1. Se a questão da legitimidade activa foi apreciada de modo específico e concreto no despacho saneador, não se limitando o tribunal a emitir a um juízo tabelar ou genérico, essa decisão produz efeito de caso julgado formal, nos termos dos arts. 595.º, n.º 3 e 628.º do CPC.
2. A legitimidade e o interesse em agir são pressupostos processuais diversos, estando o primeiro expressamente consagrado no art. 30.º do CPC, e verificando-se o interesse de agir quando, para a solução do litígio, é necessária a intervenção jurisdicional, sendo a mesma adequada a proporcionar ao autor a utilidade por ele pretendida.
3. Existindo dois devedores responsáveis solidariamente por dívida de terceiro, enquanto co-avalistas de livranças dadas à execução no âmbito de um processo executivo, e respondendo cada devedor pela prestação integral, o devedor que pagar a dívida exequenda detém direito de regresso na parte referente à responsabilidade do co-devedor.
4. Se o crédito que o autor invoca deter sobre a 1.ª ré está nessa situação, esse crédito não se extingue com a declaração de insolvência da ré e a prolação do despacho de exoneração de passivo restante, uma vez que o direito de regresso do autor apenas se materializará com a liquidação da totalidade da dívida exequenda, no âmbito do processo executivo em que ambos foram executados.
5. O autor tem interesse em agir numa acção de declaração de nulidade de cessões de quotas, que alega terem sido simuladas, sendo certo que a procedência dessa acção terá por efeito jurídico o retorno daquelas quotas à propriedade da 1.ª ré, recorrida, podendo, neste caso, o processo de insolvência e liquidação do património da mesma vir a reaberto.
6. A acção de declaração de nulidade de acto/negócio jurídico, por simulação, não cabe no escopo do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014, pelo que a declaração de insolvência da ré não conduz à inutilidade superveniente da lide dessa acção.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra,[1]
AA instaurou, a 05-05-2016, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB (1.ª ré), CC (2.ª ré), DD (3.º réu), EE (4.º réu), e FF (5.º réu), consistente no pedido da declaração de nulidade de vários contratos de cessão de quotas e alteração do contrato de sociedade, por, alegadamente, se tratarem de actos simulados, com o consequente cancelamento de quaisquer registos ou ónus que sobre as ditas quotas hajam sido inscritos, após aqueles negócios, a favor dos 2.º, 3.º, 4.º e 5.º réus.
“Nestes termos, e em face do exposto, deve a presente acção ser julgada provada e procedente e, consequentemente, deverá:
a) Ser declarada a nulidade dos contratos de cessões de quotas e alteração do contrato de sociedade descrito sob os artigos 23º e ss e 35º e ss, por simulação;
b) Ser ordenado o cancelamento de quaisquer registos ou ónus que sobre as ditas quotas hajam sido feitos após as ditas escrituras, a favor dos 2º e 3º Réus.
c) Ser ordenado o cancelamento de quaisquer registos ou ónus que sobre as ditas quotas hajam sido feitos após as ditas escrituras, a favor dos 4º e 5º Réus.
d) Serem os Réus condenados nos termos das alíneas anteriores.” (sic).
– Contraiu casamento com a 1.ª ré, BB, a ../../1975, o qual veio a ser dissolvido, por divórcio, a ../../2010, tendo-se efectuado, na mesma data, a partilha dos bens comuns;
– O autor e a 1.ª ré eram titulares, entre outros bens, de quotas com igual valor, nas sociedades comerciais por quotas: “A..., Lda.” e “B..., Lda.”;
– No âmbito da partilha, foram adjudicadas à 1ª ré, entre outros bens, as seguintes participações sociais:
– As verbas 3 e 4, correspondentes a duas quotas, no valor nominal e atribuído de € 2500,00, na sociedade comercial por quotas sob a firma “A..., Lda.”
– As verbas 5 e 6, correspondentes a duas quotas no valor nominal e atribuído de € 17 457,93, na sociedade comercial por quotas sob a firma “B..., Lda.”;
– A 1.ª ré, por partilha subsequente a divórcio, tornou-se titular da totalidade das quotas sociais, ou seja, esta tornou-se a sócia única daquelas sociedades;
– A verba 1, correspondente ao Prédio urbano denominado “...” composto por barracão destinado a carpintaria com área total de 1108 m2, área coberta de 958 m2 e área descoberta de 150 m2, sito na freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...85 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...02, e com valor patrimonial de € 100 530,00, ficou em compropriedade para o autor e 1.ª ré, na proporção de metade para cada um;
– O autor apenas tomou conhecimento da existência de dívidas da sociedade “A..., Lda.” em Novembro de 2011, com os autos de penhora no Proc. n.º 2822/11.8TBVIS, que corre termos no âmbito do ... Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu, actual Comarca de Viseu – Instância Central – J..., e no âmbito do processo de insolvência da dita sociedade – declarada insolvente por douta sentença de 10 de Agosto de 2011.
– O Banco 1...., S.A., instaurou execução para o pagamento de quantia certa contra a sociedade “A..., Lda.” e contra o autor e 1.ª ré, com valor da execução, após cumulação do exequente, efectuada em 29-11-2011, de € 65 759,56;
– Essa execução decorre de dívidas que resultam de Contrato – linha específica invest/contrato de locação financeira n.º ...14 – celebrado entre o Banco 1..., S.A., e a sociedade “A..., Lda.” por créditos contraídos desde 2007 a 2010, titulado por cinco livranças assinadas pelo autor e pela 1.ª ré, todas vencidas em 10-08-2011;
– Em 4 de Maio de 2011, cinco trabalhadores da “A..., Lda.” resolveram o seu contrato com justa causa, com fundamento na existência de salários em atraso;
– Antes do vencimento das livranças passadas a favor da “A..., Lda.”, a 1.ª ré, a 05-05-2011, por contrato de cessão de quotas, cedeu aos 2.ª e 3.º réus as referidas participações sociais na sociedade “B...”;
– A 1.ª ré não tinha intenções de vender as referidas participações sociais, nem os 2.ª e 3.º réus tinham intenções de adquirir as referidas participações;
– A 1.ª ré não recebeu, nem quis receber, as aludidas quantias dos 2.ª e 3.º réus, nem estes as pagaram ou quiseram pagar, sendo simulado o negócio consubstanciado na dita escritura;
– Na verdade, nem a 2.ª ré nem o 3.º réu, tinham à data rendimentos ou poupanças suficientes para a aquisição das referidas quotas;
– A 1.ª ré, 2.ª e 3.º réus, de comum acordo e no intuito de enganar os credores e por inerência o autor, fizeram declaração negocial que não corresponde à sua vontade real, sendo o referido negócio jurídico nulo, nos termos do disposto do art. 240.º do Código Civil, por vício de vontade;
– A 1.ª ré engendrou os aludidos artifícios para prejudicar os credores e, por conseguinte, o autor enquanto co-executado e, assim, “salvar” o seu património, o que efectivamente sucedeu;
– Ao realizar a cessão de quotas simulada à 2.ª e 3.º réus, a 1.ª ré pretendeu, unicamente, evitar ser proprietária de qualquer bem que pudesse satisfazer o montante das suas responsabilidades, prejudicando dessa forma o autor enquanto devedor solidário e credores;
– Em 18 de Junho de 2011, por escritura pública, o 3.º réu dividiu a quota titulada em seu nome no valor nominal de € 24 441,10, em duas quotas:
– Uma no valor de € 17 457,93, que cedeu ao 4.º réu pelo preço de € 19 000,00, que ao 3.º réu declarou ter recebido.
- Outra no valor de € 6983,17, que cedeu ao 5.º réu pelo preço de € 7500,00, que o 3.º réu declarou ter recebido.
– Por sua vez, a 2.ª ré cedeu a quota de valor nominal de € 10 474,76 ao 5.º réu, cessão esta feita pelo preço de € 13 000,00, que dele declarou ter recebido;
– Acontece que, os 4.º e 5.º réus, não tiveram intenções, nem rendimentos ou poupanças suficientes para adquirir as referidas participações;
– Com efeito, a 2.ª e 3.º réus não receberam, nem quiseram receber, as aludidas quantias dos 4.º e 5.º réus, nem estes as pagaram ou quiseram pagar, sendo simulado o negócio consubstanciado na dita escritura;
– Assim, 1.ª ré e 2.ª ré, e 3.º, 4.º e 5.º réus, de comum acordo e no intuito de enganar os credores e por inerência o autor, fizeram declaração negocial, que não corresponde à sua vontade real, sendo o referido negócio jurídico nulo, nos termos do disposto do art. 240.º do Código Civil, por vício de vontade – nulidade que se invoca para todos efeitos legais;
– Os negócios jurídicos supra descritos são simulados e tiveram como consequência a diminuição da garantia patrimonial da 1.ª ré, tendo sido efectuados para evitar que aos credores fosse possível a restituição da quantia em que a 1.ª ré é solidariamente responsável com o autor;
– As referidas participações consistiam no bem, da 1.ª ré, com maior valor, pelo qual os credores podiam satisfazer as quantias exequendas;
– Na verdade, o valor real das quotas da sociedade “B..., Lda.”, superam em muito o seu valor nominal, atento o património que possuía e possui;
– As declarações constantes dos contratos de cessão de quotas não correspondem à vontade real das partes;
– A única intenção dos réus foi enganar terceiros, prejudicando dessa forma o Autor.
– Acresce, que no Proc. n.º 2822/11.8TBVIS já se iniciou o processo de venda judicial de bens, processo no qual o autor, além do prédio descrito no art. 10.º da petição inicial, tem penhorados todos os seus bens, nomeadamente um prédio urbano, sito na freguesia ..., inscrito na matricial sob o art. ...25 e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...16, entre contas bancárias e outros.
“O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
O processo é o próprio, a petição inicial não é inepta e não ocorre falta de citação.
As partes possuem personalidade e capacidade, jurídica e judiciária.
No que tange á ilegitimidade do Autor dizem que o Autor alega que a cessão de quotas representativas do capital social da sociedade comercial com a firma B... Lda, promovida pela sua titular (1ª Ré), para o 3º R, é ou foi um acto simulado, “uma vez que, nenhum preço foi pago, nem houve qualquer intensão de vender as referidas participações sociais, nem de as adquirir”.
Nessa medida tratou-se de “um artifício para salvaguardar o seu património e, dessa forma, prejudicar os credores, entre eles, o A. enquanto co-executado e devedor solidário no âmbito de processo executivo, mas o A nem sequer é credor da 1ª Ré, muito menos do 3º R e por isso carece de legitimidade, desde logo por via da partilha.
O Autor respondeu pugnando pelo oposto, na medida em que na qualidade de co-executado com a 1ª Ré, tem interesse directo na acção decorrente dessa qualidade, como terceiro afectado pelos negócios simulados.
Cumpre apreciar.
Como é sabido e deriva da própria lei-artº 30º do CPC-parte legítima, do lado activo é aquela que tem interesse em demandar, sendo que este interesse em demandar tutela jurídica afere-se em função da utilidade derivada da procedência da acção- nº 2 –sem que se olvide que na falta de “indicação da lei em contrário são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”- nº 3.
Por sua vez do lado passivo a legitimidade afere-se em função do interesse em contradizer, sendo que este interesse em contraditar afere-se em razão do “prejuízo que dessa procedência advenha”- nº 2.
Este âmbito, de ambos os lados da relação jurídica, está delimitado pelo nº 3 da norma para quem “na falta de “indicação da lei em contrário são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
(…)
Que dizer a respeito do caso vertente, uma vez que os elementos de ponderação para a decisão são idênticos, quer para o lado activo quer para o passivo?
No que tange à arguida ilegitimidade passiva dos 4º e 5º RR e como bem se vê dos artigos 35 e 36 da petição inicial, alude-se a uma cessão de quotas que, invoca-se na acção, foram transmitidas em acto simulado, facto que, como se compreende, acarreta que- sempre em sede de alegação concreta mas ponderada abstractamente –ela inquine de também ou igualmente simulado as sucessivas ou subsequentes transmissões.
Na decorrência lógica do exposto, a alegada ilegitimidade passiva situa-se antes no domínio da substância- leia-se da procedência ou improcedência do pedido –e não já abarcada pelo citado pressuposto rocessual e assim aqueles RR sã parte legitima.
Será idêntica a situação relacionada com o Autor?
Adiantamos, desde já, que a solução é idêntica.
É facto ou verdade que a presente acção foi instaurada pelo Autor, enquanto co-executado com a 1ª Ré no âmbito do processo executivo 2822/11.8TBVIS, que actualmente corre termos no Juizo de Execução da comarca de Viseu.
Por outro lado é elemento factual que o objecto do referido processo de execução, são 5 livranças, subscritas pela sociedade “A... Lda”, avalizadas pela 1ª Ré e Autor, da forma descrita na petição inicial, estando alegado que a impugnada cessão de quotas visou “prejudicar os credores e por conseguinte o A. enquanto co executado e, assim, «salvar» o seu património, o que efectivamente sucedeu”, já que o “Autor viu a totalidade do seu património penhorado”.
Porém, como cita o Autor, louvando-nos no doutrinador em causa, “o conceito de terceiro para efeitos de simulação, é, normalmente definido de forma a abranger quaisquer pessoas, titulares de uma relação, jurídica ou praticamente, afectada pelo negócio simulado e que não sejam os próprios simuladores ou seus herdeiros”- cfr Prof Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª ed., pág. 481”.
Este enquadramento na citada norma aceita que “existe uma relação jurídica entre o A. e 1ª Ré, decorrente do processo de execução referido na P.I., enquanto co-avalistas das livranças objectos do referido processo de execução, porquanto, a relação jurídica da 1º Ré e Autor enquanto co-avalistas é inquestionável, na medida em que, como se escreve, “nas relações internas entre os co-avalistas, se nada for convencionado, são reguladas pelo direito comum aplicáveis às obrigações solidárias (sobre a natureza não cambiária das acções entre co-avalistas cf., por ex., Gonçalves Dias, Da Letra e da Livrança, vol. VII, pág. 588 e 589, Carolina Cunha, Letras e Livranças, pág. 304 e segs; Ac do STJ de 22/4/53, BMJ 43, pág.536, de 16/3/56, BMJ 55, pág.299, de 21/2/67, BMJ 164, pág.335, de 24/10/02, C.J. ano X, tomo III, pág. 121, de 15/11/07, proc. nº07B1296, em www dgsi.pt.)”.
E nem se pode olvidar o Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência de 05/06/2012, proferido no processo 2493/05.0TBBCL.G1.S1 (em www. dgsi.pt) que se sumaria do seguinte modo: “há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, o qual segue o regime previsto para as obrigações solidárias”.
Finalmente cite-se, como faz o Autor, o Acórdão do Tribunal Constitucional de 24-3-2004, proferido no âmbito do processo nº 643/2003 (www.tribunalconstitucional.pt) onde se lê que “sendo vários os co-avalistas, todos eles garantindo o pagamento da dívida, não se explicaria que, a final, só um ou alguns viessem a ter de suportar a totalidade da dívida e que aos outros co-avalistas nenhum pagamento pudesse ser exigido. Razões de justiça relativa sempre militariam na distribuição do encargo entre todos os coavalistas”.
Em face do exposto concluímos como o faz o Autor ou seja, “a posição de co-executado e co-avalista confere-lhe interesse em que o outro co-executado responda na execução, não sendo indiferente que um dos avalistas agora executado pratique actos que diminuam o seu património”.
Como tal, resultando dos autos que em tese e na concreta alegação resulta que o Autor é prejudicado com os negócios simulados, já que diminuem as garantias patrimoniais da 1ª Ré, diremos a finalizar que ele Autor tem interesse directo na acção e consequentemente dispõe de legitimidade activa.
Termos em que improcedem as invocadas excepções e assim Autor e Réus são parte legítima”.
“(…) [A] exoneração importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem exceção dos que não tenham sido Reclamados e verificados, sendo aplicável o disposto no nº 4 do artº 217º do CIRE (nº 1 artº 245º do CIRE).
- Assim, justificando o Autor, a sua legitimidade para intentar a presente ação como sendo eventual credor da Ré, o que não se aceita, pois não há qualquer ação judicial ou outra em que o mesmo tenha demonstrado ter qualquer crédito sobre esta;
- E ainda que se considere, apenas para mera análise, a possibilidade de se verificar a alegada simulação do negócio (que por falsa, não se provará), não se produziria qualquer efeito na esfera jurídica do A., nada poderia exigir à Ré,
- O que salvo mais douta opinião, ainda que se tivesse podido considerar a legitimidade do Autor quando interpôs a presente Ação, por se arrogar credor da Ré, esta alegada legitimidade, cai assim definitivamente por terra; perante o douto despacho de exoneração do passivo restante;
Aqui chegados, requer-se o termo dos presentes Autos, por inutilidade superveniente da lide, pois o Autor, nada pode exigir da Ré de quem se havia arrogado credor, logo não tem legitimidade processual nos presentes Autos”.
“O A., no âmbito da presente ação, sustenta a sua legitimidade “ad causam” e o interesse direto em demandar os R.R, no facto de a impugnada cessão de quotas ter subjacente o intuito de prejudicar os credores e, por conseguinte, o próprio A., enquanto co-executado e, assim, a 1ª Ré “salvar” o seu património, tal como este alega.
Invocando que tem interesse direto em demandar, decorrente dessa qualidade, enquanto terceiro afetado pelos negócios simulados que invoca.
Igual entendimento foi sufragado por este douto Tribunal no seu despacho saneador que, considerando a responsabilidade entre co-avalistas, ou seja, entre o A. e a 1ª Ré e o inerente direito de regresso entre eles, julgou que o A. poderia, em tese, ser prejudicado pelos negócios praticados pelo outro co-avalista, neste caso, pela 1ª Ré e, assim, julgou improcedentes as exceções invocadas pelos R.R..
Acontece porém que, no decurso dos presentes autos e já após a prolação do mencionado despacho, veio a 1ª Ré a ser declarada insolvente nos autos de processo de insolvência pessoal, que correram termos pelo Juízo do Comércio, J....., deste Tribunal, autuado com processo nº 536/19...., tendo-lhe sido concedido a exoneração do passivo restante, cfr. consta do edital de 17.11.22 junto aos presentes autos pela Sra. Administradora de Insolvência.
O que determinou a extinção de qualquer responsabilidade da 1ª Ré decorrente do aval que concedeu às livranças que serviram de títulos executivos aos autos de execução id. pelo A. na sua p.i., cujos créditos cambiários não tenham sido pagos – quer tenham ou não sido reclamados na insolvência - no decurso do incidente de exoneração do passivo restante.
O que também e, consequentemente, extingue qualquer responsabilidade decorrente de um eventual direito de regresso da 1ª Ré para com o co-obrigado e/ou co-avalista dessas letras, o aqui A., que assim deixou de ser titular de qualquer possível direito de crédito contra a 1ª Ré – Filomena – tanto mais que a execução que corria contra a mesma onde o A. sustentava o seu interesses em agir, se extingui em face da declaração da sua insolvência - decorrente do aval concedido em face da referida exoneração do passivo restante.
Mostrando-se assim, completamente inócuo para o A. fazer regressar à esfera jurídica patrimonial da 1ª Ré as participações sociais cuja transmissão veio impugnar através da presente ação.
O que, decorrente dessa circunstância superveniente, retira qualquer interesse direto que o A., enquanto co-avalista, pudesse anteriormente ter em demandar a 1ª Ré e, consequentemente, os restantes R.R..
O que torna desnecessária a presente instância. Falta de interesse processual esse ou de agir por parte do A. que é um dos pressupostos processuais em relação às partes, cuja verificação constitui exceção dilatória inominada, que leva à absolvição dos R.R. da instância. o que, aqui se requer, em conformidade com o disposto no art. 278º, nº 1, al. e), 576º, 577º e 578º, todos do C.P.C.”.
“1º Se bem se discerne, veio a 1ª Ré BB, alegar que foi declarada insolvente no âmbito do Processo 536/19...., que correu seus termos neste Tribunal, no Juiz ... do Juízo de Comércio de Viseu, juntando para o efeito um documento, correspondente a “anúncio – despacho de exoneração de passivo restante”, datado de 17-11-2022, do qual resulta que “A exoneração importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem exceção dos que não tenham sido reclamados e verificados, sendo aplicável o disposto no nº 4 do artº 217º do CIRE (nº 1 artº 245º do CIRE).(…)”
2º Concluindo, daqui, em suma, que atento o despacho de exoneração de passivo restante, e considerando que, ainda que o Autor tivesse interesse em agir aquando da propositura da acção, deixou de o ter, pugnando que, mesmo com a procedência da acção, a mesma não produziria efeito na esfera jurídica da Ré, atento os efeitos do referido despacho.
3º Por sua vez, o 4º e 5º Réus, vêm, com igual fundamentação, formular pedido idêntico, alegando em suma que, a exoneração do passivo restante da 1º Ré, determinou a extinção da responsabilidade de avalista, e daqui concluí “O que também e, consequentemente, extingue qualquer responsabilidade decorrente de um eventual direito de regresso da 1ª Ré para com o co-obrigado e/ou co-avalista”, (…) “Mostrando-se assim, completamente inócuo para o A. fazer regressar à esfera jurídica patrimonial da 1ª Ré as participações sociais cuja transmissão veio impugnar através da presente ação”(…), e por conseguinte conclui que o Autor deixou de ter interesse em agir.
4º Ora, como melhor se explicará, não assiste a mínima razão aos Réus, devendo o requerido improceder in totum.
Vejamos que,
I- Antes de melhores considerações cumpre referir que:
5º Conforme resulta de certidão junta aos presentes autos, a 25/05/2017, com Ref. 2328845, a execução com proc. 2822/11.8TBVIS, foi instaurada, após a Insolvência da devedora principal, contra os supra referidos avalistas, (inicialmente, referente a uma livrança, com a quantia exequenda de 1.394,87 €, acrescida de juros).
6º Também resulta da referida certidão, que no referido processo foram penhorados os seguintes bens: um depósito bancário titulado pelo Autor, no valor de 1768,45 €, “Quota-parte do saldo da conta de depósitos à ordem n.º ...30 titulada pelo executado AA na Banco 2...”; e um deposito bancário titulado pela 1ª Ré, no valor de 163,19 €; e posteriormente, o prédio em compropriedade do Autor e 1º Ré, descrito 10º da P.I., designado de “Prédio urbano denominado “...”; e 1/9 do prédio rústico denominado "...", inscrito na matriz sob o artigo ...74º e descrito na ... Conservatória do registo Predial ... sob o nº ...13, propriedade do Autor; um saldo bancário da Autora, “Saldo da conta de depósitos à ordem n.º ...61 titulada pela executada BB no Banco 3..., S.A”, no valor de 500,00 €; e ainda um Crédito fiscal que a executada BB detém sobre o Estado, no valor de 27,80 €).
7º Da referida certidão, resulta ainda que, posteriormente, a referida execução, após cumulação, ocorrida em 29/11/20211, foi ampliada em 65.759,56 €, acrescida de juros, decorrentes de mais 4 livranças juntas como títulos executivos, subscritas pela sociedade A..., Lda. (insolvente), e avalizadas a favor daquela pela 1ª Ré e pelo Autor, (livranças, entre as quais, uma delas assinada, em 26/04/2010, 10 dias antes de ser decretado o divórcio, que ocorreu a 05/05/2010).
8º Sendo ainda verdade que, com a declaração de insolvência Singular da 1ª Ré o processo de execução 2822/11.8TBVIS, prosseguiu apenas contra o Autor.
9º Resultando ainda de “Oficio com certidão”, remetido do processo de Insolvência da 1º Ré, aos presentes autos em 07/09/2021, com ref 4850128, que o bem penhorado, prédio em compropriedade do Autor e 1º Ré, descrito em 10º da P.I., (designado como “Prédio urbano denominado “...”), foi aí vendido por negociação particular em 25-05-2021, o que ocorreu pelo valor de 60.000,00 €.
10º Acontece que, apenas a meação do Autor no referido prédio, veio a servir para liquidar a quantia reclamada na execução 2822/11.8TBVIS, cuja quantia exequenda, após cumulação passou a ser de (1.394,87 € + 65.759,56 €), de 67.145,43 €, acrescida de juros e demais encargos.
11º Com efeito, após consulta dos autos de execução com proc. 2822/11.8TBVIS, que correu termos nos Juízo de Execução – Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, referido em 13º da P.I., no qual 1º Ré e Autor eram co executados, decorrentes de livranças subscritas pela sociedade A..., Lda, e avalizadas por estes, constatou-se ainda com relevância o seguinte:
12º Ora, resulta do âmbito do referido processo de execução que foram apresentadas diversas reclamações de créditos: 1- reclamação do Instituto de segurança social, IP relativa a contribuições não pagas pelo Autor no valor 3.535,49 €; 2- reclamação apresentada por MM, referida em 20º da P.I., decorrente de confissão de dívida e hipoteca voluntária, no valor de 50.000,00 €; 3- reclamação apresentada pelo Banco 4..., SA, no valor de 32.116,89 €, emergente de livranças avalizadas pelo Autor e 1ª Ré, crédito este que está na origem da instauração da execução 2120/11.... que corre termos nos Juízos de Execução – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu.
13º Tendo, estes créditos, após as supra referidas reclamações, ficado graduados da seguinte forma: (…)
“- pelo produto da venda da meação da executada BB no prédio descrito na ... Conservatória do registo Predial ... sob o nº ...90:”, (prédio em compropriedade do Autor e 1º Ré, descrito 10º da P.I., “Prédio urbano denominado “...), “1º crédito exequente, relativo ao requerimento executivo inicialmente apresentado no qual é indicada a quantia exequenda de 1408,70 €; 2º crédito hipotecário reclamado por MM; 3º crédito exequendo relativo à quantia a que se reporta o requerimento de cumulação de execuções 65.759,56 €, 4º crédito reclamado pelo Banco 4...”; e pelo produto da venda da meação do executado, ora Autor, no referido prédio, “... de moitas”,: “1º crédito reclamado pelo Instituo de Segurança Social; 2º Crédito exequendo, quer relativo ao requerimento executivo inicialmente apresentado no qual é indicada a quantia exequenda de 1408,70 €, quer relativo à quantia a que se reporta o requerimento de cumulação de execuções – 65.759,56 €; 3º Crédito reclamado pelo Banco 4... (cf. Sentença datada de 30-06-2014, proferida no âmbito do referido proc. 2822/11.8TBVIS, que se junta com Doc. 1).
14º Sendo que, e tal como resulta do apuramento de responsabilidade de executado no âmbito, do processo de execução 2822/11.8TBVIS, à quantia exequenda de 67.16826 €, referente às dividas da A..., Lda, acresceram juros e outras despesas do processo, que totalizava em 16-09-2021, a quantia de 89.451,42 €, resultando ainda, que o produto meação do Autor na venda do bem em compropriedade supra referido, descrito em 10º da P.I., (“Prédio urbano denominado “...”), ou seja, 30.000,00 €, valor ao qual somaram os demais bens já penhorados ao Autor, e já supra referidos, serviram para: 3.535,49 €, para liquidar a quantia em dívida ao Instituto de SS, acrescido de 275,40 €, a título de custas, e apenas 21.202,13 €, por conta da quantia exequenda proveniente da dívida da A..., Lda, ao Banco 1..., (cf. Apuramento de responsabilidade de executado, que se junta como Doc. 2).
15º Resultando ainda do referido documento, que o Executado, ora Autor é ainda devedor, por conta da dívida da A..., Lda, da quantia de 57.038,65 €.
16º Ou seja, por conta da quantia da dívida da A..., Lda, ao Banco 1..., avalizada pelo Autor e 1º Ré, o Autor pagou, até à data, a quantia de 21.202,13 €, sendo certo que ainda se encontra por liquidar a quantia de 57.038,65 €, sobre a qual vencem juros e somam encargos – sendo ainda de relevar que o Banco 4..., nada recebeu no âmbito no processo de execução 2822/11.8TBVIS com a venda do bem descrito em 10º da P.I., (“Prédio urbano denominado “...”).
Porquanto,
17º Ao supra referido valor, acresce ainda a referida quantia correspondente à reclamação apresentada pelo Banco 4..., SA, no valor de 32.116,89 €, emergente de livranças avalizadas pelo Autor e 1ª Ré, crédito este que está na origem da instauração da execução 2120/11.... que corre termos nos Juízos de Execução – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, (cf. Doc. 3 a) que se junta e se dá por integralmente reproduzido).
18º Processo onde o Banco 4... cumulação a execução por requerimento datado de 06/12/2011, decorrente de livrança emitida em ../../2010 e avalizada pelo Autor e 1º Ré, no montante 3.200,00 €, (ou seja, em data posterior ao divórcio ser decretado que ocorreu a 05/05/2010), Doc. 3 b).
19º Sendo certo que é no âmbito do processo de execução 2120/11...., que o Autor tem atualmente penhorados os demais bens, razão pela qual, o exequente Banco 1..., também veio reclamar os seus créditos no âmbito deste processo.
20º Entre os bens aí penhorados, encontram-se: (um veículo de marca mercedes com matrícula ..-DA-.. cf. Doc. 4; um prédio urbano, sito no Lugar ..., descrito na ... CRP ... sob o n.º ...16 e inscrito na matriz urbana sob o artigo ...25, propriedade do Autor, cf. Doc. 5 – imóvel o qual ainda se encontra em fase de venda).
Posto isto, cumpre esclarecer que,
II-
21º Vejamos que, a 1º Ré alega, que o direito de regresso decorrente da relação de co-avalistas, já não pode ser exercido, atento o conteúdo e efeito do despacho de exoneração de passivo restante, e o 4º e 5º Réus, alegam em suma que, a exoneração do passivo restante da 1º Ré, determinou a extinção da responsabilidade de avalista, e por consequência do direito de regresso.
22º Salvo o devido respeito por opinião em contrário esta tese parte de pressupostos manifestamente erróneos, que se reconduzem a uma mais que notória e evidente confusão entre conceitos direito e jurídicos.
23º Ora, como melhor se perceberá, é incontestável que o referido direito de regresso ainda pode ser exercido, e não foi extinto com o despacho de exoneração de passivo restante.
24º Primeiramente porque, e como acima ficou claro, a quantia exequenda que deu origem ao processo de execução 2822/11.8TBVIS, que correu termos no juízo de execução - J...., do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, no qual a 1º Ré e Autor eram co executados e devedores solidários, ainda não se encontra totalmente liquidada – como acima ficou claro, (faltam 57.038,65 €).
25º Assim como ainda não se encontra liquidada a quantia exequenda e reclamações, que deram origem processo de execução 2120/11...., instaurado pelo Banco 4..., que corre termos no juízo de execução - J...., do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, no qual a 1º Ré e Autor também são co executados e devedores solidários – faltam 32.116,89 €, acrescido de 3.200,00 €, acrescido de um crédito solidário com hipoteca também aí reclamado pelo Banco 1....
26º Posto isto, cumpre relembrar que as obrigações são solidárias, respondendo cada devedor pela prestação integral e esta a todos libera, pelo que o credor tem o direito de exigir de qualquer dos devedores toda a prestação ou parte dela, proporcional ou não à quota que lhe cabe – o mesmo é dizer, que Autor e 1ª Ré, não obstante terem quota parte igual na dívida, respondem pela totalidade da mesma.
27º Sendo ainda certo que, caso um co-devedor, satisfaça o crédito perante a entidade credora, para além da parte que lhe competia, terá direito de regresso perante a co-devedora, na parte concernente à responsabilidade desta, nos termos do artº. 524º, do Cód. Civil, o qual prescreve que: “o devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe compete tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete”.
28º Por outro lado, é evidente, que o direito de regresso supra referido, apenas se materializa com a liquidação da totalidade da dívida exequenda, porquanto apenas aí se pode aferir, quanto é que o devedor solidário pagou a mais do que correspondia à sua real quota.
29º Ora, como ficou claro, as dívidas da A..., Lda, avalizadas pelo Autor e 1º Ré, ainda não se encontram totalmente liquidadas – apenas se encontra parcialmente liquidada com o produto da venda da meação do Autor, no prédio em compropriedade do Autor e 1º Ré, descrito 10º da P.I., “Prédio urbano denominado “...”.
30º Ora, e se bem que no âmbito do processo de execução 2120/11...., que corre termos nos juízos de Execução – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, tenham sido penhorados bens ao Autor, que virtualmente permitem a satisfação e liquidação total daquela dívida, a verdade é que, os referidos bens ainda não foram vendidos.
31º Ou seja, ainda não foram afectos à liquidação da quantia exequenda. E,
32º Como refere Castro Mendes in Acção Executiva, ed. da aafdl, de 1980, págs. 73 e 74, “a penhora é um acto de desapossamento de bens do devedor, que ficam na posse do tribunal a fim de este os usar para realização dos fins da acção executiva (entrega, adjudicação, pagamento). Com a penhora opera-se, portanto, uma transferência forçada da posse. Não é exacto dizer-se que se opera qualquer transferência do direito de fundo – isto só com a entrega, ou a venda ou adjudicação (art. 824º do CC)”.
33º Ora, do exposto resulta de forma clara que o Autor, tem direito de regresso sobre a 1º Ré sobre as quantias que vier a liquidar a mais, além da sua quota parte, existindo uma probabilidade segura de concretização desse direito, mostrando-se o seu património já afecto ao pagamento daquela dívida, pelo que se torna incontornável concluir que a obrigação da 1º Ré para com o Autor é eminente, praticamente existente, embora ainda não seja exigível, ou não seja exigível na sua totalidade.
34º É por isso que, em anotação ao art. 524º do CC, Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, Vol. I, pág. 469 escrevem que “para que nasça o direito de regresso, é necessário, como a lei diz, que o devedor satisfaça o direito do credor, não bastando que tenha sido interpelado para cumprir ou que haja mesmo constituído qualquer garantia especial a favor do credor”.
35º Sendo ainda certo que o direito de regresso corresponde a um direito novo (diferente daquele que existia na titularidade do anterior credor) que se constitui no momento em que é efectuado o pagamento, ao mesmo tempo que se extingue o direito do anterior credor na exacta medida do pagamento efectuado, (cf. Acórdão da Relação Coimbra, de 07-09-2020, in www.dgsi.pt).
36º Posto isto, também se torna notório que o despacho de exoneração de passivo restante, “importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida”, mas não tem, evidentemente, a prerrogativa de extinguir os créditos que se venham a materializar em data futura.
III-
37º Ademais, considera-se ainda que esta questão, assim como a questão da legitimidade das partes e interesse em agir, ficou definitivamente esclarecida na resposta à contestação de 16/03/2017, e definitivamente decidida no âmbito do Despacho Saneador proferido nos presentes autos a 12/09/2017, o qual resolveu a supra referida questão, julgando as invocadas excepções improcedentes– (decisão, a qual, diga-se, não foi contestada, nem foi objecto de qualquer recurso imediato e autónomo por parte dos Réus, tendo por consequência, a mesma decisão, evidentemente transitado em julgado, nos termos do art.º 628.ºdo Código de Processo Civil, não podendo, agora, os Réus, colocar em crise o aí decidido).
38º Fazendo aqui apenas uma pequena referência ao mencionado na referida decisão: “E nem se pode olvidar o Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência de 05/06/2012, proferido no processo 2493/05.0TBBCL.G1.S1 (em www. dgsi.pt) que se sumaria do seguinte modo: “há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, o qual segue o regime previsto para as obrigações solidárias”. Finalmente cite-se, como faz o Autor, o Acórdão do Tribunal Constitucional de 24-3-2004, proferido no âmbito do processo nº 643/2003 (www.tribunalconstitucional.pt) onde se lê que “sendo vários os co-avalistas, todos eles garantindo o pagamento da dívida, não se explicaria que, a final, só um ou alguns viessem a ter de suportar a totalidade da dívida e que aos outros co-avalistas nenhum pagamento pudesse ser exigido”.
IV-
39º Acontece ainda que, e mesmo que assim não fosse, o que por mera hipótese académica se admite, é ainda manifestamente evidente que o período de cessão, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 239.º do CIRE, ainda não terminou, o que ocorre em setembro de 2024. (cf. Ofício com certidão, datado de 07/09/2021, com ref 4850128).
Termos em que, e nos melhores de direito, se requer a V.Exª se digne determinar improcedência do requerido pela 1ª Ré, 3º e 4º Réus”.
“(…) Como é sabido, o interesse em agir consiste na necessidade de usar do processo judicial, constituindo um pressuposto processual relativo às partes, sendo a sua inexistência uma exceção dilatória inominada.
Esclarece-se no acórdão do STJ, de 15.03.2012: «O interesse processual tem duas facetas: o interesse em demandar e o interesse em contradizer. Aquele é aferido pelas vantagens na obtenção de tutela judicial para o impetrante, sendo que o de contradizer é a não concessão daquela tutela o que é avaliado pelas desvantagens impostas ao réu quando o interesse da contraparte é defendido.
E tal como acima se acenou – e é defendido pelo Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in “O Interesse Processual na Acção Declarativa”, 1989, p. 6 – “a vantagem do autor e a desvantagem do réu são necessariamente apreciadas em relação à situação das partes no momento da propositura da acção; só conhecendo esta situação se pode saber se o autor vai obter algum benefício com a atribuição da tutela requerida ou se o réu vai sofrer algum prejuízo com a concessão dessa tutela. O interesse processual não pode ser afirmado ou negado em abstracto: apenas comparando a situação em que a parte (activa ou passiva) se encontra antes da propositura da acção com aquela que existirá se a tutela for concedida, se pode saber se isso representa um benefício para o autor e uma desvantagem para o réu. Se a situação relativa entre as partes não se alterar com a concessão dessa tutela judiciária, então falta o interesse processual.”
Em suma, o interesse processual determina-se perante a necessidade de tutela judicial através do meio pelo qual o autor, unilateralmente, optou (…)». No que concerne ao Autor, é entendimento unânime que a necessidade de recorrer à via judicial não tem de ser uma necessidade absoluta, ou seja, não tem de ser a única forma de realização da sua pretensão.
Porém, como refere Antunes Varela (in Manual de Processo Civil, 2.ª ed., p. 180 e 181), também não bastará a necessidade de satisfazer um mero capricho ou o puro interesse subjectivo (moral, cientifico ou académico) de obter um pronunciamento judicial, «(…)o interesse processual constitui um requisito a meio termo entre os dois tipos de situações. Exige-se, por força dele, uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção – mas não mais do que isso (…)». Por conseguinte, dever-se-á concluir que não existe interesse em agir quando a ação é totalmente inútil, isto é, quando a propositura e procedência da ação não é idónea para satisfazer uma qualquer necessidade relevante do autor. Ora, no presente caso, pese embora se reconheça força persuasiva ao entendimento sufragado pelo Autor, salvo o devido respeito, labora o mesmo em erro, ao considerar que do desfecho favorável da presente ação advém alguma vantagem para si, concretamente, que com a procedência da acção poderá o Autor invocar e exercer o pretenso direito de regresso perante a 1.ª Ré, atuando sobre o seu património, isto é, sobre as quotas das ditas sociedade, que regressaram ao seu património.
Com efeito, é sabido que na sentença que declarar a insolvência, o juiz decreta a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, de todos os seus bens (artigo 36.º, n.º 1, al. g), do CIRE), devendo esse administrador diligenciar no sentido de os bens lhe serem imediatamente entregues (artigo 150.º, n.º 1, do CIRE).
É sabido, igualmente, que a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente (artigo 81.º 1, CIRE), sendo que, a partir da declaração de insolvência e durante todo o processo, os referidos poderes pertencerão a um administrador da insolvência, em ordem a «destinar» o património do devedor à satisfação dos credores, dando assim atuação ao princípio geral constante do art.º 601.º Cód.Civil, segundo o qual pelo cumprimento das obrigações respondem todos os bens do devedor suscetíveis de penhora.
Como resulta do artigo 46.º, n.º 1, do CIRE: a massa insolvente abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.
De igual modo, como vem sendo reconhecido pelos tribunais superiores, mesmo após o encerramento do processo da insolvência, caso se detete a existência de bens na titularidade do insolvente, concretamente, em resultado de decisão judicial que declarou invalida ato ou atos de alienação dos mesmos, deverá o processo de insolvência ser reaberto e os referidos bens objeto de liquidação pelos credores reconhecidos (neste sentido, Ac. TRL, de 19.01.2017, Proc. 11656/13.4T2SNT, in dgsi.pt)
Assim sendo, como se encontra aceite pelas partes, não figurando o Autor como credor reconhecido nos referidos autos de insolvência, a eventual procedência da presente ação nenhum efeito útil terá para o mesmo, porquanto, as aludidas quotas societárias serão objeto de liquidação naqueles autos e de distribuição do valor obtido pelo credores, de acordo com a sua graduação e ordem de pagamento. Em face do exposto, é de concluir pela manifesta ma inutilidade da presente acção, na media em que o sucesso da mesma não acarretará para o Autor efeito diverso daquele que existe no presente momento. Como se refere no Acórdão do STJ de 15.03.2012 (Proc. n.º 01/10. 2TVLSB.S1, em www.dgsi.pt), sobre a problemática do interesse em agir: «(…) “Há situações em que embora a parte insista na continuação da lide, manifestando, assim, o seu interesse, em obter uma decisão, o desenrolar da mesma aponta para um desfecho que sempre será inócuo, ou indiferente, em termos de não modificar, a situação que existia antes de ser posta em juízo (…)».
Por conseguinte, em face do que já se expendeu, entende-se que o caso dos autos é claramente uma das situações em que o prosseguimento da ação não conduz a qualquer efeito útil para o Autor.
Por todo o exposto, conclui-se pela falta de interesse em agir do Autor, o que constitui uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso (cfr. art.ºs 577.º e 578.º do Cód.Procc.Civil), conducente à absolvição da instância, como previsto no art.º 278.º, n.º 1, al. e), do Cód.Procc.Civil.
Por conseguinte, o Tribunal julga verificada a exceção dilatória da falta de interesse em agir do Autor e, em consequência, absolve os Réus da presente instância.
Custas pelo Autor, que se fixa em 2 UC.
Registe e notifique, arquivando oportunamente.”.
“1- Ressalvado o devido e máximo respeito pela posição ali sustentada, considera o Recorrente ter o Digníssimo Tribunal a quo andado mal no que tange à decisão sobre a matéria de direito, razão por que ora a vem impugnar,
2- Com efeito, entende o Recorrente não assistir razão ao Tribunal “a quo”, ao julgar verificada a exceção dilatória da falta de interesse em agir do Autor e, em consequência, absolver os Réus da presente instância.
3- Tal como resulta da motivação da Sentença, o Digníssimo Tribunal “a quo” concluiu que (…) “a eventual procedência da presente ação nenhum efeito útil terá para o mesmo, porquanto, as aludidas quotas societárias serão objeto de liquidação naqueles autos e de distribuição do valor obtido pelos credores, de acordo com a sua graduação e ordem de pagamento.” E que, “Em face do exposto, é de concluir pela manifesta inutilidade da presente acção, na media em que o sucesso da mesma não acarretará para o Autor efeito diverso daquele que existe no presente momento.”
4- Ou seja, concluiu que com a procedência da acção, o Recorrente não obterá qualquer vantagem económica, fundamentando a sua conclusão, essencialmente em duas premissas, que não obstante serem individualmente verdadeiras, não permitem chegar à conclusão que o Tribunal “a quo” chega, sendo elas: a de que o recorrente não reclamou o seu crédito na Insolvência da 1ª Ré, nem assim figura como credor reconhecido nos referidos autos, pelo que, já não poderá aí reclamar o seu direito de regresso; e que, com a procedência da acção, e anulação dos negócios jurídicos, o património, quotas da sociedade, regressam à propriedade da 1ª Ré, o qual será imediatamente “apreendido, entrega ao administrador da insolvência, de todos os seus bens (artigo 36.º, n.º 1, al. g), do CIRE”, e que “serão objeto de liquidação naqueles autos e de distribuição do valor obtido pelos credores, de acordo com a sua graduação e ordem de pagamento”.
5- O Tribunal “a quo parece assim considerar” que, tivesse o recorrente reclamado o seu direito de crédito, (decorrente de direito de regresso sobre a 1ª Ré), no processo de insolvência pessoal da 1ª Ré, passaria assim, a ter interesse em agir na presente acção, porquanto com a procedência da mesma, e a declaração da nulidade da cessão das quotas, retomando as mesmas ao património da 1ª Ré, o recorrente iria beneficiar da liquidação das mesmas no processo de insolvência, de acordo com a sua graduação e ordem de pagamento.
6- Ora, não nos parece correcto a conclusão de que a utilidade da procedência da presente acção dependesse de o Autor ter reclamado créditos na Insolvência pessoal da 1ª Ré, e que não o tendo feito, deixou de ter utilidade na presente acção, tanto mais que essa conclusão, ignora a natureza do crédito que o Recorrente detém ou irá deter sobre a 1ª Ré, (sendo ambos solidariamente responsáveis por divida de terceiro na qualidade de co-avalistas), assim como ignora que o crédito que é responsabilidade de ambos se encontra reclamado no processo de insolvência da 1ª Ré, podendo este beneficiar da liquidação com a reabertura do processo de Insolvência.
7- Sem prejuízo de se considerar que o direito de crédito que o Recorrente detém ou irá deter, (crédito este, decorrente das obrigações assumidas por Recorrente e 1ª Ré, com a prestação de aval, sendo co-devedores, solidariamente responsáveis por dividas de terceiro, respondendo cada devedor pela prestação integral, com direito de regresso perante a co-devedora, na parte concernente à responsabilidade desta, nos termos do artº. 524º, do Cód. Civil), ainda poder ser exercido e reclamado sobre a 1ª Ré, desde logo porque, e tal como expendido na douta Sentença, a procedência da acção, terá o efeito do retorno das quotas à propriedade da 1ª Ré, sendo neste caso, o processo de insolvência e liquidação reaberto – e ainda que assim não fosse, mesmo que o Recorrente não possa reclamar, com a reabertura da Insolvência, não possa reclamar o seu crédito, o que apenas se considera por mera hipótese académica, também não assiste razão à douta Sentença Recorrida.
8- O Digníssimo Tribunal “a quo”, falha, porquanto ignora a natureza do crédito invocado pelo Recorrente sobre a 1ª Ré, (direito de regresso de co-avalista), desconsiderando e ignorando ainda o facto de o crédito que a 1º Ré e Recorrente assumiram solidariamente na qualidade de avalistas, ter sido reclamado e encontra-se graduado no processo de Insolvência pessoal da 1º Ré.
9- Nessa conformidade, resulta cristalino que, a procedência da acção não é irrelevante para o resultado da presente relação, (de co-devedores/co-avalista), isto, mesmo que o Recorrente não tivesse a possibilidade de com a reabertura do processo de Insolvência, de aí reclamar o seu crédito.
10- Concomitantemente, é de concluir que, com a procedência da acção, regressando o património objecto da acção, à propriedade da 1ª Ré, e com novo processo de liquidação, o credor comum ao Recorrente e 1ª Ré, irá receber o produto da liquidação, diminuindo assim, o valor do seu crédito e consequentemente a responsabilidade do Recorrente na liquidação – ou seja, essa operação, terá como consequência directa a diminuição da responsabilidade do Recorrente perante o credor comum na mesma proporção.
11- Com a procedência da acção, o recorrente ficará evidentemente desobrigado de liquidar essa mesma quantia ou, melhor, ficará desobrigado de liquidar a divida por ambos avalizada, sozinho, como aliás, vem sucedendo até à presente data.
12- Finalmente cite-se, o Acórdão do Tribunal Constitucional de 24-3-2004, proferido no âmbito do processo nº 643/2003 (www.tribunalconstitucional.pt) onde se lê que “sendo vários os co-avalistas, todos eles garantindo o pagamento da dívida, não se explicaria que, a final, só um ou alguns viessem a ter de suportar a totalidade da dívida e que aos outros co-avalistas nenhum pagamento pudesse ser exigido”.
13- Em face do arrazoado, dúvidas não sobejam de que os fundamentos mobilizados para sustentar a Sentença recorrida falecem inelutavelmente, pelo que a sentença recorrida não pode ser mantida.
14- Existe assim, contradição ou oposição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão judicial, porquanto aqueles conduzem, de acordo com um raciocínio lógico, a resultado oposto ao que foi decidido, existindo, pois, uma contradição entre as suas premissas, de facto e/ou de direito, e conclusão/decisão final - nulidade da sentença prevista no 1º. segmento do al. c) do nº. 1 do citado artº. 615º - fundamentos em oposição com a decisão.
15- Termos em que, deve, de acordo com o disposto no art. 615º n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil, ser declarada a nulidade supra invocada, com as devidas e legais consequências.
Termos em que, nestes temos e demais de direito, que Vª. Excelências doutamente suprirão, deverá ser o presente recurso julgado totalmente procedente e, em consequência disso, revogar-se a sentença recorrida, com todas as demais e legais consequências.
Assim fazendo, Vossas Excelências a almejada Justiça!”
“1- O direito de regresso é um direito de crédito (direito de exigir de outrem a realização de uma prestação), de que é titular o devedor que, no cumprimento de uma obrigação solidária, satisfez, total ou parcialmente, o direito do credor, mas, em qualquer caso, para além da parte que lhe competia e que lhe confere o poder de exigir de cada um dos respetivos codevedores a parte da dívida que lhes compete pagar.
2- O que caracteriza, em larga medida, a responsabilidade solidária, conferindo-lhe caráter distintivo face às outras modalidades de responsabilidade por obrigações plurais, são as suas consequências ao nível das relações externas. Com efeito, nas dívidas solidárias o credor pode exigir a totalidade da dívida de qualquer um dos devedores; (artigo 524º CPC)
3- Se um dos devedores solidários for declarado insolvente ou não puder por outro motivo cumprir a prestação a que está adstrito, a sua quota-parte da dívida é repartida proporcionalmente entre todos os demais (cfr. art. 526.º).
4- Assumindo o Recorrente a sua condição de coavalista com a primeira Ré, assume também, citando-o: “é evidente, que o direito de regresso supra referido, apenas se materializa com a liquidação da totalidade da dívida exequenda, porquanto apenas aí se pode aferir, quanto é que o devedor solidário pagou a mais do que correspondia à sua real quota.”
Ou seja, neste momento, nem sequer se sabe se o Recorrente pagou ou irá pagar mais do que lhe correspondia pagar (!!!); porque só aí nascerá ou não, o direito de regresso sobre a 1ª Ré; só nesse momento poderia ou não, ter interesse legítimo em agir, mas ainda aí, voltando as quotas para o património da Ré, o que aconteceria era a possibilidade de reabertura do processo de insolvência, mas só beneficiaria os credores ai reconhecidos e nunca o Recorrente.
5- O Recorrente alega que está a pagar a dívida comum sozinho, mas não é verdade; no processo de insolvência a 1ª Ré viu penhorados bens para responder aos créditos aí reconhecidos. (nomeadamente ao credor comum)
6- Na mera hipótese de a Ação ter sucesso, nada garante que tais quotas que venham retornar ao património da Ré, quando e se vierem, sirvam para pagar ao Credor comum, até porque, volvidos 13 anos, as quotas, hoje, já nada valem. E se acontecer, nessa altura, ainda não haverá liquidação total da divida exequenda; logo continuará o Recorrente sem possibilidade de acionar o potencial direito de regresso.
7- Terá ainda que se dizer que nenhum credor da 1ª Ré alinhou nesta Ação de nulidade por simulação, pois toda a sua fundamentação se fica por meras fantasias do Recorrente desesperado que teima em não reconhecer que ainda que fossem provadas as alegadas simulações, o que não se aceita e por tal se repugna veemente, o resultado favorável, nunca provocaria qualquer alteração a situação do Recorrente;
8- “…não bastará a necessidade de satisfazer um mero capricho ou o puro interesse subjetivo (moral, científico ou académico) de obter um pronunciamento judicial, «(…) o interesse processual constitui um requisito a meio termo entre os dois tipos de situações. Exige-se, por força dele, uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção” (Antunes Varela (in Manual de Processo Civil, 2.ª ed., p. 180 e 181),
9- Apenas surgiria um interesse legítimo ao A/recorrente no futuro se se viessem a verificar-se circunstâncias imprescindíveis ao nascer de tal direito:
- se após pagamento integral da dívida se verificar que o Recorrente pagou a mais do que correspondia à sua real quota e então terá direito de regresso, direito que hoje não pode invocar, por as premissas não se terem verificado; (anotação ao art. 524º do CC, Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, Vol. I, pág. 469 “…para que nasça o direito de regresso, é necessário, como a lei diz, que o devedor satisfaça o direito do credor, não bastando que tenha sido interpelado para cumprir ou que haja mesmo constituído qualquer garantia especial a favor do credor”)
- E se se verificarem as referidas premissas, na altura em que venha a alegar esse direito de regresso, apenas poderá recorrer ao Douto Tribunal, se a Ré não vier cumprir o que lhe é exigível (pagamento ao codevedor da sua quota parte não paga por si ao credor, mas paga por aquele).
- Não pode assim o Recorrente exigir ao Tribunal que aceite uma Ação com base em “ses”, em meras hipóteses, fundamentada num direito que ainda não tem (direito de regresso) e que na verdade poderá nunca vir a ter (!!!!);
10- A douta decisão aqui recorrida, não impede que o A, se alguma vez vier a ter na sua esfera jurídica um direito de regresso sobre a 1ª Ré, possa nesse momento, acionar todos os meios legais para a fazer cumprir; não estando a decisão recorrida, a negar o exercício de um eventual futuro direito ao Recorrente.
Face a todo o exposto, e por carecerem de fundamentação legal e factual, a Recorrida impugna e rejeita todas as conclusões das alegações de recurso da Recorrente.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, não deverá ser dado provimento ao presente recurso, por o mesmo carecer de qualquer fundamento, devendo, nesta medida, ser proferido Acórdão que confirme a douta Decisão recorrida. Pois só assim se fará a costumada Justiça!
As incidências processuais antes enunciadas constituem a factualidade relevante para a decisão do recurso.
No presente recurso está em causa indagar se o tribunal a quo tomou a decisão correcta ao extinguir a instância declarativa, em virtude da insolvência da 1.ª ré, BB, no âmbito do Proc. n.º 536/19...., e da subsequente prolação, em 15-11-2022, do despacho (final) de exoneração do passivo restante, por alegada falta de interesse em agir do autor, o que configura uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso – cf. arts. 577.º e 578.º do CPC –, conducente à absolvição da instância, como previsto no art. 278.º, n.º 1, al. e), do CPC.
1.
Por ordem de precedência lógica comecemos por analisar se se verifica nulidade da sentença por, como sustenta o recorrente, existir “contradição ou oposição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão judicial, porquanto aqueles conduzem, de acordo com um raciocínio lógico, a resultado oposto ao que foi decidido, existindo, pois, uma contradição entre as suas premissas, de facto e/ou de direito, e conclusão/decisão final” (sic).
Decorre do art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível.
Cumpre, nesta sede, atentar na parte inicial deste dispositivo legal.
A nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, contemplada no citado segmento inicial da alínea c), do n.º 1, do art. 615.º do CPC, pressupõe um erro de raciocínio lógico traduzido no facto da decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la.
Isto é, a contradição geradora da nulidade em apreço ocorrerá quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.
Conforme se expende no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-04-2019, Proc. n.º 68/18.3YFLSB: “A oposição entre os fundamentos e a decisão que determina a nulidade da decisão [cf. art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC] consubstancia um vício real de raciocínio do julgador que se traduz no facto de a fundamentação (i.e. as premissas do silogismo judiciário) se mostrar incongruente com a decisão (conclusão) que dela deve logicamente decorrer.”.[4]
Ou seja, na nulidade prevista no primeiro segmento da alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC está em causa um vício estrutural da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e/ou de direito, e a conclusão, de tal modo que esta deveria seguir um resultado diverso.
Isto dito, e regressando ao caso sob apreciação, o que se regista é que o recorrente discorda da solução jurídica encontrada pelo tribunal recorrido, mas não se antolha que exista qualquer vício de raciocínio lógico-dedutivo entre os pressupostos da decisão e a decisão final tomada, razão pela qual se considera improcedente esta questão recursiva.
Passemos, então, a analisar o âmago deste recurso.
2.
Recapitulando, estamos perante uma acção intentada pelo recorrente contra 5 pessoas (no ano de 2016) que visa a declaração de nulidade da transmissão de quotas de uma sociedade comercial, da 1.ª ré para a 2.ª e 3.º réus, datada de 05-05-2011, e, ainda, da divisão e transmissão de quotas dessa mesma sociedade comercial, do 3.º réu para os 4.º e 5.º réus, datada de 18-06-2011, por se tratarem de negócios nulos.
Invoca o recorrente que tais negócios jurídicos foram simulados e tiveram como consequência a diminuição da garantia patrimonial da 1.ª ré, tendo sido efectuados para evitar que aos credores fosse possível a restituição da quantia em que a 1.ª ré é solidariamente responsável com o autor, decorrente do facto de serem co-avalistas de 5 livranças que servem de título executivo no âmbito de uma acção executiva para pagamento de quantia certa que corre termos sob o Proc. n.º 2822/11.8TBVIS.
O processo seguiu os seus termos normais, tendo sido proferido despacho saneador, com fixação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.
No seu decurso, já na fase a audiência final, a 1.ª ré foi declarada insolvente, no Proc. n.º 536/19...., por sentença do Juízo de Comércio de Viseu – Juiz ..., de 14-02-2019, tendo sido proferido despacho final de exoneração do passivo restante, no dia 15-11-2022.
Nessa senda, consignou o tribunal a quo a decisão recorrida tendo considerado, além do mais, que: “… [N]o presente caso, pese embora se reconheça força persuasiva ao entendimento sufragado pelo Autor, salvo o devido respeito, labora o mesmo em erro, ao considerar que do desfecho favorável da presente ação advém alguma vantagem para si, concretamente, que com a procedência da acção poderá o Autor invocar e exercer o pretenso direito de regresso perante a 1.ª Ré, atuando sobre o seu património, isto é, sobre as quotas das ditas sociedade, que regressaram ao seu património.
Com efeito, é sabido que na sentença que declarar a insolvência, o juiz decreta a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, de todos os seus bens (artigo 36.º, n.º 1, al. g), do CIRE), devendo esse administrador diligenciar no sentido de os bens lhe serem imediatamente entregues (artigo 150.º, n.º 1, do CIRE).
É sabido, igualmente, que a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente (artigo 81.º 1, CIRE), sendo que, a partir da declaração de insolvência e durante todo o processo, os referidos poderes pertencerão a um administrador da insolvência, em ordem a «destinar» o património do devedor à satisfação dos credores, dando assim atuação ao princípio geral constante do art.º 601.º Cód.Civil, segundo o qual pelo cumprimento das obrigações respondem todos os bens do devedor suscetíveis de penhora.
Como resulta do artigo 46.º, n.º 1, do CIRE: a massa insolvente abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.
De igual modo, como vem sendo reconhecido pelos tribunais superiores, mesmo após o encerramento do processo da insolvência, caso se detete a existência de bens na titularidade do insolvente, concretamente, em resultado de decisão judicial que declarou invalida ato ou atos de alienação dos mesmos, deverá o processo de insolvência ser reaberto e os referidos bens objeto de liquidação pelos credores reconhecidos (neste sentido, Ac. TRL, de 19.01.2017, Proc. 11656/13.4T2SNT, in dgsi.pt)
Assim sendo, como se encontra aceite pelas partes, não figurando o Autor como credor reconhecido nos referidos autos de insolvência, a eventual procedência da presente ação nenhum efeito útil terá para o mesmo, porquanto, as aludidas quotas societárias serão objeto de liquidação naqueles autos e de distribuição do valor obtido pelo credores, de acordo com a sua graduação e ordem de pagamento. Em face do exposto, é de concluir pela manifesta ma inutilidade da presente acção, na media em que o sucesso da mesma não acarretará para o Autor efeito diverso daquele que existe no presente momento. Como se refere no Acórdão do STJ de 15.03.2012 (Proc. n.º 01/10. 2TVLSB.S1, em www.dgsi.pt), sobre a problemática do interesse em agir: «(…) “Há situações em que embora a parte insista na continuação da lide, manifestando, assim, o seu interesse, em obter uma decisão, o desenrolar da mesma aponta para um desfecho que sempre será inócuo, ou indiferente, em termos de não modificar, a situação que existia antes de ser posta em juízo (…)».
Por conseguinte, em face do que já se expendeu, entende-se que o caso dos autos é claramente uma das situações em que o prosseguimento da ação não conduz a qualquer efeito útil para o Autor.
Por todo o exposto, conclui-se pela falta de interesse em agir do Autor, o que constitui uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso (cfr. art.ºs 577.º e 578.º do Cód.Procc.Civil), conducente à absolvição da instância, como previsto no art.º 278.º, n.º 1, al. e), do Cód.Procc.Civil.
Por conseguinte, o Tribunal julga verificada a exceção dilatória da falta de interesse em agir do Autor e, em consequência, absolve os Réus da presente instância”.
Salvo o devido respeito, a decisão em crise não é correcta, conforme se passa a demonstrar.
Tal como vertido no despacho saneador desta acção, ao ser analisado concretamente o pressuposto processual da legitimidade activa:
“(…) É facto ou verdade que a presente acção foi instaurada pelo Autor, enquanto co-executado com a 1ª Ré no âmbito do processo executivo 2822/11.8TBVIS, que actualmente corre termos no Juizo de Execução da comarca de Viseu.
Por outro lado é elemento factual que o objecto do referido processo de execução, são 5 livranças, subscritas pela sociedade “A... Lda”, avalizadas pela 1ª Ré e Autor, da forma descrita na petição inicial, estando alegado que a impugnada cessão de quotas visou “prejudicar os credores e por conseguinte o A. enquanto co executado e, assim, «salvar» o seu património, o que efectivamente sucedeu”, já que o “Autor viu a totalidade do seu património penhorado”.
Porém, como cita o Autor, louvando-nos no doutrinador em causa, “o conceito de terceiro para efeitos de simulação, é, normalmente definido de forma a abranger quaisquer pessoas, titulares de uma relação, jurídica ou praticamente, afectada pelo negócio simulado e que não sejam os próprios simuladores ou seus herdeiros”- cfr Prof Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª ed., pág. 481”.
Este enquadramento na citada norma aceita que “existe uma relação jurídica entre o A. e 1ª Ré, decorrente do processo de execução referido na P.I., enquanto co-avalistas das livranças objectos do referido processo de execução, porquanto, a relação jurídica da 1º Ré e Autor enquanto co-avalistas é inquestionável, na medida em que, como se escreve, “nas relações internas entre os co-avalistas, se nada for convencionado, são reguladas pelo direito comum aplicáveis às obrigações solidárias (sobre a natureza não cambiária das acções entre co-avalistas cf., por ex., Gonçalves Dias, Da Letra e da Livrança, vol. VII, pág. 588 e 589, Carolina Cunha, Letras e Livranças, pág. 304 e segs; Ac do STJ de 22/4/53, BMJ 43, pág.536, de 16/3/56, BMJ 55, pág.299, de 21/2/67, BMJ 164, pág.335, de 24/10/02, C.J. ano X, tomo III, pág. 121, de 15/11/07, proc. nº07B1296, em www dgsi.pt.)”.
E nem se pode olvidar o Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência de 05/06/2012, proferido no processo 2493/05.0TBBCL.G1.S1 (em www. dgsi.pt) que se sumaria do seguinte modo: “há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, o qual segue o regime previsto para as obrigações solidárias”.
Finalmente cite-se, como faz o Autor, o Acórdão do Tribunal Constitucional de 24-3-2004, proferido no âmbito do processo nº 643/2003 (www.tribunalconstitucional.pt) onde se lê que “sendo vários os co-avalistas, todos eles garantindo o pagamento da dívida, não se explicaria que, a final, só um ou alguns viessem a ter de suportar a totalidade da dívida e que aos outros co-avalistas nenhum pagamento pudesse ser exigido. Razões de justiça relativa sempre militariam na distribuição do encargo entre todos os coavalistas”.
Em face do exposto concluímos como o faz o Autor ou seja, “a posição de co-executado e co-avalista confere-lhe interesse em que o outro co-executado responda na execução, não sendo indiferente que um dos avalistas agora executado pratique actos que diminuam o seu património”.
Como tal, resultando dos autos que em tese e na concreta alegação resulta que o Autor é prejudicado com os negócios simulados, já que diminuem as garantias patrimoniais da 1ª Ré, diremos a finalizar que ele Autor tem interesse directo na acção e consequentemente dispõe de legitimidade activa.”.
Como emerge do art. 595.ºdo CPC, sob a epígrafe “Despacho saneador”, nos segmentos aqui pertinentes:
“1. O despacho saneador destina-se a:
a) Conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente;
(…)
3. No caso previsto na alínea a) do n.º 1, o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas; na hipótese prevista na alínea b), fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença”.
Lendo o despacho saneador exarado nos autos é de considerar que, no mesmo, a questão da legitimidade das partes ficou definitivamente esclarecida com a decisão antes reproduzida, uma vez que o tribunal a quo não se cingiu a um juízo tabelar ou genérico, tendo resolvido expressamente a questão da legitimidade processual a 12-09-2017.
Assim, uma vez que aquela decisão não foi objecto de qualquer recurso, designadamente por parte dos réus, transitou em julgado, nos termos do art. 628.º do CPC, sendo inequívoco que se estabilizou que o autor tem legitimidade processual.
Com efeito, ponderando que o tribunal a quo apreciou, de modo específico e concreto, o pressuposto processual da legitimidade das partes, mormente do autor, operou-se caso julgado formal relativamente a essa questão, como se extrai do n.º 3 do art. 595.º do CPC.
O problema que se coloca, neste momento, consiste em avaliar se é possível, como fez o tribunal recorrido, após a prolação do despacho saneador, e no início da audiência final, julgar que falta o pressuposto processual do interesse em agir ao autor.
Vejamos.
A legitimidade e o interesse em agir são ambos pressupostos processuais, que, todavia, respeitam a realidades distintas – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-10-2022, Proc. n.º 82/19.1T8STB.E1.S1.
A noção de legitimidade consta do art. 30.º do CPC; já o interesse em agir constitui um pressuposto processual não previsto expressamente na lei, mas pacificamente aceite na doutrina e na jurisprudência.
Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 79, menciona que “o direito de agir, também chamado interesse processual, “consiste em o direito de o demandante estar carecido de tutela judicial. É o interesse em utilizar a arma judiciária – em recorrer ao processo.”
Para Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pp. 170/171 e ss., “o interesse em agir consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar a acção; não se exigindo uma necessidade absoluta, terá de haver uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção”.
Miguel Teixeira de Sousa, Reflexões sobre a legitimidade das partes em processo civil, “Cadernos de Direito Privado”, n.º 1, 2003, pp. 6 e ss., aduz: “O interesse na tutela não se confunde com o interesse processual ou interesse em agir. A parte possui um interesse na tutela sempre que tenha um direito que deva ser defendido ou acautelado, mas o interesse processual ou interesse em agir só existe quando a parte puder retirar alguma utilidade da tutela jurisdicional requerida.”
Mais recentemente, o mesmo autor, Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao art. 30.º do CPC – Código de Processo Civil On Line, Livro I, p. 40 –, escreve: “A legitimidade processual não se confunde com o interesse processual ou interesse em agir, que é aferido em função da utilidade da tutela requerida (RL 23/3/2021 (11440/19); RL 1/6/2023 (3531/21)), ou seja, em função da vantagem que o autor adquire (e, correlativa-, a desvantagem que o réu sofre) com a obtenção da tutela jurisdicional (RSG (2018), § 90, 31 ss.; tb Bessa de Melo, J.o. 2021/12)”.[5]
Por fim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I, em anotação ao art. 30.º do CPC, referem: “A legitimidade processual não se confunde com o interesse em agir, reportando-se este a situações que careçam objectivamente de uma resolução judicial que ponha cobro a um conflito de interesses ou que tutele interesses juridicamente relevantes, sempre que os efeitos não possam ser alcançados com a mesma segurança por meios extrajudiciais.”.
Na mesma senda, o Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou em vários Acórdãos pela existência do pressuposto processual do interesse em agir, de que se citam os seguintes exemplos:
– Acórdão do STJ de 08-05-2013, Proc. n.º 813/09.8YXLSB.S1 [“1. Não se justifica a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, quando aquela tem utilidade ainda que mínima. 2. Atingindo a ação inibitória a proibição de cláusulas insertas em contratos que continuam a vigorar, logo por aqui se verifica o interesse em agir. (…)”.];
– Acórdão do STJ de 09-05-2018, Proc. n.º 673/13.4TTLSB.L1.S1 [I. O despacho saneador que apenas enuncia, sem apreciar concretamente, os pressupostos processuais, não faz caso julgado e não obsta a que a questão venha numa fase subsequente, em sede de recurso, a ser fundadamente ponderada e decidida. II. O interesse processual, apesar de a lei não lhe fazer referência, de forma direta, porque o Código de Processo Civil não o contempla como exceção dilatória nominada, continua a constituir um pressuposto processual relativo às partes. III. Só se pode afirmar que há interesse processual quando a situação de incerteza, ou de dúvida, acerca da existência, ou não, de um direito ou de um facto, contra as quais o autor pretende reagir através da ação de simples apreciação, reunir objetividade e gravidade. IV. A falta de interesse em agir constitui uma exceção dilatória, é de conhecimento oficioso e dá lugar à absolvição da instância.];
– Acórdão do STJ de 19-12-2018, Proc. n.º 742/16.9T8PFR.P1.S1 [I. O nosso direito adjectivo civil não contempla o interesse em agir como excepção dilatória típica, e, nesta medida, o conceito tem sido tema doutrinal e jurisprudencial, sendo geralmente considerado excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso. II. O interesse em agir assume-se como uma relação entre necessidade e adequação. De necessidade porque, para a solução do conflito é imprescindível a actuação jurisdicional, e adequação porquanto o caminho a seguir deve corrigir a lesão perpetrada ao autor tal como ele a configura];
– Acórdão do STJ de 25-01-2024, Proc. n.º 2709/22.9T8PTM.E1.S1 [I. Para que se considere que o autor tem interesse processual numa acção em que pede a declaração da existência de certo direito é preciso que se conclua pela existência de uma incerteza objectiva e grave quanto à existência do direito. II. Existe incerteza objectiva e grave para o efeito de se considerar que existe interesse processual quando, sendo o direito que o autor se arroga um direito do tipo cuja aquisição é controvertida na jurisprudência, o recurso à acção é susceptível de proporcionar ao autor manifesta utilidade prática.].
Em suma, quer a doutrina, quer a jurisprudência têm aceitado que o interesse em agir é um verdadeiro pressuposto processual inominado cuja falta será determinante da absolvição da instância, referindo-se no Acórdão do STJ, de 19-12-2018, Proc. n.º 742/16.9T8PFR.P1.S1, que o interesse de agir assume-se como uma relação entre necessidade e adequação: de necessidade porque para a solução do conflito é imprescindível a actuação jurisdicional, e adequação porquanto o caminho a seguir deve ter a virtualidade de corrigir a lesão perpetrada ao autor tal como ele a configura.
Do supra exposto emerge que existirá interesse em agir sempre que o demandante tenha necessidade de intervenção judicial para reconhecimento da sua pretensão, tal como a configura no exercício da sua liberdade de conformação da acção, e que a intervenção judicial que solicita seja apta a proporcionar-lhe tal utilidade – neste sentido, cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26-09-2019, Proc. n.º 1712/17.5T8BRR-B.L1-6.
Revertendo ao caso em apreço, contrariamente ao alvitrado pelo tribunal recorrido, considera-se que o autor, além de ser parte legítima – nos termos já definidos no despacho saneador –, tem, outrossim, interesse em agir, mesmo em face da declaração de insolvência e da prolação de despacho de exoneração do passivo restante da 1.ª ré, sendo certo, aliás, que esse interesse em agir, rigorosamente, apenas deve ser aferido no momento da propositura da acção e não em fase ulterior – neste sentido, cf. Miguel Teixeira de Sousa, O Interesse Processual na Acção Declarativa, 1989, p. 6: “a vantagem do autor e a desvantagem do réu são necessariamente apreciadas em relação à situação das partes no momento da propositura da acção”
Efectivamente, o crédito que o recorrente alega deter sobre a 1.ª ré, sendo ambos solidariamente responsáveis por dívida de terceiro, na qualidade de co-avalistas das livranças dadas à execução no Proc. n.º 2822/11.8TBVIS, decorre das obrigações assumidas pelo recorrente e pela 1.ª ré/recorrida, com a prestação dos avais, respondendo cada devedor pela prestação integral, com direito de regresso perante o co-devedor, in casu, invocando o recorrente que detém tal direito de regresso sobre a 1.ª ré/recorrida, na parte concernente à responsabilidade desta, nos termos do art. 524.º do Código Civil.
Ora, o direito de regresso que o recorrente invoca deter sobre a 1.ª ré/recorrida ainda pode ser exercido e não se mostra extinto com o despacho de exoneração de passivo restante.
O art. 235.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), intitulado “Princípio geral”, referente ao Capítulo I “Exoneração do passivo restante”, do Título XII “Disposições especificas da insolvência de pessoas singulares”, estipula: “Se o devedor for uma pessoa singular pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos três anos posteriores ao encerramento deste, nos termos do presente capítulo”.
Como explica Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 8.ª edição, 2024, p. 400: “A exoneração do passivo restante constitui uma novidade do nosso ordenamento jurídico, inspirada no direito alemão (Restschuldbefreiung), determinada pela necessidade de conferir os devedores pessoas singulares uma oportunidade de começar de novo (fresh start)”.
Por sua vez o art. 245.º do CIRE (“Efeitos da exoneração”) prevê que:
“1. A exoneração do devedor importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados, sendo aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 217.º
2. A exoneração não abrange, porém:
a) Os créditos por alimentos;
b) As indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamadas nessa qualidade;
c) Os créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações;
d) Os créditos tributários e da segurança social.”
Consagrou-se na norma transcrita, como efeito típico da exoneração do passivo, a extinção dos créditos sobre a insolvência que ainda existam no momento em que o despacho da exoneração é proferido. Esta solução aplica-se mesmo aos créditos sobre a insolvência que não tenham sido reclamados ou verificados. Subsistem, porém, apesar da exoneração, os créditos enumerados no n.º 2, que “dado o carácter excepcional desta norma, tem de se entender esta enumeração como taxativa” – cf. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2015, 3.ª ed., p. 871.
Por sua vez o artigo 246.º do CIRE (“Revogação da exoneração”) prescreve:
“1. A exoneração do passivo restante é revogada provando-se que o devedor incorreu em alguma das situações previstas nas alíneas b) e seguintes do n.º 1 do artigo 238.º, ou violou dolosamente as suas obrigações durante o período da cessão, e por algum desses motivos tenha prejudicado de forma relevante a satisfação dos credores da insolvência.
2. A revogação apenas pode ser decretada até ao termo do ano subsequente ao trânsito em julgado do despacho de exoneração; quando requerida por um credor da insolvência, tem este ainda de provar não ter tido conhecimento dos fundamentos da revogação até ao momento do trânsito.
3. Antes de decidir a questão, o juiz deve ouvir o devedor e o fiduciário.
4. A revogação da exoneração importa a reconstituição de todos os créditos extintos.”.
O n.º 4 citado preceito legal, ao regular os efeitos da revogação da exoneração, implica, como anotam Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda [op. cit., p. 873], que “a revogação faz cessar os efeitos da exoneração, ou seja, segundo o n.º 1 do artigo 245.º, a extinção dos créditos sobre a insolvência que tenham sido reclamados ou verificados, na parte não paga quando a exoneração efetiva seja decretada. Quanto aos créditos não reclamados e verificados, a extinção é total. Assim, quando o n.º 4 determina a reconstituição de todos os créditos extintos» deve entender-se na parte em que o tenham sido”.
Destarte, caso um co-devedor satisfaça o crédito perante a entidade credora, para além da quota que lhe competia, terá direito de regresso perante a parte co-devedora, no segmento relativo à responsabilidade desta, segundo verte o art. 524.º do Código Civil: “O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete”.
O direito de regresso do autor/recorrido, rigorosamente, apenas se materializará com a liquidação da totalidade da dívida exequenda, no âmbito do processo executivo, porquanto apenas aí se pode aferir quanto é que o devedor solidário pagou a mais do que correspondia à sua real quota.
Na situação vertente, as dívidas da sociedade A..., Lda., avalizadas pelo autor/recorrido e pela 1.ª ré/recorrida, segundo o invocado, ainda não se encontram totalmente liquidadas, sendo certo que caso o autor/recorrido suporte aquelas dívidas terá sempre direito de regresso sobre a 1.ª ré/recorrida sobre os valores que vier a liquidar a mais, além da sua quota parte.
Conforme escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao art. 524.º do Código Civil, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, 1987, p. 539: “Para que nasça o direito de regresso, é necessário, como a lei diz, que o devedor satisfaça o direito do credor, não bastando que tenha sido interpelado para cumprir ou que haja mesmo constituído qualquer garantia especial a favor do credor”.
Acresce, como decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 07-09-2020, Proc. n.º 6099/16.0T8VIS-R.C1: “(…) [O] direito de regresso corresponde a um direito novo (diferente daquele que existia na titularidade do anterior credor) que se constitui no momento em que é efectuado o pagamento, ao mesmo tempo que se extingue o direito do anterior credor na exacta medida do pagamento efectuado”.
Não se olvide que segundo a jurisprudência uniformizada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-06-2012, Proc. n.º 2493/05.0TBBCL.G1.S1 (AUJ n.º 7/12):
“Sem embargo de convenção em contrário, há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, o qual segue o regime previsto para as obrigações solidárias”.
Por fim, conforme se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 204/04, Proc. n.º 643/2003: “[S]endo vários os co-avalistas, todos eles garantindo o pagamento da dívida, não se explicaria que, a final, só um ou alguns viessem a ter de suportar a totalidade da dívida e que aos outros co-avalistas nenhum pagamento pudesse ser exigido”.[6]
Assim sendo, caso o autor/recorrente consiga provar a matéria de facto que alegou e tenha procedência nesta acção, conduzirá a que seja proferida decisão judicial, a final, que terá por efeito jurídico o retorno das quotas da sociedade comercial – que foram cedidas aos réus, de acordo com a sua tese, simuladamente –, à propriedade da 1.ª ré/recorrida.
Como se desenvolve no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14-12-2010, Proc. n.º 2604/08.4TBAGD.C1:
“A declaração de nulidade de actos praticados pelo devedor é um meio de tutela da garantia patrimonial dos credores e pode ser usada quer os actos nulos sejam anteriores, quer posteriores à constituição do crédito, desde que tenham interesse na declaração de nulidade, não carecendo o credor de demonstrar que o acto produz ou agrava a insolvência do devedor (artigo 605º, nº 1, do Código Civil). Este instituto opera em benefício não só do credor que invoca a nulidade, mas também dos restantes credores (artigo 605º, nº 1, do Código Civil). A declaração de nulidade de um negócio jurídico tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, ou se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (artigo 289º, nº 1, do Código Civil).”
Acresce que conforme se decidiu no recentíssimo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-01-2025, Proc. n.º 1073/20.5T8VRL.G1.S1:
“Por outro lado, a acção de declaração de nulidade de actos praticados pelo devedor, corresponde a um meio de tutela da garantia patrimonial dos credores e, pode ser usada quer, os actos nulos sejam anteriores, quer posteriores à constituição do crédito, desde que tenham interesse na declaração de nulidade, não carecendo o credor de demonstrar que o acto produz ou agrava a insolvência do devedor –- artigo 605º, nº 1, do Código Civil – operando em benefício do credor que invoca a nulidade, mas também dos restantes credores; nessa perspectiva ficará também assegurado o princípio par conditio creditorum – vocação universalista afirmada no artigo 1º do CIRE.”.
Por fim, como se decidiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11-04-2019, Proc. n.º 3150/07.9TVPRT.P1: “A circunstância de um dos réus numa ação de nulidade de contratos ser declarado falido na pendência da causa, não impede o prosseguimento da mesma ação de nulidade, salvo se houver outro obstáculo legal ao seu prosseguimento.”.[7]
Por conseguinte, invocando o recorrente que o crédito que assumiu solidariamente com a 1.ª ré, na qualidade de avalistas, foi reclamado pelo Banco exequente e encontra-se graduado no processo de Insolvência pessoal da 1.ª ré, a eventual procedência desta acção não é irrelevante para o resultado da relação entre os co-devedores/co-avalistas, pois, nessa eventualidade, regressando o património objecto da acção – i.e., quotas sociais –, à propriedade da 1.ª ré/recorrida, haverá um novo processo de liquidação do activo, e o credor comum ao recorrente e à 1.ª ré/recorrida, poderá receber, no âmbito da insolvência, o produto da liquidação das quotas, diminuindo, assim, o valor do seu crédito e consequentemente a responsabilidade do recorrente perante o credor comum na mesma proporção.
Reitera-se, sendo a obrigação solidária, respondendo cada devedor pela prestação integral, o credor tem o direito de exigir de qualquer dos devedores toda a prestação ou parte dela, proporcional ou não à quota que lhe cabe – o mesmo é dizer, que autor/recorrente e 1.ª ré/recorrida, não obstante terem quota parte igual na dívida, respondem pela totalidade da mesma.
Deste modo, o despacho de exoneração de passivo restante, que, nos termos do n.º 1 do art. 245.º do CIRE, “importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida”, não tem, evidentemente, a virtualidade de extinguir os créditos que se venham a materializar em data futura.
Como é evidente, esta acção de declaração de nulidade de acto/negócio jurídico não cabe no escopo do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014[8], que considerou que apenas deixa de ter qualquer interesse e utilidade o prosseguimento de uma acção declarativa para reconhecimento de um direito de crédito e condenação do devedor insolvente, o que não é o caso.
Por fim, e tal como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-11-2019, Proc. n.º 3150/07.9TVPRT.P1.S1 (pese embora referindo-se às normas do CPEREF):
“I. Estando em curso, à data da declaração de insolvência do devedor, uma acção em que o credor pede a declaração de nulidade de certos negócios em que interveio o devedor, o trânsito em julgado da sentença declaratória de falência não determina a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
II. As acções deste tipo (i.e., para declaração de nulidade de negócios) não se integram na categoria das “acções em que se apreciam questões relativas a bens compreendidos na massa” e por isso podem prosseguir autonomamente ao processo de falência.”.
Nestes termos, o autor/recorrente tem interesse em agir, devendo a acção prosseguir.
Consequentemente, impõe-se a revogação da decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos.
As custas do recurso configuram encargo da 1.ª ré/recorrida, o que se extrai dos arts. 527.º, 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2, todos do CPC.
Decisão
Nos termos expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso, e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, devendo o processo seguir os ulteriores trâmites processuais.
Custas a cargo da 1.ª ré/recorrida.
Luís Miguel Caldas
Luís Manuel Carvalho Ricardo
Anabela Marques Ferreira
[1] Juiz Desembargador relator: Luís Miguel Caldas /Juízes Desembargadores adjuntos: Dr. Luís Manuel Carvalho Ricardo e Dra. Anabela Marques Ferreira.
[2] A 13-06-2016 foi apresentada contestação pelos réus EE e FF, que se defenderam por excepção – ilegitimidade do autor e dos réus – e por impugnação.
A 20-06-2016 foi apresentada contestação pelo réu DD, que se defendeu por excepção – a) ausência de legitimidade “ad causam” por parte do autor, b) inoponibilidade da invocada nulidade ao 3.º réu, e c) conversão do negócio jurídico – e por impugnação.
A 28-09-2016 foi apresentada contestação pela ré CC, que se defendeu por excepção – a) ausência de legitimidade activa, b) inoponibilidade da invocada nulidade, e c) conversão do negócio jurídico – e por impugnação.
A 28-09-2016 foi apresentada contestação pela ré BB que se defendeu por excepção – ilegitimidade activa e inoponibilidade na invocada nulidade – e por impugnação.
[3] Cf. acta da 1.ª sessão de audiência final, designada na referida data.
[4] Acórdão publicado em http://www .dgsi.pt, tal como os demais que se mencionam nesta decisão.
[5] Publicação acessível em https://drive.google.com/file/d/1NgBsOLsoGXMXNqzKRBmrQEI3u-VTSOy5/view
[6] Publicado e acessível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20040204.html
[7] De igual modo, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26-01-2016, Proc. n.º 465/14.3TBMAI-A.P1.S1, decidiu-se: “A circunstância de o réu numa ação de nulidade de contratos haver previamente sido declarado insolvente, não impede o prosseguimento da mesma ação de nulidade.”.
[8] O AUJ n.º 1/2014, fixou a seguinte jurisprudência: “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.”.