MÚTUO NULO
ASSOCIAÇÃO
DELIBERAÇÕES
ANULABILIDADE
Sumário


- Estando em causa uma associação, pessoa coletiva de direito privado, sem fins lucrativos e utilidade pública, deve a mesma reger-se pelos respetivos estatutos e pelas disposições que resultam dos arts. 167º e ss. do C. Civil, referentes às associações;
- Verificando-se os respetivos requisitos, pode ainda haver lugar à aplicação analógica, às associações, das regras relativas a sociedades comerciais;
- Em regra, as deliberações das associações que violem normas legais imperativas, são anuláveis.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:
           
AA, NIF ...53, casado, residente na Rua ..., ..., na freguesia ..., do concelho ..., ... ..., propôs a presente Ação Declarativa de Condenação, sob a forma de Processo Comum contra EMP01..., NIPC ...97, associação desportiva com sede na Rua ..., na freguesia ..., do concelho ..., ... ..., peticionando a condenação da Ré a pagar ao A. a quantia de € 22.050,00, recebida por empréstimo, acrescida de juros à taxa legal em vigor (4%), desde 04-10-2021 até integral pagamento, sendo que, até à presente ascende no montante de € 188,48.
O R. impugnou os fundamentos da ação concluindo a final pela sua improcedência.
Por despacho de 14/10/22 foi elaborado despacho saneador com seleção de temas de prova.
Realizou-se a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, decide-se julgar a presente ação procedente e, em consequência, condenar o R. EMP01... a pagar ao A., AA, a quantia de 22.050,00 euros, a título de capital, a que acrescem juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4%, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Custas a cargo do R., por ser a parte vencida (artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC).
Registe e notifique.”

Inconformado veio o Réu recorrer formulando as seguintes Conclusões:
           
I- Por sentença proferida pelo Juízo Local Cível de Fafe, a ação que correu termos sob o Processo n.º 1471/21...., foi julgada provada e procedente, e, em consequência, condenou o Réu R. EMP01... a pagar ao A., AA, a quantia de 22.050,00 euros, a título de capital, a que acrescem juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4% desde a citação até efetivo e integral pagamento.
II- Com a presente decisão não pode o Recorrente conformar-se, por entender que os elementos de prova constantes dos autos impunham decisão diversa da proferida, nos termos que, de seguida, melhor se indicarão.
III- O Recorrente impugna, por considerar incorretamente julgados, a decisão proferida quanto aos factos dos pontos 4, 5, 6, 15, 17, 26, 30 e 40 da matéria de facto dada como provada.
IV- Impugna ainda, por considerar incorretamente julgada, a matéria de facto considerada como não provada.
V- Dos depoimentos prestados em sede de audiência e julgamento, ficou provado e demonstrado que a quantia que supostamente foi emprestada, tinha como único e exclusivo destino o pagamento aos jogadores do plantel sénior e aos treinadores.
VI- Também não foi feita prova de que a suposta dívida foi reconhecida e aprovada em reunião de direção da R., em 20/05/2019.
VII- Não ficou provado e demonstrado que por proposta do R., tal quantia seria restituída nos meses de agosto e/ou setembro de 2019, logo que o R. recebesse o subsídio ordinário atribuído pela Câmara Municipal ..., para fazer face às despesas da época desportiva anterior.
VIII- Além disso, não ficou provado e demonstrado que a atual direção do R. reconhece a existência do aludido débito e que se recusa a pagar.
IX- Segundo os depoimentos prestados e dos documentos juntos aos autos, o A. nunca depositou na conta bancária do R. os valores de € 8.000,00 (março 2019).
X- É prática comum que os empréstimos feitos a associações sejam formalizados por meio de transferências bancárias ou outros mecanismos que garantam transparência das operações financeiras.
XI- A jurisprudência portuguesa, valoriza a necessidade de prova documental inequívoca para demonstrar a efetiva realização de contratos de mútuo; cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo n.º 976/19.4T8VRL.G1, datado de 20/02/2020).
XII- No caso dos autos, tratando-se de um negócio jurídico de gestão extraordinária, ou seja, a contratação de um empréstimo de montante elevado, estamos perante matéria cuja autorização também é da competência da Assembleia-Geral e sob parecer favorável do Conselho Fiscal.
XIII- Pois, por analogia, aos artigos 11º, n.º 1 al. d) e 17º, n.º 1 al. c) dos Estatutos do R. (Doc. 11 junto com a Contestação), caso se pretenda celebrar algum negócio jurídico que não seja de gestão corrente, como sucede, com a venda de algum imóvel do R., tal matéria é da competência da Assembleia-Geral e sob parecer favorável do Conselho Fiscal.
XIV- Não existem nos autos quaisquer evidências de que a Direção agiu com a autorização ou ratificação dos órgãos competentes para a celebração do alegado contrato de mútuo, o que torna tal ato juridicamente ineficaz em relação ao Recorrente (artigo 164.º, n.º 1, do Código Civil).
XV- Segundo os Estatutos do Recorrente, a celebração de contratos de mútuo, pela sua relevância financeira, exige a aprovação da Assembleia Geral e parecer favorável do Conselho Fiscal.
XVI- O negócio jurídico em apreço apenas foi autorizado e concedido por alguns elementos da Direção.
XVII- Pelo que, a ausência de aprovação por parte da Assembleia Geral e a falta do parecer favorável do Conselho Fiscal, constitui uma violação das normas estatutárias, determinando a nulidade ou anulabilidade do contrato de mútuo.
XVIII- Face ao exposto, deve o Recorrente ser absolvido do pedido, revogando-se nessa conformidade a sentença recorrida.

Nestes termos e nos melhores de direito, a suprir por V.ª Ex.as Venerandos Desembargadores, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com as legais consequências.
Assim decidindo, farão V.ª Ex.as Venerandos Desembargadores, a habitual
JUSTIÇA.

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O Autor contra-alegou no sentido da improcedência do recurso.
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Questões a decidir:
- Verificar se a prova produzida em audiência permite extrair as conclusões de facto expressas na sentença.
- Verificar se foi corretamente efetuada a subsunção do direito aos factos provados.
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Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

A matéria considerada provada na 1ª instância é a seguinte:

1. A R. é uma associação de caráter desportivo, recreativo e cultural sem fins lucrativos, e tem por objeto a promoção e divulgação da atividade desportiva, federada e não federada e cultural.
2. O A. foi eleito e exerceu as funções de presidente da Direção da R. desde 01-07-2017 a 30-06-2019.
3. Na época desportiva 2018/2019, o EMP01... atravessava graves dificuldades de tesouraria e de financiamento para fazer face aos compromissos imediatos, necessários e inadiáveis, decorrentes do exercício das suas atividades sociais.
4. Por via disso, a R. deixou de pagar avultadas quantias à ... - Associação de Futebol ..., .... – Federação ... e Associação ... - Associação ..., por inscrições, organização de jogos e arbitragem.
5. Bem como à EMP02..., por aquisição de equipamentos de futebol da formação, seniores e futsal.
6. Para além destas, a R. também deixou de pagar pequenas quantias a outras entidades.
7. O incumprimento das obrigações supra referidas acarretava, nos termos dos regulamentos, a suspensão da época desportiva em todos os escalões de futebol e futsal, determinando o impedimento do EMP01... de participar nos jogos do campeonato onde estavam inscritos, para além de obrigação de pagamento de multas.
8. Por via disso, ao longo da época de 2018/2019, o A. celebrou com a R., a pedido desta, vários contratos de mútuo verbais, no montante global de € 21.700,00 (vinte e um mil e setecentos euros), entregue em numerário, para saldar os débitos àquelas entidades, absolutamente necessárias para a manutenção da sua atividade.
9. Com efeito, em março de 2019, o A. entregou à R., a pedido desta, a quantia de € 8.000,00.
10. Para garantia deste primeiro empréstimo, a direção da R. assinou e entregou ao A. o cheque n.º ...31, no mesmo montante de € 8.000,00, sacado da conta ...01 do Banco 1..., de que a R. é titular.
11. Em abril de 2019, o A. mais entregou à R., a pedido desta, a quantia de € 6.000,00.
12. Para garantia deste segundo empréstimo, a direção da R. assinou e entregou ao A. o cheque n.º ...44, no montante de € 6.000,00, sacado da conta ...01 do Banco 1..., de que a R. é titular.
13. Ainda em maio de 2019, o A. entregou à R., a pedido desta, a quantia de € 6.000,00.
14. Para garantia deste terceiro empréstimo, a direção da R. assinou e entregou ao A. o cheque n.º ...43, no montante de € 6.000,00, sacado da conta ...01 do Banco 1..., de que a R. é titular.
15. Tal dívida global de € 20.000,00 (vinte mil euros) foi reconhecida e aprovada pela direção da R., em 20-05-2019.
16. Em junho de 2019, o A. mais emprestou à R., a pedido desta, a quantia de € 1.700,00, que o A. logo nessa ocasião lhe entregou em numerário.
17. Foi convencionado, por proposta da Ré, que tal quantia seria restituída nos meses de agosto e/ou setembro de 2019, logo que a R. recebesse o subsídio ordinário atribuído pela Câmara Municipal ..., para fazer face às despesas da época desportiva anterior.
18. A aludida dívida global de € 21.700,00 (vinte e um mil e setecentos euros) foi reconhecida e aprovada na Assembleia Geral da R. realizada em 12-07-2019.
19. No início de julho de 2019, o A. mais entregou à R., em numerário, e a pedido desta, a quantia de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros), para pagamento dos troféus do torneio organizado pela R. e realizado no primeiro fim-de-semana de julho de cada ano.
20. Assim, resultando numa dívida da R. ao A., que ascende à quantia de € 22.050,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros), débito que foi reconhecido e aprovado na Assembleia Geral da R. realizada em 22-10-2020.
21. Desde setembro de 2019, o A. tem vindo a interpelar a R. para proceder ao pagamento do débito.
22. Apesar disso, a R. nada lhe pagou.
23. Sucede que, o referido subsídio ordinário foi aprovado pela Câmara Municipal ... em 09- 09-2021, conforme Ata de Reunião Extraordinária da edilidade.
24. Por via disso, em 13-09-2021, o A. solicitou à direção da R. uma reunião para regularização da mencionada dívida.
25. Na sequência dessa reunião, realizada em 04-10-2021, o A. reclamou novamente o pagamento da dívida.
26. Apesar de reconhecer a existência do aludido débito, a Ré recusa-se a pagá-la, alegando tratar-se de uma obrigação da Direção anterior.
27. Assim, em 03-11-2021, por intermédio do seu mandatário, o A. interpelou a R., por escrito, para proceder ao pagamento da quantia de € 22.050,00, entregue ao clube, como consta da cópia da carta que se junta e dá por reproduzida
28. Mais tarde, o município ... atribuiu o referido subsídio à R., conforme foi tornado público nos meios de comunicação social locais, em 26-11-2021.
29. Todavia, a R. ainda nada pagou.
30. No que diz respeito à quantia peticionada pelo A., a atual direção do R. reconhece que lhe é devido tal montante.
31. Porém, ainda não lhe pagou o referido montante, uma vez que, o A. não lhes entregou a respetiva fatura, apresar de lhe ter sido solicitado por diversas ocasiões.
32. A atual direção do R. desconhece se os mesmos foram aprovados pela direção existente à data, por não existirem atas com tais deliberações, excetuando a aprovação da dívida em assembleia geral.
33. A atual direção do R., em momento algum garantiu ao A. que restituir-lhe-ia a quantia por este peticionada, logo que recebesse o subsídio ordinário atribuído pela Câmara Municipal ....
34. Aliás, o subsídio que o município atribuiu ao R. alegado pelo A. na petição inicial, está relacionado com as obras de construção de um campo de futebol e respetivas estruturas, que se encontra em fase de conclusão.
35. O próprio A. na Assembleia do dia 22 de outubro de 2020, afirmou que a Câmara Municipal “roubou” um subsídio ao clube na época de 2017/2018 e foi por esse motivo que este teve de colocar o seu dinheiro para não colocar em causa o bom nome do clube.
36. Os sócios presentes nessas Assembleias aprovaram por maioria o Relatório de Contas, tendo apenas sido dito numa dessas Assembleias por alguns sócios, que o crédito do A., apenas foi acordado entre o Presidente (AA), Tesoureiro (BB) e Vice-Presidente (CC).
37. Não tendo os restantes elementos da Direção, Conselho Fiscal e remanescentes sócios qualquer conhecimento de tais mútuos, até à data em que se realizou a Assembleia que ocorreu em 12 de julho de 2019.
38. Aliás, numa dessas atas o próprio Presidente da Mesa da Assembleia Geral, censura o ora A., por este ter realizado um crédito a seu favor, sem informar o Conselho Fiscal, nem os sócios do R.
39. Segundo os estatutos do “EMP01...”, a Direção pode celebrar apenas negócios de gestão corrente, nomeadamente, administrar os bens da associação, efetuar pagamentos a atletas e outras entidades relacionados com a sua atividade, efetuar pagamentos de água, luz e gás, compra de material desportivo, tais como equipamentos, bolas e afins.
40. No caso em apreço, tratando-se da contração de um empréstimo de montante elevado, era necessária autorização da Assembleia-Geral e sob parecer favorável do Conselho Fiscal, sendo que nas reuniões realizadas nenhum destes órgãos se opôs expressamente aos empréstimos cedidos pelo A.
41. Contudo, os empréstimos que o A. concedeu ao R., não foram previamente objeto de deliberação da Assembleia-Geral, tendo o negócio jurídico em apreço sido autorizado por dois dos três elementos da Direção.

Factos Não Provados.
- Não foram depositadas na conta do R. quantias que o A. alega ter emprestado; cfr. Extratos Bancários que ora se juntam como Docs. 1 a 7 e se dão por integralmente reproduzidos.
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Da análise do recurso de impugnação da matéria de facto:

Quanto à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente especificar, obrigatoriamente e sob pena de rejeição, o seguinte (v. artigo 640º n.º 1 do CPC):

“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

Conforme refere Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., pág. 139 a 141), sempre que o recurso envolva a impugnação da matéria de facto deve o recorrente, nomeadamente:

a) Em quaisquer circunstâncias, indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar, na motivação, aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Deixar expressa na motivação, a decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos.

Acrescenta este Autor que, quanto ao recurso da matéria de facto não existe despacho de aperfeiçoamento.
Analisadas as conclusões formuladas pela Recorrente, verifica-se que o mesmo cumpre, os mencionados ónus, pelo que o recurso será analisado.
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É agora necessário verificar se a prova produzida foi bem analisada pelo julgador na 1ª instância.

Resulta do disposto no art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Conforme explica Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 3ª Edição, pág. 245), a Relação deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações na matéria provada e não provada. Acrescentando que, em face da redação do art. 662º do C. P. Civil, fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe a sua própria convicção, mediante reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis, apenas cedendo nos fatores da imediação e oralidade.

O Recorrente impugna os pontos 4, 5, 6, 15, 17, 26, 30 e 40 dos factos provados e o ponto único dos não provados.

O teor destes pontos é o seguinte:
4. Por via disso, a R. deixou de pagar avultadas quantias à ... - Associação de Futebol ..., .... – Federação ... e Associação ... - Associação ..., por inscrições, organização de jogos e arbitragem.
5. Bem como à EMP02..., por aquisição de equipamentos de futebol da formação, seniores e futsal.
6. Para além destas, a R. também deixou de pagar pequenas quantias a outras entidades.
15. Tal dívida global de € 20.000,00 (vinte mil euros) foi reconhecida e aprovada pela direção da R., em 20-05-2019.
17. Foi convencionado, por proposta da Ré, que tal quantia seria restituída nos meses de agosto e/ou setembro de 2019, logo que a R. recebesse o subsídio ordinário atribuído pela Câmara Municipal ..., para fazer face às despesas da época desportiva anterior.
26. Apesar de reconhecer a existência do aludido débito, a Ré recusa-se a pagá-la, alegando tratar-se de uma obrigação da Direção anterior.
30. No que diz respeito à quantia peticionada pelo A., a atual direção do R. reconhece que lhe é devido tal montante.
40. No caso em apreço, tratando-se da contração de um empréstimo de montante elevado, era necessária autorização da Assembleia-Geral e sob parecer favorável do Conselho Fiscal, sendo que nas reuniões realizadas nenhum destes órgãos se opôs expressamente aos empréstimos cedidos pelo A.

Facto não provado:
- Não foram depositadas na conta do R. quantias que o A. alega ter emprestado; cfr. Extratos Bancários que ora se juntam como Docs. 1 a 7 e se dão por integralmente reproduzidos.
Vejamos:
                       
Pontos 4, 5, 6, 15 e 17:
As graves dificuldades financeiras porque passava o clube, na altura da Direção encabeçada pelo A., foram referidas em pormenor por este e também pelas testemunhas CC (na altura dos factos era vice-presidente do clube e responsável pela formação) e BB (que foi tesoureiro do clube na altura dos factos em análise). Estas pessoas relataram que o clube devia dinheiro à Associação de Futebol ..., a jogadores, treinadores e massagistas, a fornecedores, nomeadamente de equipamentos e que as dívidas em causa já estavam vencidas há alguns meses. O A. e a testemunha CC referiram que a Câmara Municipal ..., todos os anos, costumava dar ao clube um subsídio de cerca de 20.000,00€ e estavam à espera desse subsídio para pagar as contas em atraso, mas por volta de abril o subsídio ainda não tinha sido pago pelo que não havia dinheiro para pagar as dívidas, algumas das quais poderiam por em causa a participação do clube nas competições e ainda davam “mau nome” ao clube. Então o A. prestou-se a emprestar dinheiro ao clube, o que foi aprovado pela respetiva Direção. O A. e as testemunhas referidas disseram que o valor empresado pelo o A. ao clube foi de cerca de 20.000,00€, tendo a testemunha BB referido que esperavam pagar tal empréstimo com o valor que esperavam receber da Câmara Municipal. Do extrato de conta do A. é possível verificar os pagamentos efetuados à Associação de Futebol .... Quanto aos restantes pagamentos (a jogadores, treinadores, etc.), tanto o A., como as testemunhas referidas, disseram que eram feitos em numerário.  A testemunha DD que foi Presidente do EMP01... após o A. e diretor na altura em que este era Presidente, confirmou que muitos dos pagamentos efetuados pelo clube o eram em numerário.
Sobre a existência/reconhecimento do empréstimo temos ainda o relatório e respetivas contas juntos na Assembleia Geral do Clube, em 12/7/19, aprovados nessa Assembleia.
Em face destas provas é de concluir que as dívidas relatadas existiam e, pelo menos, parte foram pagas com dinheiro emprestado ao clube pelo A., facto que foi reconhecido na Assembleia Geral do Réu..
Nada há, pois, a alterar a estes pontos da matéria de facto provada.

Relativamente ao teor do ponto 26, é certo que o Réu reconheceu a existência do débito ao Autor, pois, como acima se disse, o relatório e as respetivas contas, onde constava a referida dívida, foram aprovadas em Assembleia Geral do Réu. Também é certo que o Réu se recusa a pagar tal crédito ou a presente ação não teria sido instaurada, no entanto, quanto à justificação para o não pagamento, nada resultou da prova produzida no sentido de que fosse por a atual Direção alegar que se tratava de uma dívida da anterior direção, mas sim porque entendem, nomeadamente, que não existem documentos que suportem a totalidade da dívida e os pagamentos que o A. diz ter feito com tal montante.

Assim, este ponto tem de ser corrigido nos seguintes termos:
26. Apesar de o relatório e as respetivas contas, onde constava a referida dívida ao A., terem sido aprovadas em Assembleia Geral da Ré, esta recusa-se a pagá-la ao A.
Quanto ao ponto 30, entende-se que não houve prova do que do mesmo consta. Na verdade, nenhuma das testemunhas ouvidas disse que a atual Direção do clube reconhece a dívida do A.. Assim, este ponto será eliminado dos factos provados, passando a fazer parte dos não provados.
No que concerne ao ponto 40, a Ré não concorda com o facto de constar do mesmo que “nas reuniões realizadas nenhum destes órgãos se opôs expressamente aos empréstimos cedidos pelo A.”.
Relativamente a esta matéria, o A. referiu que nas reuniões da Direção do clube e, designadamente naquela em que foi aprovado o empréstimo em causa nos autos, se encontravam sempre membros do Conselho Fiscal e membros da Assembleia Geral e que nenhum deles se opôs a tal ato.
A testemunha CC (vice-presidente à data dos factos) disse que para essa reunião o AA (A) convocou o máximo de pessoas, não conseguindo identificar os presentes, dizendo, no entanto, que estavam lá o EE e o FF, membros do conselho fiscal e talvez o GG. A testemunha BB (tesoureiro à data dos factos), referiu que, por norma, 1 ou 2 membros do Conselho Fiscal participavam nas reuniões da Direção.
A testemunha HH (presidente do Conselho Fiscal à data dos factos) disse que o AA lhe mostrava as contas. Não se recorda se algum membro do C. F. esteve nas reuniões da Direção. Não esteve na A.G. onde as contas foram aprovadas pois estava doente. Referiu que os vogais do C.F. eram EE e FF.
GG (Secretário da Mesa da A.G. à data dos factos), disse que esteve em reuniões da Direção, mas não esteve naquela em que foi falado o empréstimo do AA e só soube deste empréstimo na A.G.
A testemunha II (presidente da A. G) disse que na A. G. foi surpreendido com a existência da dívida, mas que o Conselho Fiscal disse que as contas estavam certas e por isso votou-as favoravelmente.
Deste modo, a declaração do A. no sentido de que na reunião em causa teriam estado presentes membros da A.G. não foi apoiada em qualquer outro meio de prova, já que nenhuma das testemunhas referiu tal facto e não há uma ata da reunião. Assim, sem qualquer outro suporte, não se pode concluir pela presença de membros da A.G. na reunião. Já quanto aos vogais do C.F., a sua presença foi confirmada também pela testemunha CC, que depôs de forma séria e credível, pelo que este facto deve ter-se por demonstrado.

Altera-se, assim, o ponto 40, passando a constar do mesmo o seguinte:
40. No caso em apreço, tratando-se da contração de um empréstimo de montante elevado, era necessária autorização da Assembleia-Geral e sob parecer favorável do Conselho Fiscal, sendo que na reunião realizada os vogais do Conselho Fiscal não se opuseram aos empréstimos cedidos pelo A.
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Como acima foi dito, a Ré pretende ainda que o facto constante da matéria não provada passe a fazer parte da matéria provada, no entanto, tal facto é irrelevante para a decisão da causa, já que, tenham ou não sido depositadas na conta do Réu as quantias em causa, o que releva é saber se o empréstimo existiu ou não, sendo certo que o mesmo poderia ter sido entregue ao Réu em numerário. Assim, ainda que se considerasse provado o facto em causa, tal não faria concluir pela inexistência do empréstimo.
Deste modo, por desnecessário, não se analisa o ponto em causa.
           
O recurso de impugnação da matéria de facto procede, assim, parcialmente, nos termos supra expostos.
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O Direito:
Tal como se menciona na decisão recorrida “A presente ação baseia-se num contrato de mútuo, nos termos do disposto no artigo 1142.º, do Código Civil.
Estatui o artigo 1142.º do Código Civil que “Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade” e preceitua ainda o artigo 1144.º do mesmo Código que “As coisas mutuadas tornam-se propriedade do mutuário pelo facto da entrega”.
Quanto à sua natureza, o contrato de mútuo apresenta-se como um contrato bilateral ou sinalagmático, porquanto dá origem a obrigações recíprocas para ambos contraentes.
Por um lado, o mutuante compromete-se a proporcionar ao mutuário a cessão temporária de uso de determinadas quantias ou bens, por outro lado, o mutuário recebe a coisa para retirar dela uma utilização proveitosa.
A relação contratual ou o sinalagma estabiliza-se com a entrega/recebimento da coisa ou quantia pecuniária. O mútuo é, por isso, um contrato típico e assume a natureza de um contrato real, quoad constitutionem, porquanto só se perfectibiliza com a entrega da quantia ou da coisa para a esfera de propriedade do mutuário.
O contrato de mútuo pode apresentar natureza onerosa, desde que seja remunerada (com juros adequados) a concessão do uso do dinheiro (ou de outra coisa fungível) proporcionada pelo mutuante (artigo 1145.º do Cód. Civil).

O contrato de mútuo para a sua conclusão e perfeição, pressupõe dois elementos constitutivos, que são:
i) a entrega de uma coisa fungível ou de dinheiro por parte do mutuante, sendo que sem essa entrega por parte do mutuante, não será possível ter-se como existente o contrato de mútuo típico;
ii) a obrigação de restituir outro tanto do mesmo género do que foi recebido, nomeadamente, quando está em causa o mútuo de dinheiro, a mesma quantia que foi entregue, acrescida de eventual remuneração. Esta última obrigação mostra-se essencial ao mútuo, quer ao mútuo oneroso, quer ao mútuo gratuito, destinando-se a reequilibrar a situação patrimonial das partes, colocando-as na situação em que se encontravam ao tempo da conclusão do negócio.”.

Faltou, no entanto, acrescentar que que, conforme dispõe o art. 1143º do C. Civil, sem prejuízo do disposto em legislação especial, o contrato de mútuo de valor superior a 25.000,00€ só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a 2,500,00€ se o for por documento assinado pelo mutuário.

No caso, as quantias emprestadas pelo A. ao Réu, referidas nos pontos 9, 11 e 13, são superiores a 2,500,00€, pelo que a forma dos contratos respetivos deveria obedecer à forma escrita, em obediência ao mencionado art. 1143º, mas não obedeceu, pelo que, tais contratos são nulos por falta de forma (v. art. 220º, do C. Civil), sendo a nulidade de conhecimento oficioso (art. 286º, do C. Civil),
É certo que para garantia do pagamento das mencionadas quantias, a Direção da Ré entregou ao A. diversos cheques que titulavam as quantias mutuadas, mas tais documentos não configuram em si mesmo a existência de um contrato de mútuo.

Com efeito, como se pode ler no Acórdão do STJ, de 7/7/10 (in www.dgsi.pt ), “A simples emissão e entrega de um cheque não configura por si mesmo a existência de um contrato de mútuo. É a autora que invoca um contrato de mútuo para fundamentar o pedido de condenação do réu na restituição do capital que incumbe o ónus de provar a respectiva celebração. Para que o Supremo Tribunal de Justiça possa deduzir uma declaração de um facto concludente é necessário que o nexo entre ambos decorra da lei. Não corresponde ao significado normalmente atribuído à aposição, pelo aceitante, da assinatura num cheque, a intenção de assumir a obrigação de restituir o dinheiro correspondente, ou de reconhecer que o mesmo lhe foi emprestado. Para que se possa ter como plenamente provado, por confissão, um facto desfavorável ao declarante, é preciso que a declaração seja inequívoca.

No caso, não estamos aqui em presença de uma acção fundamentada na base do título de crédito cheque, o qual enquanto tal, é adequado a preencher diversas funções económicas e incorpora um direito que se define directamente pelos termos nele expressos, com autonomia, dispondo assim de características próprias em relação à convenção extracartular.”

Vejamos, então, se o Réu está obrigada a restituir ao A. as quantias que por este lhe foram entregues a título de empréstimo.
           
O Réu diz que por analogia aos artigos 11º, n.º 1 al. d) e 17º, n.º 1 al. c) dos Estatutos do R., caso se pretenda celebrar algum negócio jurídico que não seja de gestão corrente, como sucede, com a venda de algum imóvel do R., tal matéria é da competência da Assembleia-Geral e sob parecer favorável do Conselho Fiscal, no entanto, os empréstimos que o A. alega ter concedido ao Réu, não foram previamente autorizados pela Assembleia-Geral.
Analisando os Estatutos do Réu vemos que os respetivos órgãos sociais são a Assembleia Geral, a Direção e o Conselho Fiscal (art. 7º).

De acordo com o art. 11º dos Estatutos do Réu, na parte com interesse para o caso em apreço, compete à Assembleia Geral:
- Apreciar os atos da Direção, o Relatório e as Contas e o Parecer Favorável do Conselho Fiscal, referentes a cada exercício (al. b);
- Autorizar a Direção a alienar ou a adquirir bens imóveis (al. d);
- Deliberar sobre todos os assuntos que, dentro das determinações estatutárias e legais, lhe sejam presentes (al. e));

De acordo com o disposto no art. 17º, nº 1 – c) dos Estatutos, mencionado pelo Réu, cabe à Direção “Vender bens imóveis, nos termos autorizados pela Assembleia Geral e sob parecer favorável do Conselho Fiscal”.

Por seu turno, relativamente a “despesas”, dispõe o art. 22º dos Estatutos que:
1. Constituem despesas da Associação:
a) Os pagamentos relativos a material, serviços e outros encargos necessários à sua instalação e funcionamento, bem como à execução das suas atribuições estatutárias;
b) Outros pagamentos, em cumprimento de deliberações da Assembleia Geral.

Analisando os Estatutos da Ré e designadamente os artigos acima transcritos, vemos que não consta dos mesmos quem tem competência para autorizar a contratação de empréstimos, que constituem negócios jurídicos de gestão extraordinária.
Estando em causa uma associação, pessoa coletiva de direito privado, sem fins lucrativos e utilidade pública, deve a mesma reger-se pelos respetivos estatutos e pelas disposições que resultam dos arts. 167º e ss. do C. Civil, referentes às associações.
Assim, por força do art. 172º do C. Civil, competem à assembleia geral da associação todas as deliberações não compreendidas nas atribuições legais ou estatutárias de outros órgãos da pessoa coletiva.

Desta forma, a deliberação a autorizar o Réu a contratar com o A. a concessão dos empréstimos referidos na matéria de facto provada, deveria ter sido tomada pela Assembleia Geral do clube, no entanto, foi tomada pela respetiva Direção, que não tinha competência para o efeito.

Qual a consequência deste vício?
Tal como se entendeu no Acórdão da Relação de Lisboa, de 27/3/12 (in www.dgsi.pt ) no caso, julgamos que serão de aplicar às deliberações de outros órgãos da associação e seus vícios os normativos do Código Civil relativos às deliberações da assembleia geral, nos termos do art. 10º do C. Civil.
Assim sendo, há que ter em conta o disposto no art. 177º do C. Civil que preconiza que: “As deliberações da assembleia geral contrárias à lei ou aos estatutos, seja pelo seu objeto, seja por virtude de irregularidades havidas na convocação dos associados ou no funcionamento da assembleia, são anuláveis.”
É certo que a “circunstância do art. 177º do CC apenas se referir à anulabilidade enquanto desvalor negativo para as deliberações das assembleias gerais das associações que se mostrem contrárias à lei ou aos estatutos, não implica que não se possa falar de deliberações nulas, ou inexistentes, no campo das associações” (v. Acs. da R.L. 17/12/09 e de 27/03/12)
Também Manuel Pita (in anotação ao art. 177º in Código Civil Anotado, Ana Prata e outros, vol. I, 2ª ed. revista e atualizada, pág. 232) considera que “ficam fora deste art. 177º as deliberações que contrariem os requisitos do objeto negocial estabelecidos no art. 280º. Mas em todos os outros casos de violação da lei ou dos estatutos a sanção é a anulabilidade, anotação ao art. 177º in Código Civil Anotado, Ana Prata e outros, vol. I, 2ª ed. revista e atualizada, pág. 232).

Contudo, tal como se diz no Acórdão da Relação de Lisboa de 27/3/12, acima citado, “Estando em causa uma associação, pessoa colectiva de direito privado, sem fins lucrativos e utilidade pública, deve a mesma reger-se pelos respectivos estatutos e pelas disposições que resultam dos arts. 167 e ss. do C.C. referentes às associações. Mas tal não impede que se recorra às normas aplicáveis às sociedades comerciais (…). Conforme defendido no aresto citado na sentença (Ac. da RL de 17.12.2009, Proc. 1541/08-2, www.dgsi.pt), citando-se Menezes Cordeiro a propósito do regime das associações: “«(...)        Nestas condições, não há obstáculos de princípio à aplicação analógica, no campo civil, das regras relativas a sociedades comerciais. O recurso ao Direito Comercial implica todavia a presença dos diversos requisitos de que depende a analogia: o caso omisso; o facto de esse caso dever ter, à luz do sistema, uma solução jurídico normativa; a analogia de situações; a presença de uma norma comercial aplicável ao caso análogo. Verificadas as condições, as pessoas colectivas civis podem recorrer ao inesgotável manancial representado pelo Direito das sociedades comerciais. E como estas, a título subsidiário, também podem recorrer às sociedades civis e ao Direito das pessoas colectivas, fecha-se o círculo: mais uma vez, reforçada fica a unidade do Direito privado português»”.
Por conseguinte, havendo lacunas nos estatutos ou no Código Civil, será possível recorrer ainda às normas respeitantes às sociedades comerciais e, como se concluiu no Acórdão citado, no domínio destas deverá dar-se “prevalência às de carácter geral, como são as constantes dos arts 53º e ss do CSCom, e onde estas se mostrem insuficientes, às das sociedades anónimas.”.

Da lei civil não constam quais os vícios que, pela sua gravidade, afetam de nulidade as deliberações das associações tomadas contrariamente à lei, pelo que, para tal verificação se deve aplicar por analogia o art. 56º do C. Comercial, segundo o qual:
1 - São nulas as deliberações dos sócios:
a) Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados;
b) Tomadas mediante voto escrito sem que todos os sócios com direito de voto tenham sido convidados a exercer esse direito, a não ser que todos eles tenham dado por escrito o seu voto;
c) Cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios;
d) Cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios.

O vício de que padece a deliberação em análise não se encontra previsto no art. 56º do Cód. das Sociedades Comerciais, pelo que, tal deliberação não se deve considerar afetada pelo vício da nulidade, mas apenas pelo da anulabilidade.

Parece-nos ser esta a solução mais equilibrada tendo em conta que, como  se salienta no Acórdão do STJ de 26/02/2009 (in www.dgsi.pt ) a propósito da invalidade dos negócios jurídicos das sociedades comerciais mas que, em face do disposto no art. 177º do C. Civil tem aplicação ao caso das associações, “É conhecida a razão de ser desta escolha feita pelo legislador [da preferência pelo regime da anulabilidade relativamente às deliberações sociais que violam normas legais imperativas]; do confronto entre os regimes da anulabilidade e da nulidade resulta claro que este último vício é extremamente gravoso para a vida societária, tendo em conta a ligação existente entre os diversos actos sociais sucessivamente praticados. Como observa Paulo Olavo Cunha (Direito das Sociedades Comerciais, Coimbra, 2006, pág. 537), a lei optou pela “teoria dos actos sociais em cadeia”.
Assim, salvo casos particulares em que de outras disposições legais decorra que os vícios nelas tratados provocam nulidade de deliberações de sociedades, entende-se que, por princípio, só provocam nulidade os vícios especialmente previstos no nº 1 do artigo 56º citado.”.

A deliberação em causa deve, pois, considerar-se sujeita ao regime da anulabilidade, previsto nos arts. 287º e seguintes do C. Civil.
Assim, a anulabilidade tem de ser invocada pelas pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento (art. 287º, nº 1 do C. Civil).

Por outro lado, a anulabilidade é sanável mediante confirmação, que pode ser expressa ou tácita (art. 288º, nºs 1 e 3 do C. Civil).
Ora, o relatório e as contas onde constava o mencionado empréstimo foram aprovados na Assembleia Geral acima identificada, tendo de se entender este ato como uma confirmação tácita do mencionado negócio, sendo certo que a anulabilidade não foi invocada pelo Réu.
Deste modo, tem o Réu de reembolsar o Autor no montante das quantias que lhe foram emprestadas por este, tal como se entendeu na sentença recorrida, embora com diversos fundamentos.

Com efeito, embora o contrato de mútuo seja nulo por falta de forma, tal como acima se referiu, a nulidade não dispensa o mutuário de restituir tudo quanto haja recebido do mutuante (v. art. 289º, nº 1 do C. Civil).
Acresce que, conforme consignado no Assento nº. ...5, de 28 de Março de 1995, publicado no Diário da República n.º 114/95, I série A, de 17 de Maio de 1995, hoje com valor de acórdão de uniformização de jurisprudência, “Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade do negócio jurídico invocado como pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com o fundamento no n.º 1 do art. 289º do Código Civil”.

Com base no mesmo regime operaria também a condenação do Réu a restituir o montante que lhe foi mutuado pelo Autor, caso se tivesse entendido que a deliberação era nula e não anulável.
Desta forma, improcede o recurso e confirma-se a sentença recorrida embora com diversos fundamentos.
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DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida, embora com fundamentos diversos.
Custas a cargo do Recorrente.
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Guimarães, 13 de março de 2025

Alexandra Rolim Mendes
António Beça Pereira
José Cravo