FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES
DIREITO À PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS PELO FGADM
RENDIMENTO
Sumário


1. O Estado, através do FGADM, deve assegurar os alimentos devidos a menores, quando a pessoa judicialmente obrigada a fazê-lo não satisfizer as quantias em dívida e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
2. No apuramento do rendimento para efeitos de atribuição da obrigação de garantia de alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores, deve ter-se em conta: (i) os rendimentos anuais ilíquidos (incluindo subsídio de férias e de Natal, no caso dos trabalhadores dependentes) de todos os elementos do agregado familiar que o usufruam; (ii) efetuar-se a divisão do montante obtido pelos 12 meses correspondentes ao ano civil; (iii) dividir o valor obtido pelo fator de capitação do agregado familiar.
3. O rendimento a considerar é o rendimento ilíquido, sem abatimentos de qualquer natureza e sem qualquer dedução de despesas.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

Por apenso aos autos de divórcio sem consentimento, veio AA deduzir incidente de incumprimento relativamente ao acordado quanto às responsabilidades parentais, contra BB e relativamente ao filho menor de ambos CC, acordo homologado por sentença de 03/02/2022.
Alegou, para o efeito que, tendo o menor ficado a residir com o pai, ficou a progenitora obrigada a contribuir com a quantia de € 100,00 mensais, com início no mês de março de 2022, o que nunca fez até à data.
Notificada a requerida, nada disse.
Da Segurança Social foi obtida informação de que a requerida não consta da sua base de dados.
Na sequência de promoção do MP, foi solicitado ao ISS,IP a elaboração de relatório quanto à atual situação da requerida, do requerente e necessidades do menor.
A Segurança Social informou que a requerida está desempregada, faz biscates ocasionais a passar roupa e aufere cerca de € 250,00 mensais, vivendo com a ajuda de uma irmã. Não tem possibilidades de pagar a pensão de alimentos ao seu filho. O requerente aufere € 1.121,75 do trabalho como auxiliar de montagens e € 108,00 de abono de família. Tem despesas mensais no valor de € 891,90 (renda, alimentação, luz, água, gás, internet, telemóvel e televisão). Vive com o filho (com uma despesa de € 650,00 no início do ano letivo, em vestuário, calçado e educação) e os avós paternos contribuem para as despesas deste com educação, vestuário e calçado. Conclui que o rendimento per capita = rendimento mensal global líquido/ponderação do agregado familiar, é de € 747,83, pelo que não reúne as condições legalmente previstas para beneficiar da prestação social do FGADM.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido de que o menor não tem direito à substituição da pensão de alimentos em falta pelo progenitor, pelo Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.
Foi proferida sentença que julgou verificado o incumprimento do exercício das responsabilidades parentais relativamente à prestação de alimentos devidos ao menor CC fixada a cargo da progenitora BB, pelo montante total de € 2.200,00, a que acrescem os alimentos que se forem vencendo.
Quanto à intervenção do FGADM, considerou-se não estarem verificados os pressupostos para a intervenção do mesmo.

O requerente interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:

1 – O requerente e aqui recorrente não tem o rendimento ilíquido de € 1.121,75 que consta no relatório que foi elaborado pelo Instituto da Segurança Social IP, mas sim o rendimento ilíquido de € 961,50.
2 – O rendimento do agregado familiar no ano de 2023 foi de € 10.795,00.
3 – Além das despesas normais do requerente e do filho este paga de renda de casa € 300,00 por mês, sem mais apoios de ninguém, por isso para poder continuar a ter uma vida minimamente digna ele e o filho precisa da ajuda do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores.
4 – Isto porque se o requerente tiver uma atitude como a mãe do menor que não se interessa por ele nem os alimentos lhe paga, então o menor ou é institucionalizado ou morre à fome, e não é isso que quer o pai, portanto precisa de ajuda.
Termos em que, dando provimento ao presente recurso e revogando a douta sentença recorrida, na parte em que não determina a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, por não estarem verificados os pressupostos para a intervenção do mesmo, decidindo no sentido da intervenção do Fundo, farão V. Ex.as sã, serena e objetiva JUSTIÇA.
Juntou recibo de vencimento do mês de abril de 2024, de onde se retira o vencimento ilíquido de € 961,50, o mesmo se retirando do total de abonos até abril de 2024, no valor de € 3.846,00. Juntou, ainda, comprovativo da entrega de declaração automática de rendimentos para IRS, de onde se retira que o valor auferido por trabalho dependente, no ano de 2023 foi de € 10.795,00. Finalmente, juntou recibo de renda, relativo a abril de 2024, no montante de € 300,00.

O Ministério Público respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.
A requerida, notificada, nada disse.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

A questão a resolver prende-se com a verificação dos pressupostos de intervenção do FGADM.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram fixados factos relativos ao incumprimento das responsabilidades parentais (que o menor nasceu a ../../2009 e é filho do requerente e da requerida; que a 2/03/2022 foi homologado, por sentença, acordo relativo ao exercício das responsabilidades parentais onde ficou consignado que a requerida contribuirá, a título de alimentos, com a quantia mensal de € 100,00, atualizáveis em € 1,00 a cada dia 1 de janeiro; que a requerida não procedeu ao pagamento de qualquer prestação), factos esses que não estão aqui em causa, uma vez que o recurso se prende unicamente com a parte da sentença que considerou não estarem verificados os pressupostos para a intervenção do FGADM.
A sentença julgou verificado o incumprimento do exercício das responsabilidades parentais relativamente à prestação de alimentos devida ao menor CC fixada a cargo da progenitora BB, pelo montante total de € 2.200,00, a que acrescem os alimentos que se forem vencendo.
Proferida a sentença, foi analisada a possibilidade da intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, considerando que a requerida/devedora não aufere qualquer tipo de pensão ou rendimento, nem está inscrita na base de dados da segurança social, pelo que se torna inviável a aplicação do disposto no artigo 48.º do RGPTC – normativo que visa a cobrança coerciva da prestação de alimentos através de descontos no vencimento, ordenado, salário, rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos e comparticipações que sejam processadas com regularidade.
Concluiu-se, então, que, dispondo o agregado familiar do menor do rendimento mensal ilíquido total de € 1.121,75, correspondente aos rendimentos do trabalho do progenitor – informação obtida no relatório social que se solicitou ao Instituto da Segurança Social – que a capitação do rendimento do agregado familiar onde se insere o menor é superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS), pelo que, não estando verificados os pressupostos para a intervenção do FGADM, não se determinou a intervenção do mesmo.
É com esta decisão que o recorrente não se conforma. Alega que o rendimento único do agregado familiar provém do seu trabalho e que não corresponde à quantia indicada pela Segurança Social, mas sim ao valor de € 961,50, sendo que o seu rendimento anual em 2023 foi de € 10.795,00 e junta os documentos comprovativos do que alega.
Vejamos.
É um facto que o artigo 1.º, n.º 1 da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro determina que “Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de outubro (revogado pelo DL 141/2015 de 08/09, atual RGPTC, com correspondência no artigo 48.º), e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação”.

Esta Lei foi regulamentada pelo DL n.º 164/99, de 13 de maio, cujo artigo 3.º determina:
“1 - O Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efetivo cumprimento da obrigação quando:
a) A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de outubro; e
b) O menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
2 - Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS, quando a capitação do rendimento do respetivo agregado familiar não seja superior àquele valor.
3 - O agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação dos rendimentos, referidos no número anterior, são aferidos nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de junho, alterado pela Lei n.º 15/2011, de 3 de maio, e pelos Decretos-Leis n.os 113/2011, de 29 de novembro, e 133/2012, de 27 de junho.
(…)

Este Decreto-Lei n.º 70/2010 de 16 de junho redefine as condições de acesso aos apoios sociais, definindo o conceito de agregado familiar, os rendimentos a considerar e define a capitação dos rendimentos em função da composição dos elementos do agregado familiar, tendo em consideração a existência de economias de escala no seio dos mesmos – cfr. preâmbulo do referido Decreto-Lei.
Nos termos do seu artigo 1.º, n.º 2, alínea c), as regras aí previstas são aplicáveis ao pagamento das prestações de alimentos, no âmbito do Fundo de Garantia dos Alimentos a Menores.
Ora, manda o n.º 3 do artigo 2.º deste DL n.º 70/2010 que, na verificação da condição de recursos, sejam considerados os rendimentos do requerente e dos elementos que integram o seu agregado familiar, de acordo com a ponderação referida no artigo 5.º, sendo certo que neste artigo 5.º a ponderação de cada elemento do agregado familiar é efetuada de acordo com a seguinte escala de equivalência:
- requerente: 1;
- por cada indivíduo maior: 0,7;
- por cada indivíduo menor: 0,5.

Nos termos do artigo 2.º da Portaria n.º 421/2023, de 11 de dezembro, o valor do IAS (indexante dos apoios sociais) para o ano de 2024 é de € 509,26.

Na sentença recorrida foi considerado o rendimento do trabalho do progenitor indicado pela Segurança Social, no valor de € 1.121,75/mês, como rendimento do agregado familiar composto por pai e filho menor, aí se concluindo que a capitação do rendimento do agregado familiar do menor é superior ao valor do indexante dos apoios sociais (€ 1.121,75: (1+0,5) = € 747,83), sendo o IAS para o ano de 2024 no montante de € 509,26, como já vimos.
Vem, agora, o apelante, juntar a sua declaração de IRS do ano de 2023, bem como um recibo de vencimento reportado a abril de 2024, para sustentar que o seu rendimento ilíquido não é o indicado pela Segurança Social, mas outro inferior.
Considerando que a informação prestada pela Segurança Social não vem suportada na declaração de IRS e que a agora junta se reporta ao ano de 2023, que é o ano a considerar para efeitos da verificação da condição de recursos (artigo 3.º, n.º 2 do DL n.º 70/2010 de 16/06) “Os rendimentos reportam-se ao ano civil anterior ao da data da apresentação do requerimento”, deve considerar-se a informação que se extrai da declaração automática de IRS reportada ao ano de 2023 e que mostra um rendimento ilíquido do progenitor no valor de € 10.795,00.
Acontece que, mesmo considerando este rendimento ilíquido, o valor do rendimento per capita corresponde a € 599,72, portanto, superior ao valor do IAS, fixado em € 509,26. Com efeito, neste caso, o valor mensal seria de € 899,58, pelo que, utilizando a escala de equivalência para apurar a capitação dos rendimentos do agregado familiar (1 + 0,5), teríamos o valor já referido de € 599,72 (€ 899,58:1,5) e, uma vez mais se teria de concluir pela não verificação dos pressupostos para a intervenção do FGADM (e o mesmo aconteceria se considerássemos o valor mensal de € 961,50, comprovado pelos recibos de 2024, pois, nesse caso, o valor do rendimento per capita corresponderia a € 641,00 (€ 961,50:1,5), superior ao valor do indexante).

A questão colocada pelo apelante relativa ao valor por si suportado a título de renda de casa - € 300,00 – dado que havia já sido fornecido pela Segurança Social, mas que agora está documentado, não adquire relevância autónoma para a verificação dos pressupostos de intervenção do FGADM, uma vez que a lei apenas refere o rendimento ilíquido, sem abatimentos de qualquer natureza e sem qualquer dedução de despesas (cfr. artigo 3.º, n.º 1, b) do DL n.º 164/99 e artigo 2.º do DL n.º 70/2010, já supra referidos) – neste sentido vejam-se os Acórdãos da Relação de Guimarães de 26/10/2023, processo n.º 81/08.9TMBRG-G.G1 (Fernando Barroso Cabanelas) e da Relação do Porto de 24/02/2022, processo n.º 4359/17.2T8MTS-A.P1 (Filipe Caroço), ambos em www.dgsi.pt.
Pode ler-se neste citado Acórdão da Relação de Guimarães que “A desconsideração das despesas configura, assim, opção legislativa expressa, sendo não só líquida, face às supra referidas disposições legais, como também é jurisprudencialmente pacífica – vide, AcRC de 12/12/2017, processo nº 4009/11.0TBLRA-B.C1; AcRC de 4/02/2020, processo nº 958/11.4TBVIS-A.C1; AcRC de 14/12/2020, processo nº 893/14.4TBMGR-D.C3; AcRL de 3/12/2020, processo nº 1284/17.0T8CSC-B.L1, disponíveis em www.dgsi.pt. A este propósito, escreveu-se no AcRC de 14/12/2020, processo nº 893/14.4TBMGR-D.C3,: “A opção legal referida, sem consideração de qualquer abatimento, designadamente das despesas concretas do agregado familiar, permite maior justiça social, maior igualdade entre agregados e maior segurança na decisão. Assim, impõe-se a cada agregado a mesma taxa de satisfação das necessidades (naturalmente, básicas) do conjunto familiar. Se fossem atendidas as despesas específicas de cada agregado, o apoio social iria beneficiar os agregados com maiores despesas, independentemente de algumas poderem ser dispensadas ou reduzidas. Os agregados mais contidos, que reduzissem as suas despesas para valores compatíveis com os seus rendimentos, seriam prejudicados porque o abatimento ao rendimento ilíquido seria menor.”
E no Acórdão da Relação de Lisboa de 3/12/2020, processo 1284/17.0T8CSC-B.L1, in www.dgsi.pt acrescentou-se que “A consideração das despesas faz-se a partir do índice de capitação do agregado que permite reduzir o rendimento à medida que aumenta o agregado, precisamente porque quanto mais forem os seus membros mais elevadas serão as despesas do agregado. Com a vantagem de que, dessa forma, esse fator é ponderado de forma igual, equitativa e objetiva para todos os agregados.”

Do que fica dito resulta, assim, que, pese embora todos estes valores sejam exíguos e se compreenda o desabafo final do apelante, a verdade é que não estão objetivamente verificados os pressupostos para a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, pelo que a apelação terá de improceder.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.

***
Guimarães, 13 de março de 2025

Ana Cristina Duarte
Carla Maria de Sousa Oliveira
Joaquim Boavida