PROTEÇÃO DE KNOW-HOW E DE INFORMAÇÕES COMERCIAIS CONFIDENCIAIS
REQUISITOS PARA A EXISTÊNCIA DE SEGREDO COMERCIAL
ÓNUS DA PROVA DA EXISTÊNCIA DE SEGREDO
INSUSCEPTIBILIDADE DE APERFEIÇOAMENTO QUANTO À OMISSÃO DE ALGUM DOS REQUISITOS DO SEGREDO
Sumário

I- O D.L. nº 110/2018, de 10 de dezembro que aprovou o Código da Propriedade Industrial, veio transpor para a ordem jurídica interna a Diretiva (UE) 2016/943, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2016, relativa à proteção de know-how e de informações comerciais confidenciais (segredos comerciais) contra a sua aquisição, utilização e divulgação ilegais, estendendo a protecção que já era conferida a direitos de propriedade intelectual aos segredos comerciais.
II- Visou a aludida Diretiva estabelecer regras harmonizadas nos Estados –membros com vista a assegurar o bom funcionamento do mercado interno, conferindo protecção ao know-how adquirido pelas empresas com a investigação, inovação e aquisição de conhecimentos e às “informações empresariais, que são confidenciais e que se pretende que permaneçam confidenciais”, por forma a permitir a competitividade destas empresas no mercado, “o desempenho relacionado com a inovação” e a “proteção da criação intelectual”.
III- O artº 313 do C.P.I. exige como requisitos cumulativos para que se possa considerar a existência de um segredo comercial:
a) que a informação não seja de acesso público, nem facilmente acessível;
b) a susceptibilidade de avaliação pecuniária destas informações;
c) a adoção de medidas de proteção pelo respetivo titular destinadas a assegurar a confidencialidade das informações, como o recurso a palavras-chave, cofres, sistemas de vigilância, destruição controlada de documentos e tratamento de lixo.
IV-O ónus de alegação e prova da existência destes requisitos, da titularidade dos segredos comerciais divulgados, dos danos e do nexo de causalidade entre esta divulgação e os danos causados, cabe ao proponente da acção (artº 342, nº1 do C.C.)
V-A falta de alegação de factos concretos que integrem os requisitos cumulativos exigidos pelo artº 313 do C.P.I., não pode ser suprida, nomeadamente por via do disposto no artº 590, nº4 do C.P.C.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

***


Recorrente: A... Lda.

Recorrido: B... S.A.

 Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves

Juízes Desembargadores Adjuntos: Francisco Costeira da Rocha

                                         Hugo Meireles


*

 

ACORDAM OS JUÍZES NA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

RELATÓRIO

 B... intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra A... Lda., pedindo a condenação desta no pagamento de € 432.845,45, acrescido de juros de mora, à taxa comercial em vigor, desde a citação até efectivo e integral pagamento, sendo a quantia de € 10.000, correspondente ao preço dos serviços contratados pela A. à R. que esta não prestou; a quantia de € 6.000, relativo ao custo dos trabalhos internos da A. com o desenvolvimento do projecto e a quantia de € 416.845,45, correspondente aos lucros que esperava obter com o lançamento e venda do grelhador MasterGrill 2.0, e que deixou de obter em virtude da divulgação e utilização dos seus segredos de negócio por parte da R.

Para tanto alega que, pretendendo apresentar um modelo melhorado do grelhador Mastergrill, adjudicou à R., em Dezembro de 2019, a assessoria no desenvolvimento da engenharia e design do Mastergrill 2.0, mediante o pagamento da quantia de € 10.000, valor esse pago em três fases distintas (€ 3.000 com a adjudicação do projecto, € 4.000 com a apresentação da solução e € 3.000 com a validação 3D e produção dos protótipos finais), tendo partilhado com a R. informação privilegiada e confidencial respeitante ao modelo original.

Mais alega que, em 21 de Maio de 2020, encontrando-se já efectuado o pagamento do valor de € 7.000, a R. manifestou a intenção de facturar o valor correspondente à parte final do projecto, ao que se opôs porquanto o trabalho que a R. se tinha comprometido a desenvolver não se mostrava concluído, não sendo passível de validação final, recusando-se a R. a prosseguir no trabalho sem que ocorresse este pagamento ou a A. procedesse à assinatura de um documento denominado “acordo de retorno e abdicação de utilização futura de direitos de propriedade intelectual” o que recusou.

Alega ainda que, em 30.03.2021, perante a situação de impasse em que as partes se encontravam, foi realizada nova reunião, tendo ficado acordado que a A. pagaria o remanescente do preço contratado e a R. assinaria contrato de confidencialidade, bem como contrato de compromisso no sentido de fazer as alterações necessárias até à industrialização da proposta apresentada, os quais foram formalizados em 08.04.2021 e 27.04.2021, sendo que a autora pagou o valor de € 3.000,00 em 30.04.2021.

Por último, alega que até Junho foram sendo trocadas comunicações referentes ao desenvolvimento do projecto, culminando com a apresentação por parte da R. de uma solução que nada tinha que ver com o projecto inicial, a que acresce o facto de ter recebido por parte de uma empresa chinesa, R..., uma proposta de fornecimento de um design e funcionalidades semelhantes aos mesmos que a R. tinha sido contratada a desenvolver para a A., tendo a empresa chinesa informado que tinha adquirido o projeto em causa à R., em Julho de 2020.

Conclui que as informações e conhecimentos partilhados com a R. constituíam segredos de negócio, tendo as mesmas um elevado valor comercial, estando esta obrigada a cumprir o dever de confidencialidade e a utilizar exclusivamente tais informações para o desenvolvimento do projecto contratado com a A., pelo que a sua alienação a uma empresa chinesa configurou um acto ilícito de concorrência desleal, gerador da obrigação de indemnizar.


*

Regularmente citada, a R. apresentou contestação, alegando que foi a mesma e não A., que se propôs desenvolver um grelhador portátil baseado na solução Mastergrill, uma vez que tinha desenvolvido uma base de design industrial de vários produtos para posteriormente os desenvolver à medida dos clientes. O serviço que se propôs efectuar para a A. consistia em engenharia de produto, tendo a A. feito chegar à R., em 16 de Outubro de 2019, uma amostra do grelhador “Mastergrill” para a partir dessa base desenvolver um novo design de produto mais sofisticado, uma vez que não dispunha de nenhuma informação técnica e digital nomeadamente ficheiros CAD, 3D, e outros desenhos técnicos do modelo em causa.

Mais alegou que as informações enviadas pela autora em 17.12.2019 constituíam informação básica, sendo conhecidas do público em geral, consistindo apenas nos layouts do Mastergrill que já possuíam e já comercializavam, além das instruções que vêm em cada embalagem do produto, quando vendido, não constituindo tal informação, informação confidencial ou segredos de negócio, porque a mesma é pública.

Alegou ainda que apenas em 2021 foi exigida à ré a assinatura de um acordo de confidencialidade, o qual apenas vigoraria para o futuro, uma vez que toda a informação transmitida anteriormente, sendo pública, não pode ser enquadrada no mesmo. Acresce que na reunião de apresentação do produto ocorrida em 20.02.2020 entregou o serviço contratado, mediante entrega de protótipos e desenhos/ficheiros CAD, que permitiam a execução de moldes e ferramentas para a industrialização dos produtos.

Por último, alega que em Março de 2021, a autora voltou a contactar a ré para efetuar um novo projecto, agora para um grelhador sem fumos, uma vez que o anterior não tinha tido sucesso, sendo nessa sequência assinado o acordo de confidencialidade, que nada tinha que ver com o projecto anterior.

Conclui pedindo a sua absolvição do pedido e a condenação da autora como litigante de má fé.


*

Por requerimento de 19.12.2022 respondeu a autora, pronunciando-se sobre este último pedido, defendendo a sua improcedência.

*

Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, com fixação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova, dos quais não houve reclamações.

*

Após, realizada a audiência final, foi proferida sentença que decidiu:

“Em face do exposto e sem outras considerações julgo a acção parcialmente procedente e consequentemente condeno a ré a pagar à autora as seguintes quantias:

I- A quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) acrescida de juros de mora desde a data da citação, à taxa de 4%, até efectivo e integral pagamento;

II- A quantia que vier a ser liquidada correspondente aos lucros cuja obtenção seria possível com o lançamento e venda do grelhador MasterGrill 2.0, com o limite peticionado de € 416.845,45.


*

Custas pela autora e pela ré na proporção de 1/3 para a primeira e 2/3 para a segunda (artº 527º nºs 1 e 2 do CPC).”

***


Não conformada com esta decisão, impetrou a R. recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

“1. A Recorrente não se conforma com a sentença, porque o tribunal ad quo, fez uma errada aplicação da lei ao dar como provados, factos que não ficaram provados, nomeadamente, quer pela prova testemunhal, declarações de parte do A. e depoimento de parte da R. e provas documentais juntas aos autos.

2. Dos factos considerados como provados, andou mal o douto tribunal ad quo ao considerar como provados os seguintes factos: 1, 3, 4, 5, 6, 8, 11, 12, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24, 25, 26, 27, 28, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36 e 37.

3. Deveria da prova produzida, o Tribunal ad quo, ter considerado como provados os seguintes factos: g), h), i), l), m), n), o), p), q), r), s), t), u), v) e x), erradamente considerados como não provados.

4. Do testemunho de AA e BB claramente se aferiu que, para além de serem trabalhadores da Recorrida, que o discurso era completamente preparado e idêntico, pelo que não deveria o tribunal ad quo, ter dado a relevância e importância e credibilidade que deu.

5. As testemunhas AA e BB, aquando da pergunta, quer em instâncias da Meritissima Juiz, quer da mandatária da Requerente, de quais os segredos putativamente violados pela Requerente, em causa no processo, não conseguiram identificar de forma clara e precisa os mesmos.

6. Ora de tais testemunhos apenas conseguimos retirar que para ambos segredos comerciais eram apenas as generalidades que referiram, e que já constavam da petição inicial, tendo aliás tais testemunhos estranhamente coincidido em muitos pontos, palavras e frases.

7. A testemunha BB, ao minuto [01:33:58], a testemunha AA e o Administrador da Recorrida CC, aquando das suas declarações de parte, referiram claramente não sabia o valor de tais segredos, cfr as suas declarações [00:14:08].

8. Verificou-se igualmente que aqueles não conseguiram identificar, elencar, expressa e concretamente que segredos foram efectivamente transmitidos e violados, como claramente referiram que desconheciam o valor comercial dos segredos comerciais em causa e que os não eram contabilizados.

9. A questão decidenda nos presentes autos consistiu e consiste em saber se a Ré efectivamente divulgou segredos comerciais da A.., “porquanto desenvolveu para um terceiro, a empresa R..., um produto cuja concepção fora inicialmente contratualizada consigo, fim para o qual lhe forneceu informação confidencial”, daqui resultando, segundo a decisão recorrida, a responsabilidade civil da Recorrente pelos danos supostamente verificados, e que a Recorrente não concorda.

10. Ora claramente o cerne deste processo é sobre a existência ou não de segredos comerciais!

11. E a existirem tais segredos comerciais por parte da Recorrida, deveriam aqueles segredos terem sido provados e em concreto demonstrados de acordo com os requisitos cumulativos do artigo 313º do Código da Propriedade Industrial, que claramente não o foram, pela Requerida.

12. Não existindo segredos comerciais, também não existe nenhuma obrigação de indemnizar conforme a Requerida pretendia e o tribunal ad quo erradamente considerou.

13. Os requisitos do artigo 313º do Código da Propriedade Industrial são cumulativos, de onde resulta, em consequência, o errado preenchimento e verificação das normas substantivas aplicáveis relativas ao ressarcimento a titulo de responsabilidade civil a que a Recorrente foi erradamente condenada, o que não concorda e requer ao Tribunal ad quem que faça uma correcta interpretação dos factos ao direito em causa.

14. O artigo 313º nº do CPI refere o seguinte:

“1 — Entende-se por segredo comercial e são como tais protegidas as informações que reúnem cumulativamente os seguintes requisitos:

a) Sejam secretas, no sentido de não serem geralmente conhecidas ou facilmente acessíveis, na sua globalidade ou na configuração e ligação exatas dos seus elementos constitutivos, para pessoas dos círculos que lidam normalmente com o tipo de informações em questão;

b) Tenham valor comercial pelo facto de serem secretas;

c) Tenham sido objeto de diligências razoáveis, atendendo às circunstâncias, por parte da pessoa que detém legalmente o controlo das informações, no sentido de as manter secretas.

(:..)

3 — Entende-se por titular do segredo comercial a pessoa singular ou coletiva que exerce legalmente o controlo de um segredo comercial.

15. A Recorrida não identifica, nem elenca, em concreto, de forma clara e expressa, que segredos foram fornecidos e violados, assim bem como não faz a correspondência do seu valor, e nem junta prova das diligências razoáveis que deveria ter, requisitos cumulativos pela lei!

16. Não se verifica o preenchimento de nenhum dos requisitos legais aplicáveis para a tomada da conclusão da existência de segredos comerciais, pelo tribunal ad quo.

17. O tribunal ad quo ignorou na sua fundamentação, a inexistência documental ou qualquer outra que demonstrasse o valor do segredo comercial, o que não pode suceder, pois é um dos requisitos exigidos pela lei.

18. A Recorrida elencou na sua PI de forma genérico o que entendia serem segredos comerciais mas de forma errónea, tendo o tribunal ad quo considerado erradamente tais informações como segredos comerciais.

19. Tal elenco descritivo não são mais do que generalidades conhecidas no mercado, conforme aliás links que são facilmente são acessíveis a qualquer pessoa na internet e que constam de fls... quer da contestação apresentada, quer dos documentos juntos de fls... aos autos, os quais foram completamente desconsiderados pelo tribunal ad quo, quando deveria ter sido o contrário.

20. Neste mesmo sentido, andou o despacho do Tribunal da Propriedade Intelectual no processo 441/21.... que correu os seus termos no J..., junto de fls., que se declarou incompetente, para apreciação do presente litigio.

21. Desse despacho consta e bem o seguinte: “A autora também não alegou factos que levem à associação dos segredos de negócio objecto de infração, ou das práticas concorrenciais, aos direitos de propriedade intelectual.”

22. Um entre os vários exemplos e indícios da não existência de segredos comerciais por parte da Recorrida é o facto de aquela nem sequer possuir nenhum ficheiro CAD, 3D, e outros desenhos técnicos do suposto modelo em causa – MASTERGRILL 1!

23. Se se tratavam de informações confidenciais, que a Recorrida pretendia proteger, não tendo ficado provado tal facto b) pelo tribunal ad quo, como é que o mesmo considerou que a Recorrida cumpriu as diligências razoáveis para a preservação do segredo que o artigo 313º do CPI impõe e que qualquer acordo de confidencialidade (NDA) mais básico contém.

24. Nunca podia o tribunal ad quo, ter decidido de tal forma!!!

25. Relativamente à prova das diligências razoáveis que a lei impõe, verifica-se dos emails de fls... juntos aos autos que a Recorrida, como contrapartida do pagamento ao Requerente é que a Requerida pede o NDA, apenas em 2021, ora ditam as boas práticas comerciais que os NDA`S são sempre assinados antes de iniciar qualquer divulgação de informação.

26. O tribunal ad quo andou mal ao considerar que a Recorrida cumpria, as diligências razoáveis para a preservação dos segredos, quando dá como provado que no correio electrónico trocado com a ré, a autora não utilizou qualquer encriptação ou código de acesso através de passwords e verificação de identidade de quem recebe a informação.

27. Não faz sentido, a Recorrida alegar que possui segredos de negócio e em via um email com anexos onde estão segredos comerciais, sem qualquer segurança adicional.

28. As empresas devem certificar-se de que adotaram medidas de proteção adequadas, como a celebração de acordos de confidencialidade com colaboradores e parceiros, a instalação de sistemas de videovigilância, a implementação de palavras-chave, a segmentação do acesso à informação empresarial ou a organização de ações de formação internas sobre o tema e devem ainda conduzir verificações periódicas a essas medidas, garantindo que se mantêm atualizadas em face de desenvolvimentos jurisprudenciais e legislativos, o que a Recorrida não provou.

29. Relativamente à alegada existência de um NDA, que supostamente, abarcou toda a relação entre Requerente e Recorrida, resulta da prova produzida, nomeadamente dos emails juntos aos autos de fls.... o NDA foi assinado para o novo projecto enviado e mencionado no facto 30 como provado...

30. Projecto esse que nunca foi pago pela Recorrida ao Recorrente, nem aquela respondeu, pois o que pretendia era ter um NDA assinado para ludibriar o sistema por forma dar entrada à presente ação, tentando fazer crer que um NDA assinado em 2021 correspondia a um projecto adjudicado em 2019.

31. O tribunal ad quo, deveria ter considerado como provado o facto d) tendo em conta o e-mail junto aos autos e datado de 13 de maio de 2021, de fls... o qual demonstra claramente que após o envio do projecto com as alterações solicitadas, a Recorrida não mais respondeu ao Recorrente, pelo que a existir incumprimento foi sempre da parte da Recorrida!

32. Também o ponto h) deve dar-se por provado na medida em que as obrigações entre as partes estavam definidas na proposta constante de fls... e ali é bem descrito que efectivamente ao que a Ré se obrigou.

33. Pelo que no que concerne com o facto 7 no âmbito do contrato celebrado a ré apenas se obrigou a prestar à autora serviços de desenvolvimento, design, engenharia de produto, refinamentos, produção de maquete e protótipo em 3D (SLS) para apresentação da solução, mas NÃO a certificação/preparação à certificação, acompanhamento à produção, incluindo alterações ao projecto que adviessem das propostas de modelo que fossem sendo apresentadas pela ré.

34. Aliás a própria proposta menciona que “Qualquer necessidade de apoio futuro será objecto de proposta caso a caso.”!!

35. Nessa proposta inicial de prestação de um serviço, não exclusivo, nada é estabelecido acerca da titulariedade da propriedade intelectual desenvolvida, conforme resulta de fls....

36. Ora quando nada é dito expressamente entre as partes, aquando da contratualização, onde é formada a vontade das partes para a prestação da obrigação, apenas se pode aplicar os termos do artigo 11º do CDADC e o artigo 58º do Código da Propriedade industrial, pelo que o facto 24) não se pode aceitar e nunca poderia ter sido considerado como provado, uma vez que os direitos de propriedade intelectual eram e são do Recorrente.

37. Quanto ao ponto L) entende e reitera a Recorrente por juntar prova documental, tais informações serem públicas e notórias, estarem em acesso livro na internet, em qualquer motor de busca, que as informações contidas nas propostas por si desenvolvidas após a adjudicação de tal projecto, não tiveram na sua base quaisquer informações confidenciais que lhe tivessem sido fornecidas pela autora, ora Recorrida.

38. Ora assim sendo, não assumindo as mesmas as necessárias características para gozarem de protecção legal, nos termos do artigo 313º do CPI, na medida em que eram informações de acesso público, pelo que não pode existir nenhum nexo de causalidade conforme quer fazer crer a Recorrida.

39. Mais, entende a Recorrente, com o devido respeito, que andou mal o Tribunal ad quo ao considerar que “Encontra-se demonstrado nos autos que a autora, tomando como base um grelhador portátil a carvão, por si fabricado e comercializado, o Mastergrill, decidiu desenvolver um novo modelo de grelhador, o Mastergrill 2.0, minimizando as características negativas do primeiro e apresentando melhorias técnicas, estéticas, funcionais e de preço, informações estas resultantes de trabalho desenvolvido pela autora, no âmbito de um círculo restrito de colaboradores, e que a mesma não partilha, quer com empresas concorrentes, quer com o público em geral.”

40. Apesar de a Recorrente ter junto prova documental acerca da publicidade dessas putativas informações, verdade é que o tribunal ad quo, ignorou-as por completo, o que a Recorrente não pode deixar passar, porquanto tais informações públicas e notórias e juntas aos autos são cruciais para o não preenchimento de um dos requisitos exigidos nos termos do artigo 313º CPI.

41. Os factos existentes apenas demonstram que a Recorrente sem quis finalizar o tema e não protelar qualquer litigio, contrariamente à postura da Recorrente, andou a Recorrida que só passado um ano é que a Recorrida envia os elementos que a Recorrente aguardava e solicitou desde Março de 2020 e só foram enviados em 2021!!

42. Relativamente ao ponto 23) é bom referir, conforme resulta dos autos, que a A. solicitou a DD, por este se arrogar especialista em propriedade intelectual, aliás o qual veio se a verificar que assessorava ambas as partes, durante a audiência de julgamento.... com um manifesto conflito de interesses, tendo aconselhado a Recorrente e enviar tal acordo, pelo que foram os Recorrentes claramente induzidos em erro com o envio de tal contrato pela testemunha em causa, a qual ao continuar a dar assessoria a empresas na área da propriedade intelectual, sem ser Advogado ou Agente da Propriedade intelectual é um verdadeiro risco para a segurança jurídica dessas empresas.

43. Todas alterações solicitadas foram colocadas no novo projecto, o qual foi acordado entre as partes tendo sido foi apresentado um novo design, porque a Recorrida, assim o pediu, contrariamente ao que o tribunal ad quo considerou.

44. O ponto 30) não pode ser dado como provado porquanto o produto da Requerida e da empresa chinesa era bem diferente, pelo que a alegada utilização ilícita de segredos comerciais, há que dizer que o produto em causa tem funcionalidades diferentes da MASTERGRIL, que era a carvão e o R... era eléctrico.

45. A Recorrente não pode deicar passar ponto 11) como provado, pois a reunião realizada não foi apenas de design, sim de apresentação da inovação e solução, pelo que só assim se justifica a A., ora Recorrida ter enviado à Ré o desenho 3D da placa do grelhador Chakall para ser adaptada à nova grelha que a Recorrente desenhou e apresentou.

46. A informação da grelha foi apenas tão só passada para que a Recorrente adaptasse as espessuras que tinha apresentado na proposta às espessuras que a Recorrida já utilizava na grelha Chakall, grelhador e grelha acima demonstrada, do conhecimento do público em geral.

47. Contudo, essa grelha nunca foi transmitida pela Recorrente a nenhuns terceiros, muito menos à R... como a Recorrida quer fazer crer!!!!!!

48. Até porque a própria grelha em si é completamente diferente, assim bem como pública e notória, conforme se demonstra, não configurando nenhum segredo comercial.

49. Claramente se verifica que a grelha Chackall nada tem, que ver com a grelha desenvolvida pela Recorrente, mencionada pela própria Recorrida como: “GRELHA WEADD”.

50. Face ao ponto 34) é impossível a Recorrida afirmar que após o conhecimento do produto comercializado pela R..., que deixou de ter interesse na comercialização do mesmo, se no passado também utilizou desenhos de empresas alemãs, conforme confirmaram as testemunhas AA e BB, assim bem como os legais representantes da entidade... aqui a oportunidade era igual.

51. O tribunal ad quo nunca poderia considerar que a Requerente praticou um acto ilícito, utilizando um segredo comercial, da Requerido, porque os supostos segredos eram do conhecimento público, assim bem como a referida grelha, conforme se demonstra.

52. Qualquer fabricante de grelhadores conhece as informações supostamente confidenciais da Requerida, pelo que nunca poderiam ser classificadas como segredos nos termos artigo 313º CPI.

53. O tribunal não poderia ter considerado provado que a Recorrente apresentou a uma empresa terceira em data posterior a Julho de 2020, quando não há prova de tal facto.

54. Adicionalmente considerou tribunal ad quo a existência de dolo na atuação do Recorrente, o que não podemos deixar passar.

55. Para efeitos do preenchimento do requisito do dolo, o infractor deve ter a intenção de adquirir, utilizar ou divulgar o segredo comercial, desde que não soubesse ou não pudesse ignorar que se tratava de informação protegida, o que não é o caso, porque foi o Recorrente que criou.

56. Os supostos segredos, traduzem-se basicamente eram fotos de grelhadores já existentes no mercado, comentários de consumidores, pelo que o tribunal ad quo, nunca poderia ter considerado que a Recorrente teve dolo na sua intenção.

57. Questionável é a conduta da Recorrida, que desde 2020 até Maio de 2021 nunca respondeu nem pagou à Recorrente.

58. A Recorrida não conseguiu provar o preenchimento de nenhum dos requisitos contantes no nº 1 do artigo 313º do CPI, muito menos o nexo causal que o tribunal faz mas que não existe prova.

59. A Recorrente nada juntou relativamente aos lucros que esperava obter, absolutamente nada!

60. Não se consegue perceber onde é que o tribunal ad quo, tem demonstrado que o ciclo de vida de um produto semelhante ao Mastergrill é de cerca de 5 anos correspondendo ao tempo mínimo para amortizar o investimento do produto face à dimensão do mercado e ao tempo mínimo de manutenção do produto no mercado com aptidão comercial, mais se tendo provado que a autora tinha a expectativa de alcançar com o MasterGrill 2.0 o volume de vendas do MasterGrill original, cuja venda anual em 2020 se cifrou nos 3.960 e com isso obter o correspondente lucro, pois não junta qualquer documentação pela Recorrida, pelo que é completamente inadmissível que o tribunal ad quo dê como provados tais factos.

61. O tribunal baseia estes factos, graves para a Recorrente, no testemunho dos trabalhadores da recorrida AA e EE, os quais violam claramente o principio do inquisitório, pelo que se requer ao tribunal ad quem a correção desta injustiça e a aplicação dos termos constantes do artigo 662º do CPC.

62. Não concorda com a condenação, porquanto não existe nenhum facto ilícito que a Recorrente tenha praticado, devendo a mesma ser revogada.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a douta decisão do tribunal ad quo, como é de Direito e de Justiça,

Timbre deste Venerando Tribunal”.

 


*

Pela A. foram interpostas contra-alegações, delas constando as seguintes conclusões: “

 “I- Por, sustentada na prova produzida, ter efectuado correcta apreciação dos factos e por, ancorada numa cuidada exegese, ter aplicado correctamente o direito, a Douta Sentença recorrida não merece qualquer reparo e, como tal, deve manter-se na íntegra.

II- A Recorrida também gostaria de lhe ter sido dada razão quanto ao pedido indemnizatório relativo aos custos internos, mas tem de reconhecer que a prova nesse sentido não foi conclusiva.

III- E, apesar de entender que, com a prova produzida, o Tribunal a quo dispunha já de elementos suficientes para liquidar o pedido indemnizatório dos lucros que a Recorrida esperava obter com a comercialização do Mastergrill 2.0., conforma-se que tal seja relegado para liquidação do julgado.

IV- A Apelação não pode proceder por não assistir razão material à Recorrente e, mesmo antes disso, por as conclusões ora apresentadas continuarem a ser insuficientes para a apreensão do que a Recorrente pretende com o Recurso: percebe-se que discorda da Sentença mas não são fornecidos nem os fundamentos para a alteração nem, na maioria dos casos, é indicada a solução advogada.

V- Ao que acresce que a Recorrente pugna por alterações à matéria de facto que enuncia nas Conclusões 2 e 3 mas que ou (i) não concretiza nas demais conclusões recursivas (salvo quanto aos pontos 7, 11, 23, 30 e 34 dos Factos Provados e aos pontos d), h) e l) dos Factos não Provados) ou (ii) que não têm suporte nas alegações oportunamente deduzidas (no que respeita aos pontos 4, 18, 36 e 37 dos Factos Provados e aos pontos m), v) e x) dos Factos não Provados).

VI- A Recorrente na impugnação da matéria de facto não indica, nem com precisão nem sem ela, nem nas alegações nem nas conclusões, os concretos meios probatórios que sustentariam a sua pretensão.

VII- A alusão genérica a emails, documentos, depoimentos, links e sítios de internet que não concretiza ou a prova documental identificada como “Documento de fls….”, não cumpre, como é jurisprudência pacífica, o ónus constante da al. b) do nº1 do art. 640º do CPC.

VIII- A mera transcrição dos depoimentos, principalmente quando feita ao longo de longuíssimas dezenas de páginas, sem indicação do que, de um concreto depoimento, a Recorrente aproveita para alterar determinado ponto da matéria de facto (cujo sentido pugnado pela Recorrente, igualmente se não descortina), não é de molde a corresponder ao previsto no nº 2 do art. 640º do CPC.

IX- O incumprimento dos ónus previstos nas alíneas b) e c) do nº 1 e na alínea a) do nº 2 do art. 640º do Código de Processo Civil, deve conduzir à rejeição da Apelação deduzida.

X- Sem cumprimento dos ónus quanto à impugnação da matéria de facto não subsiste impugnação da matéria de direito que a Recorrente haja deduzido separadamente e possa levar à procedência do Recurso.

XI- Dito de outra forma, uma vez que toda a Apelação se estrutura, ao que é dado perceber, na impugnação da matéria de facto, mesmo quando pontilhada de desgarradas referências a conceitos e normas jurídicas, os vícios intrínsecos da impugnação deduzida quanto a esta parte, como não são de molde a permitirem nem a resposta da Recorrida nem a apreciação pelo Tribunal de Recurso, contaminam a Apelação no seu todo e prejudicam a apreciação do Recurso em matéria de direito que, de resto, a Recorrente não identifica qual seja.

XII- Rejeita-se a afirmação, para lá dos limites razoáveis da urbanidade, diga-se, de condução de testemunhas pelo Tribunal a quo ou pela Recorrida constante da Conclusão 4 que, de resto, manifestamente não encontra respaldo nos depoimentos transcritos (ou em quaisquer outros).

XIII- A Recorrente ignora que o valor comercial de um segredo de negócio, ou seja, a sua aptidão de vir a gerar lucros no futuro, se não confunde com o mesmo ter ou não registo contabilístico antes da exploração do negócio o que, aliás, não sendo naturalisticamente possível tão pouco se mostra previsto na lei que suceda, designadamente, por as regras vertidas no denominado Sistema de Normalização Contabilística não preverem a contabilização dos segredos de negócio, sendo, pois, por isso, perfeitamente normal que as testemunhas e os declarantes não identificassem a cifra contabilística no balanço da Recorrida.

XIV- As testemunhas AA e BB e o legal representante da Recorrida, CC, foram, todos eles, claríssimos na identificação do segredo de negócio violado pela Recorrente, e que o acervo informativo que o compunha, permitindo a evolução de um para outro modelo de grelhador, minimizando as características negativas do primeiro e apresentando, no segundo, melhorias técnicas, estéticas, funcionais e de preço que lhe conferiam características distintivas face à concorrência era apto a gerar ganhos para a Recorrida com as vendas do Mastergrill 2.011 Cfr. respectivamente ficheiro áudio Diligencia_3490-22.7T8LRA_2024-01-15_15-14-33, entre minutos [00:06:27] e minutos [00:09:19] – BB; ficheiro áudio Diligencia_3490-22.7T8LRA_2024-01-15_10-12-01, entre minutos [00:03:19] e minutos [00:18:27] - AA e ficheiro áudio Diligencia_3490-22.7T8LRA_2024-02-08_09-52-10 entre minutos [00:29:45] e minutos [00:38:55] – CC) .

XV- Pelos depoimentos supramencionados foi também confirmado que o Mastergrill 2.0 teria não só uma diferenciação face aos concorrentes, como também seria expectável que ultrapassasse os ganhos do Mastergrill 1.0, superando o histórico de resultados deste.

XVI- Como se provou abundantemente, e foi correctamente acolhido na Sentença recorrida, a Apelada protegeu o seu segredo de negócio, designadamente, restringindo o acesso ao acervo informativo e ao projecto do novo grelhador a 4 pessoas e através de acessos limitados e controlados aos dispositivos informáticos onde este se encontravam (cfr., entre outros, a transcrição de pp. 15 das contra-alegações).

XVII- Em lado algum, a Recorrente sustentou que o que lhe foi enviado pela Recorrida se extraviou nas comunicações entre as partes ou foi acessível a terceiros, e o que se provou foi, justamente, o cuidado da Recorrida na segregação dessa informação e o descaminho da mesma pela Recorrente a favor da R..., não fazendo qualquer sentido a referência feita agora nas conclusões corrigidas a sistemas de vídeo vigilância ou cláusulas de confidencialidade com os trabalhadores da Flama que, ao contrário do alegado, até se provou existirem.

XVIII- É totalmente falso, e não provado, que o segredo de negócio da Recorrida consistisse em links de internet ou generalidades, como, designadamente, se provou pelos Docs. nºs 3, 5 e 7 juntos à PI.

XIX- Os Docs. nº 3 e 5 da PI, aliás da lavra da Recorrente, contém a menção à respectiva confidencialidade nos seus rodapés, não se compreendendo sequer porque reclama a Recorrente um NDA quando ele própria assume que a informação recebida e que lhe foi transmitida pela Recorrida é confidencial!

XX- A Recorrente insiste em tentar criar um cenário irreal com a alegação da contratação em 2021 de um novo projecto quando, como bem julgou o Tribunal recorrido e será seguramente confirmado por essa Veneranda Relação, em 2021 o que existiu foi uma proposta da Recorrente de um design diferente do mesmíssimo Mastergrill 2.0. porque a que antes havia preparado para a Recorrida, tinha, entretanto, sido por si vendida à R...!

XXI- A Recorrente nega sem pudor os serviços que ela própria se propôs prestar à Recorrida e, bem assim, o que ela própria, a pp. 21, daquele Doc. nºs 3 junto à PI escreveu sobre a titularidade dos direitos de propriedade industrial “O cliente será proprietário de todos os direitos de industrialização e comercialização da solução desenvolvida e resultante no âmbito deste projeto”.

XXII- A Recorrente afirma que os direitos de propriedade intelectual lhe pertencem quando bem sabe que ela própria, reconhecendo que eram propriedade da Recorrida, propôs um acordo em que aqueles lhe fossem transmitidos. Proposta que não foi aceite pela Recorrida (cfr. Doc. nº 7 junto à PI)

XXIII- Da Conclusão 42 apenas se extrai que a Recorrente pretenderá apresentar queixa contra a testemunha por si indicada pelo crime de procuradoria ilícita o que, salvo melhor opinião, extravasa o âmbito da Apelação.

XXIV- É incompreensível o afirmado pela Recorrente quanto à grelha Chakal que não foi nunca objecto de discussão.

XXV- Ao contrário do alegado, tal como criteriosamente consta da fundamentação da Douta Sentença recorrida, a prova produzida impôs a resposta à matéria de facto que a mesma acolheu, tendo sido cabalmente demonstrado, entre o mais:

a) Que a Recorrente não cumpriu o contrato celebrado com a Recorrida em Dezembro de 2019 tendo por objecto a assessoria no desenvolvimento da engenharia e design do Mastergrill 2.0., nos exactos termos julgados.

b)  Que a Recorrida tem fábrica e fabrica, entre outros electrodomésticos, grelhadores: desenvolveu, fabricou e comercializou o Mastergrill 1.0 (ainda que determinados componentes tivessem sido adquiridos a outros fabricantes) e pretendia desenvolver, comercializar e fabricar integralmente o Mastergrill 2.0.

c)  A existência de segredo de negócio propriedade da Recorrida, composto por um acervo de informações trabalhadas por esta que lhe permitiam prosseguir a evolução de um para outro modelo de grelhador, minimizando as características negativas do primeiro e apresentando, no segundo, melhorias técnicas, estéticas, funcionais e de preço que lhe conferiam características distintivas face à concorrência.

d) Que essas informações tinham valor comercial por serem secretas e permitiam à Recorrida uma capacidade de ganho por conterem uma vantagem competitiva face à concorrência, que a Recorrida aproveitaria com o lançamento do Mastergrill 2.0., recolhendo os lucros da respectiva comercialização.

e) Do seu secretismo, no exacto sentido que as informações, resultantes do trabalho desenvolvido pela Recorrida no âmbito de um círculo restrito de colaboradores, não eram pela mesma partilhadas, nem com empresas concorrentes, nem com o público em geral e eram acessíveis apenas a 4 pessoas dentro da estrutura empresarial da Recorrida que compreendia entre 160 a 200 pessoas (aquelas que estavam adstritas ao projecto).

f) Da transmissão dessa mesma informação à R... pela A... – a prova consta da proposta apresentada por esta àquela em 03 de Julho de 2020 por comparação com a proposta em tudo base no Mastergrill 1.0 incorporava as informações secretas quanto a melhorias técnicas e outros elementos de atractividade do novo produto que a Recorrida tinha identificado e trabalhado.

g) Que, face à colocação no mercado de produto idêntico pela R..., despojada da vantagem competitiva, do denominado “time to market”, a Recorrida perdeu o interesse em prosseguir com o desenvolvimento, a fabricação e a comercialização do Mastergrill 2.0. por, nessa circunstância, ter deixado de antever capacidade de ganho.

h) Que tal se deveu, em exclusivo, à apropriação e transmissão ilícita pela Recorrente à A... do segredo de negócio de que a Recorrida era titular.

i) Que tal violação tornou não apenas inútil o contrato celebrado com a Recorrente como provocou na Recorrida o dano correspondente à perda dos ganhos que razoavelmente esperava obter com a venda do Mastergrill 2.0.

XVI- A aplicação dos arts. 313º, 314º e 347º do CPI aos Factos Provados, que se devem manter, conduziria, necessariamente, ao dispositivo da Sentença recorrida que, por correcta, não deve ser alterada.

Termos em que rejeitando a Apelação deduzida por incumprimento do ónus de indicar os meios probatórios que sustentariam decisão distinta sobre a matéria de facto e omitir, igualmente, qual a decisão que deveria ser proferida sobre os pontos que impugna ou, caso assim não entendam e tenham por bem pronunciar-se sobre o mérito da mesma, julgando-a totalmente improcedente por não provada e mantendo a Douta Sentença recorrida, Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, farão a costumada e sã

Justiça.“


***


QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]

Nestes termos, as questões a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consistem em apurar se:

a) se foram cumpridos os ónus exigidos pelo artº 640 do C.P.C. para a impugnação da matéria de facto;

b) se a matéria de facto fixada na primeira instância carece de ser alterada por erro de julgamento;

c)  se da factualidade que vier a ser apurada não resulta violado qualquer dever de sigilo comercial por parte da R., por se tratar de informação pública enão abrangida pelo acordo de confidencialidade assinado com a A.


*

Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre decidir.


*



FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal recorrido considerou a seguinte matéria de facto:

Factos provados

1- A autora dedica-se ao fabrico de louças metálicas, electrodomésticos e utilidades domésticas.

2- A ré dedica-se à consultoria nas áreas de engenharia do produto, design, estratégia e marketing e formação profissional.

3- No âmbito da sua actividade, a autora desenvolveu, fabricou e comercializou um tipo de grelhador portátil a carvão denominado Mastergrill, com um custo de produção de cerca de € 38,00/unidade.

4- Em face do feedback dos consumidores e do mercado relativamente às características do produto, a autora decidiu desenvolver um novo modelo de grelhador, denominado MasterGrill 2.0.

5- O produto referido em 4 seria desenvolvido tomando como base o modelo MasterGrill mencionado em 3, minimizando as características negativas e apresentando melhorias técnicas, estéticas, funcionais e de preço, informações estas resultantes de trabalho desenvolvido pela autora, no âmbito de um círculo restrito de colaboradores, e que a mesma não partilha, quer com empresas concorrentes, quer com o público em geral.

6- Com o propósito referido em 5, após contactos anteriores entre ambas, em 17.12.2019, a autora adjudicou à ré o projecto de desenvolvimento do produto referido em 4, do qual constavam as pretendidas melhorias, tais como o aumento da rapidez do processo de grelhar, a redução de fumos, o aumento do tamanho do depósito de carvão, a resistência do material do referido depósito e a sua capacidade de resistir a altas temperaturas e não oxidar, a libertação homogénea de calor pela superfície de confecção, a facilidade de limpeza e de arrumação/transporte, o sistema de protecção para-vento e a possibilidade de opção por três fontes de energia diferentes (eléctrico, carvão e gás).

7- No âmbito do contrato celebrado a ré obrigou-se a prestar à autora serviços de desenvolvimento, design, engenharia de produto, refinamentos, produção de maquete e protótipo em 3D (SLS) para apresentação da solução, certificação/preparação à certificação, acompanhamento à produção, incluindo alterações ao projecto que adviessem das propostas de modelo que fossem sendo apresentadas pela ré.

8- O projecto a desenvolver pela ré teria como base o modelo referido em 3 tomando-se em consideração o know how e capacidade produtiva da autora, ficando esta proprietária de todos os direitos de industrialização e comercialização da solução desenvolvida e resultante do projecto.

9- Como contrapartida do trabalho desenvolvido pela ré, a autora pagaria o valor de € 10.000, a ser pago da seguinte forma:

- 3.000 € com a adjudicação do projecto;

- 4.000 € com a apresentação da solução;

- 3.000 € com a validação 3D e produção dos protótipos finais.

10- No dia 08.01.2020 foi realizada uma reunião nas instalações da ré, na presença de representantes desta e da autora, com vista ao desenvolvimento do projecto.

11- No dia 21.02.2020 foi realizada uma reunião de apresentação da proposta de design apresentada pela ré à autora, na sequência da qual esta facultou aquela, em 24.02.2020 o desenho 3D da placa do grelhador Chakall.

12- Em resposta de dia 26 do mesmo mês, a ré enviou à autora os primeiros modelos 3D das peças, bem como da grelha e do recolector de gorduras em formato circular, por forma a ser testado no protótipo do contentor do Mastergrill já existente.

13- Em 26.03.2020, a autora colocou algumas questões relacionadas com o desenho e customização do equipamento, bem como sobre a espessura da grelha, solicitando propostas por parte da ré, uma vez que ao contrário do que esperava, a ré apenas havia apresentado uma proposta de design.

14- Durante os meses de Março e Abril de 2020, as partes trocaram entre si diversas comunicações relativas aos detalhes do novo grelhador, designadamente em termos de funcionalidades e design.

15- Em 21 de Maio de 2020, encontrando-se já efectuado o pagamento do valor de € 7.000, nos termos referidos em 9, a ré manifestou à autora a sua intenção de facturar o valor de € 3.000,00 correspondente à parte final do projecto, ao que a autora respondeu na mesma data, manifestando o entendimento que o projecto não se encontra concluído.

16- No dia 16.06.2020, autora solicitou esclarecimentos à ré referentes ao seu conceito de “desenvolvimento e engenharia do produto”, o que reiterou no dia seguinte.

17- Em 17.06.2020 a ré manifesta o entendimento de que o CAD fornecido tem o design e a engenharia de produto, que poderá ter de levar refinamento, mas que o pagamento não poderia ficar condicionado a isso, propondo à autora que devolvesse o projecto com a devolução do valor que lhe fora pago.

18- Na mesma data, a autora invocou que o desenho apresentado pela ré era simples e básico, não correspondendo às suas expectativas, não se podendo sequer falar de “engenharia de produto”, nem lhe sendo possível elaborar orçamentos com base no mesmo.

19- Em 25.06.2020, a autora propõe, para ultrapassar a situação, duas soluções alternativas:

a) A autora faria o desenvolvimento/engenharia de produto e a ré refaria o design em função desse desenvolvimento, porquanto o recebido da ré não foi considerado válido para suportar as necessidades técnicas e normas que o produto teria de cumprir e, após elaboração desse novo design faria o pagamento do remanescente do preço;

b) A devolução do projecto e a restituição do dinheiro pago.

20- Na mesma data, a ré aceita qualquer uma das propostas, mencionando quanto à mencionada em a), que deveria a autora proceder ao pagamento e aquela continuaria a dar o suporte necessário à conclusão do projecto e revisão do design em função das alterações feitas pela autora.

21- Em 26.06.2020, a autora reitera que só procederá ao pagamento do valor remanescente após a ré refazer o design para acomodar as exigências técnicas e de normas que o produto até aí desenvolvido pela ré não satisfazia.

22- Na mesma data a ré informa que irá enviar um contrato de retorno de propriedade intelectual relativa ao projecto Mastergrill 2.0, procedendo à devolução do valor já pago, ficando a ré detentora de todo o projecto, não podendo a autora utilizar o mesmo ou parte dele, objecto das apresentações e CAD, e em todos os seus conteúdos, durante toda e qualquer comunicação.

23- A 7 de Julho de 2020 a ré enviou à autora um documento denominado “Acordo de retorno e abdicação de utilização futura de direitos de propriedade intelectual” já por si assinado, no qual a ré é denominada “Fornecedora” e a autora “Tomadora”, entre o mais do seguinte teor:

(…)

B. A Fornecedora propôs à Tomadora uma Proposta (doravante “Proposta”) que visava o desenvolvimento de um aparelho grelhador com diversas características de desenho e funcionais novos relativamente aos aparelhos da categoria grelhadores e similares no Mercado;

C. A referida Proposta não incluía a opção, ou sequer a possibilidade, de um pagamento parcial do valor da mesma;

D. A Tomadora entendeu por bem adjudicar a referida Proposta à Fornecedora em 17 de dezembro de 2019 (email enviado por BB às 10.15);

E. A Fornecedora cumpriu os termos da referida Proposta, designadamente com a conceção de um aparelho grelhador com características novas (doravante “Conceito”) e procedeu ao fornecimento deste Conceito à Tomadora;

F. Em particular, a Fornecedora forneceu à Tomadora um conjunto de desenhos e especificações relativas ao Conceito, incluindo diversas variantes de desenho, configuração, funcionalidade e de operação que são específicos do Conceito (doravante “Elementos Fornecidos”);

G. De modo que o Conceito está naturalmente coberto por diversos tipos de direitos de propriedade intelectual, incluindo associados à aparência e associados à funcionalidade, disposição relativa e configuração dos principais elementos operativos gerados pela Fornecedora.

H. Num primeiro instante a Tomadora tomou por bem o referidos Conceito tendo procedido ao pagamento de um valor à Fornecedora no montante de 7.000,00 € (sete mil euros) correspondendo a uma fração do valor total da Proposta adjudicada (doravante “Valor Pago”) da qual ficou por pagar o montante de 3.000,00 € (três mil euros) (doravante “Valor “Remanescente”);

I. Num segundo instante, a Tomadora perdeu interesse na prossecução do referido Conceito, tendo declinado proceder aos demais pagamentos acordados na referida Proposta, de modo que esta não será concluída e, por conseguinte, não há lugar á transmissão de quaisquer dos direitos de propriedade intelectual relativos ao Conceito e inerente Proposta, nem no todo, nem em parte.

As partes acordam no seguinte.

1. Titularidade de todos os Direitos de Propriedade Intelectual

1.1 A Tomadora reconhece que todos os direitos de propriedade intelectual associados ao Conceito eram, são e continuarão a ser propriedade exclusiva da Fornecedora, abdicando d qualquer reivindicação presente ou futura sobre qualquer dos aspetos abrangidos pelo referido Conceito.

1.2 A Fornecedora é livre de transacionar direitos de propriedade intelectual associados ao Conceito a qualquer momento no futuro, bem como de os registar, no todo ou em parte.

2. Retorno de todos os Elementos Fornecidos

2.1 A Tomadora irá devolver á Fornecedora, no prazo máximo de 15 (quinze dias) consecutivos, todos os Elementos Fornecidos pela Fornecedora relativos ao Conceito, incluindo todos os elementos em suporte digital, comprometendo-se em não partilhar qualquer elementos recebido, no todo ou em parte, com quaisquer outras entidades, nem em manter qualquer cópia dos mesmos em formato digital ou em outro formato, ou quaisquer objetos produzidos com base nos referidos elementos relativos ao Conceito.

(…)

3. Não prossecução do Conceito

A Tomadora compromete-se a não prosseguir por qualquer forma, direta ou indiretamente, o desenvolvimento de qualquer dos aspetos técnicos intrínsecos ao Conceito, incluindo industrialização e/ou comercialização dos mesmos.

4. Devolução do Valor Pago

A Fornecedora irá devolver o Valor pago à Tomadora no prazo máximo de 15 (quinze) dias consecutivos após receção dos Elementos Fornecidos.

(…)

24- A autora recusou-se a assinar o documento referido em 23, comunicando à ré em 09.11.2020 as razões para o efeito, designadamente por considerar que esta não havia cumprido com o desenvolvimento do conceito, além de que muitos aspectos do mesmo haviam sido ideia da própria autora, como a ideia de uma plataforma de design única partilhada por 3 tecnologias, eléctrica, gás e carvão, haver pontos comuns com o modelo já existente e muitos dos conceitos implementados pela ré nos desenhos propostos terem sido sugeridos pela autora.

25- A 30 de Março de 2021, foi realizada uma nova reunião entre a autora e a ré, com vista a fazer um ponto de situação do projecto adjudicado pela autora à ré em Dezembro de 2019 e discutir como prosseguir com o mesmo, tendo sido assinado um Acordo de confidencialidade em 08.04.2021 e elaborada uma adenda ao mesmo assinada em 27.04.2021.

26- No Acordo de confidencialidade referido em 25, autora e ré comprometeram-se, no âmbito do desenvolvimento do novo Grill, a não divulgar nenhuma informação confidencial a terceiros, entendendo-se por informações confidenciais todos os documentos e informações que não se qualifiquem como “informações excluídas” deverão incluir sem limitação, quaisquer dados, desenhos, ficheiros 3D, modelos, relatórios, análises, estudos, interpretações, projeções, previsões, registos, notas, memorandos e outros materiais (quer preparados pelas Partes ou por qualquer um dos seus consultores e disponíveis em forma documental, informatizada ou não), independentemente da forma como essas Informações Confidenciais foram disponibilizadas ou fornecidas, que contenham ou reflitam de outra forma informações relativas às Partes, seus negócios, contas, direitos, ativos, processos ou projetos industriais, patentes, modelos, quaisquer outros direitos de propriedade industrial, responsabilidades e situação financeira ou de qualquer das suas filiais e que tenham sido ou possam ser fornecidos á outra Parte (ou a qualquer um dos seus Representantes) no decurso das negociações ou de outra forma.

27- Na adenda referida em 25 ficou acordado que a autora pagaria a totalidade do valor do projecto, € 10.000,00, e a ré finalizaria, no prazo de 6 meses, o desenvolvimento do projecto, nas seguintes tarefas:

- Refinamento da Solução – serviços desenvolvimento, design, engenharia de produto, refinamentos, produção de maquete e protótipo em SLS para apresentação da solução.

- 3D para fabricação de moldes silicone e ferramentas.

- Produção de pré-série em moldes de silicone (5 protótipos não incluído no preço).

- Desenvolvimento solução embalagem unidade de venda, embalagem master e manual de utilização e quick start.

28- Na adenda referida em 25 mais ficou acordado que após a conclusão do projecto, a autora integraria a totalidade dos direitos de propriedade intelectual dos direitos relativos às invenções em todos os domínios, aos desenhos e modelos industriais, às marcas industriais, e todos os outros direitos inerentes à actividade intelectual nos domínios industrial, científico, literários e artístico, comprometendo-se em referir os nomes dos inventores em todos os registos que ocorressem de qualquer desenvolvimento do projecto.

29- A 30 de Abril de 2021, a autora realizou o pagamento do remanescente do preço correspondente a € 3.000,00.

30- No dia 15 de Junho de 2021, a ré enviou à autora um documento denominado “Apresentação de Solução”, no qual não vinham reflectidas as alterações requeridas pela autora para viabilizar a industrialização do projecto, além de que apresentava um design completamente diferente do inicialmente proposto e pretendido pela autora.

31- Em Junho de 2021, na sequência de contactos comerciais com uma empresa chinesa denominada R..., a autora teve conhecimento que esta havia colocado no mercado um produto com um design e funcionalidades semelhantes aos que a ré tinha sido contratada para desenvolver para a autora, e que havia desenvolvido com base em proposta que ré lhe apresentou em Julho de 2020, idêntica à mencionada em 11.

32- Para elaboração da proposta mencionada em 31, a ré utilizou as informações obtidas da autora nos termos referidos em 5 e 6.

33- O ciclo de vida de um produto semelhante ao Mastergrill é de cerca de 5 anos correspondendo ao tempo mínimo para amortizar o investimento do produto face à dimensão do mercado e ao tempo mínimo de manutenção do produto no mercado com aptidão comercial.

34- A autora tinha a expectativa de alcançar com o MasterGrill 2.0 o volume de vendas do MasterGrill original, cuja venda anual em 2020 se cifrou nos 3.960 e com isso obter o correspondente lucro.

35- Após o facto referido em 31, a autora deixou de ter interesse comercial no fabrico e comercialização do MasterGrill 2.0.

36- Previamente à adjudicação mencionada em 6, a autora fez chegar à sede da ré em 16 de Outubro de 2019, uma amostra do grelhador Mastergrill original, para a partir dessa base se desenvolver um novo design de produto mais sofisticado, nos termos referidos em 6.

37- No correio electrónico trocado com a ré, a autora não utilizou qualquer encriptação ou código de acesso através de passwords e verificação de identidade de quem recebe a informação.


*

Para além de factos irrelevantes, contrários aos dados como provados, manifestamente conclusivos ou que contenham matéria de direito, não se provou que:

a) O modelo original Mastergrill, foi introduzido no mercado pela autora em 2018, tendo sido, até à data de entrada da p.i, fabricadas 10.722 unidades, vendidas ao preço médio de € 63,00;

b) No contrato celebrado ficou expressamente estabelecido que a ré protegeria de terceiros as informações que lhe fossem transmitidas pela autora;

c) A autora opôs-se à pretensão da ré referida em 15 invocando que a parte de desenho e engenharia de produto, refinamentos, produção de maquete e protótipo em SLS para apresentação da solução não se encontravam concluídas.

d) A 13 de Maio de 2021, a autora enviou um e-mail à ré com os comentários à proposta apresentada por esta, com a análise do design e de técnica da solução e por forma a que a ré resolvesse os problemas técnicos que impediam que o grelhador projectado fosse produzido, impedindo, portanto, a sua viabilidade industrial.

e) A informação referida em 31 foi fornecida pela empresa R... que enviou também para a autora a proposta que lhe havia sido apresentada pela ré.

f) A autora despendeu € 6.000,00 em trabalhos internos com a investigação, desenvolvimento e tratamento dos dados e informações necessárias ao projecto Mastergrill 2.0, tendo alocado, em momento anterior ao da contratação da ré, 6 pessoas durante pelo menos 10 dias cada uma ao custo médio de € 100/dia.

g) A ré contactou telefonicamente a autora onde lhe transmitiu que tinha desenvolvido uma base de design industrial de vários produtos, nomeadamente tostadeiras, grelhadores, para posteriormente desenvolver à medida para clientes, questionando se a autora teria algum interesse em desenvolver algum daqueles produtos.

h) No âmbito do contrato referido em 6, a ré obrigou-se apenas a desenvolver trabalhos com vista à definição necessária para a execução e para a posterior produção das peças, com base em ficheiros tridimensionais.

i) O valor referido em 9 foi muito baixo, apenas e só fixado atendendo à relação entre ambas as partes, já existente desde pelo menos 2009;

j) O envio mencionado em 37 foi feito, porquanto a autora não dispunha de nenhuma informação técnica e digital, nomeadamente ficheiros CAD, 3D, e outros desenhos técnicos do modelo em causa;

l) As informações fornecidas pela autora à ré são conhecidas do público em geral, estando disponíveis na internet e na comunicação do produto;

m) A autora apenas transmitiu a ré layouts do Mastergrill que já possuíam e já comercializavam, além das instruções que vêm em cada embalagem do produto, quando vendido.

n) Na reunião de kick off, ocorrida em 8 de Janeiro de 2020, a ré apenas e só colocou tal informação na apresentação do projeto, por forma a demonstrar a evolução que o grelhador teria em termos de design e incorporando a base que a ré já tinha apresentado à autora (um grelhador com as três funcionalidades) a desenvolver à medida.

o) Foi propósito da autora e da ré fazer funcionar os termos do acordo mencionado em 25 e 26, apenas para o futuro;

p) Os moldes referidos em 12 permitiam a execução de moldes e ferramentas para a industrialização dos produtos;

q) Com o documento referido em 23 a ré pretendeu colocar em papel, aquilo que sabia ser da sua titularidade;

r) Em Março de 2021, a autora voltou a contactar a ré para efectuar um novo projecto para um grelhador sem fumos, que corresponde ao mencionado no facto 30;

s) A ré não cobrou qualquer valor pelo projecto referido em r) para reatar as relações entre ambas;

t) Na ocasião mencionada em r), autora solicitou a elaboração do documento referido em 25;

u) Na execução do projecto referido em r), após duas reuniões, a ré passou todas as informações e ficheiros para a autora para executar o novo grelhador;

v) A ré tentou, sem sucesso reunir para finalizar todo o processo, o que ainda não sucedeu;

x) Em 2009 a ré e a autora estiveram em Shunden nas instalações da empresa C..., ambos clientes desta fábrica, onde conheceram a directora FF, na altura directora da R....

z) A autora estimava vender o MasterGrill 2.0 a € 58,48 cada unidade, sem IVA, com uma margem de lucro de cerca de 36%.


*

FUNDAMENTAÇÂO


Insurge-se a recorrente contra a decisão proferida pela primeira instância sobre a matéria de facto, impetrando a alteração dos factos provados 1, 3, 4, 5, 6, 8, 11, 12, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24, 25, 26, 27, 28, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36 e 37, para não provado e dos factos não provados sob as alíneas g), h), i), l), m), n), o), p), q), r), s), t), u), v) e x), para provado.

Invoca para o efeito que os depoimentos das testemunhas AA e BB, não merecem credibilidade pois “para além de serem trabalhadores da Recorrida, que o discurso era completamente preparado e idêntico” e que dos restantes documentos, emails trocados e sites da internet se retira o contrário dos pontos de facto que o tribunal a quo considerou provados.

A recorrida entende não estarem cumpridos os ónus previstos no artº 640 do C.P.C. para que se possa admitir a impugnação da matéria de facto, não cumprindo esse desiderato a mera alusão a depoimentos e documentos de forma genérica e sem concretização.

Por outro lado, alega que “a Recorrente pugna por alterações à matéria de facto que enuncia nas Conclusões 2 e 3 mas que ou (i) não concretiza nas demais conclusões recursivas (salvo quanto aos pontos 7, 11, 23, 30 e 34 dos Factos Provados e aos pontos d), h) e l) dos Factos não Provados) ou (ii) que não têm suporte nas alegações oportunamente deduzidas (no que respeita aos pontos 4, 18, 36 e 37 dos Factos Provados e aos pontos m), v) e x) dos Factos não Provados).

Cumpre-nos apreciar esta impugnação, começando por decidir

I-Se estão cumpridos os ónus exigidos pelo artº 640º do C.P.C.

Relativamente aos requisitos de admissibilidade do recurso quanto à reapreciação da matéria de facto pelo tribunal “ad quem”, versa o artº 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, o qual dispõe que:

«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

No que toca à especificação dos meios probatórios, «Quando os meios probatórios invocados (…) tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).

No que respeita à observância dos requisitos constantes deste preceito legal, após posições divergentes na nossa jurisprudência, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» [3]

Assim, “O que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do art. 640º do Novo CPC.

A saber:

- A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados;

- A especificação dos meios probatórios que no entender do Recorrente imponham uma solução diversa;

- E a decisão alternativa que é pretendida.[4]

Por outro lado, não basta fazer uma impugnação genérica da matéria de facto, com remissão para meios de prova igualmente genéricos e sem os delimitar em relação a cada facto. As exigências contidas neste preceito impõem que “esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos”.[5]

Ora da impugnação da matéria de facto por parte da recorrente, verifica-se que esta em relação às alíneas d) e g), invoca um email de fls. que não identifica, com data de envio de 13 de Maio de 2021, outros emails igualmente não identificados e o depoimento do legal representante da recorrente GG, que transcreve em parte, mas sem identificar concretamente o dia e hora em que foi prestado este depoimento, nem o motivo pelo qual este depoimento é relevante para alteração dos aludidos pontos de facto; em relação à alínea h) mencionam que o contrário resulta da proposta de fls. também não identificadas; na alínea i) o teor dos articulados e documentos juntos pelas partes nomeadamente emails trocados entre as partes e não identificados, bem como o depoimento do aludido GG, igualmente sem identificação do dia e hora do início e termo do seu depoimento ou sequer das razões pelo qual este depoimento obrigaria a outra conclusão; na alínea j), uma vez mais o depoimento de GG, sem identificação do dia e hora do início e termo do seu depoimento ou sequer das razões pelo qual este depoimento obrigaria a outra conclusão; na alínea l), prova documental por si junta e não identificada, que o tribunal recorrido terá ignorado, e bem assim o facto de a recorrida não ter alegado quais os direitos de propriedade intelectual e quais os factos dos quais decorre a violação de informações objecto de protecção para os efeitos do disposto no artº 313 do Código da Propriedade Industrial, o que já fora reconhecido no despacho pelo qual o Tribunal de Propriedade Intelectual se declarara incompetente para esta acção; a alínea m) por o tribunal recorrido não ter verificado as fotos que a recorrente juntou (e não identificadas) e não as ter confrontado com os “putativos segredos que a FLAMA enviou à recorrente”; as alineas n), o), p), q), r), s) e t), por resultar de prova documental junta aos autos (e não identificada) e a alínea t), por resultar de prova documental e testemunhal, igualmente não identificada.

Quanto aos factos provados, o ponto 1, por das patentes juntas aos autos (e não identificadas) e do depoimento das testemunhas AA e BB, sem indicação do dia e hora do início e termo do seu depoimento, decorrer que o Mastergrill era uma cópia do Lottusgrill; o ponto 2, com o qual apesar da impugnação, afirma concordar; o ponto 3, por entender que não foi feita qualquer prova deste valor, alegando que o depoimento da testemunha BB é nulo, por o Sr. Magistrado Judicial ter induzido as resposta da testemunha, em violação do disposto no nº1 do artº 516 do C.P.C., requerendo que o tribunal ordene a produção de prova “quanto à credibilidade e sentido do depoimento”; o ponto 5, com fundamento em factos públicos e notórios (não identificados) e na ausência de prova; o ponto 7, por contraditório com o ponto 2 e com o teor da proposta junta a fls. não identificadas; o ponto 8, por não ter sido provado; o ponto 11, com base em emails de fls. não identificadas; o ponto 12, com base em prova documental (emails e outros documentos) não identificada; o ponto 13, com base em emails e outros documentos não identificados nos autos; os pontos 15 e 16, com base em emails juntos aos autos a fls. não identificadas; o ponto 17, sem alegar qualquer fundamento, considerando tao só que deste facto resulta a proactividade da recorrente, pelo que se não percebe a razão de o tribunal a condenar; o ponto 18, com base em email não concretamente identificado e com base em testemunhas também não identificadas; os pontos 19, 20, 21 e 22, sem indicar qualquer fundamentação; o ponto 23, invocando conflito de interesses da testemunha DD, sem qualquer enquadramento, em indicação do dia e hora de prestação do seu depoimento ou sequer da relevância para este factos, do invocado conflito de interesses; o ponto 23, porque constam dos autos “elementos e emails que provam que a Recorrente não efectuou as alterações porque a Recorrida não respondia aos emails da Recorrente onde eram colocadas questões técnicas e feedback”; os pontos 25 a 28, sem qualquer fundamentação; o ponto 29, com base em documento de fls. não concretamente identificado; o ponto 30, 31, 32 e 33, sem qualquer fundamentação: outro identificado ponto 33, mas que corresponde ao ponto 35 da decisão recorrida, invocando o depoimento das testemunhas BB, AA e “legais representantes da entidade…” ; o ponto 34 e 35, que correspondem aos pontos de facto nº 36 e 37, sem qualquer fundamentação.

Ora, examinada a impugnação da recorrente resulta evidente o não cumprimento dos ónus impostos pelo artº 640 do C.P.C.

Com efeito, da redacção deste preceito legal, resulta a imposição de dois ónus ao recorrente: o primeiro, constante das diversas alíneas do seu nº1, de delimitar com precisão o âmbito do seu recurso, indicando os pontos concretos que reputa mal julgados, os concretos meios probatórios que deveriam ser considerados para cada ponto de facto impugnado e a resposta concreta que lhes haveria de ter sido dada pelo tribunal a quo.

O não cumprimento deste ónus principal por indispensável à reapreciação pelo tribunal ad quem da impugnação da decisão da matéria de facto determina a imediata rejeição do recurso na parte afectada, como é jurisprudência assente no nosso Supremo Tribunal[6].

O segundo ónus, exige a indicação precisa das passagens da gravação, quando a impugnação se fundamente em meios de prova gravada. Esta indicação precisa das passagens da gravação, embora possa servir de apoio à análise da impugnação, não é essencial à sua apreciação, tendo em conta o dever imposto ao tribunal ad quem, pela alínea b), do nº2, do artº 640 do C.P.C., de investigação oficiosa, embora delimitada pela concreta impugnação da parte recorrente, pelo que o seu não cumprimento, em princípio, não é sancionado com a imediata rejeição do recurso no que se reporta à impugnação da matéria de facto.    

Como se refere conforme se refere em Acórdão do STJ de 16/12/2020[7]Este ónus secundário não visa propriamente fundamentar e delimitar o recurso, mas sim facilitar o trabalho da Relação no acesso aos meios de prova achados relevantes.” pelo que, deve a relação proceder à apreciação da impugnação quando, “apesar da indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevantes na localização pelo tribunal dos excertos de gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento – como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento, tal indicação é complementada com a indicação do início e termo dos depoimentos, com a indicação do início das passagens dos depoimentos com a referência ao tempo de gravação e ainda com a transcrição de excertos desses depoimentos.”

No mesmo sentido veio o Ac. do STJ de 29/02/2024[8], defender que “enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº 1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso, já quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2 do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso.”

Assim sendo, só se justifica a rejeição do recurso quanto à matéria de facto quando “(i) falte nas conclusões a referência à impugnação da decisão sobre a matéria de facto (arts. 635.º, n.os 2 e 4, 639.º, n.º 1, 641.º, n.º 2, al. b), do CPC); (ii) quando falte nas conclusões, pelo menos, a menção aos «concretos pontos de facto» que se considerem incorrectamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a)), sendo de admitir que as restantes exigências das als. b) e c) do art. 640.º, n.º 1, em articulação com o respectivo n.º 2, sejam cumpridas no corpo das alegações.”[9]

Ora, examinada a impugnação confusa e genérica que a recorrente faz da matéria de facto, conclui-se que se não mostram cumpridos estes ónus. Não só a recorrente não apresenta qualquer fundamentação em relação a alguns pontos da matéria de facto (que também em alguns casos não coincidem com os identificados na decisão recorrida), como noutros não identifica concretamente a prova documental e testemunhal a que se refere, nem a data da sua junção aos autos ou as fls. onde se encontram tais documentos, como não cumpre os ónus previstos no nº 2 al. b) em relação aos depoimentos gravados.

Por último, não indica a conclusão a retirar destes depoimentos em conjunto com a restante prova produzida, socorrendo-se de considerações genéricas e conclusivas.

Conforme defende ABRANTES GERALDES[10], o cumprimento dos ónus previstos no artº 640 do C.P.C., obriga a que o “o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto, que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões (…) Deve ainda especificar na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos (…) deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus da alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto.” (negrito nosso)

Não basta para que se considere cumprido este ónus, o mero inconformismo manifestado pelo recorrente em relação à matéria de facto apreciada pelo tribunal recorrido e à valoração dos meios de prova produzidos. A parte tem de indicar, ponto por ponto, os meios de prova em que fundamenta a sua discordância; se documental, identificando o documento e indicando as razões pelas quais o tribunal deveria ter decidido de outra forma; se testemunhal ou por declarações de parte, indicando, por referência às passagens da gravação concretamente identificadas, os depoimentos ou partes de depoimento que, concatenados com a restante prova produzida, impunham uma decisão diferente em relação a determinados factos. A parte tem de indicar de forma concreta as razões para a sua discordância face ao decidido.

Não cumprindo as alegações e conclusões da recorrente este ónus, não é esta omissão passível de despacho de aperfeiçoamento.

Volvendo ainda a Abrantes Geraldes[11], “A comparação que necessariamente tem que ser feita com o disposto no artº 639º e, além disso, a observação dos antecedentes legislativos levam-me a concluir que não existe, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento. Resultado que é comprovado pelo teor do art. 652º, nº1, al. a), na medida em que limita os poderes do relator ao despacho de aperfeiçoamento “das conclusões das alegações, nos termos do nº3 do artº 639.”  

Assim sendo, rejeito o conhecimento da impugnação da matéria de facto.

Por último, alegando o recorrente a existência de factos públicos e notórios que determinariam a alteração do ponto 5 e, assim, de conhecimento oficioso por parte deste tribunal ad quem (artº 662 do C.P.C.), não se vê, nem a recorrente o indica, a que facto público e notório se refere. Como é sabido factos públicos e notórios são aqueles que não carecem nem de alegação nem de prova (artº 412 do C.P.C.), pois que são do conhecimento geral, aparecendo assim revestidos de um grau de certeza tal que dispensem qualquer alegação ou prova. Sobre a natureza destes factos e a possibilidade do seu conhecimento oficioso, já se pronunciou o Ac. desta Relação de 22/06/2010[12], no sentido de que “Um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos. De acordo com este tipo de consideração, a Relação, ao abrigo do disposto no artigo 514.°, n.° 1, do CPC pode considerar certos factos como notórios, independentemente - até - de os mesmos, no caso de terem sido levados ao questionário, terem obtido resposta negativa por parte do tribunal.”

Assim, como elucida o Acórdão do TRL de 11/05/2023[13], “Os factos notórios são do conhecimento geral, assim elegendo o conhecimento, e não os interesses, como critério de notoriedade, fazendo a lei apelo a uma ideia de publicidade, implicando a extensão e difusão do conhecimento à grande maioria dos cidadãos, de modo que o facto apareça revestido de um carácter de certeza.”

O ponto 5 tem a seguinte redacção: “O produto referido em 4 seria desenvolvido tomando como base o modelo MasterGrill mencionado em 3, minimizando as características negativas e apresentando melhorias técnicas, estéticas, funcionais e de preço, informações estas resultantes de trabalho desenvolvido pela autora, no âmbito de um círculo restrito de colaboradores, e que a mesma não partilha, quer com empresas concorrentes, quer com o público em geral.”

Tendo em conta a redacção deste preceito não se vislumbra a que factos públicos e notórios alude a recorrente.

Invoca ainda a recorrente a nulidade do depoimento de uma testemunha, requerendo que este tribunal produza prova sobre a sua credibilidade e o sentido do seu depoimento. O requerido não tem qualquer suporte legal, sendo que a existir qualquer causa de nulidade do depoimento, que não existe tendo em conta o nº 4 do artº 516 do C.P.C., que a recorrente omite, deveria ter sido reclamada junto do tribunal recorrido, no prazo de 10 dias (artº 195, 199 e 200, nº 3, do C.P.C.).

Mantém-se, assim inalterada a matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido.


*

II-Se da factualidade assente, não resulta qualquer violação do segredo comercial.

Vem a recorrente alegar que a A. não alegou em concreto quais os segredos comerciais, nem quais os direitos de propriedade industrial que considera violados e que, nessa medida, a acção sempre teria de soçobrar.

Opinião contrária veio a ser subscrita pela decisão recorrida que considerou, por referência ao ponto 5 da decisão de facto, que “Encontra-se demonstrado nos autos que a autora, tomando como base um grelhador portátil a carvão, por si fabricado e comercializado, o Mastergrill, decidiu desenvolver um novo modelo de grelhador, o Mastergrill 2.0, minimizando as características negativas do primeiro e apresentando melhorias técnicas, estéticas, funcionais e de preço, informações estas resultantes de trabalho desenvolvido pela autora, no âmbito de um círculo restrito de colaboradores, e que a mesma não partilha, quer com empresas concorrentes, quer com o público em geral.”

Qualificou após estas “informações respeitantes, quer ao modelo antigo, quer aos desenvolvimentos necessários ao mesmo para o tornar um modelo mais apelativo ao consumidor, como informações secretas.” e considerou igualmente verificados requisitos cumulativos exigidos pelo nº 1 do artº 313 do Código da Propriedade Intelectual, julgando existir uma relação de causalidade “entre o valor comercial e o secretismo mencionado na alínea a), devendo traduzir-se a informação numa vantagem competitiva avaliada segundo um critério objectivo.” e “as informações relacionadas com as melhorias necessárias ao modelo de grelhador já existente, mencionadas no facto 6, tais como o aumento da rapidez do processo de grelhar, a redução de fumos, o aumento do tamanho do depósito de carvão, a resistência do material do referido depósito e a sua capacidade de resistir a altas temperaturas e não oxidar, a libertação homogénea de calor pela superfície de confecção, a facilidade de limpeza e de arrumação/transporte, o sistema de protecção para-vento e a possibilidade de opção por três fontes de energia diferentes (eléctrico, carvão e gás), possibilitariam o desenvolvimento de um novo modelo, potencialmente mais apelativo para os consumidores, o que possibilitaria uma vantagem económica em face de modelos de outros fabricantes, desconhecedores de tais informações.”

Por último, quanto ao requisito enunciado na alínea c) daquele preceito legal, julgou que apesar de resultar “do facto 38 que no correio electrónico trocado com a ré, a autora não utilizou qualquer encriptação ou código de acesso através de palavras passe e verificação de identidade de quem recebe a informação (…) tal não significa a ausência de diligências razoáveis por parte da autora no sentido de manter secretas as informações em causa.”

Em relação à violação destes segredos comerciais por parte da R., entendeu que tal resultava dos factos 31 e 32, uma vez que “para além de a proposta ser idêntica à apresentada à autora, tem na sua base as informações fornecidas por esta e que classificámos de segredos comerciais. Assim, e ainda que o produto que vem a ser comercializado pela empresa R... não fosse exactamente igual, certo é que na sua base está uma proposta idêntica e que foi desenvolvida pela ré, nos mesmos termos da que tinha apresentado à autora.”

Por último e reconhecendo que entre A. e R. “não existe qualquer acordo de exclusividade, podendo perfeitamente a ré ter clientes concorrentes da autora e desenvolver para os mesmos grelhadores”, considerou que o que esta “não podia era apresentar a tais clientes a proposta que havia desenvolvido para a autora e com base em informações fornecidas pela própria autora, nos termos supra referidos, o que foi reforçado com a assinatura de um acordo de confidencialidade em 08.04.2021. Este acordo, ao contrário do alegado pela ré, não resultou demonstrado que valesse apenas dessa data em diante (cf factualidade não provada descrita em o), antes de reportando ao projecto adjudicado em Dezembro de 2019 (cf. facto 25), projecto este que na data da assinatura desse acordo ainda se encontrava pendente.”

Com base nestes fundamentos e por via da aplicação do disposto nos artºs 314 e 347 do Código de Propriedade Industrial, concluiu pela ilicitude da conduta da R. e que esta actuou com culpa, tendo assim a obrigação de indemnizar a A.

A este respeito, o D.L. nº 110/2018, de 10 de Dezembro que aprovou o Código da Propriedade Industrial, veio transpor para a ordem jurídica interna a Diretiva (UE) 2016/943, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2016, relativa à proteção de know-how e de informações comerciais confidenciais (segredos comerciais) contra a sua aquisição, utilização e divulgação ilegais.

Conforme resulta do preâmbulo deste Decreto-Lei,  “A Diretiva dos Segredos Comerciais procura harmonizar entre os vários Estados-Membros os níveis de proteção de que deve beneficiar um conjunto diversificado de know-how ou informações de natureza confidencial que hoje assumem uma importância crescente no quadro de uma economia do conhecimento, que faz assentar nas atividades de inovação e investigação um dos motores para o crescimento económico, para o progresso científico e tecnológico, para o emprego e para a competitividade das empresas. Os segredos comerciais são, hoje em dia, uma das formas mais comummente utilizadas pelas empresas para proteção da sua criação intelectual, sendo valorizados ao ponto de estas os utilizarem muitas vezes como complemento aos direitos de propriedade industrial.
Esta importância que o recurso aos segredos comerciais hoje assume para as empresas de perfil inovador, em particular para as pequenas e médias empresas, contrasta, porém, com um quadro jurídico ainda insuficiente ao nível da União Europeia para proteção do acesso e da exploração desses segredos contra a sua obtenção, utilização ou divulgação ilegal por terceiros, deixando muitas vezes os agentes económicos expostos à utilização indevida do seu capital intelectual.
A Diretiva dos Segredos Comerciais procura dar resposta a esta insuficiência do ordenamento jurídico em vigor, instituindo um conjunto de mecanismos de natureza civil que, sem pôr em causa os direitos e as liberdades fundamentais ou o interesse público, permita prevenir e reprimir práticas ilícitas neste domínio. Seguramente que um quadro legal reforçado, dotado de mecanismos jurídicos equilibrados e eficazes, servirá como um incentivo para que as empresas continuem a utilizar e a explorar com maior segurança os segredos comerciais, encorajando-as a prosseguir as suas atividades de inovação tão necessárias ao bom desempenho das economias e ao progresso social.”

Como nos elucida SOUSA e SILVA[14], uma das importantes novidades deste código, foi a “consagração de uma disciplina autónoma para protecção do Know how e das informações comerciais confidenciais, contra a sua aquisição , utilização e divulgação ilegais”.

Instituem-se, assim, procedimentos legais destinados à protecção destes segredos comerciais para além dos requisitos mínimos exigidos pela Diretiva, “instituindo-se um quadro legal verdadeiramente mais robusto para os titulares de segredos comerciais.”

A grande novidade deste diploma em relação ao Código de Propriedade Intelectual de 2003, como refere VÍTOR FIDALGO[15], consiste na desvinculação dos segredos comerciais da tutela conferida à concorrência desleal. Assim, “a proteção dos segredos comerciais deixa de estar dependente da existência de um ato de concorrência, id est, a tutela passa a poder ser exercida contra um terceiro que tenha acesso, se aproprie ou copie, de forma não autorizada, de segredos comerciais, independentemente do facto de o terceiro ser ou não concorrente do detentor dos segredos comerciais”. 

Nesta medida, veio o legislador estender a protecção já conferida a direitos de propriedade intelectual aos segredos comerciais, identificando como tais, no âmbito do artº 313, nº1, do C.P.I, aqueles que satisfaçam os seguintes requisitos cumulativos:
“a) Sejam secretas, no sentido de não serem geralmente conhecidas ou facilmente acessíveis, na sua globalidade ou na configuração e ligação exatas dos seus elementos constitutivos, para pessoas dos círculos que lidam normalmente com o tipo de informações em questão;

b) Tenham valor comercial pelo facto de serem secretas;

c) Tenham sido objeto de diligências razoáveis, atendendo às circunstâncias, por parte da pessoa que detém legalmente o controlo das informações, no sentido de as manter secretas.”

Verificados estes requisitos, a protecção conferida a estes segredos é, nos termos do nº2 deste preceito, “extensiva aos produtos cuja conceção, características, funcionamento, processo de produção ou comercialização beneficia significativamente de segredos comerciais obtidos, utilizados ou divulgados ilicitamente.”

Por último, o nº3 deste preceito esclarece que “Entende-se por titular do segredo comercial a pessoa singular ou coletiva que exerce legalmente o controlo de um segredo comercial.”[16]

Visou a aludida Diretiva estabelecer regras harmonizadas nos Estados –membros com vista a assegurar o bom funcionamento do mercado interno, conferindo protecção ao know-how adquirido pelas empresas com a investigação, inovação e aquisição de conhecimentos e às “informações empresariais, que são confidenciais e que se pretende que permaneçam confidenciais”, por forma a permitir a competitividade destas empresas no mercado, “o desempenho relacionado com a inovação” (considerando 2) e a “proteção da criação intelectual” (considerando 3), tendo em conta que “as empresas inovadoras estão cada vez mais expostas a práticas desonestas que visam a apropriação indevida de segredos comerciais, como o roubo, a cópia não autorizada, a espionagem económica ou a violação de requisitos de confidencialidade, quer dentro quer fora da União.” (considerando 4).

 A Diretiva (EU) 2016/943, define, no seu considerando 14, critérios que deverão ser seguidos para definição do que constitui um segredo comercial. Assim esta definição “deverá ser formulada de forma a abranger o know-how, as informações empresariais e as informações tecnológicas sempre que exista um interesse legítimo em mantê-los confidenciais e uma expectativa legítima de preservação dessa confidencialidade. Além disso, esse know-how ou essas informações deverão ter um valor comercial real ou potencial. Deverá considerar-se que esse know-how ou essas informações têm valor comercial, por exemplo, caso a sua aquisição, utilização ou divulgação não autorizadas sejam suscetíveis de lesar os interesses da pessoa que exerce o controlo legal das informações ou do know-how em causa, pelo facto de comprometerem o potencial científico e técnico, os interesses comerciais ou financeiros, as posições estratégicas ou a capacidade concorrencial dessa pessoa. A definição de segredo comercial exclui informações triviais e a experiência e as competências adquiridas pelos trabalhadores no decurso normal do seu trabalho, bem como as informações que são geralmente conhecidas pelas pessoas dentro dos círculos que lidam habitualmente com o tipo de informações em questão, ou que são facilmente acessíveis a essas pessoas.”

Quer isto dizer que informações sobre um determinado produto que são conhecidos do público em geral ou que são conhecidos no círculo das empresas que desenvolvem, fabricam ou comercializam essa categoria de produtos, ou facilmente acessíveis, por a informação relativa a este produto ser de acesso comum, não são segredos comerciais.

Com efeito, como refere ainda ANA AZEVEDO AMORIM[17], a respeito do que constitui um segredo para efeito da definição da alínea a) do artº 313, nº1 do CPI, a qualificação como segredo depende sobretudo da dificuldade em aceder às informações, ao nível dos recursos necessários e não necessariamente da ausência de divulgação. Neste sentido, ficam excluídas do conceito, por exemplo, as informações conhecidas da generalidade dos trabalhadores ou suscetíveis de serem obtidas através de uma pesquisa na Internet. O carácter secreto cessa também com a introdução do produto no mercado quando possa ser facilmente apreendido”.

Em relação à alínea b), esclarece a referida autora que para o preenchimento deste critério “releva a suscetibilidade de avaliação pecuniária das informações, que pode ser negociada como bem jurídico autónomo, desde que adequadamente identificada e descrita. Importa estabelecer uma relação de causalidade entre o valor comercial e o secretismo anteriormente referido. Trata-se de uma vantagem competitiva avaliada segundo um critério objetivo”.

Já quanto a alínea c), o que releva é a “adoção de medidas de proteção pelo respetivo titular (…) destinadas a assegurar a confidencialidade das informações, como o recurso a palavras-chave, cofres, sistemas de vigilância, destruição controlada de documentos e tratamento de lixo (…) alguns autores têm vindo a defender a necessidade de um mero “cuidado razoável” do titular na manutenção do secretismo, de acordo com o valor das informações, com fundamento no princípio da proporcionalidade”.

Mais uma vez segredos que são divulgados pelo facto de o seu titular não ter adoptado medidas de protecção, erigidas no âmbito deste preceito legal como requisito essencial, não estão ao abrigo da protecção conferida por este preceito.

Devem considerar-se incluídos no âmbito deste conceito de segredo comercial, os dados relativos a produtos, desenhos técnicos, receitas e fórmulas químicas, planos estratégicos de comunicação e marketing, dados sobre vendas, a planificação financeira e as listas de clientes ou fornecedores de uma empresa, essenciais para assegurar a sua competitividade.

Por outro lado, esclarece o considerando 15 desta Diretiva que “É igualmente importante identificar as circunstâncias em que se justifica a proteção jurídica dos segredos comerciais. Por este motivo, é necessário definir a conduta e as práticas que devem ser consideradas como aquisição, utilização ou divulgação ilegais de um segredo comercial.”

Ou seja, não basta que exista um segredo comercial e que tenha existido divulgação deste segredo. É ainda assim, necessário identificar concretamente a conduta que deve ser considerada como tendo constituído aquisição, utilização ou divulgação ilegal desse segredo.

Esclarece ainda a referida Diretiva, no seu considerando 16, que a protecção conferida por esta Diretiva não visa criar “direitos exclusivos relativamente ao know-how ou às informações protegidas como segredos comerciais”, podendo qualquer empresa adquirir de forma independente (por recurso aos seus próprios conhecimentos, aos de acesso público e à investigação e sem recurso a engenharia inversa em relação a produtos colocados em comercialização) idêntico know how, ou idênticos conhecimentos.

Significa isto que não basta indicar que outra firma adquiriu idêntico know how ou tem conhecimentos idênticos ou semelhantes, é necessário alegar e demonstrar que esse know how e conhecimentos foram adquiridos com base em informações que constituíam segredos comerciais, obtidas por forma ilícita.

Por essa razão o artº 314 do C. da Propriedade Industrial estabelece (de acordo com o artº 3 da Diretiva que visou transpor) que constitui acto ilícito de obtenção de um segredo comercial, sem autorização do seu titular, quando o acto resulte:

a) Do acesso, da apropriação ou da cópia não autorizada de documentos, objetos, materiais, substâncias ou ficheiros eletrónicos, que estejam legalmente sob o controlo do titular do segredo comercial e que contenham este segredo ou a partir dos quais o mesmo seja dedutível;

b) De outra conduta que, nas circunstâncias específicas em que ocorre, seja considerada contrária às práticas comerciais honestas.

Mais estipula no seu nº2 que “Constitui ainda ato ilícito a utilização ou divulgação de um segredo comercial, sem o consentimento do respetivo titular, por pessoa que preencha uma das seguintes condições:

a) Tenha obtido o segredo comercial ilegalmente;

b) Viole um acordo de confidencialidade ou qualquer outro dever de não divulgar o segredo comercial;

c) Viole um dever contratual ou qualquer outro dever de limitar a utilização do segredo comercial.”  

Volvendo ao âmbito deste recurso, cabia à A. desta acção, o ónus de alegação e prova (cfr. artº 342, nº1 do C.C.) das informações concretas que foram fornecidas à R. ou de que esta tomou conhecimento, no âmbito dos contactos com vista ao desenvolvimento de um novo grelhador comercial, e o preenchimento dos demais requisitos previstos no nº 1 do artº 313 do C.P.I.: o seu secretismo, no sentido de não serem de conhecimento comum, nem de fácil acesso; o seu valor comercial e a adopção das medidas necessárias para evitar a sua divulgação e ainda, que era a titular destas informações.

Mais lhe incumbia o ónus de alegação e prova, de que a proposta desenvolvida para outra empresa, concorrente da A., se baseou nestas informações, nas especificações técnicas do anterior grelhador, desde que não conhecidas do público em geral, nem facilmente acessíveis, nos estudos por si desenvolvidos para este novo grelhador, ou quaisquer outras que se possam enquadrar no âmbito desta categoria e que demonstrem a violação de segredo comercial e uma prática comercial desonesta.

Ocorre que da matéria de facto, não resulta uma única informação concreta que tenha sido divulgada à R. e que fosse secreta, no sentido de não ser de conhecimento comum ou facilmente acessível, e que tenha sido por esta R. utilizada no projecto que desenvolveu para a firma R....

Na realidade, ao contrário do referido na sentença recorrida, não se vê em ponto algum da matéria de facto, adquirida ou sequer alegada, que constituam segredos comerciais “as informações relacionadas com as melhorias necessárias ao modelo de grelhador já existente, mencionadas no facto 6, tais como o aumento da rapidez do processo de grelhar, a redução de fumos, o aumento do tamanho do depósito de carvão, a resistência do material do referido depósito e a sua capacidade de resistir a altas temperaturas e não oxidar, a libertação homogénea de calor pela superfície de confecção, a facilidade de limpeza e de arrumação/transporte, o sistema de protecção para-vento e a possibilidade de opção por três fontes de energia diferentes (eléctrico, carvão e gás), possibilitariam o desenvolvimento de um novo modelo, potencialmente mais apelativo para os consumidores, o que possibilitaria uma vantagem económica em face de modelos de outros fabricantes, desconhecedores de tais informações.”

É uma mera conclusão erigida em facto. A solicitação de desenvolvimento de um novo produto pela R. que cumprisse os critérios pretendidos pela autora não consiste, por si só, um segredo comercial, nem se vê em que facto se baseia a primeira instância para considerar que este modelo “possibilitaria uma vantagem económica em face de modelos de outros fabricantes”, sendo certo que nenhum é indicado, sequer as suas características, ou que fossem estes outros fabricantes desconhecedores destas informações.

Poderia eventualmente equacionar-se a existência de um segredo comercial desde que observados os demais requisitos exigidos pelo artº 313, nº1 do C.P.I., o que não resulta, pela sua generalidade, do alegado pela A., nos artigos 5, 6, 12, 21, 22, 23, 51 a 55 da sua p.i.

 É que do ponto 5 da matéria de facto, resulta tão só que o “produto referido em 4 seria desenvolvido tomando como base o modelo MasterGrill mencionado em 3, minimizando as características negativas e apresentando melhorias técnicas, estéticas, funcionais e de preço, informações estas resultantes de trabalho desenvolvido pela autora, no âmbito de um círculo restrito de colaboradores, e que a mesma não partilha, quer com empresas concorrentes, quer com o público em geral.” , que corresponde afinal e tão só às conclusões contidas nos pontos 6 e 23 da p.i.

Este ponto é igualmente conclusivo e genérico, não sendo identificado qual o trabalho desenvolvido pela A, no sentido de desenvolver estas melhorias estéticas, técnicas e funcionais (sendo que as de preço não são sequer invocadas) e porque motivo devem ser considerados segredos do negócio, tendo em conta que o modelo anterior era já comercializado, sendo o seu design e características técnicas acessíveis. Podem, pelo contrário, corresponder a necessidades e características já identificados pelo público em geral e conhecidos pelo mercado, em especial pelo que comercializa este tipo de grelhadores, não estando assim a coberto da protecção conferida por este preceito.

Como conclusivos e genéricos são os pontos 31 e 32. Não basta para se considerar a existência de segredos comerciais e a sua divulgação ilícita e culposa pela R., a menção de que “a autora teve conhecimento que esta havia colocado no mercado um produto com um design e funcionalidades semelhantes aos que a ré tinha sido contratada para desenvolver para a autora, e que havia desenvolvido com base em proposta que a ré lhe apresentou em Julho de 2020, idêntica à mencionada em 11.”

Trata-se mais uma vez de uma conclusão e incompreensível, uma vez que em momento algum resulta da matéria de facto as características do grelhador comercializado pela R... e, por outro lado, se este produto tem um design e funcionalidade semelhante ao produto contratado e não são idênticos, não existindo nenhum acordo de exclusividade celebrado entre A. e R., não basta consignar que “para elaboração da proposta mencionada em 31, a ré utilizou as informações obtidas da autora nos termos referidos em 5 e 6.”, que se desconhecem quais sejam por não alegadas.

Quais as características deste produto, que informações em concreto foram divulgadas e qual a sua relevância no desenvolvimento do produto comercializado pela R...?

Qual o valor comercial destas supostas informações confidenciais?

Por último, e em relação ao requisito cumulativo identificado na alínea c) deste nº1 do artº 313 do C.P.I., considerou a primeira instância que “Finalmente quanto ao requisito enunciado na alínea c), resulta do facto 38 que no correio electrónico trocado com a ré, a autora não utilizou qualquer encriptação ou código de acesso através de palavras passe e verificação de identidade de quem recebe a informação. No entanto, entendemos que tal não significa a ausência de diligências razoáveis por parte da autora no sentido de manter secretas as informações em causa.

Na verdade, e em primeiro lugar, como supra se disse, as informações em causa eram divulgadas a um círculo restrito de colaboradores da autora, em segundo lugar foram partilhadas com a ré, com quem a autora firmara um contrato de desenvolvimento do produto, não se afigurando necessário um especial cuidado nas comunicações com esta, que estava ciente de que os direitos de industrialização e comercialização eram da autora, não obstante a assinatura do acordo de confidencialidade apenas ter ocorrido em 08.04.2021 e a adjudicação ter sido feita em 17.12.2019 (cf factos 5, 8 e 26).”

Cremos que a primeira instância labora em manifesta confusão, porque uma coisa é a titularidade dos direitos relativos ao projecto desenvolvido pela R. que são desta R. (artº 11 do CDADC) e que esta se comprometeu a transferir no término do projecto para a A., outra a divulgação de segredos comerciais da A.

Não são confundíveis, estando aliás acordado que por via deste contrato o cliente seria proprietário de “todos os direitos de industrialização e comercialização da solução desenvolvida e resultante no âmbito deste projeto.” (pág. 21 da Proposta junta como doc. 2) e resultando do aditamento ao contrato (doc. 9) elaborado em 27/04/2021 que “Após a conclusão do prohjecto, a FLAMA (…) integra a totalidade dos direitos de propriedade intelectual dos direitos relativos às invenções em todos os domínios, aos desenhos e modelos industriais, às marcas industriais, e todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico.

A Flama compromete-se a referir os nomes dos inventores em todos os registos que ocorram de qualquer desenvolvimento deste projecto.

A acção não se baseia na existência de qualquer direito de propriedade industrial (patentes, modelos de utilidade e registos), nem na violação de direitos de propriedade intelectual ou do dever de transmissão de direitos de propriedade intelectual da R. para a A., decorrente do contrato entre ambas celebrado, sequer no incumprimento culposo e ilícito pela R. do contratado, mas antes na divulgação ilícita de segredos comerciais de que seria titular a A. e por esta fornecidos à R., a uma terceira entidade, causando a perda de interesse da A. no fabrico e comercialização do gralhador e nos prejuízos que aqui reclama.

Ora, em relação à existência de segredos comerciais, a matéria de facto consignada pela primeira instância (pontos de facto, 5, 6) é meramente conclusiva, não constando da decisão factos que permitam concluir pela existência de qualquer segredo comercial, com valor comercial, indevidamente divulgados pela R. a entidade terceira, de forma ilícita e culposa (pontos 31 e 32, igualmente conclusivos), muito menos que a A. tenha tomado medidas de precaução, quaisquer que fossem, tendo em conta o ponto de facto nº 38 e a não prova do facto consignado na alínea b) e a data de celebração do acordo de confidencialidade.

A alegação de factos concretos que integrassem os requisitos cumulativos identificados nas alíneas a) a c) do nº1 do artº 313 do C.P.I. cabia à A., constituía a sua causa de pedir, sendo estes factos constitutivos essenciais da acçao que interpôs contra a R. com base na violação ilícita e culposa de segredos comerciais.

A A. em momento algum alegou factos concretos dos quais resultasse que informações em concreto foram fornecidas à R., a sua relevância comercial tendo em conta o estado da arte e as razões para se poderem considerar “segredos do negócio”, nem identificou as informações que em concreto foram fornecidas pela R. à R... e da sua relevância para o desenvolvimento do produto por esta comercializado, com indicação das características deste produto.

Esta ausência de alegação, não é suprível por via do disposto no artº 662 nº2 c) do C.P.C. (pela anulação daqueles pontos da matéria de facto e por eventual ampliação desta), uma vez que em causa não estão deficiências e imprecisões da matéria de facto ou dos articulados, supríveis por via do disposto no artº 590 nº4 do C.P.C., mas antes de ausência de alegação e prova de factos essenciais que determinam a improcedência da acção.


***

DECISÃO


Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em revogar a decisão recorrida e julgar improcedente a acção, absolvendo a R. do pedido.


*


Custas pela apelante (artº 527, do C.P.C.).
                                    Coimbra 11/03/25


[1] ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2] ABRANTES GERALDES, Op. Cit., p. 87. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[3] Ac. STJ de 01.10.2015, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1, Ana Luísa Geraldes; Ac. STJ de 14.01.2016, proc. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ de 11.02.2016, proc. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, proc. nº 299/05, Tomé Gomes; Ac. STJ de 22.09.2015, proc. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção, Pinto de Almeida; Ac. STJ, datado de 29/09/2015,proc. nº 233/09, Lopes do Rego; Acórdão de 31.5.2016, Garcia Calejo, proc. nº 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, Ana Luísa Geraldes, proc. nº 449/410; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.1.2015, Clara Sottomayor, proc. nº 1060/07, disponível in www.dgsi.pt.
[4] Ac. STJ. de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, proc. nº 861/13.3TTVIS.C1.S, disponível in www.dgsi.pt.
[5] Ac. do STJ de 05/09/18, relator Gonçalves Rocha, proc. nº 15787/15.8T8PRT.P1.S2; no mesmo sentido vide Ac. do S.T.J. de 27/09/18, relator Sousa Lameira, proc. nº 2611/12.2TBSTS.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[6] Neste sentido, vide ainda Ac. do STJ de 09-12-2021, proferido no proc. nº 9296/18.0T8SNT.L1.S1 - 2.ª Secção – de que foi relator Rijo Ferreira e o Ac. do STJ de 18-01-2022, proferido no proc. nº  243/18.0T8PFR.P1.S1 - 1.ª Secção – de que foi relatora Maria Clara Sottomayor, defendendo que “uma total omissão, nas conclusões do recurso, da referência à impugnação da matéria de facto não pode ser suprida pela circunstância de no corpo das alegações constarem alegadamente os elementos exigidos pelo art. 640.º do CPC.
[7] Ac. do STJ de 16/12/20, de que foi Relator Bernardo Domingos, proferido na Revista nº 8640/18.5YIPRT.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[8] Proferido na Revista nº 7825/22.4T8LSB.L1.S1, de que foi relator Ferreira Lopes, disponível in www.dgsi.pt.
[9] Ac. do STJ de 09-06-2021, proferido na Revista n.º 10300/18.8T8SNT.L1.S1, de que foi relator Ricardo Costa, disponível in www.dgsi.pt
[10] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª ed., 2017, Almedina, pág. 155/156.
[11] GERALDES, António Abrantes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª ed., pág. 157.
[12] Proferido no proc. nº 1803/08.3TBVIS.C1, de que foi relator Carvalho Martins, disponível em www.dsgi.pt.
[13] Proferido no proc. nº 61098/21.0YIPRT.L1-6, de que foi relatora Gabriela Fátima Marques, disponível em www.dgsi.pt.
[14] SILVA, Pedro Sousa, Direito Industrial, Almedina, 2ª edição, pág. 461.
[15] FIDALGO, Vítor Palmela, “A tutela dos segredos comerciais: os procedimentos cautelares e a indemnização”, Propriedades Intelectuais, Jan/jun. 2019, nº11, pág. 22.
[16] A propósito do que deve ser entendido como titularidade do segredo comercial, vem FIDALGO, Vítor Palmela, defender, em ob. cit. págs. 25 que, “é detentor legítimo do segredo comercial, a título originário, quem assume o risco económico na elaboração da informação secreta e a mantém confidencial”.

[17] AMORIM, Ana Clara Azevedo, “O regime jurídico dos segredos comerciais no novo Código da Propriedade Industrial”, RED, Revista Electrónica de Direito, Março de 2019, pág. 22.