1. O caso julgado encontra a sua razão de ser na necessidade de salvaguarda do prestígio dos tribunais e da certeza e da segurança jurídicas.
2. O trânsito em julgado ocorre quando uma decisão judicial é já insusceptível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário, conduzindo à formação de caso julgado, que se traduz na impossibilidade de a decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu.
3. As decisões judiciais que recaem sobre o mérito da causa, sobre a relação jurídica substancial, produzem caso julgado material, impondo-se dentro e fora do processo, e as que recaem unicamente sobre a relação processual produzem caso julgado formal, e apenas têm força obrigatória dentro do processo.
4. Há ofensa do caso julgado formal se, por decisão do Tribunal da Relação, transitada em julgada, foi determinada a sustação de uma execução e a liquidação da responsabilidade do executado, decisão essa que foi expressamente acolhida pelo tribunal a quo, considerando que a venda executiva ficou sem efeito, vindo este mesmo tribunal, mais tarde, a contrariar aquela decisão.
5. A violação do dever de acatamento de prévia decisão proferida por tribunal superior, exarada em via de recurso e transitada em julgado, constitui uma nulidade insuprível da decisão que venha a ser proferida pelo tribunal da 1.ª instância, nomeadamente por o objecto de renovada pronúncia do tribunal inferior constituir questão de que o mesmo não podia tomar conhecimento.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra,[1]
No âmbito da acção executiva identificada em epígrafe, em que é exequente Condomínio ... sito na Rua ..., ..., em Coimbra, e executada AA, foi proferido despacho, em 23 de Setembro de 2024, com o seguinte teor:
“Em sede de apenso C, a reclamação aí intentada foi admitida e, portanto, o recurso interposto foi admitido, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo – decisão datada de 09.03.2023.
O recurso da Executada foi, posteriormente, por decisão singular do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 14.04.2023 foi decidido “na procedência do recurso, revogamos a decisão proferida no Juízo de Execução de Ansião - Juiz ..., sustando-se a execução, a menos que o depósito seja manifestamente insuficiente, seguindo-se a liquidação de toda a responsabilidade da executada, nos termos da norma do art.º 847.º e a posterior extinção da instância de acordo com alínea a) do n.º 1 do artigo 849.º do Código de Processo Civil”.
Sucede que, o título de transmissão do imóvel foi emitido em 19.10.2022.
O imóvel já foi transmitido a terceiros (cfr. Ap. ...2 de 2023/03/30).
A administradora de insolvência ainda antes do encerramento da insolvência, e, portanto, no exercício pleno das suas atribuições, declarou manter a compra e venda realizada – cfr. Requerimento datado de 08.11.2023.
Assim sendo, em face do encerramento da insolvência, nada mais cumpre entregar à massa insolvente, pelo que, notifique o Agente de Execução para entregar o valor depositado nestes autos por conta do preço à executada AA, o que deverá realizar após trânsito em julgado do presente despacho.
Notifique e oportunamente arquive”.
*
Inconformada, veio recorrer a executada AA, concluindo:
“I. Ao arrepio da Decisão Singular do Tribunal da Relação de Coimbra de 26 de abril de 2023, e dos despachos do Tribunal de 1.ª instância de 23 de maio de 2023 e 29 de setembro de 2023, a Decisão recorrida determinou a entrega à recorrente do valor depositado nos presentes autos por conta da venda do imóvel que foi anulada.
II. Anteriormente ao despacho em crise, o Tribunal da Relação já tinha decidido que o pagamento voluntário realizado pela recorrente/executada consubstancia o meio impeditivo para a concretização da venda do imóvel, determinando a sustação da execução.
III. O Despacho recorrido é, outrossim, contraditório com o despacho de 29 de setembro de 2023, já transitado em julgado, que determinou que liquidada toda a responsabilidade da executada e custas do processo, a venda fica sem efeito, devendo o Sr. Agente de Execução devolver o preço liquidado ao comprador e anular o registo de aquisição.
IV. Sendo manifesta a contradição entre o Despacho Recorrido e o despacho de 29 de setembro de 2023, vale a regra prevista no artigo 625.º do Código de Processo Civil - cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar, o que, obviamente, implica que a decisão recorrida é inutilizada ou ineficaz.
V. O adquirente/proponente não pode ser considerado terceiro de boa fé, porquanto, sendo interveniente nos presentes autos desde 16 de fevereiro de 2022 , foi notificado de todos os atos processuais, designadamente do pagamento voluntário da dívida exequenda pela recorrente, dos requerimentos por esta apresentados e do recurso por si interposto em 31 de outubro de 2022, sendo conhecedor que a procedência do recurso acarretaria a anulação da venda, conforme se veio a determinar na douta Decisão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26 de abril de 2023.
VI. Também mal se compreende a asserção no despacho recorrido de que a Sra. Administradora de Insolvência declarou manter a compra e venda realizada, quando do requerimento em apreço, de 08 de novembro de 2023, não resulta tal afirmação.
VII. A Sra. Administradora de Insolvência formulou dois pedidos, um subsidiário. O primeiro requerendo que fosse ordenado ao Sr. Agente de Execução a entrega à massa insolvente do valor depositado no processo, justificado com a impossibilidade de apreensão do imóvel, por (já) não se encontrar registado em nome da insolvente/executada. Sendo que no pedido subsidiário formulado requereu que fosse ordenado ao Sr. Agente de Execução: «que proceda ao cancelamento de todos os ónus e/ou encargos inscritos no referido imóvel, e que foram consequência da venda, cuja anulação foi ordenada.»
VIII. De resto, com o despacho de encerramento do processo de insolvência, cessaram todos os efeitos decorrentes da declaração de insolvência, recuperando a devedora o direito de disposição dos seus bens.
IX. O Despacho recorrido violou, entre mais, os artigos: 4.º, n.º 1, da Lei n.º 21/85, de 30 de julho; 4.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto; 233.º, n.º 1, al. a), do CIRE; 152.º, n.º 1, 613.º, n.º 3, 620.º e 625.º do Código de Processo Civil.
Nestes termos e nos melhores de Direito, e sempre com o Douto Suprimento de Vossas Excelências, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine o cumprimento do despacho de 29 de setembro de 2023, em conformidade com o decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 26 de abril de 2023, mormente a anulação do registo de aquisição a favor do adquirente.
Assim se espera, confiadamente, na certeza de que Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, farão a costumada Justiça.” (sic).
*
Não foram apresentadas contra-alegações pela exequente, nem por nenhum outro interveniente processual.
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O recurso foi admitido por despacho de 28 de Novembro de 2024, nos termos do art. 853.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil.
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A questão a decidir consiste em verificar se a decisão recorrida, proferida em 23 de Setembro de 2024, deve ser revogada e substituída por outra que determine o cumprimento do despacho de 29 de Setembro de 2023, em conformidade com o decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 26 de Abril de 2023.
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A. Fundamentação de facto.
Resulta dos autos a seguinte dinâmica processual relevante para a compreensão da causa e para a decisão deste recurso: [2]
1. O Condomínio exequente instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa, em 30-04-2015, contra a executada, para cobrança de dívidas emergentes de quotas de condomínio em atraso, utilizando como título executivo a acta de condomínio de 10-12-2014, sendo o valor da execução de € 6362,84 (seis mil trezentos e sessenta e dois euros e oitenta e quatro cêntimos).
2. A 05-10-2015 foram apensados embargos de executado (Apenso A), nos quais foi proferida sentença em 05-10-2016, com o seguinte teor:
“Em face do exposto, julga-se parcialmente procedente por parcialmente provados os embargos deduzidos, prosseguindo a execução para pagamento da quantia exequenda, com exceção das quantias de € 31,62 e de € 500,00 conforme acima referido./ Custas pela embargante e pela embargada, na proporção do decaimento (art 527.º, nºs 1 e 2, do NCPCivil)./ Registe e notifique.”.
3. A 17-05-2018 o exequente veio apresentar requerimento, dirigido ao agente de execução, a “requer o prosseguimento do processo com a penhora do Imóvel descrito na ... C.R.Predial ..., nº ...66... da Freguesia ... e inscrita na matriz predial urbana da Freguesia ... sob o nº ...02....”.
4. A 25-06-2018 foi elaborado auto de penhora daquele imóvel.
5. A 21-08-2018 foi autuada reclamação de créditos (Apenso B), na qual foi proferida sentença em 12-11-2019, com o seguinte teor:
“Pelo exposto, julgo procedente a reclamação efectuada pelo Condomínio do prédio sito na Rua ..., ..., e em consequência:
1) Reconheço o crédito deste sobre a Executada, na quantia de € 8.978,61€, e
2) Pelo produto da venda prédio urbano, o prédio urbano composto por “Rés-do-chão B - habitação, estacionamento B na segunda cave, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...28...” decido graduar o crédito acima referido em relação ao crédito exequendo, nos seguintes termos:
1.º Crédito Exequendo.
2.º Crédito ora Reclamado.
Condeno a reclamada nas custas [cfr. artigos 446.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil e 7.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela II Anexa a este].
As custas da execução gozam da garantia de precipuidade nos termos do artigo 455º do Código de Processo Civil.
Fixo o valor da causa em 8.978,61€ [cfr. artigos 313.º, n.º 1 e 315.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo DL 303/2007, de 24-08].”.
6. A 16-10-2019 o agente de execução determinou a venda do imóvel por propostas em carta fechada, anunciando que “serão aceites propostas iguais ou superiores a 85% do valor de base, ou seja, iguais ou superiores a 37.659,04 euros.”.
7. A 31-10-2019 a executada discordou do valor da venda decidido pelo agente de execução, nos termos do art. 812.º, n.ºs 6 e 7, do CPC, referindo que “não aceita o valor fixado, devendo ser efetuada avaliação do imóvel, mas nunca o valor poderá ser inferior a € 120.000,00 (cento e vinte mil euros mil euros).”.
8. Por despachos judiciais de 22-01/19-02-2020 foi determinada a avaliação do imóvel, tendo por objecto determinar o “valor de mercado do imóvel penhorado, tendo em vista a sua venda, isto é, do prédio constante do auto de penhora elaborado em 25/06/2018” (sic).
9. Por despacho judicial de 02-10-2020 foi decidido: “Uma vez que não liquidadas as guias de encargos com perito, dá-se sem efeito a avaliação determinada – artigo 23º n.º1 do Regulamento das Custas Processuais.”.
10. Por despacho judicial de 27-10-2021 consignou-se, além do mais: “Para a abertura de propostas designo o dia 13 de Dezembro de 2021, pelas 09h30 horas, neste Juízo de Execução [cfr. artigo 816º e 817º do Código de Processo Civil, na redação dada pela Lei n.º 41/2013, de 26-06].”.
11. A 13-12-2021 foi elaborado “Auto de abertura de propostas em carta fechada” tendo sido aceite a proposta apresentada por A..., Lda., no valor de € 81 766,67 (oitenta e um mil setecentos e sessenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos).
12. A 22-12-2021 foi apresentado email, intitulado “Direito de Remissão – Processo n.º 1792/15....”, dirigido ao agente de execução, com o seguinte teor:
“Eu, BB, venho pelo presente e na qualidade de filho da executada, AA, exercer o direito de remissão, relativo à venda do imóvel penhorado (Prédio Urbano: Fração B, composta de Rés-do-chão B – Habitação, estacionamento B, na segunda Cave, sito na Rua ..., ..., tendo também o nº ... da Rua ..., ... da Rua ..., lugar da ... – descrito na Conservatória do registo predial ..., sob a descrição ...66-b, da Freguesia ... inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...02, fração B, da mesma freguesia), e cuja abertura de propostas ocorreu no passado dia 13 de dezembro, no Tribunal da Comarca de Leiria – Ansião – Juízo Execução – Juiz ....
Para comprovativo do direito invocado, junto, à presente cópia do Cartão Cidadão para atestar a qualidade da requerente./ Pelo que se solicita a identificação do prazo e valores para o exercício do respetivo direito.”.
13. A 29-12-2021 o agente de execução decidiu, na parte relevante:
“(…) Na abertura das propostas foi aceite a proposta mais elevada, apresentada pela empresa A..., Lda., com o NIPC ...69, no montante de 81.766,67 € (oitenta e um mil setecentos e sessenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos).
Veio o filho da executada BB, com o NIF ...89..., exercer o direito de remição, ao abrigo do que preceituam os artºs 842º e 843º, nº 1, al. b) do CPC.
O direito de remição pode ser exercido pelos familiares com as ligações indicadas no art. 842º do referido diploma legal, nos quais se inserem os descendentes da executada.
Demonstrado que está nos autos o grau de parentesco para com a executada e uma vez que tal direito foi exercido no prazo previsto na al. b) do nº 1 do art. 843º do CPC,
Decide o Agente de Execução,
Concretizar a venda do bem penhorado abaixo identificado, ao requerente BB, filho da executada, logo que o mesmo deposite a totalidade do preço oferecido e demonstre o cumprimento das obrigações fiscais, designadamente a liquidação e eventual pagamento do IMT (Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis) e IS (Imposto de Selo).
Para o efeito, o remidor tem o prazo de 15 dias para proceder ao depósito do preço (Ac. Trib. Rel. Évora, de 9/7/2015, proferido no âmbito do processo 382/13.4TBPSR-A E1), acrescido de 5%, nos termos do n.º 3 do artigo 843.º do CPC, para indemnização do proponente sob pena de, não o fazendo, o bem ser vendido à proponente A..., Lda., com o NIPC ...69.
A presente decisão irá, nesta data, ser notificada a todos os intervenientes processuais, para, no prazo de 10 dias, querendo, da mesma poderem reclamar junto do Mmo Juiz do processo, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do art.º 723.º CPC” (sic).
14. A 05-01-2022 foi junto requerimento ao processo de CC, com o seguinte teor:
“Meritíssimo Juiz de Direito /No pagamento da renda, a declarante, CC, solteira, maior, titular do Passaporte nº ...28, válido até 11/04/2024, emitido pela República da Turquia, NIF ...30..., com residência na Rua ..., ... ... (arrendatária), teve conhecimento, pelo filho da senhoria, que o imóvel identificado (Prédio Urbano: Fração B, composta de Rés-do-chão B – Habitação, estacionamento B, na segunda Cave, sito na Rua ..., ..., tendo também o nº ... da Rua ..., ... da Rua ... Por mão, lugar da ... – ... - ... ns – descrito na Conservatória do registo predial ..., sob a descrição ...66-b, da Freguesia ... inscrito na matriz predial urbana sob o ar go ...02, fração B, da mesma freguesia), foi adjudicado a desconhecidos, por venda judicial, na modalidade proposta em carta fechada - Processo 1792/15.... - Tribunal da Comarca de Leiria – Ansião – Juízo Execução – Juiz .... /A declarante tem contrato de arrendamento, celebrado em 2020, para fins exclusivos de habitação permanente, por um ano, renovado por iguais e sucessivos períodos. /A outorgante, é cidadã de nacionalidade Turca, permanecendo em território português com visto de residência para trabalho. A mesma não domina a língua portuguesa, muito menos expressões e termos jurídicos. /Recorda que foi afixado um edital para venda judicial. Do contacto levado a cabo, por pessoa diferente, não logrou averiguar-se da eventual posição contratual e alcance jurídico ou lhe foi dado o depósito legal do imóvel, numa língua de domínio universal. /À conta dessa omissão foi privada do seu sossego e bom nome, pois permitiu que pessoas estranhas, sem consentimento, acederam ao interior da fração. Não foi exibida qualquer documentação ou explicada a situação, em particular. /Cumpre dar a conhecer que o contrato de arrendamento foi comunicado às finanças e liquidado o respectivo imposto de selo, para efeitos de validação do referido contrato, pelo que o Agente Execução tinha o dever de averiguar e aferir a posição contratual da declarante. /Presume-se que a omissão foi proposital, pois o negócio jurídico é do conhecimento geral. Pelo que a omissão de terceiros, entende-se por propositada e enquadrada na litigância de má fé. O seu direito de preferência, é frustrado e preterido, em razão da sua condição social, prejudicando-se. /A ora arrendatária está impedida do exercício do seu direito de propriedade. Pelo que, é afetada dos seus direitos, não afastando pelo presente qualquer direito de preferência legalmente constituído sob o imóvel, conforme decorre das cláusulas do contrato de arrendamento./ Em anexo segue contrato de arrendamento e pagamento de imposto de selo”.
15. A 05-01-2022 foi pedido o acompanhamento do processo pelo Juízo de Comércio de Sintra – Juiz ..., no âmbito do Processo Especial para Acordo de Pagamento n.º 9/22.... em que é devedora AA, tendo sido nomeada Administradora Judicial Provisória a Dra. DD.
16. A 07-01-2022 foi apresentado email intitulado “Muito Urgente – Despacho de nomeação de AJP em PEAP – Suspensão do processo Executivo – Proc n.º 9/22...., Juízo de Comércio de Sintra - Juiz ...”, com o seguinte teor:
“Exmo. Senhor Dr. Juiz de Direito /Venho pelo presente meio remeter, em anexo, e para seu conhecimento, despacho de nomeação do AJP no âmbito do PEAP que corre termos nos autos número 9/22...., Juízo de Comércio de Sintra - Juiz ... - Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste. / Requeiro, assim, que seja decretado por V. Exa. a suspensão da presente instância. /A requerente”
17. A 26-01-2022 foi exarado o seguinte despacho judicial:
“O imóvel ainda não foi objecto de transmissão porquanto o filho da executada veio exercer direito de remissão mas ainda não comprovou o pagamento do preço.
Por outro lado, resulta dos autos que a executada apresentou plano especial de pagamentos.
Nos termos do artigo 222-E, n.º1 do CIRE “A decisão a que se refere o n.º 4 do artigo 222.º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado acordo de pagamento, salvo quando este preveja a sua continuação.”.
Assim, declaro suspensa a execução relativamente à executada” (sic).
18. A 28-02-2022 A..., Lda., [que juntou procuração forense em 16-02-2022] dirigiu requerimento ao tribunal pedindo, a final: “(…) requer-se a V. Exa., apenas para o caso de não considerar que o prazo de pagamento do preço por parte de quem manifestou o direito de remir, que sejam ordenadas outras diligências necessárias para notificar o filho da Executada, por forma a que o processo prossiga os seus ulteriores tramites e que seja emitido título de transmissão a favor da adquirente A... Lda ou que lhe seja devolvido o preço acrescido de 5% de indemnização tal como legalmente previsto para o caso.”.
19. A 08-04-2022 o tribunal exarou o seguinte despacho judicial:
“Requerimentos com a Ref.8479113
A venda judicial ocorreu no dia 13.12.2021, pelas 09h30.
O proponente A... já há muito que demonstrou o depósito do preço – 81.766,67 €.
BB apresentou requerimento aos autos em 22.12.2021 para exercer direito de remissão. Não demonstrou o depósito do preço.
No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo de Comércio de Sintra - Juiz ... de ... foi, em 04.01.2022, proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório da devedora aqui executada, o que motivou a suspensão da execução em 26.01.2022.
Em face do que vai exposto, ao abrigo do artigo 3º, n.º3 do C.P.C., notifique as partes, sendo a executada na pessoa da Administradora judicial provisória, A..., remidor, para se pronunciarem quanto a eventual emissão de título de transmissão a favor do proponente A....
Prazo: 10 dias” (sic).
20. A 12-04-2022 foi apresentado o seguinte requerimento, dirigido ao tribunal:
“A... Lda, Adquirente/Proponente, notificada a fls… (v/ referência 100004293 de 11/04/2022), vem comunicar ao Tribunal que mantém o interesse na emissão do Título de Transmissão a seu favor e de forma tão breve quanto possível, dado que já depositou o preço há mais de três meses e continua sem poder fazer o quer que seja relativamente ao imóvel”.
21. A 13-04-2022 foi apresentado o seguinte requerimento, dirigido ao tribunal:
“Condomínio ..., ..., exequente melhor identificado nos Autos em epígrafe vem, face à douta notificação, expor e requerer: / O exequente entende que é da máxima justiça que se proceda à emissão do título de transmissão a favor da proponente A.... Esta sociedade apresentou proposta e foi-lhe adjudicado o imóvel penhorado nos Autos. Em tempo, procedeu ao depósito do preço. /BB, filho da executada, apresentou requerimento aos autos em 23/12/2021 para exercer direito de remissão mas até à presente data data não efetuou o depósito do preço. /Por sua vez a executada intentou, em 31/12/2021 no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo de Comércio de Sintra - Juiz ..., Processo Especial para Acordo de Pagamento (CIRE) com o nº9/22..... No entanto, este processo não teve até à data qualquer desenvolvimento relevante. / O ora exequente reclamou o seu crédito neste processo e este foi-lhe reconhecido. / No entanto, nunca foi contactado pela executada para participar nas negociações do acordo. Ainda assim manifestou a sua vontade nesse processo, sem qualquer resposta. /Decorrido o prazo para a obtenção do acordo vieram a executada e a Exma Administradora Judicial solicitar prorrogação o prazo para obtenção de acordo com os credores. /A executada manifestou-se contra a prorrogação solicitada pois o processo Especial para Acordo de Pagamento (CIRE) com o nº9/22.... revelou-se um mero expediente processual dilatório para obstar à emissão do título de transmissão nos presentes Autos, a favor da A.... /Desde 31 de dezembro de 2021 até à presente data não existiu qualquer tentativa de negociação com o credor Condomínio ..., ... ou sequer qualquer resposta à manifestação de vontade deste de participar nas negociações. /A única forma da exequente obter o pagamento do seu crédito é através da emissão do título de transmissão a favor da A.... O filho da executada não pretende efetivamente exercer o direito de remissão, mas apenas obstar à satisfação do crédito do exequente. Aliás, o facto deste não receber as notificações enviadas para a morada por si indicada demonstram o seu desinteresse e falta de vontade em efetivamente exercer o direito de remissão, procedendo ao depósito do preço. /Nestes termos e nos melhores de direito se requer a V. Exa seja ordenada a emissão do título de transmissão a favor da proponente A..., pois esta é a única forma de salvaguardar os interesses legítimos e legalmente tutelados do exequente e da proponente A....”.
22. A 12-05-2022 o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
“A venda judicial ocorreu no dia 13.12.2021, pelas 09h30.
O proponente A... já há muito que demonstrou o depósito do preço –81.766,67 €.
BB apresentou requerimento aos autos em 22.12.2021 para exercer direito de remissão. Não demonstrou o depósito do preço. Consequentemente, determino que remissão fica sem efeito nos termos do artigo 825º do C.P.C, aplicável ex vi artigo 843º, n.º2 do C.P.C..
Por outro lado, a venda judicial, com as devidas adaptações, está sujeita ao regime jurídico da compra e venda prevista no Código Civil.
Assim, a venda executiva reveste a natureza de um negócio jurídico que se realiza com a aceitação de determinada proposta, ficando, contudo, o efeito translativo da propriedade da coisa ou da titularidade do direito sujeito à verificação da condição suspensiva da realização dos depósitos e impostos previstos na lei.
Verificada a condição transfere-se, ispo jure, a propriedade da coisa ou a titularidade do direito, retroagindo esse efeito à data da aceitação da proposta, o que se atestará pelo respetivo título de transmissão.
O registo não tem efeitos constitutivos nem translativos.
No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo de Comércio de Sintra - Juiz ... de ... foi, em 04.01.2022, proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório da devedora aqui executada, o que motivou a suspensão da execução em 26.01.2022.
Consequentemente, tendo a venda ocorrido em face do que vai exposto em momento anterior, determino que o agente de execução emita o título de transmissão a favor do adquirente.
Por sua vez, o bem vendido foi penhorado em 20.06.2018.
A Executada foi regularmente notificada da penhora.
Não deduziu oposição à penhora.
Surgiu após a abertura de propostas agora, alegado, um contrato de arrendamento, datado de 20 de Dezembro de 2019 (cfr. requerimento com a Ref.8311353) referente ao prédio objeto de venda.
Ou seja: é posterior à penhora concretizada nos autos.
Tendo por assente que não conhecemos os termos do contrato de arrendamento e tendo por referência a consulta ao registo predial de maio de 2018, vejamos os efeitos da venda judicial.
Os contratos de arrendamento não sujeitos a registo só não caducam com a venda executiva, se a constituição da relação locativa for anterior à data do registo de penhora, arresto ou garantia invocada na execução.
No caso, temos, claramente, uma penhora anterior ao putativo contrato de arrendamento celebrado.
Nos termos gerais do direito afigura-se-nos que a locação é inoponível ao adquirente do imóvel, extinguindo-se o arrendamento e operando-se a caducidade do contrato, que não prevalece sobre aquela garantia real, após a realização da venda executiva.
Aliás, a penhora como que retira da Executada a disponibilidade dos bens penhorados pois que fica privado que neles praticar atos suscetíveis de colidir com a situação jurídica criada pela penhora, a partir do momento do seu registo.
Assim, o que o Tribunal tem por certo nestes autos, pela convicção jurídica já expressa nestes despacho e em anteriores despachos, é que houve uma venda judicial, que obedeceu a todos os requisitos legais, o remidor procurou protelar os autos sem demonstrar qualquer pagamento do preço, sendo que, face ao vindo aduzir, não se nos afigura que o famigerado contrato de arrendamento possa à venda ser oponível.
Consequentemente, com a venda o arrendamento caduca, porquanto constitui entendimento maioritário na doutrina e na jurisprudência no caso em apreço o de que o arrendamento deve ser considerado abrangido pelo nº 2 do artº 824º CC (cfr. Neste sentido, para além do mais, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 1-6-2010, in www.dgsi.pt), o que se determina.
Notifique, incluindo Administradora Judicial Provisória, remidor e arrendatária.”.
23. A 09-06-2022 a executada veio juntar aos autos requerimento dirigido ao agente de execução com o seguinte teor:
“AA, Executada no processo à margem referenciado, vem requerer o pagamento voluntário das custas e da divida, em conformidade com o disposto no 846º, CPC. /Afim de proceder a pagamento, da quantia atinente as custas e à divida, nos termos do nº 2 do referido preceito legal, solicita a indicação do respetivo valor e emissão de guia para que possa efetuar tal pagamento. /Depois de liquidada a conta, e efetuado o pagamento, deverá ser emitida declaração de extinção da execução, nos termos do art. 849º, nº 1, alínea a) do CPC.”.
24. A 13-06-2022 a oficial de justiça do Juízo de Execução de Ansião – Juiz ..., informou o agente de execução que não foi interposto recurso do despacho de 12-05-2022.
25. Na sequência do requerimento da executada de 09-06-2022, o agente de execução proferiu a seguinte decisão em 14-06-2022:
“(…) - em 16/05/2022 foi o AE signatário notificado do despacho proferido em 12/05/2022 pela Juiz de Direito Dr.ª EE, o qual se junta à presente decisão e onde é possível verificar que: “a venda judicial, com as devidas adaptações, está sujeita ao regime jurídico da compra e venda prevista no Código Civil. Assim, a venda executiva reveste a natureza de um negócio jurídico que se realiza com a aceitação de determinada proposta, ficando, contudo, o efeito translativo da propriedade da coisa ou da titularidade do direito sujeito à verificação da condição suspensiva da realização dos depósitos e impostos previstos na lei. Verificada a condição transfere-se, ispo jure, a propriedade da coisa ou a titularidade do direito, retroagindo esse efeito à data da aceitação da proposta, o que se atestará pelo respetivo título de transmissão. O registo não tem efeitos constitutivos nem translativos.”
- Tendo o proponente já depositado a restante parte do preço em 27/12/2021, tendo sido registado em conta do AE – executados em 28/12/2021 e o comprovativo do pagamento dos respectivos impostos IMT e IS liquidados e pagos em 28/12/2021, conforme documentos que se juntam à presente.
- Assim, verificando-se já o depósito do preço e o pagamento dos impostos, já ocorreu a venda do imóvel penhorado nos presentes autos.
- Mais é determinado pela Dr.ª Juiz, no despacho acima mencionado, que o agente de execução emita o título de transmissão.
- O despacho acima mencionado transitou em julgado em 03/06/2022, sem que tenha sido interposto qualquer recurso, conforme notificação de 13/06/2022, que se junta à presente.
- Assim considera o AE signatário que o pedido efectuado pela executada, em 09/06/2022, com a refª. 42544109, que se junta à presente, é extemporâneo, pelo que decide o AE não aceitar o teor do pedido formulado pela executada, atendendo que já ocorreu a venda do imóvel e já se obteve o valor suficiente para pagamento da dívida exequente e demais acréscimos legais.
A presente decisão irá, nesta data, ser notificada a todos os intervenientes processuais, para, no prazo de 10 dias, querendo, da mesma poderem reclamar junto do Mmo Juiz do processo, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do art.º 723.º CPC.”.
26. A 14-06-2022, a executada juntou ao processo o seguinte requerimento:
“AA, Executada no processo à margem referenciado, vem dizer e requerer a V. Exa o seguinte. /Aos 09 de julho de 2022, através de comunicação dirigida ao agente de execução, veio a executada requerer o pagamento voluntário da divida e das custas, em conformidade com o disposto no 846º, CPC. (vide referência citius – 8793852) /Acontece porém, que, até ao momento, não logrou obter as guias necessárias para materializar aquele pedido. /Assim, vem através de depósito autónomo com a referência ...90, no montante de € 22.000,00 (vinte e dois mil euros), efetuar o pagamento voluntário da divida, juros e de todas as custas processuais. /Com o depósito daquela quantia ficam assegurados todos os montantes devidos nos presentes autos, pelo que se requer a notificação do Agente de Execução para elaboração da conta final, de molde a que, após a liquidação, seja feita a devolução do crédito que se venha a apurar. / Depois de liquidada a conta, deverá ser emitida declaração de extinção da execução, nos termos do art. 849º, nº 1, alínea a) do CPC.”.
27. A 20-06-2022, a adquirente juntou ao processo o seguinte requerimento:
“A... Lda, Adquirente/Proponente, notificada do despacho do ilustre Agente de Execução a fls…, vem informar o Tribunal que está completamente de acordo com o teor do mesmo, designadamente que o último despacho de V. Exa. a ordenar a emissão do título de transmissão transitou em julgado em 03/06/2022, pelo que nada mais há obstar relativamente à emissão do mesmo, nem mesmo o depósito autónomo apresentado pela Executada que é completamente extemporâneo e, por conseguinte tem que ser desconsiderado.”.
28. A 27-06-2022 a executada apresentou reclamação da decisão proferida pelo agente de execução, datada de 14-06-2022, nos termos do art. 723.º do CPC, requerendo que tal decisão fosse revogada e determinada a extinção da instância nos termos do art. 849.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, na sequência do pagamento voluntário da obrigação exequenda em 14 de Junho de 2022 (art. 846.º, n.º 1).
29. A 04-07-2022 o tribunal exarou o seguinte despacho:
“No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo de Comércio de Sintra - Juiz ... de ... foi, em 04.01.2022, proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório da devedora aqui executada, o que motivou a suspensão da execução em 26.01.2022.
Informe a executada se deu conhecimento do por si pretendido em 09.06.2022 ao PER, uma vez que, no fundo o por si pretendido consiste num pagamento a um credor, podendo colocar em causa o princípio da igualdade dos credores previsto no CIRE.”.
30. A 13-07-2022 foi proferida no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo de Comércio de Sintra – Juiz ... de ..., sentença de declaração de insolvência da executada AA.
31. A 18-07-2022 a exequente manifestou interesse na prossecução da execução.
32. A 22-07-2022 a executada apresentou no processo o seguinte requerimento:
“AA, Executada no processo à margem referenciado, vem dizer e requerer a V. Exa o seguinte. /Face à notificação que lhe foi feita via citius – ref. 100887511, aos 06/07/2022, cumpre esclarecer. / A executada aquando do depósito do preço, fez um requerimento ao PER informando que pretendia por termo às negociações, de molde a que pudesse efetuar o pagamento nos presentes autos. / Entretanto, foi declarada a sua insolvência. / Tendo, a executada, já apresentado oposição mediante embargos. (doc. 1) que se junta e se considera reproduzido para todos os devidos e legais efeitos. /Conforme se extrai da douta oposição o pagamento efetuado nos presentes autos, foi com recurso ao apoio dos seus filhos e atendendo ás circunstâncias melhor descritas na oposição (vide. Artigo 10º da douta oposição). /Pelo exposto, entende que o pagamento efetuado nos presentes autos terá que produzir todos os legais efeitos.”.
33. A 08-09-2022 a administradora da insolvência fez chegar ao processo requerimento dirigido ao agente de execução com o seguinte teor:
“FF, Administradora Judicial nomeada no Procº12589/22...., que corre termos no Juízo de Comércio de Sintra-Juiz ..., e no qual foi declarada insolvente AA, vem de acordo com o disposto no art. 88º do CIRE, requerer a V.Exa., se digne ordenar a suspensão das diligências executivas ordenadas contra a insolvente.”.
34. A 08-09-2022 a administradora da insolvência requereu ao tribunal da execução:
“FF, Administradora Judicial nomeada no Procº12589/22...., que corre termos no Juízo de Comércio de Sintra-Juiz ..., e no qual foi declarada insolvente AA, vem de acordo com o disposto no art88º do CIRE, requerer a V.Exa., se digne ordenar a suspensão das diligências executivas ordenadas contra a insolvente.
Mais requer a V.Exa., se digne ordenar ao(à) Agente de Execução nomeado(a) nos autos, para entregar à Administradora da Insolvência, os eventuais valores e/ou bens que tenham sido penhorados à insolvente, de acordo com o disposto na alínea a) do art.149º do CIRE.”.
35. A 22-09-2022 o tribunal a quo exarou o seguinte despacho:
“A venda do bem já ocorreu.
Os despachos proferidos em 08.04.2022 e 12.05.2022 mostram-se transitados.
O valor da venda permite acautelar o pagamento do crédito exequendo e do reclamado.
Assim sendo, o pagamento voluntário que a executada pretende realizar carece de sentido, uma vez que já não tem a virtualidade desde sempre pretendida de obstar à venda do bem em causa.
Na verdade, já não existe crédito exequendo nem reclamado que não esteja já solvido pelo produto da venda (artigo 843º, n.º 3 do C.P.C.).
O que cumpre realizar, da parte do agente de execução, é a liquidação dos autos, o que se determina.
Havendo valores depositados em excesso, deverá ser dado conhecimento pelo agente de execução ao processo de insolvência para os devidos efeitos, designadamente de apreensão./ Notifique.”.
35-A. A 19-10-2022 o agente de execução passou título de transmissão a favor da adquirente A..., Lda..
36. A 20-10-2022 o agente de execução juntou ao processo requerimento contendo “(…) a nota discriminativa e justificativa dos honorários e despesas do AE, e notificações feitas às partes, à venda do imóvel nos presentes autos, tem conseguido o valor suficiente para pagamento da quantia exequenda, crédito reclamado e custas do processo, onde de incluem os honorários do AE.
Junta: nota discriminativa e justificativa dos honorários e despesas do AE, notificações feitas às partes.”.
37. A 26-10-2022 a administradora da insolvência juntou requerimento com o seguinte teor:
“FF, Administradora Judicial nomeada no Procº12589/22...., que corre termos no Juízo de Comércio de Sintra-Juiz ..., e no qual foi declarada insolvente a executada AA, tendo sido notificada pelo Ilustre Agente de Execução de que há valores para serem entregues à massa insolvente, vem requerer a inserção do IBAN da Massa Insolvente no presente processo, de modo a poder ser feita a transferência do referido valor.”.
38. A 31-10-2022 a executada veio recorrer do despacho de 22-09-2022.
39. Por despacho de 14-12-2022, por considerar o recurso intempestivo, o tribunal não admitiu a admissão do recurso.
40. A 11-01-2023 a executada veio reclamar da não admissão do recurso, nos termos do art. 643.º do CPC, tendo sido deferida a reclamação e ordenada a subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo do recurso, por decisão individual do Tribunal da Relação de Coimbra de 09-03-2023 (Apenso C).
41. A 26-04-2023 foi proferida a seguinte decisão individual no Tribunal da Relação de Coimbra: “Na procedência do recurso, revogamos a decisão proferida no Juízo de Execução de Ansião - Juiz ..., sustando-se a execução, a menos que o depósito seja manifestamente insuficiente, seguindo-se a liquidação de toda a responsabilidade da executada, nos termos da norma do art.º 847.º e a posterior extinção da instância de acordo com alínea a) do n.º 1 do artigo 849.º do Código de Processo Civil.”. (Apenso D).
41-A. A 23-05-2023 o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho no Apenso D:
“Tomei conhecimento do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra.
Dê conhecimento da baixa dos auto sujeitos processuais.
Dê conhecimento ao agente de execução para agir em conformidade com o superiormente decidido em sede de execução.
Para os fins tidos por conveniente comunique o Acórdão proferido ao processo 12589/22.... do Juízo do Comércio de Sintra, J....”
42. Na sequência da notificação daquela decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, o agente de execução apresentou a 27-06-2023 o seguinte requerimento no processo:
“(…) - O AE foi notificado da decisão do Tribunal da Relação de Coimbra em 27/04/2023;
- Foi notificado no dia 22/06/2023, que a decisão, transitou em julgado;
- Não obstante a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, o imóvel objeto do presente litígio, foi transmitido a um terceiro, conforme descrição que se anexa;
Pelo acima exposto, vem o AE acima signatário requer, mui respeitosamente, a V. Exa. se digne ordenar o que tiver por conveniente. (…).”.
43. A 29-09-2023 o tribunal a quo exarou o seguinte despacho:
“O agente de execução tem de agir em conformidade com o decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, ou seja:
- sustar a execução a menos que o depósito seja manifestamente insuficiente, seguindo-se a liquidação de toda a responsabilidade da executada, nos termos da norma do art.º 847.º e a posterior extinção da instância de acordo com alínea a) do n.º 1 do artigo 849.º do Código de Processo Civil.
- por outro lado, liquidada toda a responsabilidade da executada e custas do processos, a venda ficou sem efeito, com base naquele acórdão, pelo que deverá devolver o preço liquidado ao comprador e anular o registo de aquisição.
- deverá informar ainda o Administrador de Insolvência da identificação do imóvel que volta à esfera jurídica da devedora/insolvente.”.
44. A 23-10-2023 a adquirente do imóvel apresentou o seguinte requerimento dirigido ao sr. agente de execução:
“A... Lda, Adquirente/Proponente, notificada do despacho do ilustre Agente de Execução a fls…, vem informar que é completamente alheia ao que sucedeu após a emissão do título de transmissão e confiando que estava tudo devidamente consolidado em termos judiciais, realizou benfeitorias no imóvel e transacionou-o no âmbito da sua actividade comercial.
Com efeito, tudo o que vier a suceder à posteriori que altere a realidade existente actual a Adquirente/Proponente irá accionar todos os meios legais para responsabilizar quem de direito, máxime o Estado Português, por todos os danos emergentes e lucros cessantes.”.
45. A 08-11-2023 a administradora da insolvência apresentou o seguinte requerimento dirigido ao agente de execução:
“FF, Administradora Judicial nomeada no Procº12589/22...., que corre os seus termos no Juízo de Comércio de Sintra-Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, tendo recebido a comunicação enviada por V.Exa., no dia 06.11.2023, na qual é junto, o douto despacho proferido em 29.09.2023, vem requerer a V.Exa., se digne entregar à massa insolvente o valor depositado no processo executivo pela venda do imóvel, uma vez que o mesmo foi transmitido por duas vezes, encontrando-se actualmente registado em nome de terceiro de boa-fé e com uma hipoteca registada sobre o mesmo. / Para efeitos de transferência do valor acima referido, informamos V.Exa. que no dia 26 de Outubro de 2022, requeremos neste processo a inserção do IBAN da Massa Insolvente.”.
46. A 08-11-2023 a administradora da insolvência apresentou o seguinte requerimento dirigido ao tribunal:
“FF, Administradora Judicial nomeada no Procº12589/22...., que corre os seus termos no Juízo de Comércio de Sintra-Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, tendo tomado conhecimento no dia 06.11.2023, do douto despacho proferido no presente processo em 29.09.2023, vem requerer a V.Exa., se digne ordenar ao Agente de Execução, a entrega à massa insolvente, do valor depositado neste processo, relativo à venda do imóvel que era propriedade da insolvente, uma vez que tal imóvel foi já transmitido por duas vezes, encontrando-se actualmente registado em nome de terceiro de boa-fé, e com uma hipoteca registada sobre o mesmo, o que impede a apreensão desse imóvel para a massa insolvente. /Na eventualidade de V.Exa. assim não entender, requeremos a V.Exa., se digne ordenar ao Ilustre Agente de Execução, que proceda ao cancelamento de todos os ónus e/ou encargos inscritos no referido imóvel, e que foram consequência da venda, cuja anulação foi ordenada.”.
47. A 13-11-2023 o tribunal a quo exarou o seguinte despacho:
“Depreendendo-se do requerimento da Sra. Administradora de Insolvência datado de 08.11.2023 que no exercício das suas funções pretende manter a venda do imóvel realizada nestes autos, notifique o Agente de Execução para entregar o valor depositado nestes autos por conta do preço à massa insolvente de AA, o que deverá realizar após trânsito em julgado do presente despacho.
Notifique, incluindo o adquirente A..., Lda.”.
48. A 14-11-2023 a executada apresentou o seguinte requerimento dirigido ao tribunal:
“AA, Executada no processo à margem referenciado, vem pelo presente dar conhecimento a V. Exa. do Requerimento por si apresentado no processo de Insolvência, no qual pediu o encerramento do processo de insolvência, ao abrigo do disposto no artigo 230.º, n.º 1, alínea c), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, por deixar de se encontrar em situação de insolvência e por consentimento expresso dos credores GG e B..., S. A.”.
49. A 14-11-2023 o agente de execução dirigiu a seguinte notificação à administradora da insolvência:
“Em resposta ao requerimento com a ref.ª 47055861, Fica V. Exa. notificada que existe Despacho Judicial, que já transitou em julgado a ordenar a anulação da venda, pelo que o AE ora aqui signatário, está a aguardar a emissão da respetiva certidão do Tribunal, com os documentos necessários para entregar na Conservatória do Registo Predial, para instruir o pedido de registo de anulação da venda, pelo que não é possível para já entregar quaisquer valores.”.
50. A 05-12-2023 a executada veio recorrer do despacho de 13-11-2023.
51. A 07-12-2023 a administradora da insolvência veio-se pronunciar nos seguintes termos:
“(…) tendo tomado conhecimento da apresentação de recurso por parte da insolvente no dia 05.12.2023, relativamente ao douto despacho proferido no presente processo em 13.11.2023, o qual deferiu a pretensão da administradora judicial, no sentido de ser entregue à massa insolvente, o valor da venda do imóvel concretizada nestes autos, vem expor e requerer a V.Exa. o seguinte:
- A declaração de insolvência priva o insolvente dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.
-Além disso, com a declaração de insolvência, caducam os contratos de mandato que não se mostrem ser estranhos à massa insolvente.
- E é assim que nos termos do disposto no art.85º, nº3 do CIRE, cabe ao administrador da insolvência, substituir o insolvente, em todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, cujo resultado possa influenciar o valor da massa.
- Assim sendo e de acordo com o disposto no art.81º do CIRE, a insolvente não tem legitimidade para apresentar recurso de uma decisão com efeitos de carácter patrimonial que interessam à insolvência, o que é o caso da apreensão dos valores depositados no presente processo executivo, pretensão essa por nós comunicada ao processo, nomeadamente com a junção do IBAN da massa insolvente em 26.10.2023, bem como ao Ilustre agente de execução nomeado, sendo que decorrido que foi mais de um ano, tal valor ainda não foi transferido.
- Ainda segundo o mesmo dispositivo legal, é desde a data da declaração de insolvência, que a ora signatária que assume a representação da devedora para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência e foi no âmbito de tais poderes que sempre enviou todos os requerimentos a este processo, nomeadamente o requerimento no qual solicitou a apreensão de todos os valores depositados no presente processo executivo.
- Por outro lado, e de acordo com o disposto no art.112º do CIRE, com a declaração de insolvência do representado, caducam as procurações que digam respeito ao património integrante da massa insolvente, o que se aplica ao caso concreto, pelo que reiteramos que a insolvente, não tem legitimidade para continuar a intervir no presente processo executivo, no que respeita à entrega e apreensão de todos os valores aqui depositados, devendo tal ser declarado, com as devidas consequências legais.
Em conclusão, a insolvente, encontra-se legalmente impedida de praticar actos de carácter patrimonial que interessem à insolvência, não tendo assim qualquer legitimidade para a instauração do recurso, pelo que deve o mesmo ser indeferido, por todos os motivos acima indicados, devendo ser ordenada a entrega à massa insolvente, de todos os valores que se encontrem depositados no presente processo, os quais no processo de insolvência irão servir para pagamento das custas e despesas do processo, sendo o remanescente para ser pago aos credores, e no caso de existirem sobras, as mesmas irão ser entregues à insolvente.”.
52. A 10-01-2024 a executada veio apresentar requerimento dirigido ao processo, em resposta à administradora da insolvência, com o seguinte teor:
“AA, Executada no processo à margem referenciado, notificada do Requerimento apresentado pela Sra. Administradora Judicial em 07 de dezembro de 2023, vem, muito respeitosamente, responder ao mesmo nos termos que se seguem:
1. Salvo o muito e devido respeito, nenhum motivo se divisa nos presentes autos que viabilize ou legitime a inferência que os interesses da massa insolvente não se acham devidamente acautelados até à data em função da litigância desenvolvida nos presentes autos.
2. Temos que a abordagem forense materializada nos autos se apresenta sem mácula, ao ponto de não se pôr a necessidade de representação/substituição da Executada.
3. Atente-se que o recurso apontado em nada belisca o património integrante da massa insolvente, porquanto (apenas) reclama que o Despacho recorrido violou a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26 de abril de 2023 e incorreu em contradição insanável com os despachos anteriormente proferidos, em 23 de maio de 2023 e 29 de setembro de 2023
4. Com efeito, os interesses da massa insolvente, representada pela Sra. Administradora Judicial, não deixam de estar acautelados através do recurso interposto.
5. Razão pela qual se entende que a Executada dispõe não só de capacidade judiciária como também da necessária legitimidade processual, podendo assim estar em juízo.
Ademais,
6. Em 05 de janeiro de 2024 a Executada, ao abrigo do disposto no artigo 230.º, n.º 1, alínea c), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, requereu o encerramento do processo de Insolvência, por deixar de se encontrar em situação de insolvência.
7. Requerimento mediante o qual comprovou ter liquidado no dia 04 de janeiro de 2024 o crédito reconhecido à credora (aqui Exequente) Condomínio do Ed. Rua ..., ..., no valor de 18.691,97 euros [capital (€ 17.645,79) + juros (€ 1.046,18)].
8. Sendo que, com a liquidação supra, todos os credores estão pagos.
9. E o pagamento das custas de parte devidas à Exequente asseguradas através do depósito autónomo efetuado pela Executada em 14 de junho de 2022, no montante de 22.000,00 euros.
10. Daí que, em rigor, não existam interesses de credores a salvaguardar, finalidade que encerra a representação (substituição) por parte do administrador.
Nestes termos e nos melhores de direito, por inexistir necessidade de representação (substituição) por parte da Sra. Administradora da Insolvência, deverá ser indeferido o pedido de caducidade do mandato forense celebrado e da procuração forense outorgada pela Executada ao seu Advogado.”.
63. Por despacho de 08-02-2024, o tribunal não admitiu o recurso interposto pela executada em 05-12-2023, por considerar existir ilegitimidade da recorrente.
64. A 27-02-2024, a executada veio reclamar da não admissão do recurso, nos termos do art. 643.º do CPC, tendo sido tendo sido proferida decisão individual pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 30-04-2024, considerando que:
“(…) O recurso tornou-se, deste modo, supervenientemente inútil. O que, por sua vez, se reflecte neste incidente, pois dessa forma torna-se igualmente inútil discutir a admissibilidade do recurso (pois à sua admissão seguir-se-ia a extinção da instância de recurso por inutilidade; a sua não admissão seria redundante) – art. 277º al. e) do CPC.
As custas devem correr por conta da reclamante, atento o disposto no art. 536º n.º3 do CPC - não valendo no caso o disposto no n.º1 do mesmo artigo quer por a exequente ser estranha à questão suscitada, quer não estar adquirido o mérito da questão suscitada (de todo o modo, a avaliação apenas se reflecte na exclusão do efeito do pagamento nas custas de parte).
Assim, julgo extinta a presente reclamação por inutilidade superveniente.
Custas pela recorrente.
Notifique-se.”.
65. A 07-06-2024 a executada apresentou o seguinte requerimento no processo:
“AA, executada no processo à margem referenciado, vem pelo presente dar conhecimento a V. Exa. do douto despacho proferido em 03.04.2024 no processo de insolvência que correu termos no Juiz ... do Juízo de Comércio de Sintra, a que corresponde a referência eletrónica 150151287, que declarou o encerramento do processo em que foi declarada a insolvência da aqui executada e determinou a cessação de todos os efeitos decorrentes da declaração de insolvência, conforme anúncio publicado na mesma data no Portal Citius.
Mais requer a V. Exa. que ordene o cumprimento do despacho proferido em 29.09.2023, em conformidade com o decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 26.04.2023” (sic).
66. A 23-09-2024 o tribunal a quo exarou o despacho recorrido:
“Em sede de apenso C, a reclamação aí intentada foi admitida e, portanto, o recurso interposto foi admitido, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo – decisão datada de 09.03.2023.
O recurso da Executada foi, posteriormente, por decisão singular do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 14.04.2023 foi decidido “na procedência do recurso, revogamos a decisão proferida no Juízo de Execução de Ansião - Juiz ..., sustando-se a execução, a menos que o depósito seja manifestamente insuficiente, seguindo-se a liquidação de toda a responsabilidade da executada, nos termos da norma do art.º 847.º e a posterior extinção da instância de acordo com alínea a) do n.º 1 do artigo 849.º do Código de Processo Civil”.
Sucede que, o título de transmissão do imóvel foi emitido em 19.10.2022.
O imóvel já foi transmitido a terceiros (cfr. Ap. ...2 de 2023/03/30).
A administradora de insolvência ainda antes do encerramento da insolvência, e, portanto, no exercício pleno das suas atribuições, declarou manter a compra e venda realizada – cfr. Requerimento datado de 08.11.2023.
Assim sendo, em face do encerramento da insolvência, nada mais cumpre entregar à massa insolvente, pelo que, notifique o Agente de Execução para entregar o valor depositado nestes autos por conta do preço à executada AA, o que deverá realizar após trânsito em julgado do presente despacho.
Notifique e oportunamente arquive”.
*
B. Fundamentação de Direito
Optámos por indicar as incidências processuais mais relevantes do processo executivo – e seus apensos –, para melhor se compreender a sua dinâmica e, desde já se adianta, o erro em que o tribunal a quo laborou após a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 26 de Abril de 2023.
Como ficou exarado, de modo inequívoco, na parte relevante daquela decisão da Relação de Coimbra, há muito transitada em julgado:
“(…) Pelo Juízo de Execução de Ansião - Juiz ... foi proferida a seguinte decisão:
“A venda do bem já ocorreu.
Os despachos proferidos em 08.04.2022 e 12.05.2022 mostram-se transitados. O valor da venda permite acautelar o pagamento do crédito exequendo e do reclamado. Assim sendo, o pagamento voluntário que a executada pretende realizar carece de sentido, uma vez que já não tem a virtualidade desde sempre pretendida de obstar à venda do bem em causa.”
Na verdade, já não existe crédito exequendo nem reclamado que não esteja já solvido pelo produto da venda (artigo 843º, n.º3 do C.P.C.).
O que cumpre realizar, da parte do agente de execução, é a liquidação dos autos, o que se determina.
Havendo valores depositados em excesso, deverá ser dado conhecimento pelo agente de execução ao processo de insolvência para os devidos efeitos, designadamente de apreensão.
Notifique.
Ansião, d.s.”.
AA, executada no processo em epígrafe, não se conformando com o mesmo dele interpôs recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
I. Na presente ação executiva a Executada/Recorrente apresentou, em 27 de junho de 2022 (referência 8835426), reclamação da decisão proferida pelo agente de execução, datada de 14 de junho de 2022 (referência 8801258), requerendo que tal decisão fosse revogada e determinada a extinção da instância nos termos do artigo 849.º, n.º 1, alínea a), do CPC, na sequência do pagamento voluntário da obrigação exequenda (artigo 846.º, n.º 1, do CPC), efetuado em 14 de junho de 2022 (referência 8802723 e 8802724).
II. Encontrando-se em causa a reclamação de uma decisão do agente de execução com fundamento na ilegalidade por violação da lei processual (artigo 849.º, n.º 1, alínea a), do CPC), deve ser admitida a impugnação da decisão judicial, pois na sua génese está uma decisão vinculada do agente de execução, como tal, recorrível.
III. A decisão impugnada é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, uma vez que não se encontra fundamentada, mormente não se mostra justificado que o despacho proferido em 12 de maio de 2022 (referência 100275403) se mostrava transitado em 14 de junho de 2022, data em que a Recorrente procedeu ao pagamento voluntário da execução.
IV. O despacho sob recurso limitou-se a determinar que o despacho de 12 de maio de 2022 mostra-se transitado, quando a Recorrente defendeu o contrário, estando-se perante uma questão claramente controvertida. Nessa medida a decisão correspondente não podia prescindir da correspondente fundamentação, ainda que simplificada, mas minimamente esclarecedora das razões que determinaram o Tribunal a quo considerar tal despacho transitado.
V. Verificando-se, pois, uma ausência total de fundamentos de facto e de direito, em violação do disposto nos art.os 154 .º do CPC e 205.º da Constituição da República Portuguesa, sendo a decisão recorrida, por isso, nula, nos termos dos art.os 615, n.º 1, alínea b), e 613.º, n.º 3, do CPC.
VI. Por requerimento apresentado em 09 de junho de 2022 (referência 8793852), ao abrigo do citado artigo 846.º do CPC, a Recorrente pretendeu liquidar a sua responsabilidade na execução, requerendo ao agente de execução a emissão de guia para proceder ao pagamento da quantia exequenda e das custas da execução.
VII. Não tendo o agente de execução fornecido a guia para o efeito, a Recorrente procedeu em 14 de junho de 2022 ao depósito autónomo da quantia de € 22.000,00 (vinte e dois mil euros), assegurando com tal montante depositado o pagamento do crédito da exequente e as custas de execução, designadamente os honorários e despesas devidos ao agente de execução.
VIII. O agente de execução, na mesma data (referência 8801258), decidiu “não aceitar o teor do pedido formulado pela executada”, por entender – erradamente – que era extemporâneo.
IX. Entendeu o agente de execução que o despacho proferido em 12 de maio de 2022 e notificado em 16 de maio de 2022, que indeferiu o direito de remissão exercido pelo filho da Recorrente (BB) e determinou a emissão do título de transmissão a favor do adquirente, tinha transitado em julgado em 03 de junho de 2022, certamente apoiado na informação incorreta prestada pela secção em 13 de junho de 2022 (referência 100637761); e
X. Que a venda do imóvel penhorado nos presentes autos (já) tinha ocorrido, por o proponente ter realizado o depósito do preço e liquidado os impostos, valor que acautelaria o pagamento de todos os montantes devidos nos presentes autos, em clara violação do disposto no artigo 846.º, n.º 1, do CPC.
XI. O despacho recorrido acolheu a decisão do agente de execução, entendendo que a decisão final do incidente de remissão, datada de 12 de maio de 2022, se mostrava transitada, desconsiderando, salvo o devido respeito, que à apelação prevista no artigo 853.º, n.º 2, alínea d), do CPC, é aplicável o prazo normal de recurso de 30 dias.
XII. Tendo a notificação do despacho de 12 de maio de 2022 sido elaborada no dia 16 de maio de 2022 (referência 100344432), ter-se-á por efetuada no dia 19 de maio de 2022 e transitado o despacho em julgado no dia seguinte ao do fim do prazo de 30 dias para recurso, ou seja, em 21 de junho de 2022.
XIII. O agente de execução e, bem assim, a secção na informação prestada àquele em 13 de junho de 2022, parecem ter confundido o prazo do recurso sobre a decisão de remissão, considerando o reduzido de 15 dias ao invés do prazo normal aplicável de 30 dias.
XIV. O requerimento apresentado pela Recorrente em 09 de junho de 2022 e o pagamento voluntário da obrigação exequenda, além de tempestivos, porque apresentados antes de decorridos 30 dias da notificação do aludido despacho de 12 de maio de 2022, é o expediente/ procedimento legal adequado para impedir a venda do imóvel penhorado, libertar a execução do bem da Recorrente.
XV. Na data em que a Recorrente pretendeu liquidar a sua responsabilidade na execução (09.06.2022), e bem assim na data em que efetuou o depósito autónomo da quantia de € 22.000,00 (14.06.2022), para pagamento voluntário da obrigação exequenda, o agente de execução (ainda) não havia emitido o título de transmissão, pelo que a venda ainda não se mostra(va) concretizada.
XVI. Tendo a Recorrente requerido e procedido ao pagamento da sua responsabilidade, em conformidade com o disposto no artigo 846.º, antes da emissão do título de transmissão, deveria o Tribunal a quo ter determinado a sustação da execução, nos termos do disposto no artigo 846.º, n.º 4, do CPC.
XVII. E verificado o pagamento da quantia liquidada nos termos do artigo 847.º, do CPC, na sequência do pagamento voluntário (artigo 846.º, n.º 1, do CPC), ter ocorrido a extinção automática da execução nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 849.º do CPC.
XVIII. O Despacho recorrido, ao não atender à Reclamação apresentada, violou, entre mais, os artigos 154.º, 827.º, n.º 1, 846.º, n.os 1 e 4, 847.º, n.º 2, 849.º, n.º 1, alínea a), 853.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil, e 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos e nos melhores de Direito, e sempre com o Douto Suprimento de Vossas Excelências, deve o despacho recorrido ser declarado nulo por falta de fundamentação; caso assim se não entenda, ser revogado e substituído por outro que determine a anulação da decisão do agente de execução de 14 de junho de 2022 e de todos os atos subsequentes a essa decisão e que dela sejam dependência necessária, incluindo a venda do imóvel penhorado nos presentes autos, e a extinção da instância de acordo com alínea a) do n.º 1 do artigo 849.º do Código de Processo Civil.
Assim se espera, confiadamente, na certeza de que Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, farão a costumada Justiça”.
2. Do objecto do recurso
São as seguintes as questões a resolver:
A. Da nulidade da decisão;
Alega a Apelante:
“III. A decisão impugnada é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, uma vez que não se encontra fundamentada, mormente não se mostra justificado que o despacho proferido em 12 de maio de 2022 (referência 100275403) se mostrava transitado em 14 de junho de 2022, data em que a Recorrente procedeu ao pagamento voluntário da execução.
IV. O despacho sob recurso limitou-se a determinar que o despacho de 12 de maio de 2022 mostra-se transitado, quando a Recorrente defendeu o contrário, estando-se perante uma questão claramente controvertida. Nessa medida a decisão correspondente não podia prescindir da correspondente fundamentação, ainda que simplificada, mas minimamente esclarecedora das razões que determinaram o Tribunal a quo considerar tal despacho transitado.
V. Verificando-se, pois, uma ausência total de fundamentos de facto e de direito, em violação do disposto nos art.os 154 .º do CPC e 205.º da Constituição da República Portuguesa, sendo a decisão recorrida, por isso, nula, nos termos dos art.os 615, n.º 1, alínea b), e 613.º, n.º 3, do CPC”.
Diz-nos a norma do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código do Processo Civil – será o diploma a citar sem menção de origem: “É nula a sentença quando: (….) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (…)”. Mas, tal só ocorre quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto e/ou de direito das decisões, não abrangendo as eventuais deficiências dessa fundamentação, ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto da decisão judicial.
Ora, lendo a decisão em causa – ““A venda do bem já ocorreu. Os despachos proferidos em 08.04.2022 e 12.05.2022 mostram-se transitados. O valor da venda permite acautelar o pagamento do crédito exequendo e do reclamado. Assim sendo, o pagamento voluntário que a executada pretende realizar carece de sentido, uma vez que já não tem a virtualidade desde sempre pretendida de obstar à venda do bem em causa (…).”, percebemo-la, está justificada.
O dever geral de fundamentação deve ser ajustado, na sua exigência e detalhe, à complexidade do caso e à natureza da decisão, nomeadamente quanto aos despachos intercalares, em que os elementos que os fundamentam fluem do próprio processo. Nestes casos, não tem que se cumprir rigorosamente os n.os 3 e 4 do art. 607.º e segmentar/autonomizar a fundamentação de facto e a fundamentação de direito, podendo proceder às duas fundamentações em simultâneo, aludindo aos concretos factos, a propósito do seu enquadramento jurídico.
Por isso, afastada fica a alegada nulidade.
B. Da decisão proferida a 12 de Maio de 2022 - referência 100275403;
Como já decidimos no âmbito da Reclamação, “nos termos do artigo 723.º, n.º 1, al. c), do CPC, além de outras intervenções, compete ao juiz julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de atos e impugnações de decisões do agente de execução.
Perante a prática de um acto executivo ou a prolação de uma decisão do agente de execução, importa, antes de mais, verificar se a lei prevê um específico meio processual de reacção (como é o caso da oposição à penhora pelo executado, a oposição mediante embargos de terceiro, etc.), caso em que é preterida a aplicação das alíneas c) e d) do n.º 1 daquele artigo. Inexistindo esse meio, tem aplicação o expediente da reclamação de actos e de impugnação de decisões do agente de execução.
A decisão judicial que recaia sobre a reclamação de acto ou sobre a impugnação de decisão do agente de execução será recorrível se se verificar alguma das situações elencadas nos artigos 644.º, n.º 2, e 629.º, n.º 2 – Ver José Lebre de Freitas, Armino Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3.º, Almedina, 3.ª edição, pág. 420.
Cabe, no entanto, aqui referir que a doutrina - Cfr. A.S. Abrantes Geraldes, L.F. Pires de Sousa e P. Pimenta, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, nota 14 ao artigo 723.º e autores aí citados - e a jurisprudência, advogam uma interpretação restritiva do artigo 723.º, n.º 1, al. c), por forma a admitir o recurso de despacho que decida aquelas reclamação e impugnação, desde que o acto ou decisão do agente de execução sejam vinculados.
Pode ler-se, a este propósito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.07.2019/Proc. n.º 13644/12.9.YYLSB-C.L1-2, pesquisável em www.dgsi.pt:
“I. Admite-se justificar-se que, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 723.º do CPC, a atuação do agente de execução seja alvo de um único nível de controlo jurisdicional, no pressuposto de que ao juiz de execução ficou reservado o julgamento “das questões em que exista um litígio de pretensões”.
II. Em princípio, o acto de liquidação da responsabilidade do executado, efetuado pelo agente de execução na pendência da execução e tendo em vista a sua extinção pelo pagamento voluntário, nos termos dos artigos 846.º e 847.º do CPC, não envolve o dirimir de um conflito, mas uma mera operação aritmética de cálculo do que é devido, incluindo as custas (…)
IV. Porém, se entre as partes surgiu controvérsia acerca da inclusão, ou não, no âmbito da obrigação exequenda, dos juros de mora vencidos após a instauração da execução - alcançando uma verba que ultrapassa os € 700.000,00 -, a questão excede a mera dúvida sobre a correção de um cálculo aritmético, revestindo, antes, a natureza de um verdadeiro litígio, de um conflito acerca do alcance económico do poder de agressão do património da executada que cabe à exequente neste procedimento executivo. E essa qualificação não é arredada pela eventual simplicidade da respetiva apreciação.
V. Nesse caso, deve admitir-se o recurso do despacho judicial proferido sobre reclamação apresentada pela executada contra a nota de liquidação elaborada pelo agente de execução, assim se interpretando restritivamente a alínea c) do n.º 1 do art.º 723.º do CPC, na medida em que uma ideia de irrecorribilidade absoluta colidiria com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva (art.º 20.º n.ºs 1 e 4, da CRP).
Conforme o artigo 638.º, n.º 1, “o prazo para a interposição do recurso é de 30 dias, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no n.º 2 do artigo 644.º e no artigo 677.º”.
Quanto à tramitação dos recursos em processo executivo existem preceitos especiais, razão pela qual só serão aplicáveis as disposições reguladoras do processo de declaração se não houver lugar à aplicação dos preceitos específicos.
Ora, no processo executivo, em matéria de recursos, regem os arts. 852º a 854º - cfr., ainda, nº2 e 3, do art.º 551º, que determinam que à execução para prestação de facto são aplicáveis, na parte em que o puderem ser, as disposições relativas à execução para pagamento de quantia certa e que à execução sumária se aplicam subsidiariamente as disposições do processo ordinário -, consagrando aquele preceito que aos “ recursos de apelação … de decisões proferidas no processo executivo são aplicáveis as disposições reguladoras do processo de declaração e o disposto nos artigos seguintes”.
Assim, ao processo executivo aplicam-se, por força do art.º 852º, os artigos 853º e 854º e, subsidiariamente, as disposições que regulam o processo de declaração. Tal, até, já decorria do nº1, do art.º 551º, que consagra as “disposições reguladoras” aplicáveis em termos gerais ao processo de execução, mas “a insistência relativamente à matéria dos recursos encontra justificação, atenta a conveniência que decorre de uma regulação clara destes aspectos que resultavam algo nebulosos do CPC de 1961” - António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª edição, 2017, Almedina, pág. 508.
Afirma este autor, que a “maior utilidade prática da norma remissiva revela-se através da aplicação subsidiária aos recursos de apelação… da acção executiva das regras referentes aos pressupostos e tramitação dos recursos da acção declarativa, quer das disposições gerais sobre recursos, quer as normas sobre os recursos de apelação … que se ajustem ao processo de execução e que não obtenham regulamentação específica nos arts. 853º e 854º. Tal aplicação subsidiária legitima designadamente a transposição para a acção executiva do preceituado nos nºs 3 e 4 do 644º (já que a aplicabilidade do nº2 é expressamente salvaguardada no art. 853º, nº2, al. a))”.
Estatui o artigo 853º, que:
“1 - É aplicável o regime estabelecido para os recursos no processo de declaração aos recursos de apelação interpostos de decisões proferidas em procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridos na tramitação da ação executiva.
2 - Cabe ainda recurso de apelação, nos termos gerais:
a) Das decisões previstas no n.º 2 do artigo 644.º (2 - Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância: a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz;b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal;c) Da decisão que decrete a suspensão da instância;d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual;f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;g) De decisão proferida depois da decisão final;h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;i) Nos demais casos especialmente previstos na lei., quando aplicável à ação executiva);
b) Da decisão que determine a suspensão, a extinção ou a anulação da execução;
c) Da decisão que se pronuncie sobre a anulação da venda;
d) Da decisão que se pronuncie sobre o exercício do direito de preferência ou de remição.
3 - Cabe sempre recurso do despacho de indeferimento liminar, ainda que parcial, do requerimento executivo, bem como do despacho de rejeição do requerimento executivo proferido ao abrigo do disposto do artigo 734.º.
4 - Sobem imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, os recursos interpostos nos termos dos n.ºs 2 e 3 de decisões que não ponham termo à execução nem suspendam a instância”.
É certo que os apontados artigos 852.º a 854.º são omissos quanto ao prazo de interposição de recurso, pelo que em tais matérias importa lançar mão do disposto no artigo 638.º, n.º 1 – o prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no n.º 2 do artigo 644.º e no artigo 677.º.
“Não se enquadrando a decisão recorrida nas decisões expressamente previstas no nº 2, do art. 644º, mas numa situação especificamente consagrada - na al. c), do nº 2, do art. 853º -, o prazo é o geral de 30 dias.
Ora, nos presentes autos está em causa o seguinte:
A Executada/Recorrente apresentou, em 27 de junho de 2022, reclamação da decisão proferida pelo agente de execução - Referência 8835426 -, datada de 14 de junho de 2022, requerendo que tal decisão fosse revogada e determinada a extinção da instância nos termos do artigo 849.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, na sequência do pagamento voluntário da obrigação exequenda em 14 de junho de 2022 (artigo 846.º, n.º 1).
Encontrando-se em causa a reclamação de uma decisão do agente de execução com fundamento na ilegalidade por violação da lei processual (artigo 849.º, n.º 1, alínea a)), deve ser admitida a impugnação da decisão judicial, pois na sua génese está uma decisão vinculada do agente de execução, como tal, recorrível - Critério aplicado pelos Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 26.10.2021, relatado por MARIA JOÃO AREIAS, de 14.06.2022, relatado por FALCÃO DE MAGALHÃES, e pelos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.07.2019, relatado por JORGE LEAL, e de 05.05.2020, relatado por MICAELA SOUSA, todos disponíveis em dgsi.pt.
Assim, cabendo apelação autónoma (nos termos da al. c), do nº2, do art. 853º), e não se enquadrando a decisão recorrida nas “decisões previstas no n.º 2 do artigo 644º”, não pode deixar de ser aplicado o prazo de 30 dias, nos termos da regra geral consagrada na 1ª parte, do n.º 1, do art.º 638.º.
Como alega a Reclamante/Recorrente:
“V. Resulta da interpretação do artigo 853.º do Código de Processo Civil que é de 15 dias o prazo de recurso das decisões previstas no n.º 2 do artigo 644.º do mesmo Código, quando aplicável à ação executiva (n.º 2, alínea a)); VI. O que implica ser de 30 dias o prazo de interposição de todos os restantes recursos na ação executiva descritos nas alíneas seguintes, onde se incluem os recursos interpostos “Da decisão que determine a suspensão, a extinção ou a anulação da execução” previsto na alínea b) do mesmo preceito normativo.
VII. Isto pela simples razão que se o legislador quisesse incluir o recurso desta decisão na alínea a) – onde estão inscritos os recursos cujo prazo de propositura é de 15 dias – não teria incluído as decisões do juiz que determinem a suspensão, a extinção ou anulação da execução numa alínea própria (a alínea b))”.
Com efeito, no confronto do referido nº1, do art.º 638º, verifica-se que o prazo para a interposição de recursos varia consoante a natureza da decisão, sendo a regra geral a de que o prazo é de 30 dias. A redução de 15 dias limita-se aos casos expressamente previstos - recursos de apelação que sejam interpostos de decisões proferidas no âmbito do processo de execução ou dos respectivos procedimentos ou incidentes declarativos que se enquadrem no preceituado no n.º 2 do art.º 644.º (cfr.al. a), do nº2, do art. 853.º).
Não se enquadrando a decisão recorrida nas decisões expressamente previstas no nº2, do art. 644º, mas numa situação especificamente consagrada – no n.º 2 do art. 853º -, o prazo é o geral.
Seria, aliás, estranho que assim não fosse na medida em que tendo o legislador expressamente admitido o recurso em sede executiva “das decisões previstas no n.º 2 do artigo 644.º, quando aplicável à ação executiva” e do mesmo modo tenha igualmente admitido o recurso quanto à “decisão que se pronuncie sobre a anulação da venda”, conforme artigo 853.º, n.º 2, alíneas a) e c), não tivesse expressamente estabelecido quanto a estas últimas um prazo de recurso igual aqueloutras, bem sabendo que as mesmas estavam sujeitas a um prazo recursivo de 15 dias e que este prazo mais curto era aplicável às situações indicadas no artigo 644.º, n.º 2, nestas incluindo “os demais casos especialmente previstos na lei”.
Neste sentido, em anotação ao referido artigo 853.º, referem Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, edição de 2022, página 863, “[o] prazo para o recurso de apelação é o geral de 30 dias, só excetuado nos casos do art.º 644-2 (art. 638-1), pelo que é de 30 dias o prazo para recorrer das decisões de (…)”
Do mesmo modo, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12.04.2021, processo n.º 12225/07.TBVNG-A.P1,pesquisável em www.dgsi.pt, refere que “no confronto do referido nº 1, do art. 638º, verifica-se que o prazo para a interposição de recursos varia consoante a natureza da decisão, sendo a regra geral a de que o prazo é de 30 dias. A redução de 15 dias limita-se aos casos expressamente previstos - recursos de apelação que sejam interpostos de decisões proferidas no âmbito do processo de execução ou dos respectivos procedimentos ou incidentes declarativos que se enquadrem no preceituado no n.º 2 do art.º 644.º (cfr.al. a), do nº 2, do art. 853.º)”.
Razão pela qual, procedendo a reclamação, revogamos o despacho proferido pelo Juízo de Execução de Ansião - Juiz ..., admitindo-se o recurso, que subirá imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo”.
Avançando.
Preceitua o artigo 846.º n.º 1 - anterior artigo 916.º - do Código de Processo Civil – será o diploma a citar sem menção de origem -, sob a epígrafe, cessação da execução pelo pagamento voluntário, dispõe:
“1- Em qualquer estado do processo pode o executado ou qualquer outra pessoa fazer cessar a execução, pagando as custas e a dívida”;
2 - O pagamento é feito mediante entrega direta ou depósito em instituição de crédito à ordem do agente de execução.
3 - Nos casos em que as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça, quem pretenda usar da faculdade prevista no n.º 1 solicita na secretaria, ainda que verbalmente, guias para depósito da parte líquida ou já liquidada do crédito do exequente que não esteja solvida pelo produto da venda ou adjudicação de bens.
4 - Efetuado o depósito referido no número anterior, susta-se a execução, a menos que ele seja manifestamente insuficiente, e tem lugar a liquidação de toda a responsabilidade do executado”.
Trata-se da extinção da execução para pagamento de quantia certa mediante a satisfação da pretensão do exequente, observada que seja a tramitação estabelecida nos n.ºs 2 a 5 do citado art.º 846.º.
Decorre dela que, requerida a cessação da execução mediante a entrega direta ou depósito em instituição de crédito à ordem do agente de execução da quantia atinente às custas e à dívida exequenda, cabe sustar-se a execução, a menos que o depósito seja manifestamente insuficiente, e tem lugar a liquidação de toda a responsabilidade do executado, nos moldes estatuídos no art.º 847.º:
1 - Se o requerimento for feito antes da venda ou adjudicação de bens, liquidam-se unicamente as custas e o que faltar do crédito do exequente.
2 - Se já tiverem sido vendidos ou adjudicados bens, a liquidação tem de abranger também os créditos reclamados para serem pagos pelo produto desses bens, conforme a graduação e até onde o produto obtido chegar, salvo se o requerente exibir título extintivo de algum deles, que então não é compreendido; se ainda não estiver feita a graduação dos créditos reclamados que tenham de ser liquidados, a execução prossegue somente para verificação e graduação desses créditos e só depois se faz a liquidação.
3 - A liquidação compreende sempre as custas dos levantamentos a fazer pelos titulares dos créditos liquidados e é notificada ao exequente, aos credores interessados, ao executado e ao requerente, se for pessoa diversa.
4 - O requerente deposita o saldo que for liquidado, sob pena de ser condenado nas custas a que deu causa e de a execução prosseguir, não podendo tornar a suspender-se sem prévio depósito da quantia já liquidada, depois de deduzido o produto das vendas ou adjudicações feitas posteriormente e depois de deduzidos os créditos cuja extinção se prove por documento.
5 - Feito o depósito referido no número anterior, ordena-se nova liquidação do acrescido, observando-se o preceituado nas disposições anteriores.
6 - Se o pagamento for efetuado por terceiro, este só fica sub-rogado nos direitos do exequente, mostrando que os adquiriu nos termos da lei substantiva
Depois de efectuados a liquidação da responsabilidade do executado e os pagamentos, a execução extingue-se - artigo 849.º, 1, al. b).
Ora, como alega a Apelante, “tendo a notificação do despacho de 12.05.2022 aos diversos intervenientes processuais sido elaborada no dia 16.05.2022, ter-se-á por efetuada no dia 19.05.202217 e transitado o despacho em julgado no dia seguinte ao do fim do prazo de 30 dias para recurso, ou seja, em 21.06.2022.
9. Ora, o AE e, bem assim, a secção na informação prestada àquele em 13.06.2022, parecem ter confundido o prazo do recurso sobre a decisão de remissão, considerando o reduzido de 15 dias ao invés do prazo normal aplicável de 30 dias.
10. Assim sendo, o requerimento da Executada de 09.06.2022 e, bem assim, o depósito autónomo de 14.06.2022, seriam (sempre) tempestivos, porque apresentados antes de decorridos 30 dias da notificação do aludido despacho de 12.05.2022.
Sem prescindir,
11. Na data em que a executada pretendeu liquidar a sua responsabilidade na execução (09.06.2022), e bem assim na data em que efetuou o depósito autónomo da quantia de € 22.000,00 (14.06.2022), o AE (ainda) não havia emitido o título de transmissão.
12. Pelo que a venda ainda não se mostra(va) concretizada (…)
Segundo o artigo 827.º, n.º 1, a propriedade da coisa ou do direito não se transfere por mero efeito da venda, como sucede no direito substantivo, dada a sua natureza real e não obrigacional - Artigos 408.º, n.º 1, 874.º, e 879.º, alínea a), e 578.º n.º 1, todos do Código Civil -, mas só ocorre com a emissão do título de transmissão por parte do agente de execução no caso de venda por propostas em carta fechada - Cfr. FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Curso de Processo de Execução, Almedina, 13ª Edição, 2010, pág. 395 e 396.
No mesmo sentido, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA - Ob. cit., pág. 251, anotação 3 -, em anotação ao artigo 827.º, n.º 1, entendem que «a venda se aperfeiçoa com a emissão do título de transmissão, nos casos da venda por propostas em carta fechada».
Também RUI PINTO - A Ação Executiva, AAFDL Editora, 2020, pág. 913 - refere que «os efeitos da venda executiva se dão com a emissão do título de transmissão”, entendimento igualmente perfilhado por VIRGÍNIO DA COSTA RIBEIRO e SÉRGIO REBELO - A Ação Executiva Anotada e Comentada, Almedina, 2015, pág. 539.
Ora,
Tendo, no caso em apreço, a Recorrente requerido e procedido ao pagamento da sua responsabilidade, em conformidade com o disposto no artigo 846.º, antes da emissão do título de transmissão, deveria o Tribunal de 1.ª instância ter determinado a sustação da execução, nos termos do disposto no artigo 846.º, n.º 4.
E com a verificação do pagamento da quantia liquidada nos termos do artigo 847.º, na sequência do pagamento voluntário (artigo 846.º, n.º 1), ocorrido a extinção automática da execução nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 849.º”.
Como é sabido, o pagamento voluntário da execução está previsto no artigo 846.º, n.º 1.
Pode-se ler neste preceito legal que “em qualquer estado do processo pode o executado ou qualquer outra pessoa fazer cessar a execução pagando as custas e a dívida.”
Decorre desta previsão legal, assim, que o pagamento voluntário da obrigação exequenda pode ser efetuado pelo executado ou qualquer outra pessoa - Este terceiro pode ser ou não interessado no cumprimento da obrigação, conforme o n.º 1 do artigo 767.º do Código Civil. Aparentemente nem o executado, nem os credores se podem opor a este pagamento como decorreria do n.º 2 do mesmo artigo e do artigo 768.º do Código Civil. Assim, RUI PINTO, Manual da Execução e do Despejo, 1.ª Edição, Coimbra Editora, 2013, pág. 984; no mesmo sentido, JOSÉ LEBRE DE FREITAS, ARMANDO RIBEIRO MENDES e ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º - Artigos 627.º a 877.º, 3.ª Edição, Almedina, 2022, pág. 840.
Trata-se da situação que a Doutrina costuma designar por “remição da execução” - Cfr. EURICO LOPES CARDOSO, Manual da Acção Executiva, Almedina, 1996, pág. 626, que explica que o Código de Processo Civil, “na esteira de tradição velhíssima, chamava ao acto de pagar a dívida e as custas, remir a execução; o art. 916º do Código de 1939, fonte imediata do preceito actual, substituiu o verbo “remir” pela expressão “fazer cessar”. Todavia não se vê inconveniente, e até se encontra vantagem, em continuar a adoptar a denominação tradicional, abandonada pela Lei de 1939 (…).”
Ora, este procedimento de pagamento voluntário “é de aplicar sempre que alguém, incluído o executado, quer pagar integralmente (itálico no original) a quantia exequenda, libertando a execução os bens do devedor ainda não vendidos ou adjudicados.” - Cfr. EURICO LOPES CARDOSO, ob. cit. pág. 627.
JOSÉ LEBRE DE FREITAS, ARMANDO RIBEIRO MENDES e ISABEL ALEXANDRE - Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º - Artigos 627.º a 877.º, 3.ª Edição, Almedina, 2022, pág.841, anotação 2 - , em anotação ao artigo 846.º, n.º 1, entendem que: «Antes ou depois da penhora e mesmo depois de já efetuadas vendas ou adjudicações de bens, desde que antes da completa liquidação do crédito exequendo (n.º 3 e art. 847-2), o pagamento voluntário pode ter lugar, a requerimento, que pode ser verbal, de quem pretenda fazê-lo (n.º 1).
Faz-se por entrega direta ao agente de execução ou por depósito, em instituição bancária e à ordem do agente de execução ou, na sua falta, da secretaria (n.º 2), da quantia correspondente ao crédito exequendo (…)».
Por requerimento apresentado em 09 de junho de 2022 - Referência 8793852 -, ao abrigo do citado artigo 846.º, a Recorrente pretendeu liquidar a sua responsabilidade na execução, requerendo ao agente de execução a emissão de guia para proceder ao pagamento da quantia exequenda e das custas da execução.
Não tendo o agente de execução fornecido a guia para o efeito, a Recorrente procedeu em 14 de junho de 2022 - Referência 8802723 e 8802724 -, ao depósito autónomo - Documento Único de Cobrança com a referência para pagamento ...90 da quantia de € 22.000,00 (vinte e dois mil euros), assegurando com tal montante depositado o pagamento do crédito da exequente e as custas de execução, designadamente os honorários e despesas devidos ao agente de execução.
O agente de execução, na mesma data - Referência 8801258 -, decidiu “não aceitar o teor do pedido formulado pela executada”, por entender – erradamente - que era extemporâneo.
Entendeu o agente de execução que o despacho proferido em 12 de maio de 2022 - Referência 100275403, que indeferiu o direito de remissão exercido pelo filho da Recorrente (BB) e determinou a emissão do título de transmissão a favor do adquirente, tinha transitado em julgado em 03 de junho de 2022, certamente apoiado na informação (incorreta) prestada pela secção em 13 de junho de 2022 - Referência 100637761 - ; e Que a venda do imóvel penhorado nos presentes autos (já) tinha ocorrido, por o proponente ter realizado o depósito do preço e liquidado os impostos, valor que acautelaria o pagamento de todos os montantes devidos nos presentes autos.
Decisão do agente de execução que, de forma clara, viola a citada disposição legal (artigo 846.º, n.º 1).
III) DA DATA DO TRÂNSITO EM JULGADO DO DESPACHO DE 12 DE MAIO DE 2022
O Tribunal de 1.ª instância deu acolhimento à decisão do agente de execução de 14 de junho de 2022 - Referência 8801258 - , que entendeu, desacertadamente, que a decisão final do incidente de remissão, datada de 12 de maio de 2022 - Referência 100275403 -, se mostrava transitada em 03 de junho de 2022.
Vejamos,
À apelação prevista no artigo 853.º, n.º 2, alínea d), é aplicável o prazo normal de recurso de 30 dias, conforme interpretação que faz ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES - Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª Edição Atualizada, 2022, pág. 603 : «Com respeito às decisões enunciadas no art. 853.º, n.º 2, para além dos recursos de apelação das decisões que impliquem a extinção da instância executiva (al. b)), esse prazo de 30 dias é extensivo ainda à decisão final dos incidentes autónomos de exercício do direito de preferência e de remissão a que se reporta a al. d) (por via da aplicação remissiva do art. 644.º, n.º 1, al. a), 2.ª parte).»
No mesmo sentido JOSÉ LEBRE DE FREITAS, ARMANDO RIBEIRO MENDES e ISABEL ALEXANDRE - Ob. cit., pág. 863, anotação 2 -, em anotação ao artigo 853.º, n.º 2, referem que: «(…) é 30 dias o prazo para recorrer das decisões de (…) pronúncia sobre o exercício do direito de preferência ou remissão (…).»
O mesmo entendimento foi sufragado no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 02 de setembro de 2019, relatado por JOSÉ MANUEL BARATA - Disponível em dgsi.pt. - , em cujo sumário se lê que: «II. O prazo para interposição de recurso contra o despacho que indeferiu o direito de remissão, previsto no artº 853º/2 d) do CPC, é de 30 dias, por não previsto expressamente o prazo mais curto de 15 dias, na conjugação dos artigos 638º/1, segunda parte, 644º/2 e 853º/ 2 d) do CPC.»
Tendo a notificação do despacho de 12 de maio de 2022 - Referência 100275403 - sido elaborada no dia 16 de maio de 202248 - Referência 100637761 -, ter-se-á por efetuada no dia 19 de maio de 2022 - e transitado o despacho em julgado no dia seguinte ao do fim do prazo de 30 dias para recurso, ou seja, em 21 de junho de 2022.
O agente de execução e, bem assim, a secção na informação prestada àquele em 13 de junho de 2022 - , parecem ter confundido o prazo do recurso sobre a decisão de remissão, considerando o reduzido de 15 dias ao invés do prazo normal aplicável de 30 dias.
O requerimento apresentado pela Recorrente em 09 de junho de 2022 - Referência 8793852 - e o pagamento voluntário da obrigação exequenda - Referência 8802723 e 8802724 -, além de tempestivos, porque apresentados antes de decorridos 30 dias da notificação do aludido despacho de 12 de maio de 2022, é o expediente/ procedimento legal adequado para impedir a venda do imóvel penhorado, libertar a execução dos bens do devedor - Como refere EURICO LOPES CARDOSO, ob. cit. pág. 627”.
Assim, com todo o respeito pelas razões que fundamentam o decidido no Juízo de Execução de Ansião - Juiz ..., na procedência do recurso, revogamos tal decisão.
3.Decisão
Na procedência do recurso, revogamos a decisão proferida no Juízo de Execução de Ansião - Juiz ..., sustando-se a execução, a menos que o depósito seja manifestamente insuficiente, seguindo-se a liquidação de toda a responsabilidade da executada, nos termos da norma do art.º 847.º e a posterior extinção da instância de acordo com alínea a) do n.º 1 do artigo 849.º do Código de Processo Civil.
Sem custas.
Coimbra, 26 de Abril de 2023 (…)” (sic).
Para além da decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26 de Abril de 2023, ter ordenado, de modo expresso, a sustação da execução, a liquidação de toda a responsabilidade da executada e a ulterior extinção a instância, o próprio tribunal a quo exarou os seguintes dois despachos:
i) A 23 de Maio de 2023, no âmbito do apenso D:
“Tomei conhecimento do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra.
Dê conhecimento da baixa dos auto sujeitos processuais.
Dê conhecimento ao agente de execução para agir em conformidade com o superiormente decidido em sede de execução.
Para os fins tidos por conveniente comunique o Acórdão proferido ao processo 12589/22.... do Juízo do Comércio de Sintra, J....”
ii) A 29 de Setembro de 2023, no processo principal:
“O agente de execução tem de agir em conformidade com o decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, ou seja:
- sustar a execução a menos que o depósito seja manifestamente insuficiente, seguindo-se a liquidação de toda a responsabilidade da executada, nos termos da norma do art.º 847.º e a posterior extinção da instância de acordo com alínea a) do n.º 1 do artigo 849.º do Código de Processo Civil.
- por outro lado, liquidada toda a responsabilidade da executada e custas do processos, a venda ficou sem efeito, com base naquele acórdão, pelo que deverá devolver o preço liquidado ao comprador e anular o registo de aquisição.
- deverá informar ainda o Administrador de Insolvência da identificação do imóvel que volta à esfera jurídica da devedora/insolvente.”.
A questão que o recurso concita relaciona-se, como é ostensivo, com o facto da decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, lavrada em 26 de Abril de 2023, ter transitado em julgado – o que, aliás, deu aso à prolação dos dois despachos do tribunal a quo antes reproduzidos, proferidos em 23 de Maio e 29 de Setembro de 2023 –, e a pronúncia constante do despacho sob recurso, proferido pelo tribunal a quo em 23-09-2024, objecto do recurso, com o seguinte teor:
“Em sede de apenso C, a reclamação aí intentada foi admitida e, portanto, o recurso interposto foi admitido, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo – decisão datada de 09.03.2023.
O recurso da Executada foi, posteriormente, por decisão singular do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 14.04.2023 foi decidido “na procedência do recurso, revogamos a decisão proferida no Juízo de Execução de Ansião - Juiz ..., sustando-se a execução, a menos que o depósito seja manifestamente insuficiente, seguindo-se a liquidação de toda a responsabilidade da executada, nos termos da norma do art.º 847.º e a posterior extinção da instância de acordo com alínea a) do n.º 1 do artigo 849.º do Código de Processo Civil”.
Sucede que, o título de transmissão do imóvel foi emitido em 19.10.2022.
O imóvel já foi transmitido a terceiros (cfr. Ap. ...2 de 2023/03/30).
A administradora de insolvência ainda antes do encerramento da insolvência, e, portanto, no exercício pleno das suas atribuições, declarou manter a compra e venda realizada – cfr. Requerimento datado de 08.11.2023.
Assim sendo, em face do encerramento da insolvência, nada mais cumpre entregar à massa insolvente, pelo que, notifique o Agente de Execução para entregar o valor depositado nestes autos por conta do preço à executada AA, o que deverá realizar após trânsito em julgado do presente despacho.
Notifique e oportunamente arquive”.
A executada/recorrente expende que o despacho em causa violou, além do mais, as seguintes disposições legais:
– Art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 21/85, de 30-07 (Estatuto dos Magistrados Judiciais):
“Os magistrados judiciais julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores.”;
– Art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26-08 (Lei de Organização do Sistema Judiciário):
“Os juízes julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a quaisquer ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores.”
– Art. 233.º, n.º 1, al. a), do CIRE:
“Encerrado o processo, e sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 217.º quanto aos concretos efeitos imediatos da decisão de homologação do plano de insolvência: a) Cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, recuperando designadamente o devedor o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência como culposa e do disposto no artigo seguinte”;
– Art. 152.º, n.º 1, do CPC: “Os juízes têm o dever de administrar justiça, proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes e cumprindo, nos termos da lei, as decisões dos tribunais superiores.”;
– Art. 613.º, n.º 3, do CPC:
“1. Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
2. É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.
3. O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos.”;
– Art. 620.º do CPC:
“1. As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.
2. Excluem-se do disposto no número anterior os despachos previstos no artigo 630.º”.
– Art. 625.º do CPC:
“1. Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar.
2. É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.”
Vejamos.
Conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28-09-2023, Proc. n.º 2551/18.1T8VCT.3.G1:
“O caso julgado é um instituto com raízes no direito fundamental, constitucional, intimamente ligado ao princípio do Estado de Direito Democrático, por ser uma garantia basilar dos cidadãos onde deve imperar a segurança e a certeza; é hoje um valor máximo de justiça, aliado ao princípio da separação de poderes (Miguel Pimenta de Almeida, A intangibilidade do Caso Julgado na Constituição (Brevíssima Análise), pág. 18, disponível em http://miguelpimentadealmeida.pt/wp-content/uploads/2015/06/A-INTANGIBILIDADE-DO-CASO-JULGADO-NA-CONSTITUI%C3%87%C3%83O.pdf).
«O fundamento do caso julgado reside, por um lado, no prestígio dos tribunais, o qual “seria comprometido em alto grau se a mesma situação concreta uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente” e, por outro lado, numa razão de certeza ou segurança jurídica, pois “sem o caso julgado estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica verdadeiramente desastrosa. (…) Seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu”.
“Se assim não fosse, os tribunais falhariam clamorosamente na sua função de órgãos de pacificação jurídica, de instrumentos de paz social”» (Ac. da RG, de 17.05.2018, José Flores, Processo n.º 1053/15.2T8GMR-C.G1, citando inicialmente Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 306, e depois Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 705).
(…) Do caso julgado decorrem dois efeitos essenciais (distintos, mas provenientes da mesma realidade jurídica): um negativo (excepção dilatória de caso julgado), de impossibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida, isto é, impedindo que a causa seja novamente apreciada em juízo; e um positivo (força e autoridade de caso julgado), de vinculação do mesmo tribunal e, eventualmente de outros (estando em causa o caso julgado material), à decisão proferida [neste sentido, Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editora, págs. 92-93.].
Logo (e face aos art.ºs 576.º, n.º 1 e n.º 2, 577.º, al. i), 580.º e 581.º, todos do CPC), a excepção dilatória de caso julgado pressupõe o confronto de duas acções (uma delas contendo uma decisão já transitada em julgado), e a tríplice identidade entre ambas de sujeitos, de causa de pedir e de pedido; e visa o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, por forma a evitar a repetição de causas.
Já a força e autoridade de caso julgado decorre de uma anterior decisão que haja sido proferida, designadamente no próprio processo, sobre a matéria em discussão, e prende-se com a sua força vinculativa; e visa o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito (podendo funcionar independentemente da tríplice identidade exigida pela excepção) (…)”.
Segundo Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 306/307, o caso julgado encontra a sua razão de ser na necessidade de salvaguarda do prestígio dos tribunais e da certeza e da segurança jurídicas.
Proferida a decisão, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria apreciada – art. 613.º, n.º 1, do CPC –, “o que implica que o juiz já não pode alterar a decisão proferida por seu puro critério” – cf. Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume I, p. 637 –, conduzindo, após trânsito em julgado, à formação de caso julgado.
O trânsito em julgado, conforme decorre claramente do art. 628.º do CPC, regista-se quando uma decisão é já insusceptível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário.
Verificada tal insusceptibilidade, forma-se caso julgado, que se traduz, portanto, na impossibilidade de a decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu.
Nas palavras de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “[a] decisão torna-se eficaz no processo e mesmo fora dele (…). Durante algum tempo, porém, a sentença pode ser alterada através dos meios previstos nos art. 614.º a 617.º (art. 613.º, n.º 2) e, além disso, se o valor da causa e da sucumbência da parte o admitir, mediante recurso ordinário (art. 629.º, n.º 1). Passado o momento em que tal tipo de alteração ainda é possível, diz-se que a sentença transita em julgado: esta inalterabilidade (ou imutabilidade) da decisão transitada, decorrente da insusceptibilidade da sua impugnação, constitui o caso julgado (art. 628.º)” – cf. Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª Edição, p. 753.
O caso julgado visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior e, de acordo com o critério da eficácia, há que distinguir entre:
(i) o caso julgado formal, que só é vinculativo no processo em que foi proferida a decisão – art. 620.º, n.º 1, do CPC, e
(ii) o caso julgado material, que é vinculativo no processo em que a decisão foi proferida e também fora do processo – art. 619.º do CPC.
Ou seja, emerge da lei processual civil que as decisões judiciais que recaem sobre o mérito da causa – sobre a relação jurídica substancial – produzem caso julgado material, impondo-se dentro e fora do processo, sendo certo que as que recaem unicamente sobre a relação processual, sejam elas sentenças proferidas na acção principal, sejam decisões incidentais, produzem caso julgado formal, apenas com força obrigatória dentro do processo.
O caso julgado material implica, assim, uma decisão de mérito proferida em processo anterior; já o caso julgado formal implica uma decisão anterior proferida sobre a relação processual.[3]
No Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20-10-2015, Proc. 231514/11.3YIPRT.C1, decidiu-se, em termos análogos:
“I. O trânsito em julgado, conforme decorre claramente do art.º 628.º do CPC, ocorre quando uma decisão é já insusceptível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário. Verificada tal insusceptibilidade, forma-se caso julgado, que se traduz, portanto, na impossibilidade da decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu.
II. Segundo o critério da eficácia, há que distinguir entre o caso julgado formal, que só é vinculativo no processo em que foi proferida a decisão (cf. art.º 620.º, n.º 1) e o caso julgado material, que vincula no processo em que a decisão foi proferida e também fora dele, consoante estabelece o art.º 619.º.
III. Do caso julgado decorrem dois efeitos essenciais, a saber: a impossibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida - efeito negativo - e a vinculação do mesmo tribunal e eventualmente de outros, estando em causa o caso julgado material, à decisão proferida - efeito positivo do caso julgado. Todavia, ocorrendo casos julgados contraditórios, a lei resolve apelando ao critério da anterioridade: vale a decisão contraditória sobre o mesmo objecto que tenha transitado em primeiro lugar (art.º 625.º n.º 1 do CPC), critério operativo ainda quando estejam em causa decisões que, dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta (vide n.º 2 do preceito), hipótese que valeria para o caso dos autos segundo a alegação da apelante.
IV. Nos termos do art.º 613.º agora em vigor (que reproduziu o artigo 666.º do diploma cessante), proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, ressalvando-se os casos de rectificação de erros materiais, que era lícito suprir (vide n.ºs 1 e 2 do preceitos). Tal regime é aplicável aos despachos por força do n.º 3 do preceito.”
Como expende Lebre de Freitas, Um Polvo Chamado autoridade do Caso Julgado, “Revista da Ordem dos Advogados”, ano 79 n.ºs 3-4 (Jul.-Dez. 2019), p. 692: “Dentro do processo, a definitividade da decisão impede que nele ela seja contraditada ou repetida –trata-se dum efeito preclusivo intraprocessual. Fora do processo, produz-se um efeito preclusivo material: não só precludem todos os possíveis meios de defesa do réu vencido e todas as possíveis razões do autor que perde a ação, mas também, com maior amplitude, toda a indagação sobre a relação controvertida, delimitada pela pretensão substantivada (pedido fundado numa causa de pedir) deduzida em juízo.”.
Do caso julgado decorrem dois efeitos essenciais, a saber: a impossibilidade de qualquer tribunal, incluindo o próprio tribunal que proferiu a decisão, voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida – efeito negativo – e a vinculação do mesmo tribunal e eventualmente de outros à decisão proferida – efeito positivo do caso julgado.
Na lição de Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume III, Reimpressão, 1981, pp. 92/93, o caso julgado exerce uma função positiva, quando faz valer a sua força e autoridade (princípio da exequibilidade), e uma função negativa, quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo tribunal.
Rui Pinto, Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, “Revista Julgar Online”, Novembro de 2018, p. 2, desenvolve:
“O caso julgado tanto designa a qualidade de imutabilidade da decisão judicial que transitou em julgado, como o conjunto dos efeitos jurídicos que têm o transito em julgado da decisão judicial por condição.
Comecemos pela primeira aceção de caso julgado.
Diz-se que a decisão transitou em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação (cf. artigo 628.º1).
Trata-se, por conseguinte, de uma qualidade formal ou externa ao próprio teor da decisão.
Nas decisões proferidas na sequência de um pedido ou requerimento podemos distinguir, em razão do seu sentido, entre caso julgado positivo e caso julgado negativo.
O caso julgado é positivo quando a decisão julga procedente o pedido do autor; o caso julgado é negativo quando a decisão julga improcedente o pedido do autor”.
Prossegue o citado autor, op. cit., pp. 2/3:
“A imutabilidade da decisão permite que esta alcance uma estabilidade, ou seja, uma continuidade, na emissão dos respetivos efeitos jurídicos.
O trânsito em julgado constitui uma técnica de estabilização dos resultados do processo, mas que não é única, integrando-se numa linha gradual de estabilização. Efetivamente, decorre, desde logo, do artigo 613.º, n.º 1, que, prolatada a sentença ou despacho, o tribunal não os pode revogar, por perda de poder jurisdicional. Trata-se, pois, de uma regra de proibição do livre arbítrio e discricionariedade na estabilidade das decisões judiciais.
Graças a esta regra, antes mesmo do trânsito em julgado, uma decisão adquire com o seu proferimento um primeiro nível de estabilidade interna ou restrita, perante o próprio autor da decisão.
No entanto, se o conteúdo da decisão é inalterável quanto ao órgão que a produziu, apenas o será para as demais instâncias, quando sobrevier o trânsito em julgado, nos termos do artigo 628.º. Aí, a decisão alcança um segundo nível de estabilidade alargada, vinculando o tribunal e as partes, dentro do processo (cf.artigo 620.º), ou mesmo fora dele, perante outros tribunais (cf. artigo 619.º).”
Continua, Rui Pinto, op. cit., p. 6:
“A força obrigatória desdobra-se numa dupla eficácia, designada por efeito negativo do caso julgado e efeito positivo do caso julgado.
O efeito negativo do caso julgado consiste numa proibição de repetição de nova decisão sobre a mesma pretensão ou questão, por via da exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577.º, al. i), segunda parte, 580.º e 581.º. Classicamente, corresponde-lhe o brocardo «non bis in idem».
O efeito positivo ou autoridade do caso lato sensu consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior. Classicamente, corresponde-lhe o brocardo «judicata pro veritate habetur».
Enquanto o efeito negativo do caso julgado leva a que apenas uma decisão possa ser produzida sobre um mesmo objeto processual, mediante a exclusão de poder jurisdicional para a produção de uma segunda decisão, o efeito positivo admite a produção de decisões de mérito sobre objetos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão.”
Deste modo – op. cit., pp 14/15 – “(…) o efeito negativo do caso implica, que transitada em julgado uma decisão judicial, o mesmo tribunal (caso julgado formal, do artigo 620.º) ou todos os tribunais (caso julgado material, do artigo 619.º) ficarão sujeitos tanto a uma “proibição de contradição da decisão transitada”, como a “uma proibição de repetição daquela decisão”, no dizer de Teixeira de Sousa.
Tal proibição constrói um sistema de estabilização das decisões judiciais que se resume ao enunciado seguinte: um tribunal não pode afastar ou confirmar uma anterior decisão já proferida (cf. artigo 580.º, n.º 2) independentemente de ser alheia ou ser sua (cf. artigo 613.º, n.º 1). Apenas em sede de impugnação de decisões judiciais (maxime, por recurso) pode um tribunal afastar ou confirmar uma decisão anterior; mais: apenas em sede de recurso extraordinário (cf. artigos 627.º, n.º 2, segunda parte, e 696.º, por ex.) pode ser afastada ou confirmada uma decisão já transitada em julgado.”
Ocorrendo casos julgados contraditórios – op. cit. pp. 15/16 – há que atender à “regra cardinal enunciada no artigo 625.º, n.º 1, sobre casos julgados contraditórios, nos seguintes termos:
– se a segunda decisão for contraditória com a primeira decisão, ou seja, se decretar efeitos jurídicos incompatíveis com os efeitos decretados pela primeira decisão, “cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar”, o que, obviamente, implica que a segunda decisão é inutilizada ou ineficaz e, não, nula; a respetiva ineficácia será declarada na respetiva instância;
– se a segunda decisão for conforme (repetir) com a primeira decisão, ou seja, se decretar os mesmos efeitos jurídicos decretados com a primeira, a melhor solução é entender que deve ser cumprida a segunda a decisão, inutilizando-se a mais antiga, ela, sim, ineficaz a partir da segunda decisão em diante.”
Como se sumaria no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-02-2024, Proc. n.º 11481/20.6T8LSB.L2.S1:
“Ocorre a ofensa do caso julgado formal quando uma decisão contraria uma outra, no mesmo processo, transitada em julgado”.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22-06-2021, Proc. n.º 2601/19.4T8VIS-A.C1.S1, aduz-se:
“Existe violação do caso julgado formal, previsto no artigo 620.º do Código de Processo Civil, quando o tribunal, no mesmo processo, com as mesmas partes e reportando-se aos mesmos factos, verificados e atendidos já na primeira decisão, volta a decidir a mesma questão, nesse mesmo contexto processual, de forma diversa”.
Em conclusão: o caso julgado formado através do trânsito em julgado da decisão proferida significa que a decisão judicial passa a ter força obrigatória dentro do processo, não podendo ser revertida ou modificada – pelo tribunal que a proferiu ou qualquer outro –, nem podendo, nesse processo, admitir-se a prática de qualquer acto que seja contraditório com o seu conteúdo decisório.
Feitas estas observações, no caso em apreço, imputa-se à decisão recorrida a ofensa do caso julgado formado por uma decisão anterior proferida no processo e transitada em julgado, a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26 de Abril de 2023.
Lendo aquela decisão do tribunal superior é inequívoco que, a mesma determinou:
a) a sustação da execução;
b) a liquidação da responsabilidade do executado, nos termos do art. 847.º do CPC; e, por fim,
c) a posterior extinção da instância, nos termos do art. 849.º, n.º 1, al. a), do CPC.
Ademais, na senda dessa decisão, o próprio tribunal a quo, a 29 de Setembro de 2023, proferiu despacho determinando que o agente de execução agisse em conformidade com o decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, ou seja:
“- sustando a execução a menos que o depósito seja manifestamente insuficiente, seguindo-se a liquidação de toda a responsabilidade da executada, nos termos da norma do art.º 847.º e a posterior extinção da instância de acordo com alínea a) do n.º 1 do artigo 849.º do Código de Processo Civil.
- por outro lado, liquidada toda a responsabilidade da executada e custas do processos, a venda ficou sem efeito, com base naquele acórdão, pelo que deverá devolver o preço liquidado ao comprador e anular o registo de aquisição.
- deverá informar ainda o Administrador de Insolvência da identificação do imóvel que volta à esfera jurídica da devedora/insolvente.” (sic).
Não podia assim o tribunal a quo, uma vez transitadas aquelas decisões, mormente a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, no despacho recorrido, vir, de novo, analisar a mesmíssima questão que já antes fora objecto de decisão, designadamente aludindo ao facto do título de transmissão ter sido emitido e do imóvel ter sido transmitido a terceiros, factos esses que, inclusive, ocorreram antes daquela decisão e que a mesma mencionou expressamente.
Na verdade, e tal vertido na decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26 de Abril de 2023 – reitera-se, há muito transitada em julgado –, tendo-se verificado caso julgado (sublinhados nossos; os enfases constam daquela decisão):
“(…) Preceitua o artigo 846.º n.º 1 - anterior artigo 916.º - do Código de Processo Civil – será o diploma a citar sem menção de origem -, sob a epígrafe, cessação da execução pelo pagamento voluntário, dispõe:
“1- Em qualquer estado do processo pode o executado ou qualquer outra pessoa fazer cessar a execução, pagando as custas e a dívida”;
2 - O pagamento é feito mediante entrega direta ou depósito em instituição de crédito à ordem do agente de execução.
3 - Nos casos em que as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça, quem pretenda usar da faculdade prevista no n.º 1 solicita na secretaria, ainda que verbalmente, guias para depósito da parte líquida ou já liquidada do crédito do exequente que não esteja solvida pelo produto da venda ou adjudicação de bens.
4 - Efetuado o depósito referido no número anterior, susta-se a execução, a menos que ele seja manifestamente insuficiente, e tem lugar a liquidação de toda a responsabilidade do executado”.
Trata-se da extinção da execução para pagamento de quantia certa mediante a satisfação da pretensão do exequente, observada que seja a tramitação estabelecida nos n.ºs 2 a 5 do citado art.º 846.º.
Decorre dela que, requerida a cessação da execução mediante a entrega direta ou depósito em instituição de crédito à ordem do agente de execução da quantia atinente às custas e à dívida exequenda, cabe sustar-se a execução, a menos que o depósito seja manifestamente insuficiente, e tem lugar a liquidação de toda a responsabilidade do executado, nos moldes estatuídos no art.º 847.º:
1 - Se o requerimento for feito antes da venda ou adjudicação de bens, liquidam-se unicamente as custas e o que faltar do crédito do exequente.
2 - Se já tiverem sido vendidos ou adjudicados bens, a liquidação tem de abranger também os créditos reclamados para serem pagos pelo produto desses bens, conforme a graduação e até onde o produto obtido chegar, salvo se o requerente exibir título extintivo de algum deles, que então não é compreendido; se ainda não estiver feita a graduação dos créditos reclamados que tenham de ser liquidados, a execução prossegue somente para verificação e graduação desses créditos e só depois se faz a liquidação.
3 - A liquidação compreende sempre as custas dos levantamentos a fazer pelos titulares dos créditos liquidados e é notificada ao exequente, aos credores interessados, ao executado e ao requerente, se for pessoa diversa.
4 - O requerente deposita o saldo que for liquidado, sob pena de ser condenado nas custas a que deu causa e de a execução prosseguir, não podendo tornar a suspender-se sem prévio depósito da quantia já liquidada, depois de deduzido o produto das vendas ou adjudicações feitas posteriormente e depois de deduzidos os créditos cuja extinção se prove por documento.
5 - Feito o depósito referido no número anterior, ordena-se nova liquidação do acrescido, observando-se o preceituado nas disposições anteriores.
6 - Se o pagamento for efetuado por terceiro, este só fica sub-rogado nos direitos do exequente, mostrando que os adquiriu nos termos da lei substantiva
Depois de efectuados a liquidação da responsabilidade do executado e os pagamentos, a execução extingue-se - artigo 849.º, 1, al. b).
Ora, como alega a Apelante, “tendo a notificação do despacho de 12.05.2022 aos diversos intervenientes processuais sido elaborada no dia 16.05.2022, ter-se-á por efetuada no dia 19.05.2022 e transitado o despacho em julgado no dia seguinte ao do fim do prazo de 30 dias para recurso, ou seja, em 21.06.2022.
9. Ora, o AE e, bem assim, a secção na informação prestada àquele em 13.06.2022, parecem ter confundido o prazo do recurso sobre a decisão de remissão, considerando o reduzido de 15 dias ao invés do prazo normal aplicável de 30 dias.
10. Assim sendo, o requerimento da Executada de 09.06.2022 e, bem assim, o depósito autónomo de 14.06.2022, seriam (sempre) tempestivos, porque apresentados antes de decorridos 30 dias da notificação do aludido despacho de 12.05.2022.
Sem prescindir,
11. Na data em que a executada pretendeu liquidar a sua responsabilidade na execução (09.06.2022), e bem assim na data em que efetuou o depósito autónomo da quantia de € 22.000,00 (14.06.2022), o AE (ainda) não havia emitido o título de transmissão.
12. Pelo que a venda ainda não se mostra(va) concretizada (…)
Segundo o artigo 827.º, n.º 1, a propriedade da coisa ou do direito não se transfere por mero efeito da venda, como sucede no direito substantivo, dada a sua natureza real e não obrigacional - Artigos 408.º, n.º 1, 874.º, e 879.º, alínea a), e 578.º n.º 1, todos do Código Civil -, mas só ocorre com a emissão do título de transmissão por parte do agente de execução no caso de venda por propostas em carta fechada - Cfr. FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Curso de Processo de Execução, Almedina, 13ª Edição, 2010, pág. 395 e 396.
No mesmo sentido, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA - Ob. cit., pág. 251, anotação 3 -, em anotação ao artigo 827.º, n.º 1, entendem que «a venda se aperfeiçoa com a emissão do título de transmissão, nos casos da venda por propostas em carta fechada».
Também RUI PINTO - A Ação Executiva, AAFDL Editora, 2020, pág. 913 - refere que «os efeitos da venda executiva se dão com a emissão do título de transmissão”, entendimento igualmente perfilhado por VIRGÍNIO DA COSTA RIBEIRO e SÉRGIO REBELO - A Ação Executiva Anotada e Comentada, Almedina, 2015, pág. 539.
Ora,
Tendo, no caso em apreço, a Recorrente requerido e procedido ao pagamento da sua responsabilidade, em conformidade com o disposto no artigo 846.º, antes da emissão do título de transmissão, deveria o Tribunal de 1.ª instância ter determinado a sustação da execução, nos termos do disposto no artigo 846.º, n.º 4.
E com a verificação do pagamento da quantia liquidada nos termos do artigo 847.º, na sequência do pagamento voluntário (artigo 846.º, n.º 1), ocorrido a extinção automática da execução nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 849.º”.
Como é sabido, o pagamento voluntário da execução está previsto no artigo 846.º, n.º 1.
Pode-se ler neste preceito legal que “em qualquer estado do processo pode o executado ou qualquer outra pessoa fazer cessar a execução pagando as custas e a dívida.”
Decorre desta previsão legal, assim, que o pagamento voluntário da obrigação exequenda pode ser efetuado pelo executado ou qualquer outra pessoa - Este terceiro pode ser ou não interessado no cumprimento da obrigação, conforme o n.º 1 do artigo 767.º do Código Civil. Aparentemente nem o executado, nem os credores se podem opor a este pagamento como decorreria do n.º 2 do mesmo artigo e do artigo 768.º do Código Civil. Assim, RUI PINTO, Manual da Execução e do Despejo, 1.ª Edição, Coimbra Editora, 2013, pág. 984; no mesmo sentido, JOSÉ LEBRE DE FREITAS, ARMANDO RIBEIRO MENDES e ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º - Artigos 627.º a 877.º, 3.ª Edição, Almedina, 2022, pág. 840.
Trata-se da situação que a Doutrina costuma designar por “remição da execução” - Cfr. EURICO LOPES CARDOSO, Manual da Acção Executiva, Almedina, 1996, pág. 626, que explica que o Código de Processo Civil, “na esteira de tradição velhíssima, chamava ao acto de pagar a dívida e as custas, remir a execução; o art. 916º do Código de 1939, fonte imediata do preceito actual, substituiu o verbo “remir” pela expressão “fazer cessar”. Todavia não se vê inconveniente, e até se encontra vantagem, em continuar a adoptar a denominação tradicional, abandonada pela Lei de 1939 (…).”
Ora, este procedimento de pagamento voluntário “é de aplicar sempre que alguém, incluído o executado, quer pagar integralmente (itálico no original) a quantia exequenda, libertando a execução os bens do devedor ainda não vendidos ou adjudicados.” - Cfr. EURICO LOPES CARDOSO, ob. cit. pág. 627.
JOSÉ LEBRE DE FREITAS, ARMANDO RIBEIRO MENDES e ISABEL ALEXANDRE - Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º - Artigos 627.º a 877.º, 3.ª Edição, Almedina, 2022, pág.841, anotação 2 - , em anotação ao artigo 846.º, n.º 1, entendem que: «Antes ou depois da penhora e mesmo depois de já efetuadas vendas ou adjudicações de bens, desde que antes da completa liquidação do crédito exequendo (n.º 3 e art. 847-2), o pagamento voluntário pode ter lugar, a requerimento, que pode ser verbal, de quem pretenda fazê-lo (n.º 1).
Faz-se por entrega direta ao agente de execução ou por depósito, em instituição bancária e à ordem do agente de execução ou, na sua falta, da secretaria (n.º 2), da quantia correspondente ao crédito exequendo (…)».
Por requerimento apresentado em 09 de junho de 2022 - Referência 8793852 -, ao abrigo do citado artigo 846.º, a Recorrente pretendeu liquidar a sua responsabilidade na execução, requerendo ao agente de execução a emissão de guia para proceder ao pagamento da quantia exequenda e das custas da execução.
Não tendo o agente de execução fornecido a guia para o efeito, a Recorrente procedeu em 14 de junho de 2022 - Referência 8802723 e 8802724 -, ao depósito autónomo - Documento Único de Cobrança com a referência para pagamento ...90 da quantia de € 22.000,00 (vinte e dois mil euros), assegurando com tal montante depositado o pagamento do crédito da exequente e as custas de execução, designadamente os honorários e despesas devidos ao agente de execução.
O agente de execução, na mesma data - Referência 8801258 -, decidiu “não aceitar o teor do pedido formulado pela executada”, por entender – erradamente - que era extemporâneo.
Entendeu o agente de execução que o despacho proferido em 12 de maio de 2022 - Referência 100275403, que indeferiu o direito de remissão exercido pelo filho da Recorrente (BB) e determinou a emissão do título de transmissão a favor do adquirente, tinha transitado em julgado em 03 de junho de 2022, certamente apoiado na informação (incorreta) prestada pela secção em 13 de junho de 2022 - Referência 100637761 - ; e Que a venda do imóvel penhorado nos presentes autos (já) tinha ocorrido, por o proponente ter realizado o depósito do preço e liquidado os impostos, valor que acautelaria o pagamento de todos os montantes devidos nos presentes autos.
Decisão do agente de execução que, de forma clara, viola a citada disposição legal (artigo 846.º, n.º 1).
III) DA DATA DO TRÂNSITO EM JULGADO DO DESPACHO DE 12 DE MAIO DE 2022
O Tribunal de 1.ª instância deu acolhimento à decisão do agente de execução de 14 de junho de 2022 - Referência 8801258 - , que entendeu, desacertadamente, que a decisão final do incidente de remissão, datada de 12 de maio de 2022 - Referência 100275403 -, se mostrava transitada em 03 de junho de 2022.
Vejamos,
À apelação prevista no artigo 853.º, n.º 2, alínea d), é aplicável o prazo normal de recurso de 30 dias, conforme interpretação que faz ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES - Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª Edição Atualizada, 2022, pág. 603 : «Com respeito às decisões enunciadas no art. 853.º, n.º 2, para além dos recursos de apelação das decisões que impliquem a extinção da instância executiva (al. b)), esse prazo de 30 dias é extensivo ainda à decisão final dos incidentes autónomos de exercício do direito de preferência e de remissão a que se reporta a al. d) (por via da aplicação remissiva do art. 644.º, n.º 1, al. a), 2.ª parte).»
No mesmo sentido JOSÉ LEBRE DE FREITAS, ARMANDO RIBEIRO MENDES e ISABEL ALEXANDRE - Ob. cit., pág. 863, anotação 2 -, em anotação ao artigo 853.º, n.º 2, referem que: «(…) é 30 dias o prazo para recorrer das decisões de (…) pronúncia sobre o exercício do direito de preferência ou remissão (…).»
O mesmo entendimento foi sufragado no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 02 de setembro de 2019, relatado por JOSÉ MANUEL BARATA - Disponível em dgsi.pt. - , em cujo sumário se lê que: «II. O prazo para interposição de recurso contra o despacho que indeferiu o direito de remissão, previsto no artº 853º/2 d) do CPC, é de 30 dias, por não previsto expressamente o prazo mais curto de 15 dias, na conjugação dos artigos 638º/1, segunda parte, 644º/2 e 853º/ 2 d) do CPC.»
Tendo a notificação do despacho de 12 de maio de 2022 - Referência 100275403 - sido elaborada no dia 16 de maio de 202248 - Referência 100637761 -, ter-se-á por efetuada no dia 19 de maio de 2022 - e transitado o despacho em julgado no dia seguinte ao do fim do prazo de 30 dias para recurso, ou seja, em 21 de junho de 2022.
O agente de execução e, bem assim, a secção na informação prestada àquele em 13 de junho de 2022 - , parecem ter confundido o prazo do recurso sobre a decisão de remissão, considerando o reduzido de 15 dias ao invés do prazo normal aplicável de 30 dias.
O requerimento apresentado pela Recorrente em 09 de junho de 2022 - Referência 8793852 - e o pagamento voluntário da obrigação exequenda - Referência 8802723 e 8802724 -, além de tempestivos, porque apresentados antes de decorridos 30 dias da notificação do aludido despacho de 12 de maio de 2022, é o expediente/ procedimento legal adequado para impedir a venda do imóvel penhorado, libertar a execução dos bens do devedor - Como refere EURICO LOPES CARDOSO, ob. cit. pág. 627”.
Assim, com todo o respeito pelas razões que fundamentam o decidido no Juízo de Execução de Ansião - Juiz ..., na procedência do recurso, revogamos tal decisão.
3. Decisão
Na procedência do recurso, revogamos a decisão proferida no Juízo de Execução de Ansião - Juiz ..., sustando-se a execução, a menos que o depósito seja manifestamente insuficiente, seguindo-se a liquidação de toda a responsabilidade da executada, nos termos da norma do art.º 847.º e a posterior extinção da instância de acordo com alínea a) do n.º 1 do artigo 849.º do Código de Processo Civil.” (sic).
Regressando ao caso sub judicio é, pois, ostensivo, da transcrição do despacho proferido pelo tribunal a quo a 24 de Setembro de 2024, objecto deste recurso, e cotejando-o com a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26 de Abril de 2023, que, debruçando-se sobre a mesma questão, o despacho recorrido decidiu-a de modo flagrantemente contraditório à decisão de um tribunal superior.
Como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30-10-2020, Proc. n.º 508/14.0GHVFX-A.L1-3: “A 1.ª instância deve acatar a decisão do respetivo Tribunal da Relação, por força do disposto no art.º 4.º, n.º 1, da LOSJ, dispositivo fundamental na orgânica judiciária. Além de que o trânsito em julgado do Acórdão do Tribunal da Relação, só por força do caso julgado, obriga ao seu acatamento.”.
Resta saber qual a consequência jurídica que dai decorre.
Estatui o art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 21/85, de 30-07 (Estatuto dos Magistrados Judiciais): “Os magistrados judiciais julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores”.
O mesmo decorre do art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26-08 (Lei da Organização do Sistema Judiciário – LOSJ): “Os juízes julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a quaisquer ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores”.
Na LOSJ, o art. 42.º, n.º 1, preceitua, outrossim, que “os tribunais judiciais encontram-se hierarquizados para efeito de recurso das suas decisões”.
Deste modo, a consagração da independência dos magistrados judiciais, no exercício da sua função jurisdicional tem como limite o dever de acatamento das decisões que, em via de recurso, sejam proferidas por tribunais superiores.
Nessa senda o art. 152.º, n.º 1, do CPC, impõe que “os juízes têm o dever de administrar justiça, proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes e cumprindo, nos termos da lei, as decisões dos tribunais superiores”.
Miguel Teixeira de Sousa, em recente anotação a este dispositivo legal – Código de Processo Civil Online, Livro II, p. 30, nota 2 (b)[4] – escreve: “Os juízes dos tribunais cujas decisões foram recorridas têm o dever de acatar as decisões dos tribunais superiores que apreciaram o recurso (n.º 1, 2.ª parte; art. 4.º, n.º 1, EMJ). O não acatamento de uma decisão proferida por um tribunal superior implica a violação tanto do caso julgado formal desta decisão, como do dever de acatamento das decisões do tribunal superior pelo tribunal inferior e conduz ao proferimento de uma decisão nula (STJ 7/12/2023 (2126/15))”.
Nesta consonância, a violação do dever de acatamento de prévia decisão proferida por Tribunal superior, exarada em via de recurso e transitada em julgado, constitui uma nulidade insuprível da decisão que venha a ser proferida, nomeadamente por o objecto de renovada pronúncia do tribunal inferior constituir questão de que o mesmo não podia tomar conhecimento, tal como decorre das regras plasmadas nos arts. 613.º, n.º 3, e 615.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte, do CPC.
No mesmo sentido do aqui decidido, vejam-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-10-1997, Proc. n.º 98A233 – “Os juízes e os tribunais judiciais têm o dever de acatar as decisões proferidas em vias de recurso pelos tribunais superiores sob pena de nulidade insuprível”; o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 31-05-2012, Proc. n.º 855/11.3TBLLE-E1 – “Está consagrado pelas leis de processo e de organização judiciária um dever de acatamento por parte dos tribunais inferiores das decisões proferidas em via de recurso pelos tribunais superiores, segundo o qual aqueles ficam subordinados à decisão do tribunal superior no âmbito do processo em que a decisão é proferida”; o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08-10-2020, Proc. n.º 95274/18.9YIPRT.L2-6 – “I. Tendo a Relação decidido, por decisão transitada em julgado, rejeitar recurso interposto pela ré contra sentença que julgou procedente a acção e a condenou no pedido, com fundamento na sua ilegitimidade, por se mostrar autuada no processo sentença anterior, que considerou válida e eficaz, a julgar improcedente a acção e a absolvê-la do pedido, não pode a 1.ª instância, sob pena de ofensa do caso julgado formal (art.º 620.º/1 do CPC) e da obediência devida às decisões dos tribunais superiores, proferir decisão diferente a considerar relevante a segunda sentença proferida que fora objecto de recurso rejeitado pela Relação. II. Além de violadora do caso julgado formal e da obediência devidas às decisões dos tribunais superiores, a decisão da 1.ª instância é uma decisão nula, por excesso de pronúncia (art.º 615.º/1-d), 2.ª parte do CPC), dado que se pronuncia sobre uma questão sobre a qual, sem a audição prévia das partes, não se podia pronunciar”, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11-11-2024, Proc. n.º 4024/22.9T8VFR-B.P1 – “I. A indiscutível consagração da independência dos magistrados judiciais, no exercício da sua função judicante, é feita com a expressa salvaguarda do seu dever de acatamento das decisões que, em via de recurso, sejam proferidas por Tribunais superiores. II. A violação desse dever constitui uma nulidade insuprível da decisão que assim venha a ser proferida.”.
Tudo visto, é evidente que a decisão recorrida não pode subsistir, por nulidade insanável, ao não ter observado a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26 de Abril de 2023, a qual deve ser integralmente cumprida, seguindo-se os demais termos processuais.
O pagamento das custas processuais compete a quem, a final, for responsável pelas mesmas – cf. arts. 527.º e 607.º, n.º 6, este ex vi art. 663.º, n.º 2, todos do CPC.
*
Sumário (art. 663.º, n.º 7, do CPC): (…).
*
Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e declarar a nulidade da decisão recorrida, datada de 23 de Setembro de 2024.
O pagamento das custas é encargo de quem, a final, seja pelas mesmas responsável.
Notifique a todos os intervenientes processuais.
Coimbra, 11-03-2025
Luís Miguel Caldas
Luís Manuel Carvalho Ricardo
Cristina Neves
[1] Juiz Desembargador relator: Luís Miguel Caldas /Juízes Desembargadores adjuntos: Dr. Luís Manuel Carvalho Ricardo e Dra. Cristina Neves.
[2] Ao processo de execução estão apensados: Apenso A (embargos de executado: sentença de 05-10-2015), Apenso B (Reclamação de créditos: sentença de 12-11-2019), Apenso C (Reclamação do art. 643.º do CPC: decisão de admissão de recurso: 09-03-2023), Apenso D (Recurso de apelação em separado: decisão do recurso de 26-04-2023) e Apenso E (Reclamação do art. 643.º do CPC: decisão de inutilidade: 30-04-2024).
[3] Resumindo, tanto o caso julgado material como o caso julgado formal pressupõem o trânsito em julgado da decisão. No entanto, enquanto o caso julgado formal tem apenas força obrigatória dentro do processo em que a decisão é proferida, o caso julgado material tem força obrigatória não só dentro do processo como, principalmente, fora dele – cf. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 1985 (2.ª edição), pp. 308-309.
[4] https://drive.google.com/file/d/1REL4D8gdisAcNY6oY8Ip7f6vfLRFy2S3/view.