entrega e recebimento das chaves do mesmo, conforme documento junto em 05/02/2024.

2.3. O DIREITO

Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso10 (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).

1.) SABER SE A MATÉRIA DE FACTO DEVE SER ALTERADA POR VIOLAÇÃO DE LEI REGULADORA DE DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL.

A recorrente alegou que “existem dois documentos juntos aos autos não impugnados, um deles até autêntico, que o Tribunal da Relação não considerou na sua plenitude, violando assim não só norma substantiva que estabelece as regras sobre o valor das provas (no caso prova documental), como consubstancia violação dos poderes da Relação quanto à alteração ou modificação da decisão da matéria de facto”.

Mais alegou que “esses documentos são o contrato de arrendamento e a certidão emitida pela C.M. ..., dos quais resulta que a área do arrendado para o exercício da atividade pretendida foi reduzida e, em conformidade teria/terá cabimento a sua pretensão de redução de renda e a restituição de uma parte de tal importância”.

Assim, concluiu que “Deveria, pois, o Tribunal da Relação ter tomado em consideração na sua total plenitude o valor probatório de tais documentos, com todas as legais consequências, nomeadamente considerando a ação parcialmente procedente quanto ao pedido indemnizatório da A. pela redução da área do arrendado, por facto que não lhe é imputável, quer quanto ao pedido reconvencional pela absolvição da A. quanto à obrigação da A. de realizar qualquer obra de reposição do mezanino original”.

Vejamos a questão.

Fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito – art. 46º, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26-08.

Autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de atividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares – art. 363º/2, do CCivil.

O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento – art. 376º/1, do CCivil.

Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora – art. 371º/1, do CCivil.

O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova – art. 674º/3, do CPCivil.

A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º – art. 682º/2, do CPCivil.

O Supremo Tribunal de Justiça não pode modificar a decisão da matéria de facto, com exceção dos casos em que exista ofensa de lei expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art. 674º/3)11,12, 13,14,15.

O Supremo só pode censurar o assentamento factual operado pelas instâncias quando esteja em causa a violação de regras de direito probatório material, ou seja, das normas que regulam o ónus da prova (estabelecendo as respetivas regras distributivas), bem como a admissibilidade e a força probatória dos diversos meios de prova. Isto é: apenas poderá imiscuir-se (sindicar) a matéria de facto dada como assente pelas instâncias se vier invocada pelas partes ou se se verificar (ex-ofício) a existência ou a necessidade de recurso a meios com força probatória plena16,17,18,19,20,21,22.

Decorre da lei que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode sindicar o conhecimento da matéria de facto fixada pela 2.ª instância quando esta considerar como provado um facto sem produção da prova por força da lei indispensável para demonstrar a sua existência ou se tiver desrespeitado as normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no ordenamento jurídico23.

Não pode, assim, em princípio, e por ex., o Supremo censurar a convicção formada pelas instâncias sobre a matéria de facto submetida ao princípio geral da prova livre a que se reporta o art. 607º24,25,26,27,28,29,30,31.

Temos, pois, que sindicar o modo como o Tribunal da Relação fixou os factos materiais só pode ocorrer no âmbito do recurso de revista se aquele Tribunal deu por provado um facto sem produção do tipo de prova que a lei exige como indispensável para demonstrar a sua existência, ou, se tiver incumprido os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova.

Concluindo, como decorre da leitura conjugada do disposto nos arts. 674.º/3 e 682.º/2, ambos do CPCivil, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

Ao tribunal de revista compete assegurar a legalidade processual do método apreciativo efetuado pela Relação, mas não sindicar o eventual erro desse julgamento nos domínios da apreciação e valoração da prova livre nem da prudente convicção do julgador.

Ora, por um lado, a força probatória material dos documentos autênticos restringe-se, nos termos do art. 371º/1, do CCivil, aos factos praticados ou percecionados pela autoridade ou oficial público que emanam os documentos, já não abarcando, porém, a sinceridade, a veracidade e validade das declarações prestadas perante essa mesma autoridade ou oficial público32,33,34,35,36.

Por outro, a força probatória do documento particular circunscreve-se no âmbito das declarações (de ciência ou de vontade) que nela constam como feitas pelo respetivo subscritor37.

Tal como no documento autêntico, a prova plena estabelecida pelo documento respeita ao plano da formação da declaração, não ao da sua validade ou eficácia. Mas, diferentemente do documento autêntico, que provém de uma entidade dotada de fé pública, o documento particular não prova plenamente os factos que nele sejam narrados como praticados pelo seu autor ou como objeto da sua perceção direta.

A exibição dum documento particular encerra (implicitamente) a afirmação, pelo apresentante, de que o documento provém do respetivo subscritor; mas essa afirmação pode ser posta em crise pela parte contrária, seja por negação dessa autoria ou subscrição, seja pela alegação de desconhecimento sobre se a assinatura é da pessoa a quem a autoria do documento é imputada (arts. 374º/1, do CC e 444º/CPC)38.

No caso sub judice, a Relação não fixou os factos materiais dando-os por provados sem produção do tipo de prova que a lei exige como indispensável para demonstrar a sua existência (só aditou o facto 42), assim como não incumpriu os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova (nem a recorrente concretiza as violações de regras de direito probatório material).

Temos, pois, que a Relação não ofendeu qualquer norma que exija certa espécie de prova de qualquer facto relevante, nem desconsiderou a força probatória de qualquer documento e, não se vê que tenha feito mau uso dos seus poderes de reapreciação da matéria de facto (nem tal é concretamente indicado pela recorrente).

O que a recorrente pretende é que o Supremo interfira no juízo da Relação sustentado na reapreciação de meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação (o Tribunal da Relação, face à força probatória daqueles elementos documentais, não retirou todas as ilações de facto inevitáveis), como são os documentos sem força probatória plena (os documentos particulares não têm força probatória plena39).

Assim, não se pode censurar a Relação por não ter retirado eventualmente todas as ilações dos documentos juntos, pois não desconsiderou a força dos mesmos40.

Acresce dizer, que ao Supremo Tribunal de Justiça está vedado sindicar o não uso duma presunção judicial pela Relação41.

As instâncias, conhecendo de facto, podem extrair da materialidade provada as ilações que dela sejam decorrência lógica: ao fazê-lo, estão a conferir matéria factual que pode ser estabelecida, por livre apreciação do julgador, o que torna essa atividade insindicável pelo Supremo42.

Só assim não será – mas também não é o caso – se e quando o facto presumido não poder ser dado como provado com base em mera ilação43.

O Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, só pode sindicar o uso de presunções judiciais pela Relação, para averiguar se ela ofende alguma norma legal que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova44,45.

Temos, pois, que Relação, no acórdão recorrido, ao não ter retirado eventuais ilações dos documentos, não merece qualquer censura, pois não extravasou dos seus poderes no que à apreciação a matéria de facto respeita (art. 662º do CPC), atuando no âmbito do objeto do recurso de apelação, procedendo à reapreciação de meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova e, portanto, à livre convicção do julgador46.

Concluindo, não havendo violação de lei expressa que fixe a força probatória de determinado meio de prova (nem tal se mostra alegado pela recorrente), a matéria de facto dada por assente pela 2ª instância, não pode ser sindicada por este Supremo Tribunal.

Destarte, improcedendo as conclusões do recurso de revista, há que confirmar o acórdão recorrido.

3. DISPOSITIVO

3.1. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (1ª) do Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista e, consequentemente, em confirmar-se o acórdão recorrido.

3.2. REGIME DE CUSTAS47

Custas pela recorrente (na vertente de custas de parte, por outras não haver48), porquanto a elas deram causa por ter ficado vencida49.

Lisboa, 2025-03-1150,51

(Nelson Borges Carneiro) – Relator

(António Domingos Pires Robalo) – 1º adjunto

(António Magalhães) – 2º adjunto

_____________________________________________




1. O juiz que lavrar o acórdão deve sumariá-lo – art. 663º/7, do CPCivil.↩︎

2. O acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º – art. 663º/2, do CPCivil.↩︎

3. Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º/1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.↩︎

4. As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º/3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795.↩︎

5. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º/1/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎

6. Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎

7. Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso.↩︎

8. Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.↩︎

9. O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” – ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, p. 139.↩︎

10. Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, deve ser assegurado o contraditório, nos termos do art. 3º/3, do CPCivil.↩︎

11. ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 849.↩︎

12. O Supremo Tribunal de Justiça é um tribunal de revista que, salvo nos casos excecionais contemplados no nº 3 do artigo 674º do CPC, aplica definitivamente o regime jurídico aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido, consistindo as exceções referidas “na ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova”, como dispõe o nº 3 do artigo 674º do C.P.C. (prova vinculada) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-09-27, Relator: RAMALHO PINTO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

13. Os poderes do STJ, em sede de apreciação/alteração da matéria de facto, são muito restritos. Em regra, ao Supremo Tribunal de Justiça apenas está cometida a reapreciação de questões de direito (art. 682º, nº 1, do NCPC), assim se distinguindo das instâncias encarregadas também da delimitação da matéria de facto e modificabilidade da decisão sobre tal matéria. Esta restrição, contudo, não é absoluta, como decorre da remissão que o nº 2 do art. 682º faz para o art. 674º, nº 3, do NCPC, norma que atribui ao Supremo a competência para sindicar o desrespeito de lei no que concerne à violação de norma expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2016-09-15, Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

14. O STJ, e salvo situações de exceção legalmente previstas, só conhece matéria de direito, sendo que, no âmbito do recurso de revista, o modo como a Relação fixou os factos materiais só é sindicável se foi aceite um facto sem produção do tipo de prova para tal legalmente imposto ou tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2007-07-12, Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS, http:// www.dgsi.pt/jstj.↩︎

15. Os poderes do STJ em sede de apreciação/alteração da matéria de facto são muito restritos, cingindo-se às hipóteses contidas nos arts. 722.º, n.º 2, e 729.,º, n.ºs 2 e 3, do CPC, das quais fica excluído o erro na análise das provas livremente apreciáveis pelo julgador – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-10-24, Relator: JOÃO TRINDADE, http:// www.dgsi.pt/jstj.↩︎

16. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 594.↩︎

17. O STJ só pode conhecer da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto se estiver em causa ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência de um facto, ou que fixe a força de determinado meio de prova (art.s 729.º, n.º 2 e 3 e 722.º, n.º 2, do CPC) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2007-12-05, Relator: MÁRIO PEREIRA, http://www.dgsi. pt/jstj.↩︎

18. A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no tocante à decisão sobre a matéria de facto é residual, sendo apenas admissível no recurso de revista apreciar a (des)conformidade com o Direito probatório material, nos termos do artigo 674.º, n.º 3, do CPC, e o modo de exercício, pelo Tribunal recorrido, dos poderes-deveres que lhe são atribuídos pelo artigo 662.º do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-09-14, Relatora: CATARINA SERRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

19. Face ao disposto no art. 674.º, n.º 3, do CPC, a intervenção do STJ, no que concerne ao controlo da decisão da matéria de facto, circunscreve-se a aspetos em que se tenha verificado a violação de normas de direito probatório material (por, nessa hipótese, estarem em causa verdadeiros erros de direito), já não abrangendo, porém, questões inerentes à decisão da matéria de facto quando esta foi precedida da formulação de um juízo assente na livre apreciação da prova formulado pelas instâncias – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-02-24, Relatora: MARIA DA GRAÇA TRIGO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

20. No domínio do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, segundo o n.º 3 do artigo 674.º do CPC, a revista só pode ter por fundamento “a ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe força de determinado meio de prova – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-12-20, Relator: TOMÉ GOMES, http://www.dgsi. pt/jstj.↩︎

21. Sempre que essa reapreciação é feita e se move no domínio da livre apreciação da prova, na qual a lei não prescreve juízos de prioridade de certos meios de prova sobre outros, sem se vislumbrar que se tenha desrespeitado a força plena de qualquer meio de prova, imposta por regra vinculativa extraída de regime do direito probatório, e cumprindo o dever de fundamentação especificada e motivação crítica que os nºs 4 e 5 do art. 607º do CPC e os princípios reitores do art. 662º, 1, do CPC impõem, essa atuação é insindicável em sede de revista, nos termos conjugados dos arts. 662º, 4, e 674º, 3, 1.ª parte, do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-11-02, Relator: RICARDO COSTA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

22. A matéria de facto é, em princípio, da exclusiva competência das Instâncias, porém, face ao disposto no art. 674.º/3/2.ª parte do CPC, o STJ não está totalmente tolhido no que diz respeito ao controlo da decisão da matéria de facto, ainda que aqui a sua intervenção se circunscreva a aspetos em que se haja verificado a violação de normas de direito probatório; ou em relação a factualidade plenamente provada (por documento ou confissão) que assim não foi considerada pelas Instâncias ou a factualidade que o confronto dos articulados revele a existência de acordo das partes – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-11-02, Relator: ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

23. A força atribuída pelo art. 376.º, n.º 1 do CC às declarações documentadas limita-se à sua materialidade e não à sua exatidão – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-10-24, Relator: JOÃO TRINDADE, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

24. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, pp. 594/95.↩︎

25. O Supremo Tribunal de Justiça só pode censurar as respostas dadas à matéria de facto pelas instâncias quando esteja em causa a violação de regras legais sobre direito probatório material. Daí que não possa censurar a convicção a que as instâncias chegaram sobre a matéria de facto submetida ao princípio geral da prova livre, a que alude o n.º 1, do art. 655.º do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2007-07-12, Relator: MÁRIO PEREIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

26. A fixação dos factos baseados em meios de prova livremente apreciados pelo julgador está fora do âmbito do recurso de revista – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2006-11-29, Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

27. Sempre que essa reapreciação foi feita sem omissão ou lacuna e se move no domínio da livre apreciação da prova, sem se vislumbrar que se tenha desrespeitado a força plena de qualquer meio de prova, imposta por regra vinculativa extraída de regime do direito probatório, e ainda que a dispensa de realização de novas diligências probatórias se encontra justificada e coerente, essa atuação regida pelo art. 662º, 1 e 2, do CPC é insindicável em sede de revista, nos termos conjugados dos arts. 662º, 4, e 674º, 3, 1.ª parte, do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-10-17, Relator: RICARDO COSTA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

28. Está fora das atribuições do STJ, enquanto Tribunal de revista, sindicar o modo como a Relação reapreciou os meios de prova sujeitos a livre apreciação, fora dos limites do art.º 674.º, n.º 3, do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-09-27, Relator: RAMALHO PINTO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

29. Como decorre do n.º 3 do artigo 674.º o objeto do recurso de revista não abrange o alegado erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais na causa quando está em jogo prova sujeita à livre apreciação do Tribunal da Relação – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-09-27, Relator: JÚLIO GOMES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

30. O STJ, na qualidade de tribunal de revista, só conhece de matéria de direito, não lhe sendo lícito interferir no juízo decisório empreendido pela Relação com base na reapreciação dos meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-09-14, Relator: RIJO FERREIRA, http://www.dgsi.pt/ jstj.↩︎

31. A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça na decisão da matéria de facto está limitada às situações ínsitas nos arts. 674º, nº 3 e 682º, nº 3, do CPC, donde se exclui a possibilidade de interferir no juízo firmado pela Relação com base na reapreciação de meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação, como são os depoimentos testemunhais e documentos sem força probatória plena ou o uso de presunções judiciais – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-11-30, Relator: FERNANDO BAPTISTA, http://www.dgsi.pt/ jstj.↩︎

32. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-03-25, Relator: FERREIRA GIRÃO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

33. Os documentos autênticos apenas fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade, bem como os factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora (art. 371.º do CC). Os documentos autênticos não provam a veracidade ou exatidão do seu conteúdo – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2006-10-12, Relator: MOTA MIRANDA, http://www. dgsi.pt/jstj.↩︎

34. A força probatória material dos documentos autênticos restringe-se aos factos praticados ou percecionados pela autoridade ou oficial público de que emanam os documentos, já não abarcando, porém, a sinceridade, a veracidade e a validade das declarações emitidas perante essa mesma autoridade ou oficial público – Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2011-09-15, Relator: MANUEL BARGADO, http://www.dgsi.pt/jtrg.↩︎

35. É aceite que o documento autêntico faz prova plena da materialidade das declarações prestadas, mas não da honestidade, veracidade ou validade das declarações emitidas pelo declarante – Ac. Tribunal da Relação de Évora de 2017-02-23, Relator: TOMÉ DE CARVALHO, http://www.dgsi.pt/jtre.↩︎

36. Por gozarem de fé pública, os documentos autênticos fazem prova plena sobre a materialidade das ações e perceções atribuídas à entidade documentadora; fora da fé pública ficam os juízos pessoais do documentador, sujeitos à livre apreciação do julgador – Ac. Tribunal da Relação de Évora de 2018-03-18, Relator: FRANCISCO MATOS, http://www.dgsi.pt/jtre.↩︎

37. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2008-12-09, Relator: URBANO DIAS, http://www. dgsi.pt/jstj.↩︎

38. FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 275.↩︎

39. A certidão emitida pela C.M. do Porto (auto de vistoria), porque não emana de uma autoridade pública, terá de ser considerada como um documento particular.↩︎

40. As conclusões de facto extraídas pelas instâncias, na medida em que são facto ainda, não são sindicáveis pelo STJ – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2003-11-11, Relator: LOPES PINTO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

41. LEBRE DE FREIAS in ANA PRATA (Coord.), Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição, p. 469.↩︎

42. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2007-03-22, Relator: SOUSA GRANDÃO, http://www. dgsi.pt/jstj.↩︎

43. As presunções são ilações que a lei ou o julgador tira dum facto conhecido para firmar um facto desconhecido, conforme estabelece o artigo 349º do Código Civil. Tratando-se dum meio probatório que é admitido para prova de factos suscetíveis de serem provados por prova testemunhal, conforme determina o artigo 351º do CC, está por isso vedado ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar o uso deste meio probatório pelas instâncias, visto a sua competência, afora as situações de controlo de prova tabelada, se restringir a aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos fixados pelas instâncias, conforme resulta dos artigos 722º, nº 3 e 729º, nº 1, do CPC. No entanto, já poderá o Supremo Tribunal de Justiça aferir se as presunções extraídas pelas instâncias violam os artigos 349º e 351º do CC, por se tratar duma questão de direito, podendo assim sindicar se as ilações foram inferidas de forma válida, designadamente se foram retiradas dum facto desconhecido por não ter sido dado como provado e bem assim se contrariam ou conflituam com a restante matéria de facto que tenha sido dada como provada, após ter sido submetida ao crivo probatório – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-04-03, Relator: GONÇALVES ROCHA, http://www. dgsi.pt/jstj.↩︎

44. LEBRE DE FREIAS in ANA PRATA (Coord.), Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição, p. 468.↩︎

45. A posição da jurisprudência deste tribunal é maioritária no sentido de entender que as presunções judiciais, constituindo matéria de facto, são insindicáveis pelo STJ, ou seja, o único controlo que esta instância pode fazer é conferir se o iter percorrido para retirar a presunção judicial respeitou as regras legais do procedimento probatório, não violando normas legais impositivas, a existência de factos-base, admissibilidade (art. 351.º do CC), inexistência de ilogicidade ou arbitrariedade manifesta, ou se partirem de factos não provados ou de factos instrumentais não explicitados (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28-4-2021, 09-03-2021, 01-04-2019, 14-05-2019 (Revista 1724/15.3T8VRL.G1.S1), 30-04-2019, 11-04-2019, 12-02-2019 (Revista 3627/15.2T8BRG.G1.S1), 22-03-2018, 19-01-2017, 11-02-2016 (Revista 505/12.OTBCHV.G1.S1), 15-01-2020 (Revista 1350/14.4TBBRR.L2.S1), 03-03-2020, 30-11-2023 (Revista 18588/16.2T8LSB.L1.S1), 22-04-2021, 19-10-2021, 13-04-2021, 15-09-2022 (Revista 3664/15.OT8LRA-C1.S1), 02-11-2023, 31-10-2023, 11-07-2023 (Revista 400/18.6T8PVZ.P1.S2), 04-07-2023, in http://www.dgsi.↩︎

46. É lícito à Relação desenvolver, mediante presunções judiciais, alicerçadas nas regras da experiência, a matéria de facto fixada na 1º instância, com vista à reconstrução global e integrada da situação litigiosa, desde que não altere os factos , constantes da base instrutória, que foram considerados provados. Ao Supremo não compete sindicar a substância de tais juízos probatórios, mas apenas verificar se a Relação se moveu com respeito pelos pressupostos que condicionam o exercício de tal atividade – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2010-04-29, Relator: LOPES DO REGO, http://www. dgsi.pt/jstj.↩︎

47. A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito – Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 303/2010, de 2010-07-14 e, nº 708, de 2013-10-15, https://www.tribunalconstitucional.↩︎

48. Como o conceito de custas stricto sensu é polissémico, porque é suscetível de envolver, nos termos do artigo 529º/1, além da taxa de justiça, que, em regra, não é objeto de condenação – os encargos e as custas de parte, importa que o juiz, ou o coletivo de juízes, nos segmentos condenatórios das partes no pagamento de custas, expressem as vertentes a que a condenação se reporta – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8.↩︎

49. A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º/1, do CPCivil.↩︎

50. A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º/2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.↩︎

51. Acórdão assinado digitalmente – certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.↩︎