DEPOIMENTO DE PARTE
DOENÇA GRAVE
RELATÓRIO MÉDICO
INTERVENÇÃO CIRÚRGICA
IMPOSSIBILIDADE DE PRESTAÇÃO DE DEPOIMENTO
DEPOIMENTO POR ESCRITO
COMUNICAÇÃO DIRETA DO TRIBUNAL COM O DEPOENTE
Sumário

1. A falta justificada de uma parte à audiência final, em relação à qual tenha sido determinada/requerida a prestação de declarações, é motivo de adiamento ou interrupção da audiência, quando essa parte deva prestar depoimento de parte e esteja temporariamente impossibilitada de comparecer na audiência.
2. O facto de, segundo as informações médico-clínicas constantes do processo, prestadas pelo médico assistente, a parte padecer de “patologia cardiovascular grave nomeadamente estenose aórtica severa” estando a aguardar a “realização de cateterismo cardíaco para eventual substituição da válvula aórtica”, por si só, não permite concluir, de imediato, pela impossibilidade definitiva de prestação do depoimento de parte.
3. Nessa eventualidade, se a parte contrária não prescindir do depoimento da parte, dever-se-á aguardar pelo resultado da realização dessa intervenção cirúrgica de modo a verificar, ulteriormente – ouvido o médico assistente, se for necessário –, se a situação da parte permitirá que preste o seu depoimento, sem prejuízo do disposto nos arts. 518.º e 520.º do CPC.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

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Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra,[1]

No Juízo Central Cível de Coimbra – Juiz ... está pendente acção declarativa, sob a forma do processo comum, em que é autora AA, representada pela sua irmã e tutora BB, e réus CC e sua mulher DD.

“O objeto do litígio – como definido no despacho saneador de 31-01-2022 –, reconduz-se ao direito de ver declarada a nulidade, por simulação, da separação judicial de pessoas e bens dos RR., decretada por mútuo acordo em 16.11.2006, a sua conversão em divórcio, e a subsequente partilha para separação de meações dos mesmos RR. celebrada por escritura pública de 20.11.2006”, tendo sido ordenada/realizada prova pericial.[2]


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Fruto da dinâmica processual, foi proferido despacho, a 25 de Setembro de 2024, onde o tribunal a quo consignou:

“Requerimentos datados de 20.09.2024 e 24.09.2024

I – A impossibilidade de comparência em tribunal do réu CC, bem como, a impossibilidade de prestação de depoimento já se mostra esclarecida nos autos, conforme se fez constar no despacho proferido em 16.05.2024. O relatório apresentado no requerimento datado de 20.09.2024 apenas reitera o já documentado anteriormente, mantendo-se a impossibilidade de comparência e, sobretudo, de prestação de depoimento.

Face ao tempo decorrido, constata-se que é absolutamente imprevisível quando e se alguma vez será possível ultrapassar essa impossibilidade de prestação de depoimento.

Com efeito, o réu continua a aguardar cirurgia, sendo portador de doença grave e com idade avançada, 82 anos.

Consequentemente, entende-se que efectivamente se encontra provada a sua impossibilidade de prestação de depoimento (artigo 457º, n.º 2 do C.P.C a contrario), pelo que, a audiência de discussão e julgamento terá lugar sem a prestação do seu depoimento de parte, porque impossibilitado de depor, conforme documentalmente comprovado, o que se determina.

Notifique.

II – A ré DD veio juntar atestado médico onde se faz constar que a doente não reúne condições clínicas, por padecer de perturbação depressiva recorrente, episódio atual grave. Mais aí se faz constar “considero que a doente não reúne condições clínicas para se fazer presente em sessão do tribunal”.

Assim sendo, julgo justificada a falta previsível da Ré à audiência aprazada.

De todo o modo, concordando com o suscitado pela Autora, e à semelhança do já efectuado quanto ao Réu, determino, nos termos e para os efeitos do artigo a notificação do subscritor do atestado médico, o médico psiquiatra, Dr. EE (hospital da Luz, Clínica ..., Rua ..., ... ..., cfr. Atestado junto em 17.04.2024 – ref.8819451) para esclarecer se a condição de saúde da ré para além de impossibilitar a sua comparência em tribunal conforme descreve, se impossibilita, de todo, a possibilidade de prestação de depoimento do ré através de meios de comunicação à distância ou até inquirição a partir da sua residência com a deslocação do Tribunal à mesma.

Concede-se o prazo de 10 dias para resposta, sendo então o presente despacho proferido em vista de esclarecer o estatuído no artigo 457º, do Código de Processo Civil.

Notifique.

III – Perante o descrito em II), desconhecendo qual seja o resultado de tal diligência, justificada que se mostra a ausência da Ré e mostrando-se o Réu impossibilitado de depor, entende o Tribunal não existir motivo justificativo para adiamento da audiência (a qual já sofreu pelo menos dois adiamentos, sendo a autuação dos autos datada do ano de 2020) e que se mostra justificada a alteração da ordem da produção de prova prevista no artigo 604º, n.º3 do C.P.C., pelo que, após o descrito no artigo 604º, n.º1 do C.P.C, se procederá à inquirição das testemunhas arroladas – artigo 604º, n.º8, I parte e n.º3, alínea d) do C.P.C.. Posteriormente, a audiência será suspensa tendo em vista aguardar por resposta ao descrito em II (artigo 606º, n.º3 do C.P.C.).

Termos em que, se mantém a audiência aprazada, indeferindo o pedido de adiamento da mesma.

Notifique” (sic).


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Inconformada com este despacho, recorreu a autora, concluindo:

“1. O atestado de médico subscrito pelo Senhor Dr. FF refere expressamente que o Recorrido CC “Aguarda chamada para correção” de doença coronária, o que permite concluir que após a prevista cirurgia, a situação clínica do recorrido, que agora o impede de prestar depoimento de parte, ficará resolvida.

Assim,

2. Perspetivando-se que num futuro mais ou menos próximo o Recorrido poderá prestar depoimento, não pode a Senhora Juíza de Primeira Instância iniciar julgamento, dispensando o Recorrido do dito depoimento.

3. Pelo menos não poderá dispensar tal depoimento e iniciar julgamento, sem obter os esclarecimentos solicitados pela Recorrente no seu requerimento de 24.09.2024.

Por outro lado,

4. Com base no nº1 do artigo 457º do Código de Processo Civil, a ora Recorrente requereu que a Recorrida DD fosse submetida a exame pelo Serviço de Psiquiatria do Instituto de Medicina Legal, para se apurar se a referida R. tem, ou não, condições para prestar depoimento de parte.

5. Em vez de deferir este requerimento, a Senhora Juíza solicitou esclarecimentos complementares ao médico Psiquiatra que emitiu o atestado junto aos autos, referente à dita DD.

6. Como é de esperar, sem com isto se pretender por em causa a honorabilidade profissional do referido Senhor Psiquiatra, este limitar-se-á a confirmar o que já declarou, quando o que se pretende é uma segunda opinião, emitida por entidade independente e credível.

7. Sendo certo que a longa relação profissional do autor do atestado com a recorrida não garante a necessária independência.

Finalmente,

8. O nº3 do artigo 604º do Código de Processo Civil estabelece, imperativamente, a ordem dos actos a praticar em audiência de julgamento.

9. Nos termos da alínea a) da referida norma, os depoimentos de parte precedem os demais actos a realizar.

10. O que se justifica pela necessidade de se assegurar a espontaneidade dos depoimentos de parte, evitando-se a sua contaminação pela demais prova produzida.

11. Razão pela qual a Reconvinte não se pode conformar com a decisão da Senhora Juíza de iniciar o julgamento na presente acção pela inquirição de testemunhas, deixando para momento posterior a decisão sobre os depoimentos de parte.

12. O douto despacho recorrido viola as normas dos artigos 457º e 604º do Código de Processo Civil.

Nestes termos e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se totalmente o douto despacho de 26.09.2024, proferindo-se decisão que defira integralmente o requerimento deduzido pela Recorrente AA em 24.09.2024 e declarando-se nulo todo o processado posterior, com o que se fará Justiça.” (sic).


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            Não foram apresentadas contra-alegações.

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Por despacho de 7 de Novembro de 2024 o tribunal a quo exarou:

“Recurso datado de 26.09.2024

Vem a Autora recorrer o despacho proferido em 25.09.2024.

Este despacho, nos seus pontos II e III traduz-se num mero despacho de expediente.

Constituem despachos de mero expediente aqueles que apenas têm por finalidade regular ou disciplinar o andamento ou a tramitação processual e que não importam decisão ou julgamento, denegação, reconhecimento ou aceitação de qualquer direito.

Na verdade, no Ponto II, o Tribunal limitou-se a julgar justificada a falta previsível de comparência da Ré à audiência de discussão e julgamento e a ordenar a notificação do subscritor do atestado médico para prestar esclarecimentos, tendo em vista esclarecer o estatuído no artigo 457º do C.P.C.. Ou seja, o Tribunal ainda não tomou decisão definitiva sobre a prestação ou impossibilidade de prestação de depoimento pela Ré.

No Ponto III o Tribunal limitou-se a gerir a ordem da produção de prova em função do decidido no Ponto I) e II), ou seja, regular a produção de prova.

Consequentemente, importa rejeitar o recurso interposto na parte relativa aos Pontos II) e III) por legalmente inadmissível nos termos do artigo 630º do C.P.C., o que se determina.

No que se reporta ao Ponto I), a Autora, não se conformando com a decisão ali proferida que entendeu que o Réu se encontra impossibilitado de depor e, portanto, a audiência de discussão e julgamento terá lugar sem a prestação do seu depoimento, vem dela interpor recurso.

Por ser admissível, nesta parte, a recorrente ter legitimidade e estar em tempo (artigos 627.º, 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 638.º, n.º 1, 644.º, n.º 6, do Novo Código de Processo Civil), admito o recurso por si interposto, que é de apelação, sobe em separado e tem efeito meramente devolutivo (artigos 644.º, n.º 2, alínea d), 645.º, n.º 2, e 647.º, n.º 1, do mesmo diploma legal).

Com efeito, o recurso de apelação, em regra, tem efeito meramente devolutivo (cfr. artigo 692.º, n.º 1 do CPC).

Porém, poder-lhe-á ser atribuído efeito suspensivo, nos casos previstos na lei (cfr. artigo 692.º, n.º 2 do CPC).

Entre esses casos, “o recorrente pode requerer, ao interpor o recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efectiva prestação da caução no prazo fixado pelo tribunal e ao disposto no n.º 3 do artigo 818.º” (cfr. Artigo 692.º, n.º 4 do CPC).

            A atribuição casuística do efeito suspensivo ao recurso depende, assim, do preenchimento pelo interessado, de dois requisitos:

            1) que a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e;

            2) se ofereça para prestar caução, sendo a efectiva prestação desta que torna definitivo esse efeito suspensivo.

            Porém, não basta alegar conclusivamente as consequências a que refere o prejuízo considerável: “é preciso demonstrá-las com um processo causal assente em factos, alegados e provados, para que se possa avaliar se existe efectivamente prejuízo e se este é considerável, conclusão que só ao julgador daí cabe tirar” [cfr., neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-11-2010, proferido no âmbito do Processo n.º 1459/10.3TVLSB-A.L1-1, disponível para consulta em www.dgsi.pt, em igual sentido, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-05-2006, proferido no âmbito do Processo n.º 0632164, ibidem].

            No caso, a requerente não satisfaz nenhum destes requisitos. Limita-se a invocar que a alteração da ordem dos depoimentos (nº3 do artigo 604º do CPC) é suscetível de condicionar os depoimentos de parte, desde já se oferecendo para prestar a caução, se esta vier a ser determinada, o que não se concede, tendo em conta que a Recorrente é a A. sendo seu o interesse na celeridade da acção. Desde logo, não fundamenta em que medida é que alteração da ordem da produção de prova pode condicionar os depoimentos de parte.                     Por outro lado, acresce que a requerente do efeito suspensivo diz oferecer-se para prestar caução, mas não menciona o valor nem o meio por que o pretende fazer. Com efeito, o requerente tem sempre de indicar, além do motivo da caução, o modo como pretende prestá-la e o seu valor (cfr. artigo 988.º, n.º 1, ex vi artigo 990.º, n.º 1, ambos do CPC).

            De resto, não resulta preenchido esse dever, quando se requer que seja o juiz a fixá-lo ab initio, pois que a fixação judicial só é aplicável quando o montante inicialmente indicado pelo requerente se tornar controvertido (cfr. Artigo 693.º-A, n.º 1 do CPC).

            Termos em que não tendo sido alegados e consequentemente provados factos suficientes para configurar a existência de um prejuízo considerável, e não tendo também sido preenchidos todos os requisitos de prestação de caução, decido indeferir a pretensão deduzida pela recorrente de ser atribuído efeito suspensivo ao presente recurso.

            O recurso tem, assim, reitera-se, efeito meramente devolutivo [cfr. artigo 692.º, n.º 1 do CPC].”.


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            Não se conformando com este despacho, que decidiu não admitir parcialmente o recurso apresentado, veio a autora deduzir reclamação, nos termos do art. 643.º CPC, na parte em que se determinou dar início ao julgamento antes de se apurar se os réus estão, ou não, definitivamente impossibilitados de prestar os seus depoimentos, começando pela prova testemunhal, por preterição da ordem de produção de prova, estabelecida pelo n.º 3 do art. 604.º do CPC.

No âmbito dessa reclamação – cf. Apenso B –, foi proferida decisão pelo aqui relator, em 22 de Janeiro de 2025, já transitada, na qual se decidiu: “Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação e, em consequência, mantém-se o despacho reclamado de não admissão do recurso, no segmento em que decidiu dar início ao julgamento, começando pela prova testemunhal, antes de se apurar se os réus estão, ou não, definitivamente impossibilitados de prestar os seus depoimentos”.


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As questões a apreciar neste recurso são as seguintes:

I. Se é de considerar que o réu CC está definitivamente impossibilitado de prestar depoimento de parte, nos termos do art. 457.º, n.º 2, do CPC, a contrario (conclusões 1 a 3);

II. Se relativamente à ré DD devia ter sido ordenado que fosse submetida a exame pelo Serviço de Psiquiatria do Instituto de Medicina Legal, para se apurar se a mesma tem, ou não, condições para prestar depoimento de parte (conclusões 4 a 7).


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A. Fundamentação de facto

Com relevo para a decisão a proferir, importa elencar a seguinte factualidade atinente à dinâmica processual:

1. Na acção, cuja petição inicial foi apresentada em 10-09-2020, a autora pede: “Nestes termos e nos mais de direito deve a presente acção ser julgada procedente e provada e, em consequência, serem declaradas nulas, por simulação, a separação judicial de pessoas e bens dos RR., decretada por mútuo acordo em 16.11.2006, a sua conversão em divórcio, e a subsequente partilha para separação de meações dos mesmos RR. celebrada por escritura pública de 20.11.2006”, tendo requerido o depoimento de parte de ambos os réus a (praticamente) toda a matéria de facto enumerada naquela peça processual.

2. Por despacho exarado na audiência prévia, realizada em 31-01-2022, foram admitidos os requerimentos probatórios, designadamente o depoimento de parte dos réus.

3. No despacho de 11-09-2023, exarou-se: “Para a audiência final designo o dia 18 de abril de 2024, às 9:30 horas, para declarações de parte e inquirição das testemunhas arroladas pela autora, e às 14:00 horas para inquirição das testemunhas arroladas pelos réus [indisponibilidade de agenda em data anterior em virtude da situação de pandemia, greves de oficiais de justiça e adiamentos durante doença do signatário sem que tenha sido assegurada a respetiva substituição (exceto pontualmente em processos urgentes)]. / Notifique os mandatários e aguarde 5 dias, período em que poderão propor datas alternativas, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 151.º, n.º 2 do CPC. Decorrido tal prazo sem que nada seja requerido, notifique os restantes intervenientes”.

4. Com data de 21-03-2024 foram expedidas cartas para notificação dos réus para comparecem em tribunal, “no dia 18-04-2024, às 09:30 horas, a fim de prestar depoimento de parte na audiência de discussão e julgamento”.

5. Por requerimento de 17-04-2024, com a ref.ª citius 8819450, o réu CC, veio expor e requerer que “(…) vem juntar aos autos relatório médico comprovativo de estar doente e impedido de comparecer à audiência de julgamento agendada e requerer a justificação da sua falta”.

6. Aquele requerimento foi acompanhado de “Relatório Médico”, datado de 09-04-2024, com o seguinte teor: “Doente de 81 anos, portador de patologia cardiovascular grave nomeadamente estenose aórtica severa com área de 0.8cm. Está polimedicado e aguarda realização de cateterismo cardíaco para eventual substituição da válvula aórtica. Está proibido de realizar qualquer tarefa física, bem como exposição a situações de stress e ansiedade, nomeadamente aquelas que advêm de presença em tribunais. O não cumprimento desta orientação poderá originar danos irreparáveis ao doente.”.

7. Por requerimento de 17-04-2024, com a ref.ª citius 8819451, a ré DD, veio expor e requerer que “(…) está doente e impedida de estar presente no dia 18-04-2024, agendado para a audiência de julgamento. Pelo que, requer desde já a justificação da sua falta. (doc. 1).”

8. O requerimento foi acompanhado de “Atestado Médico”, datado de 09-04-2024, com o seguinte teor: “Eu, EE, médico licenciado pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Lisboa e inscrito na Ordem dos Médicos com o nº ...65, declaro por minha honra que DD, por motivo de doença, se encontra impossibilitada de comparecer em sessão, agendada para o dia 18.4.24. / Por ser verdade e por me ter sido pedido, passo o presente atestado que dato assino e entrego à própria.”.

9. Na sessão de julgamento do dia 18-04-2024, em face da falta de comparência dos réus e de uma testemunha ficou exarado, em acta, que a mandatária judicial da autora prescindia do depoimento da testemunha faltosa, mas que não prescindia do depoimento de parte de ambos os réus.

10. Na acta da sessão de julgamento de 18-04-2024, ficou consignado, além do mais, o seguinte: “(…) Subsequentemente, pela Mm. ª Juiz de Direito foi proferido o seguinte:


Despacho

Considerando os atestados médicos juntos julgo justificadas as faltas de comparência dos réus à presente audiência de discussão e julgamento.

Relativamente ao atestado médico da ré DD oportunamente será aprazada data para continuação da audiência com a sua tomada de depoimento de parte e declarações de parte.

Relativamente ao atestado, aliás, relatório junto pelo Dr. FF relativamente ao réu CC cumprirá esclarecer junto do subscritor do relatório o seguinte:

1 – Se já se encontra agendada a realização do cateterismo cardíaco referido no relatório, e, em caso positivo para que data e qual é o período provável para a recuperação;

2 – Esclarecer se a condição de saúde do réu para além de impossibilitar a sua comparência em tribunal conforme descreve, se impossibilita, de todo, a possibilidade de prestação de depoimento do réu através de meios de comunicação à distância ou até inquirição a partir da sua residência com a deslocação do Tribunal à mesma.

Concede-se o prazo de 10 dias para resposta, sendo então o presente despacho proferido em vista de esclarecer o estatuído no artigo 457º, do Código de Processo Civil.

Notifique. 

Do despacho que antecede foram todos os presentes notificados.

Dada a palavra, aos Ilustres Mandatários das partes, sucessivamente, que no uso da mesma requereram o adiamento da presente diligência face à não comparência/justificação da sua ausência dos réus, por acharem pertinente a sua audição no início da produção de prova.

Seguidamente, pela Mm. ª Juiz foi proferido o seguinte:


Despacho

            Atenta a posição dos Srs. Advogados há grave inconveniência no início da inquirição das testemunhas antes da prestação dos depoimentos de parte designadamente, a saber, da possibilidade dessa prestação pelo réu, pelo que, requereram que seja aprazada nova data onde se mostre possível o início da produção de prova com a prestação dos depoimentos.

Considerando os temas de prova e os depoimentos de parte requeridos, já tendo a autora manifestado a sua posição no sentido de não prescindir dos depoimentos de parte, entende-se que existe inconveniente no início da produção de prova testemunhal antes da prestação dos depoimentos de parte, pelo que, em concordância de agendas, se transfere a realização da audiência para o dia 28/06/2024, pelas 9:30 horas e 14:00 horas com a mesma distribuição de prova.

Notifique. (…).”

11. Em 22-04-2024, o médico Dr. FF, cardiologista, informou:

“1- Cumpre-me informar que o cateterismo do Sr. CC será realizado nos CHUC no prazo de cerca de 3 meses.

2- A situação do doente é grave pelo que aconselharia, para bem do doente, a não realização desse depoimento antes do seu problema estar resolvido. Depois do cateterismo seguir-se-á cirurgia de substituição da válvula aórtica.

Como atrás referi aconselharia o resguardo total do doente, mas essa decisão não me caberá a mim, pelo que terá de ser a Mmª Juiz a decidir.”.

12. No despacho de 16-05-2024, o tribunal a quo exarou: “Da informação do médico cardiologista assistente do Réu resulta que o cateterismo a que este será submetido será realizado nos CHUC, no prazo de cerca de 3 meses. Mais informa que a situação do doente é grave pelo que aconselha, para bem do doente, a não realização desse depoimento antes do seu problema estar resolvido. Para além disso, informa igualmente que depois do cateterismo seguir-se-á cirurgia de substituição da válvula aórtica.

O Réu nasceu em ../../1942. Tem 81 anos.

Do que vai supra-exposto, conjugado com o relatório junto em 17.04.2024, extraímos não só uma impossibilidade de comparência em tribunal por parte do Réu, mas também impossibilidade de prestação de depoimento, tal como configurado no artigo 457º do Código de Processo Civil.

Na verdade, essa impossibilidade, por ora, e previsivelmente nos próximos meses que se avizinham, é absoluta, desconhecendo o Tribunal a condição de saúde do Réu, pessoa de idade avançada, após a sua sujeição às intervenções supra. Com efeito, só após a sua sujeição e recuperação das mesmas será possível aquilatar junto do seu médico assistente da reunião das condições de saúde plenas que lhe permitam a prestação de depoimento de parte.

Assim sendo, em face do que vai supra-exposto, ao abrigo do dever de gestão processual previsto no artigo 6º do Código de Processo Civil, estando agendada a realização de audiência de discussão e julgamento e sendo previsível a impossibilidade de prestação de depoimento do Réu nos próximos meses (ou até ano), o que retardará (e muito) a realização da audiência e, portanto, o desfecho dos autos, determino a notificação das partes para esclarecerem se mantêm a sua posição de não prescindirem do depoimento de parte/declarações de parte do Réu, a ter lugar no início da audiência.

Prazo: 10 dias”.

13. Por requerimento datado de 29-05-2024, com a ref.ª citius 89182561, a autora expôs e requereu: “(…) [P]ara o efeito notificada, tendo em conta as informações clínicas juntas aos autos, vem manifestar a sua disponibilidade para aceitar que o depoimento de parte do R. CC possa ter lugar em momento posterior à data agendada para o início da audiência de julgamento – sem embargo de ter constatado que o referido Réu vem continuando a cumprir, sem alteração, a sua rotina diária, trabalhando na sua oficina de reparação de automóveis.”.

14. Por requerimento datado de 03-06-2024, com a ref.ª citius 8924743, o réu CC, veio expor que “(…) [A]tendendo à informação médica, esclarecer que prescinde das suas declarações de parte”.

15. Por requerimento datado de 03-06-2024, com a ref.ª citius 8925103, a ré DD, veio expor que “(…) [V]em prescindir de depoimento/declarações de parte do R. CC”.

16. Por requerimento datado de 04-06-2024, com a ref.ª citius 8929738, o réu CC, veio expor que “(…) tendo sido notificado de requerimento da A., vem tomar a seguinte posição processual: 1. É totalmente falso o alegado na 2ª parte do requerimento da A., pelo que expressamente se impugna”.

17. Por requerimento datado de 04-06-2024, com a ref.ª citius 8929741, a ré DD, veio expor que “(…) notificada de requerimento da A., vem dizer o seguinte: 1. É totalmente falso, pelo que se impugna, a 2ª parte do requerimento apresentado”.

18. Por despacho de 16-06-2024, o tribunal a quo manteve a data da audiência final para o dia 27-09-2024.

19. Por requerimento de 20-09-2024, com a ref.ª citius 9141642, o réu CC, veio expor e requerer que “(…) vem juntar aos autos relatório médico comprovativo de estar doente e impedido de comparecer à audiência de julgamento agendada e requerer a justificação da sua falta. (doc. 1)”.

20. O requerimento foi acompanhado de documento datado de 20-09-2024, assinado pelo médico cardiologista Dr. FF, com a seguinte “Conclusão”:

“Doente de 82 Anos, portador de Estenose severa e Doença coronária.

Neste momento continua a aguardar cirurgia.

Já foi observado pelo Serviço de Cirurgia Cardiotorácia dos CHUC. Aguarda chamada para correcção desta doença. Continua a ser proibido de realizar qualquer tarefa, bem como exposição a situações de stresse ansiedade, nomeadamente aquelas que adevêm de presença em tribunais”.

21. Por requerimento de 20-09-2024, com a ref.ª citius 9142534, a ré DD, veio expor e requerer que “(…) está doente e impedida de estar presente no dia 27-09-2024, agendado para a audiência de julgamento. / Pelo que, requer desde já a justificação da sua falta. (doc. 1)”.

22. O requerimento foi acompanhado de “Informação Clínica”, datada de 16-09-2024, com o seguinte teor: “A doente supracitada é acompanhada por mim, desde há cerca de 5 anos, por Perturbação Depressiva Recorrente, episódio atual Grave, sem sintomas psicóticos (código F33.2 da Classificação Internacional de Doenças, versão 10). /Recentemente, assistiu-se a nova recaída, em contexto de nova convocatória para nova sessão judicial. / Neste sentido, considero que a doente não reúne condições clínicas para se fazer presente em sessão do tribunal.”

23. Por requerimento de 24-09-2024 a autora expos e requereu, além do mais:

“1. Tendo em conta a natureza eminentemente pessoal da matéria sobre a qual se acha requerido o depoimento de parte dos RR., os seus referidos depoimentos mostram-se da maior relevância para a descoberta da verdade e boa decisão da presente lide. Por outro lado,

2. Se a saúde dos RR. é um bem a preservar, os meios de sobrevivência da A., vítima inocente da conduta negligente do R., também não poderão ser menosprezados.

3. E, afinal, é da sobrevivência da A. - reduzida a uma situação de completa dependência pela actuação do R. - que tratam os presentes autos.

4. Nas descritas circunstâncias, tendo em conta que ambos os RR. Continuam a desenvolver todas as suas actividades diárias normais e só para comparecer em Tribunal é que se declaram muito doentes, se requer:

a) Quanto ao R. CC, seja ordenada a notificação do Dr. FF, Centro de Cardiologia de Coimbra, para que informe qual a data provável da “chamada para correção da doença” do referido R. que menciona no seu atestado, e, feita a aludida “correção”, qual o período necessário ao restabelecimento do paciente. (…)”

24. Em 29-09-2024 realizou-se a 1.ª sessão da audiência final, à qual faltaram ambos os réus, tendo sido prestadas declarações de parte pela irmã e legal representante da autora, e inquiridas 5 testemunhas da autora e 2 testemunhas dos réus.

25. Em 04-10-2024 deu entrada “Informação clínica”, datada de 01-10-2024, com o seguinte teor: “A doente supra citada é acompanhada por mim desde há vários anos por Perturbação Depressiva Recorrente, episódio atual grave, sem sintomas psicóticos (código F33.2 da Classificação Internacional de Doenças, versão 10). /A presença da doente em audiência de tribunal, seja através da presença física ou por outros meios, representa um factor stressor com potencial de agravar o quadro. / A supra citada patologia compromete sensivelmente a capacidade da doente prestar depoimento, contudo proponho que a mesma seja alvo de perícia médico legal a fim de melhor avaliar o impacto da doença sobre a capacidade de depoimento da mesma”.

26. Em 08-11-2024 realizou-se a 2.ª sessão da audiência final, tendo sido inquiridas 4 testemunhas dos réus, após o que foi proferido o seguinte:


Despacho

A Ré DD, regularmente notificada para comparecer em audiência de discussão e julgamento, tem vindo a atravessar: em 17-04-2024 atestado médico datado de 08-04-2024 em que o medico psiquiatra Dr. EE declara que a Ré, por motivo de doença se encontra impossibilitada de comparecer em sessão de julgamento agendada para o dia 18-04-2024 ; em 20-09-2024 informação clinica datada de 16-09- 2024, do médico supra identificado, dando conta que a Ré "não reúne condições clinicas para se fazer presente em sessão do Tribunal “por, em suma recentemente ter sofrido recaída, em contexto de nova convocatória para nova sessão judicial por perturbação depressiva recorrente, doença que motiva o seu acompanhamento desde há 5 anos.

Foi proferido despacho 25-09-2024 no qual, para além da justificação da falta, se ordenou a notificação de médico subscritor supra para esclarecer se a condição de saúde da Ré para além de impossibilitar a comparência da Ré em Tribunal, se impossibilita de todo, a prestação de depoimento da Ré através de meios de comunicação à distancia ou até inquirição a partir da sua residência com deslocação do Tribunal à mesma.

Isto tudo tendo em vista esclarecer do art.º 457º do CPC.

Por requerimento de 4/10/2024, veio o Dr. GG esclarecer que a presença da doente em Tribunal, seja através da presença física ou por outros meios, representam fator stressor com potencial de agravar o quadro. A supracitada patologia compromete sensivelmente a capacidade da doente prestar depoimento, contudo proponho que a mesma seja alvo de perícia Médico-Legal, a fim de melhor avaliar o impacto da doença sobre a capacidade do depoimento da mesma.

Assim sendo, em face do que vai exposto, entendo que nos termos do artigo 457º , nº 1 do C.P.C, se mostra crucial apurar por médico a indicar pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, o qual fica desde já nomeado, efetivamente se a Ré em face da doença de que padece- perturbação depressiva recorrente -episódio atual grave sem sintomas psicóticos- se encontra impossibilitada de comparecer no Tribunal e, em caso afirmativo, se a doença de que padece coloca em causa a possibilidade de prestar depoimento, incluindo aqui depoimento por escrito, nos termos do artigo 518º do C.P.C, depoimento através de comunicação direta do Tribunal com o depoente, designadamente, videoconferência, telefone, nos termos do artigo 520º do C.P.C ou incluindo deslocação do Tribunal ao local onde a depoente se encontra a residir.

Prazo para a realização da perícia ou avaliação determinada: 30 dias.

Remeta cópia dos atestados médicos supra descritos, despacho de 25/09/2024 e do presente.

Assim sendo, não se mostra possível concluir na presente data a realização da audiência de discussão e julgamento, contudo merecerá apenas marcar data para a sua continuação quando se mostrar junto aos autos perícia/avaliação agora determinada , nos termos e para os efeitos do artigo 457º,nº 1 do C.P.C, altura em que os autos deverão ser conclusos à signatária.

27. A 20-01-2025 a Unidade Funcional de Clínica Forense da Delegação do Centro do INMLCF, I.P., informou que a ré DD compareceu ao exame.


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B. Fundamentação de Direito
· Questão prévia:

Vistas as duas questões submetidas a recurso, por ordem lógica, há que iniciar pela análise da atinente a indagar se, relativamente à ré DD, devia ter sido ordenado que fosse submetida a exame, pelo Serviço de Psiquiatria do Instituto de Medicina Legal, para se apurar se a mesma tem, ou não, condições para prestar depoimento de parte – conclusões 4 a 7.

Ora, em face do teor dos pontos de facto n.ºs 25, 26 e 27 antes enunciados, é de concluir, inequivocamente, no que tange a essa específica questão, que ocorre inutilidade superveniente deste recurso – art. 277.º, alínea e), do CPC –, uma vez que, já após a interposição/admissão do recurso, o tribunal a quo determinou, no despacho proferido na sessão da audiência final de 08-11-2024, que fosse realizada a avaliação pericial da situação da ré, a qual teve lugar no pretérito dia 20 de Janeiro.

Fica, assim, prejudicada a apreciação desta questão recursiva, por inutilidade superveniente.


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Resta, então, indagar se, como entendeu o tribunal a quo, é de considerar que o réu CC está definitivamente impossibilitado de prestar depoimento de parte, nos termos do art. 457.º, n.º 2, do CPC, a contrario.

Vejamos.

Da leitura das normas vertidas nos arts. 603.º a 606.º do CPC, relativas à realização da audiência final, deflui a regra da continuidade do julgamento, sem prejuízo de, em concretas e típicas situações, estar prevista, no Código de Processo Civil, quer a interrupção, quer o adiamento da audiência.

É o que ocorre, designadamente, com: (i) a junção de documento, existindo grave inconveniente no prosseguimento da audiência – cf. 424.º; (ii) a falta de testemunha não prescindida e que não tenha comparecido por impedimento legítimo – art. 508.º, n.º 3, al. b), e (iii) a apresentação de articulado superveniente, na audiência final, não prescindindo a parte contrária do prazo para a resposta – art. 588.º, n.º 3, al. b) e n.º 4, 2ª parte.

É de observar, também, que a falta, justificada, de uma parte, em relação à qual tenha sido determinada/requerida a prestação de declarações – sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo –, deve consubstanciar fundamento para o adiamento ou interrupção da audiência, quando a parte deva prestar depoimento de parte – cf., v.g., arts. 452.º e segs. do CPC – e, não obstante, esteja temporariamente impossibilitada de comparecer na audiência.[3]

Como se sabe, o depoimento de parte é o meio processual que a lei adjectiva põe ao serviço do direito probatório substantivo para provocar a confissão judicial, conforme previsto no art. 356.º, n.º 2, do Código Civil.

Visa o depoimento de parte, fundamentalmente, obter a confissão da parte, enquanto “reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária” – cf. art. 352.º do Código Civil –, incidindo sobre factos desfavoráveis ao confitente e favoráveis à parte contrária, constituindo prova, não a favor de quem a emite, mas a favor da parte contrária – neste sentido, cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, IV, 1987, p. 70.

Embora nada se diga especificamente quanto ao depoimento de parte, o juiz pode, tal como no caso das testemunhas, determinar a alteração da ordem legalmente estabelecida, se ocorrer razão que o justifique, de harmonia com o previsto no n.º 8 do art. 604.º do CPC.

Revertendo ao caso sub judice, entendeu o tribunal a quo, a propósito da situação clínica do 1.º réu, em relação ao qual foi requerido o depoimento de parte pela autora/recorrente, o seguinte:

“A impossibilidade de comparência em tribunal do réu CC, bem como, a impossibilidade de prestação de depoimento já se mostra esclarecida nos autos, conforme se fez constar no despacho proferido em 16.05.2024. O relatório apresentado no requerimento datado de 20.09.2024 apenas reitera o já documentado anteriormente, mantendo-se a impossibilidade de comparência e, sobretudo, de prestação de depoimento.

Face ao tempo decorrido, constata-se que é absolutamente imprevisível quando e se alguma vez será possível ultrapassar essa impossibilidade de prestação de depoimento.

Com efeito, o réu continua a aguardar cirurgia, sendo portador de doença grave e com idade avançada, 82 anos.

Consequentemente, entende-se que efectivamente se encontra provada a sua impossibilidade de prestação de depoimento (artigo 457º, n.º 2 do C.P.C a contrario), pelo que, a audiência de discussão e julgamento terá lugar sem a prestação do seu depoimento de parte, porque impossibilitado de depor, conforme documentalmente comprovado, o que se determina.”.

A autora/recorrente dissente desta decisão uma vez que o atestado subscrito pelo médico cardiologista assistente do réu/recorrido refere de modo expresso que ele “[a]guarda chamada para correção” de doença coronária, o que permite concluir que após a prevista cirurgia, a situação clínica do recorrido, que agora o impede de prestar depoimento de parte, ficará resolvida” (sic).

De harmonia entende que esse depoimento não pode ser dispensado, sem se obter os esclarecimentos solicitados no seu requerimento de 24-09-2024, ou seja, qual a data provável da “chamada para correção da doença”, e, feita a aludida “correção”, qual o período necessário ao restabelecimento do paciente.

Para dirimir a questão sob recurso compete analisar, em primeiro lugar, o seguinte normativo:

– Art. 457.º do CPC: “Impossibilidade de comparência no tribunal”

“1. Atestando-se que a parte está impossibilitada de comparecer no tribunal por motivo de doença, o juiz pode fazer verificar por médico de sua confiança a veracidade da alegação e, em caso afirmativo, a possibilidade de a parte depor.

2. Havendo impossibilidade de comparência, mas não de prestação de depoimento, este realiza-se no dia, hora e local que o juiz designar, ouvido o médico assistente, se for necessário, sempre que não seja possível a sua prestação ao abrigo do disposto nos artigos 518.º e 520.º”. [4]

Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2020, 2ª edição, p. 543, em anotação a este preceito legal, expendem:

“1. Caso o depoente resida em área em que exista delegação ou gabinete médico-legal do INML, o exame em causa deve ser realizado por um médico perito dessa instituição (art. 467.º, n.º 1, do CPC e arts. 2.º, n.º 1, e 21.º, n.º 1, da Lei n.º 45/04, de 19-8).

2. Atestando o médico que o depoente não se pode locomover para o tribunal, mas reúne condições físicas e psíquicas que lhe permitem depor, pode o depoimento ocorrer em local a designar pelo juiz (vg. residência do depoente) sem prejuízo de as partes acordarem em que o depoimento seja prestado por escrito ou através da utilização de telefone ou meio de comunicação direta do tribunal com o depoente (arts. 518.º e 520.º).

Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1, 4.ª edição, 2017, p. 375, escrevem: “Quando essa impossibilidade se deva a doença justificada por atestado médico, o juiz pode fazê-la verificar por outro médico da sua confiança, ao qual compete, não só confirmar a impossibilidade de comparência, mas também a possibilidade de a testemunha depor fora do tribunal, indagação esta dispensável quando o atestado médico apresentado retira também este facto e o juiz não duvide da realidade da doença. Na data e no local designados para a prestação do depoimento, a testemunha é interrogada pelo juiz.”.

Por sua vez, França Pitão, em Código de Processo Civil Anotado, Tomo I, 2016, p. 523, refere que: “Constatando-se que o depoente não pode comparecer, v.g., por motivo de internamento em unidade hospitalar ou acamado em sua casa, pode o juiz ordenar que o depoimento seja colhido em dia, hora e local que designe, ou ainda través de depoimento escrito ou por contacto telefónico ou outro meio de comunicação direta com o tribunal (v.g. Skype) (cfr. Artigos 518.º e 520.º).”.

Vejamos, por sua vez, o regime plasmado nos arts. 518.º e 520.º do CPC:

– Art. 518.º do CPC: “Depoimento apresentado por escrito”

“1. Quando se verificar impossibilidade ou grave dificuldade de comparência no tribunal, pode o juiz autorizar, havendo acordo das partes, que o depoimento da testemunha seja prestado através de documento escrito, datado e assinado pelo seu autor, do qual conste relação discriminada dos factos a que assistiu ou que verificou pessoalmente e das razões de ciência invocadas.

2. Incorre nas penas cominadas para o crime de falsidade de testemunho quem, pela forma constante do número anterior, prestar depoimento falso.”.[5]

Ao anotarem o art. 518.º do CPC, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre – op. cit., pp. 400/401 – aduzem: “Tornou-se praticamente letra morta o que hoje está disposto nos arts. 457-2 e 506 (inquirição fora do tribunal de testemunha impossibilitada de se deslocar por doença), pelo que a testemunha impossibilitada de comparecer em tribunal raramente prestaria a sua contribuição para a descoberta da verdade, se não fosse o regime do depoimento escrito. Este veio tornar possível o aproveitamento como fontes de prova de pessoas que de outro modo, por doença ou outro motivo, não poderiam comparecer; e admitiu-o igualmente quando a testemunha não está impossibilitada de se deslocar, mas um motivo grave (de doença ou outro) dificulta-o.

Além da impossibilidade ou grave dificuldade de comparência no tribunal, dois outros requisitos são indispensáveis para que possa ter lugar o depoimento por escrito: o acordo das partes; a autorização do juiz.

O primeiro impede que a parte contrária àquela que ofereceu a testemunha se veja confrontada com um depoimento cuja produção não haja podido minimamente controlar, em violação do disposto no art. 415.

O segundo constitui um poder discricionário: o juiz, se as circunstâncias concretas o aconselharem, autorizará a prestação do depoimento por escrito. Entre as circunstâncias a ter em conta, está a natureza disponível ou indisponível do direito controvertido a que os factos a serem objeto do depoimento se reportem: no campo do direito indisponível, só com razões muito fortes o depoimento por escrito deve ser admitido; mas, no campo do direito disponível, o juiz, verificada a impossibilidade ou grave dificuldade de comparência, só com razões também muito fortes (entre as quais, a suspeita de simulação ou fraude processual: art. 612) deve contrariar a pretensão das partes. A discricionariedade do poder implica a irrecorribilidade da decisão (art. 630-1); mas tal não impede que o tribunal da relação possa valorar diversamente o depoimento produzido, atendendo nomeadamente às circunstâncias em que o foi.

O documento escrito da testemunha, por ela datado e assinado, deve, além dos elementos formais e de conteúdo exigidos pelos n.ºs 1 a 3 do art. 519, conter a menção dos factos por ela praticados ou observados, bem como as respetivas razões de ciência, em termos semelhantes aos do testemunho verbal (art. 516-1).”

– Art. 520.º do CPC: “Comunicação direta do tribunal com o depoente”

1. Quando ocorra impossibilidade ou grave dificuldade de atempada comparência de quem deva depor na audiência, pode o juiz determinar, com o acordo das partes, que sejam prestados, através da utilização de telefone ou outro meio de comunicação direta do tribunal com o depoente, quaisquer esclarecimentos indispensáveis à boa decisão da causa, desde que a natureza dos factos a averiguar ou esclarecer se mostre compatível com a diligência.

2. O tribunal deve assegurar-se, pelos meios possíveis, da autenticidade e plena liberdade da prestação do depoimento, designadamente determinando que o depoente seja acompanhado por oficial de justiça durante a prestação daquele e devendo ficar a constar da ata o seu teor e as circunstâncias em que foi colhido.

3. É aplicável ao caso previsto neste artigo o disposto no artigo 513.º e na primeira parte do n.º 4 do artigo anterior.”.

Tal como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1, 4.ª edição, 2017, pp. 296/297: “Os arts. 518 e 520 admitem o acordo das partes para a prestação de depoimento testemunhal por escrito ou mediante a utilização de telefone ou outro meio de comunicação direta do tribunal com o depoente, quando a testemunha não possa ou tenha grave dificuldade em comparecer no tribunal. A remissão para esses artigos implica que em caso de impossibilidade de comparência do depoente, podem as partes igualmente acordar em que o depoimento de parte assim tenha lugar. “Sempre que seja possível” significa: verificando-se o outro requisito do qual depende a admissibilidade do depoimento escrito ou a utilização de outro meio de comunicação direta, isto é, o acordo das partes. Nem de outro modo podia ser: visando o depoimento de parte a obtenção de confissão, não se compreenderia, por o inutilizar, a sua subtração, sem o acordo das partes, à regra do contraditório”.

            E prosseguem – op. cit., p.  404 (nota 2): “Tal como para o depoimento escrito, exige-se o acordo das partes; mas, em vez de autorização, fala-se de determinação do juiz, o que inculca a ideia de que o juiz pode ter a iniciativa da comunicação com a testemunha para a prestação de esclarecimentos de que trata o n.º 1, embora a iniciativa só possa ter seguimento com o acordo das partes. Pode assim, designadamente, o juiz, quando tome a iniciativa duma inquirição nos termos do art. 526 e se verifique a impossibilidade ou grave dificuldade de comparência da pessoa a inquirir, perguntar às partes se estão de acordo em que se utilize o mecanismo facultado pelo artigo.”.

Aqui chegados é evidente que apesar dos motivos médico-clínicos apresentados pelo 1.º réu, quer para justificar a falta à 1.ª sessão de julgamento, de 18-04-2024, quer para justificar a falta à 2.ª sessão de julgamento, de 27-09-2024, dos mesmos não emerge, contrariamente ao alvitrado pelo tribunal a quo, uma situação de comprovada impossibilidade absoluta e definitiva de prestação do depoimento do réu/recorrido CC.

Com efeito, e recapitulando:

No “Relatório Médico”, de 09-04-2024, consta: “Doente de 81 anos, portador de patologia cardiovascular grave nomeadamente estenose aórtica severa com área de 0.8cm. Está polimedicado e aguarda realização de cateterismo cardíaco para eventual substituição da válvula aórtica. Está proibido de realizar qualquer tarefa física, bem como exposição a situações de stress e ansiedade, nomeadamente aquelas que advêm de presença em tribunais. O não cumprimento desta orientação poderá originar danos irreparáveis ao doente.”

No despacho de 18-04-2024, o tribunal a quo exarou: “Relativamente ao atestado, aliás, relatório junto pelo Dr. FF relativamente ao réu CC cumprirá esclarecer junto do subscritor do relatório o seguinte: 1 – Se já se encontra agendada a realização do cateterismo cardíaco referido no relatório, e, em caso positivo para que data e qual é o período provável para a recuperação; 2 – Esclarecer se a condição de saúde do réu para além de impossibilitar a sua comparência em tribunal conforme descreve, se impossibilita, de todo, a possibilidade de prestação de depoimento do réu através de meios de comunicação à distância ou até inquirição a partir da sua residência com a deslocação do Tribunal à mesma.

A 22-04-2024, o médico cardiologista assistente do recorrido informou: “1- Cumpre-me informar que o cateterismo do Sr. CC será realizado nos CHUC no prazo de cerca de 3 meses. 2- A situação do doente é grave pelo que aconselharia, para bem do doente, a não realização desse depoimento antes do seu problema estar resolvido. Depois do cateterismo seguir-se-á cirurgia de substituição da válvula aórtica.”

No despacho de 16-05-2024, o tribunal a quo consignou: “Da informação do médico cardiologista assistente do Réu resulta que o cateterismo a que este será submetido será realizado nos CHUC, no prazo de cerca de 3 meses. Mais informa que a situação do doente é grave pelo que aconselha, para bem do doente, a não realização desse depoimento antes do seu problema estar resolvido. Para além disso, informa igualmente que depois do cateterismo seguir-se-á cirurgia de substituição da válvula aórtica. /O Réu nasceu em ../../1942. Tem 81 anos. /Do que vai supra-exposto, conjugado com o relatório junto em 17.04.2024, extraímos não só uma impossibilidade de comparência em tribunal por parte do Réu, mas também impossibilidade de prestação de depoimento, tal como configurado no artigo 457º do Código de Processo Civil./Na verdade, essa impossibilidade, por ora, e previsivelmente nos próximos meses que se avizinham, é absoluta, desconhecendo o Tribunal a condição de saúde do Réu, pessoa de idade avançada, após a sua sujeição às intervenções supra. Com efeito, só após a sua sujeição e recuperação das mesmas será possível aquilatar junto do seu médico assistente da reunião das condições de saúde plenas que lhe permitam a prestação de depoimento de parte./Assim sendo, em face do que vai supra-exposto, ao abrigo do dever de gestão processual previsto no artigo 6º do Código de Processo Civil, estando agendada a realização de audiência de discussão e julgamento e sendo previsível a impossibilidade de prestação de depoimento do Réu nos próximos meses (ou até ano), o que retardará (e muito) a realização da audiência e, portanto, o desfecho dos autos, determino a notificação das partes para esclarecerem se mantêm a sua posição de não prescindirem do depoimento de parte/declarações de parte do Réu, a ter lugar no início da audiência.(…)”.

Por requerimento de 29-05-2024, com a ref.ª citius 89182561, a autora expôs e requereu: “(…) tendo em conta as informações clínicas juntas aos autos, vem manifestar a sua disponibilidade para aceitar que o depoimento de parte do R. CC possa ter lugar em momento posterior à data agendada para o início da audiência de julgamento (…)”.

A 20-09-2024, o médico cardiologista assistente do réu informou: “Doente de 82 Anos, portador de Estenose severa e Doença coronária./Neste momento continua a aguardar cirurgia./Já foi observado pelo Serviço de Cirurgia Cardiotorácia dos CHUC. Aguarda chamada para correcção desta doença. Continua a ser proibido de realizar qualquer tarefa, bem como exposição a situações de stresse ansiedade, nomeadamente aquelas que advêm de presença em tribunais”.

Das informações médico-clínicas constantes do processo, prestadas pelo médico cardiologista que assiste o réu/recorrido, emerge que este “aguarda chamada para correção” da doença coronária de que padece, o que permite deduzir que, em princípio, após realizada tal cirurgia, a situação clínica da parte não a impedirá, a priori, de prestar o seu depoimento.

Aliás, na informação que prestou em 22-04-2024 o médico cardiologista do réu/recorrido informou que, “[a] situação do doente é grave pelo que aconselharia, para bem do doente, a não realização desse depoimento antes do seu problema estar resolvido”.

O facto de, segundo as informações médico-clínicas constantes do processo, prestadas pelo médico assistente da parte, o réu sofrer de “patologia cardiovascular grave nomeadamente estenose aórtica severa” estando a aguardar a “realização de cateterismo cardíaco para eventual substituição da válvula aórtica”, por si só, não permite concluir pela impossibilidade definitiva de prestação do depoimento de parte.

Nessa eventualidade, e não tendo a parte contrária prescindindo do depoimento da parte do réu, dever-se-á aguardar pelo resultado da realização daquela intervenção cirúrgica de modo a verificar se, ulteriormente, a situação da parte permitirá que preste o seu depoimento, seja presencialmente, na audiência final, seja através dos mecanismos a que aludem os arts. 518.º (depoimento por escrito) e 520.º (comunicação directa do tribunal com o depoente), conforme emerge da leitura do n.º 2 do art. 457.º do CPC.

Nesta conformidade, o despacho sob recurso não pode subsistir, devendo ser substituído por outro que determine, antes de mais, a notificação do médico cardiologista que tem assistido o réu/recorrido, para informar, tal como a autora/recorrente requerera em 24-09-2024, quando é que irá, de facto, ocorrer a cirurgia – se é que a mesma não terá entretanto ocorrido – e qual o tempo estimado de recuperação do réu/recorrido, seguindo-se, depois, os trâmites legais que forem devidos.

Procede, assim, o recurso, devendo as custas processuais recair sobre o réu/recorrido ex vi arts. 527.º, 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2, todos do CPC.


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Decisão:

De harmonia com o exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar o recurso parcialmente procedente e revogar o despacho recorrido, na parte em que considerou o réu CC definitivamente impossibilitado de prestar o seu depoimento de parte.

Custas do recurso a cargo do réu/recorrido.

Notifique.


Coimbra, 11-03-2025

Luís Miguel Caldas

Francisco Costeira da Rocha

Cristina Neves



[1] Juiz Desembargador relator: Luís Miguel Caldas /Juízes Desembargadores adjuntos: Dr. Francisco Costeira da Rocha e Dra. Cristina Neves.
[2] Cf. acta da audiência preliminar de 31-01-2022, assinada electronicamente em 02-02-2022, e despacho que a acompanha, tendo sido ordenada a realização de segunda perícia por despacho de 12-09-2022.

[3] No que tange às declarações de parte, subscreve-se o entendimento de HH e II, que consideram que a prova por declarações de parte “é um meio a apresentar pelo requerente, pelo que, sendo requerido no decurso da audiência final, deve a parte estar em condições de o produzir de imediato. Não pode o mandatário requerer a prestação de declarações do seu constituinte, não presente, solicitando a suspensão dos trabalhados e a designação de nova sessão da audiência final, para assim conseguir a sua comparência” – cf. Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª edição, 2014, Almedina, p. 363.



[4] Relativamente às testemunhas, cf. o estatuído no art. 506.º do CPC, sob a epigrafe “Pessoas impossibilitadas de comparecer por doença”: “Quando se mostre que a testemunha está impossibilitada de comparecer no tribunal por motivo de doença, observa-se o disposto no artigo 457.º e o juiz faz o interrogatório, bem como as instâncias.”.
[5] O art. 519.º do CPC, epigrafado “Requisitos de forma”, prescreve: “1. O escrito a que se refere o artigo anterior menciona todos os elementos de identificação do depoente, indica se existe alguma relação de parentesco, afinidade, amizade ou dependência com as partes, ou qualquer interesse na ação. 2. Deve ainda o depoente declarar expressamente que o escrito se destina a ser apresentado em juízo e que está consciente de que a falsidade das declarações dele constantes o faz incorrer em responsabilidade criminal. 3. A assinatura deve mostrar-se reconhecida notarialmente, quando não for possível a exibição do respetivo documento de identificação. 4. Quando o entenda necessário, pode o juiz, oficiosamente ou a requerimento das partes, determinar, sendo ainda possível, a renovação do depoimento na sua presença, caso em que a testemunha é notificada pelo tribunal, ou a prestação de quaisquer esclarecimentos que se revelem necessários, por escrito a que se aplica o disposto nos números anteriores.”.