Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
EXEQUIBILIDADE DE SENTENÇA
RECURSO COM EFEITO SUSPENSIVO
Sumário
A falta de exequibilidade da sentença, objecto de recurso de apelação com efeito suspensivo, não dita, necessariamente, a extinção da execução que, com base na mesma, seja instaurada depois de, confirmada pela Relação, ser proferida decisão singular do STJ de indeferimento da reclamação do despacho da Relação de não admissão do recurso de revista, desde que essa decisão singular venha a ser posteriormente confirmada em conferência.
Texto Integral
Proc. n.º 1429/23.1T8VLG-E.P1 – Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Execução de Valongo – Juiz 2
Relatora: Carla Fraga Torres
1.º Adjunto: José Nuno Duarte
2.º Adjunto: Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo
Acordam os juízes subscritores deste acórdão da 5.ª Secção Judicial/3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório.
Recorrente: AA
Recorridos: BB, CC e DD
AA e EE,
apresentaram contra BB, CC e DD,
oposição à execução, cumulada com oposição à penhora, que deu origem ao presente apenso E, formulando os pedidos seguintes:
- indeferimento liminar do requerimento executivo de 4/04/2023, invocando para o efeito que a sentença exequenda proferida no proc. n.º 3156/15.4T8GDM, por ainda não ter transitado em julgado, é inexequível, se assim não se entender,
- suspensão da execução, sem prestação de caução, se assim não se entender,
- levantamento da penhora, num caso e noutro, por incerteza e iliquidez do título executivo, ou, em alternativa,
- redução da penhora até ao estabelecido na sentença de condenação, e
- condenação do exequente como litigantes de má-fé.
Não indicaram qualquer prova.
Recebidos liminarmente os embargos e notificados os embargados/exequentes/recorridos, estes contestaram dizendo, em suma, que o Tribunal da Relação confirmou a sentença da 1.ª Instância por acórdão de que os executados/embargantes recorreram através de revista excepcional que, contudo, por extemporaneidade, não foi admitida, seguindo-se reclamação para o STJ que a julgou improcedente por decisão singular, posteriormente confirmada em conferência por acórdão de 26/04/2023, e recurso para o tribunal constitucional não admitido por extemporaneidade.
Tendo-se considerado que os autos reuniam condições para prolação de decisão de mérito e que a realização de audiência prévia não mais seria que o estrito cumprimento de uma formalidade, os embargantes/recorrentes notificados para dizerem se se opunham à dispensa da referida diligência, manifestaram interesse na sua realização.
Foi agendada a audiência prévia destinada à realização da tentativa de conciliação prevista na al. a) do art. 590.º, n.º 1 do CPC; à discussão da excepção invocada pelos executados, a saber: inexequibilidade da sentença exequenda – al. b) do mesmo preceito legal, e discussão da posição das partes com vista à delimitação dos termos do litigio - al. c) também do citado art. 590.º, n.º 1,.
No âmbito da designada audiência prévia, foi dada a palavra aos ilustres mandatários para se pronunciarem e após foi ordenado que os autos fossem conclusos, como veio a suceder.
A 5/07/2024, em sede de saneamento do processo foi proferida decisão de improcedência dos presentes embargos e da oposição à penhora.
Inconformados com esta decisão, dela interpuseram recurso o embargante/executado, dizendo que deve este tribunal “anular a decisão de 1.ª instância, substituindo-a por outra que considere procedente a ação dos Autores/Recorrentes” e “ser revogada a decisão recorrida”, formulando, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“a) Resulta de forma clara dos factos, que a decisão ainda não estava transitada em julgado; o tribunal a quo, reconhece que o trânsito em julgado ocorreu apenas em 7 de setembro de 2023, no entanto o processo executivo foi instaurado em 4 de abril de 2023.
b) Foram penhoradas em 2 de maio de 2023 os saldos bancários:
- € 12.167,74 da titularidade do Embargante AA;
- €3.231,72 da titularidade da Embargante EE;
- €757,23 da titularidade da executada FF;
- €757,23 da titularidade de GG;
- €10.000,00 da titularidade de HH.
- € 1.357,17 da titularidade da executada II.
Um total global de € 28 271,09, pese embora, a Exma. senhora juíza à quo refere o valor de € 26.013,92, valor esse que não se compreende.
c) O Tribunal a quo ao subsumir erradamente o Direito aos factos, violou, entre outros, o disposto nos art.º10º nº5, 628º, 704º, 729º, 859º todos do CPC, bem como o artigo 20º da CRP razão pela qual, se impõe a revogação da sentença proferida e substituindo-a por outra que julgue a inexequibilidade do título executivo (já que a acção executiva foi instaurada em 04/04/2023).
d) Em face de todo o conteúdo da sentença, julgou-se improcedentes os embargos e a oposição à penhora, sem que as partes tenham sido previamente ouvidas e sem lhes ter sido concedido o direito a uma audiência de julgamento.
e) Erro na apreciação das questões e decisões diferentes para a mesma questão.
f) No processo n.º 1429/23.1T8VLG-B, o tribunal decidiu de forma diversa, determinando a realização de uma audiência prévia e uma tentativa de conciliação, com base no artigo 590.º n.º1 do CPC.
g) Violação do princípio da igualdade de armas, que norteia o processo equitativo, parece ter sido violado, uma vez que o tribunal a quo apreciou sem julgamento, o pedido
de uma das partes, enquanto proferiu decisão diversa para a outra parte, enviando o processo para julgamento.
h) Pelo que, salvo melhor entendimento, deverá o Tribunal ad quem anular a Decisão proferia pelo tribunal à quo, no uso salutar do art. 662.º, n.º2 do C.P.C.
i) Nesta conformidade, impondo-se o prosseguimento dos autos com apreciação da matéria de facto e de direito em sede de Audiência de Julgamento”.
*
Nas contra-alegações, os embargados pugnaram pela manutenção da sentença recorrida.
*
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
*
Recebido o processo nesta Relação, proferiu-se despacho a considerar o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com o efeito e o modo de subida adequados.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Questões a decidir.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art. 5.º, n.º 3 do citado diploma legal).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente, são as seguintes:
i) da impugnação da matéria de facto.
ii) da inexequibilidade da sentença exequenda.
iii) da violação do princípio do contraditório e do direito a uma audiência de julgamento.
iv) da violação do princípio da igualdade de armas.
*
III. Fundamentação 3.1. Fundamentação de facto
Além dos factos que resultam do relatório que antecede, importa considerar os factos que o Tribunal recorrido considerou provados:
1- Em 4 de abril de 2023 os embargados requereram contra os embargantes e outros a ação executiva de que estes autos são apenso dando à execução a sentença proferida em 20 de setembro de 2021 nos autos do processo nº. 3156/15.4T8GDM que os condenou, entre o mais, a entregar aos RR. contestantes (aqui exequentes) o prédio descrito sob o nº. ..., anterior descrição nº. ..., e as benfeitorias nele erigidas, correspondente ao artigo 2092, livre de quaisquer ónus e encargos e devoluto, bem como a pagar aos mesmos, a título de compensação pela utilização ilícita do tal prédio, a quantia de € 200,00 mensais desde a data da notificação da reconvenção e até à sua efetiva entrega.
2- A ação que correu termos sob o nº. 3156/15.4T8GDM foi interposta contra os
aqui exequentes e outros por JJ, mãe dos embargantes, em 2 de novembro de 2015, que veio a falecer em 27 de janeiro de 2016, tendo os embargantes sido habilitados como herdeiros da mesma por decisão proferida em 30 de outubro de 2016, transitada em julgado.
3- A referida JJ foi notificada da contestação/reconvenção apresentada pelos aqui exequentes em 4 de janeiro de 2016.
4 – Da sentença exequenda foi interposto recurso que foi recebido com efeitos devolutivos por despacho proferido em 21 de dezembro de 2021, tendo o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão proferido em 4 de maio de 2022, que confirmou a decisão proferida em primeira instância, corrigido o efeito do recurso, fixando efeitos suspensivos ao mesmo.
5 – Em 18 de maio de 2022 os aqui embargantes arguiram a nulidade do Acórdão atrás referido.
6 - Em 12 de setembro de 2022 foi proferido Acórdão a indeferir a reclamação apresentada pelos embargantes.
7 - Em 10 de outubro de 2022 os aqui embargantes interpuseram recurso de revista excecional.
8 - Por despacho proferido em 16 de dezembro de 2022, a Senhora Desembargadora-Relatora não admitiu o recurso atrás referido por extemporaneidade.
9 – Em 11 de janeiro de 2023 os embargantes reclamaram para o STJ, ao abrigo do disposto no art.º. 643º. do CPC, do despacho de não admissão do recurso tendo, no mesmo dia, a embargante EE interposto recurso para o Tribunal Constitucional.
10 – Em 3 de fevereiro de 2023 foi indeferido, por extemporâneo, o recurso para
o Tribunal Constitucional e admitida a reclamação para o STJ.
11 – Em 28 de fevereiro de 2023 foi proferido despacho a indeferir a reclamação,
confirmando a decisão de não admissão do recurso de revista excecional.
12- Em 13 de março de 2023 os aqui embargantes apresentaram requerimento de
arguição de nulidades da decisão atrás referida.
13 – Em 26 de abril de 2023 foi proferido Acórdão pelo STJ a julgar improcedente a reclamação atrás referida, confirmando a decisão reclamada de não admissão do recurso de revista excecional.
14 – Em 12 de maio de 2023 a embargante EE apresentou reclamação da decisão atrás referida, dirigida ao Presidente do STJ, alegando que a reclamação apresentada em 13 de março de 2023 fora dirigida ao Exmº. Sr. Presidente do Pleno das Secções Cíveis do STJ para que houvesse intervenção julgamento ampliado de revista.
15 - Em 20 de junho de 2023 foi proferido Acórdão pelo STJ que julgou improcedente a reclamação apresentada pela aqui embargante EE, tendo aí considerado, para além do mais, que “Tendo o acórdão do Supremo Tribunal de 26 de abril de 2023 decidido ser definitiva a decisão da Relatora de indeferimento da reclamação apresentada ao abrigo do artº. 643º. do CPC do despacho do Relator do Tribunal da Relação do Porto de não admissão do Recurso de Revista está absolutamente excluída a possibilidade de realização de julgamento ampliado de revista.”.
16 – Em 6 de julho de 2023 a aqui embargante, EE, veio suscitar nulidades da decisão atrás referido tendo, em 5 de setembro de 2023, sido proferida decisão pelo STJ a:
“a) Qualificar o requerimento apresentado pela Autora/Recorrente/Requerente EE como incidente manifestamente infundado, declarando transitado em julgado a Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de junho de 2023 que julgou totalmente improcedentes as nulidades por si invocadas do Acórdão do mesmo Tribunal de 26 de abril de 2026 e indeferiu o seu pedido de reforma.
b) determinar a imediata extração, a expensas da Autora/Recorrente/Requerente, de traslado de todo o processado (incluindo o presente acórdão).
c) que a decisão a proferir no traslado tenha lugar depois da Autora/Recorrente/Requerente proceder ao pagamento das custas de todo o processado nos presentes autos de recurso.
17 – Em 12 de setembro de 2023 foi entregue aos exequentes o imóvel identificado em 1.
18 – Em 13 de setembro de 2023 a aqui embargante EE dirigiu ao STJ requerimento a declarar que renunciava ao direito de recurso ou de reclamação de nulidade da decisão atrás referida bem como desistia de qualquer recurso ou reclamação por si interposta e porventura ainda pendente.
19 – Foram penhorados nos autos de que estes são apenso, em 3 de maio de 2023, os seguintes saldos bancários:
- € 12.167,74 da titularidade do Embargante AA;
- € 3.231,72 da titularidade da Embargante EE;
- € 757,23 da titularidade da executada FF;
- € 757,23 da titularidade de GG e
- € 10.000,00 da titularidade de HH”.
*
3.2. Fundamentação de direito 3.2.1. Da impugnação da decisão de facto
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo art. 662.º, n.º 1, do CPC, segundo o qual a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Para o efeito, o art. 640.º, n.º 1 do CPC impõe que o recorrente especifique obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios de prova constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
Ora, da leitura quer das alegações de recurso quer das respectivas conclusões, verifica-se que nenhuma daquelas exigências foi cumprida pelo recorrente, e, como tal, é forçoso concluir pela rejeição da impugnação da matéria de facto.
*
3.4. Reapreciação da decisão de mérito da acção
Não havendo lugar a alteração da factualidade em que assentou a decisão recorrida cumpre apreciar as demais questões essenciais a decidir, definidas nos termos sobreditos sob o ponto II.
ii) Da inexequibilidade da sentença
Da factualidade de que dispomos verifica-se que na origem da decisão ora recorrida está a sentença do proc. n.º 3156/15.4T8GDM que condenou o recorrente, aí habilitado, entre outros, como A., a entregar aos recorridos, aí RR./Reconvintes, o prédio descrito sob o nº. ..., anterior descrição n.º ..., e as benfeitorias nele erigidas, correspondente ao artigo 2092, livre de quaisquer ónus e encargos e devoluto, bem como a pagar aos mesmos, a título de compensação pela utilização ilícita do tal prédio, a quantia de € 200,00 mensais desde a data da notificação da reconvenção e até à sua efetiva entrega.
Proferida a sentença a 20/09/2021, seguiu-se o circunstancialismo factual que, com interesse, se descreve:
- Por despacho 21/12/2021 foi admitido recurso de apelação com efeito devolutivo da referida sentença.
- Por acórdão de 4/05/2022 o Tribunal da Relação do Porto confirmou a sentença proferida em primeira instância, corrigindo o efeito do recurso, a que atribuiu efeito suspensivo.
- Em 18/05/2022 os embargantes arguiram a nulidade do acórdão atrás referido.
- Em 12/09/2022 foi proferido acórdão a indeferir a reclamação apresentada pelos embargantes.
- Em 10/10/2022 os embargantes interpuseram recurso de revista excepcional.
- Por despacho de 16/12/2022, a Senhora Desembargadora-Relatora não admitiu o recurso atrás referido por extemporaneidade.
- Em 11/01/2023 os embargantes, ao abrigo do disposto no art. 643.º do CPC, reclamaram para o STJ do despacho de não admissão do recurso.
- Em 3/02/2023 foi admitida a reclamação para o STJ.
- Em 28/02/2023 foi proferido despacho a indeferir a reclamação confirmando a decisão de não admissão do recurso de revista excepcional.
- Em 13/03/2023 os embargantes apresentaram requerimento de arguição de nulidades da decisão atrás referida.
- Em 4/04/2023 os embargados requereram contra os embargantes e outros a ação executiva de que estes autos são apenso dando à execução a referida sentença do processo 3156/15.4T8GDM.
- Em 26/04/2023 foi proferido acórdão pelo STJ a julgar improcedente a reclamação atrás referida, confirmando a decisão reclamada de não admissão do recurso de revista excecional.
- Em 3/05/2023 foram penhorados nos autos de que estes são apenso, os seguintes saldos bancários:
● € 12.167,74 da titularidade do Embargante AA;
● € 3.231,72 da titularidade da Embargante EE;
● € 757,23 da titularidade da executada FF;
€ 757,23 da titularidade de GG e
● € 10.000,00 da titularidade de HH.
- Em 12/05/2023 a embargante EE apresentou reclamação do acórdão de 26/04/2023, dirigida ao Presidente do STJ.
- Em 30/05/2023 foram apresentados os embargos a que este recurso é apenso.
- Em 20/06/2023 foi proferido Acórdão pelo STJ que julgou improcedente a reclamação apresentada pela aqui embargante EE.
- Em 6/07/2023 a embargante EE suscitou nulidades da decisão atrás referido.
-Em 5/09/2023 foi proferida decisão pelo STJ a qualificar o requerimento apresentado pela embargante EE como incidente manifestamente infundado, declarando transitado em julgado o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/06/2023 que julgou totalmente improcedentes as nulidades por si invocadas do acórdão do mesmo Tribunal de 26/04/2023 e indeferiu o seu pedido de reforma.
– Em 12/09/2023 foi entregue aos exequentes o imóvel identificado em 1.
– Em 13/09/2023 a aqui embargante EE dirigiu ao STJ requerimento a declarar que renunciava ao direito de recurso ou de reclamação de nulidade da decisão atrás referida bem como desistia de qualquer recurso ou reclamação por si interposta e porventura ainda pendente.
Sendo este o circunstancialismo processual ocorrido, olhemos agora para os normativos legais que, com relevo, o regulam.
De acordo com o art. 703.º, n.º 1, al. a) do CPC, à execução apenas podem servir de base as sentenças condenatórias e, por força do art. 704.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, a sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito devolutivo.
Por seu turno, sobre a noção de trânsito em julgado, o art. 628.º do CPC diz-nos que a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação.
A este respeito, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa clarificam que “1. O trânsito em julgado fixa o momento a partir do qual a decisão passa a revestir-se da certeza e da segurança jurídica que decorre dos arts. 619.º e 620.º. Quando a decisão é susceptível de recurso ordinário, tal efeito consuma-se no momento em que se encontrem esgotadas as possibilidades de interposição de recurso. 2. Nas demais situações, ocorre no fim do prazo (que é o geral, de 10 dias – art. 149.º) para a eventual arguição de nulidades ou da reforma da sentença, nos termos dos arts. 615.º, n.º 4, e 616.º, n.º 3, para onde remetem também os arts. 666.º e 685.º, quando se trate de acórdãos da Relação ou do Supremo” (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, Almedina, pág. 751).
No caso dos autos, o efeito que o Tribunal da Relação atribuiu ao recurso da sentença da primeira instância foi, por acórdão de 4/05/2022, o efeito suspensivo, o que, na sua pendência, impedia que este título, porque não exequível, servisse de base a uma execução.
Acresce que deste acórdão do Tribunal da Relação do Porto foi interposto recurso de revista excepcional que não foi admitido por decisão de 16/12/2022, objecto, por sua vez, de reclamação para o STJ (cfr. art. 643.º, n.º 1 do CPC), de cuja decisão de 28/02/2023 houve reclamação para a conferência, que por acórdão de 26/04/2023 confirmou a decisão reclamada e não admitiu o recurso de revista excepcional (arts. 643.º, n.º 4 e 652.º, n.º 3 do CPC).
Nesta medida, aquando da instauração da execução a 4/04/2023 não estava ainda precludida a possibilidade de o recurso de revista excepcional ser admitido.
Na verdade, esclarece Abrantes Geraldes, “A nova redação do n.º 4 do art. 643.º e do n.º 3 do art. 652.º afasta qualquer dúvida quanto à admissibilidade de reclamação para a conferência de decisão do relator que incida sobre a reclamação advinda do tribunal inferior. Tal como a generalidade das decisões singulares, a decisão do relator que aprecia a reclamação admite que seja convocada a conferência. Assim acontece não apenas com a decisão que confirme o despacho reclamado, mas também com aquela que, deferindo a reclamação, admita o recurso ou ordene a sua subida” (in “Recurso em Processo Civil”, 7.ª Edição Atualizada, Almedina, pág. 230).
Sucede assim que a reclamação para o STJ da decisão do Tribunal da Relação de não admissão do recurso de revista constitui já um segundo grau de jurisdição nos termos do art. 643.º, n.º 1 do CPC, e que, no caso concreto, tendo aquela sido indeferida, existe uma espécie de dupla conforme relativamente à não admissão do recurso de revista excepcional, e, consequentemente, um reforço da segurança da sentença da primeira instância e uma aproximação à sua força plena enquanto título executivo. Como se escreveu no acórdão da RG de 16/12/2021 (Proc. 2650/21.2T8VNF-A.G1; rel. Alcides Rodrigues): “as situações jurídicas geradoras de direitos, de títulos jurídicos, constituem-se em regra no âmbito de um processo de formação progressiva, onde existe um início, etapas subsequentes e um termo”. E citando o acórdão da RC de 7/09/2021 pode ler-se que “este processo de formação sucessiva pode ter (ou não) etapas pré-determinadas na lei e quando tal ocorre, como no caso dos autos, tal situação permite, em regra, uma previsão razoável acerca do momento temporal em que se constituirá, por fim, o direito ou o título” (in www.dgsi.pt).
Note-se que o recurso da sentença em análise foi inicialmente recebido em primeira instância no efeito devolutivo, o que, não só não impedia a instauração da execução, como a correcção daquele efeito que veio a ocorrer no Tribunal da Relação, não ditava o fim da execução, mas antes a mera suspensão nos termos do art. 654.º, n.º 3 do CPC.
De igual modo, caso fosse constatado, quando a execução foi instaurada a 4/04/2023 (arts. 855.º, n.º 2, al. b), e 723.º, n.º 1, al. d) do CPC), que, tendo já sido proferida a 28/02/2023 decisão singular do STJ a confirmar a decisão da Relação que não admitiu a revista excepcional, afigura-se-nos legalmente possível e conveniente, ao abrigo do dever de gestão processual a que o art. 6.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi do art. 726.º, n.º 4 do CPC, se refere, que o juiz convidasse os exequentes ou diligenciasse oficiosamente por saber da existência de reclamação para a conferência e que, obtida a informação do sentido do acórdão de 26/04/2023 e do indeferimento a 20/06/2023 da sua reforma, considerasse completado o requisito da exequibilidade do título executivo. Com efeito, não se trata no caso de manifesta falta ou insuficiência do título, mas antes da falta de um derradeiro requisito, passível de ser sanada nos termos sobreditos ou de considerar-se agora igualmente sanada por força do cumprimento do apontado requisito, qual seja aguardar-se pelo trânsito da decisão de não admissão do recurso de revista excepcional que, tornando-se definitiva com o acórdão do STJ de 20/06/2023, esgotou a possibilidade de recurso ordinário do acórdão do Tribunal da Relação do Porto confirmativo da sentença da 1.ª Instância.
Para mais, a penhora dos saldos bancários realizada 3/05/2023 é posterior ao acórdão do STJ de 26/04/2023, que confirma a dupla conforme relativamente à não admissão da revista excepcional, o mesmo sucedendo com a sentença recorrida de 5/07/2024, posterior inclusive ao trânsito em julgado do acórdão do STJ de 20/06/2023 (com interesse vide acórdãos da RL de 23/02/2023 – Proc. 6853/21.1T8LRS-A.L1-6; rel. Teresa Soares e de 1/10/2020- Proc. 5993/19.1T8LSB-A.L1-8, in www.dgsi.pt).
Termos em que, considerando-se a superveniência da exequibilidade da sentença exequenda, se mantém nesta parte a decisão recorrida.
iii) Da violação do princípio do contraditório e do direito a uma audiência de julgamento.
Do processado dos embargos de executado apresentados pelo aqui recorrente e pela executada EE verifica-se que: as partes foram notificadas de que os autos reuniam condições para a prolação de decisão de mérito; foi marcada audiência prévia para discussão da alegada inexequibilidade da sentença exequenda e da posição das partes com vista à delimitação dos termos do litigio e naquela diligência as partes pronunciaram-se sobre os temas expostos no despacho que designou a audiência prévia.
Na sequência, o tribunal proferiu a sentença objecto de recurso em que apreciou as pretensões dos embargantes, designadamente, além do mais não impugnado pelo recorrente no âmbito das conclusões do seu recurso, a inexigibilidade da sentença recorrente.
Deste factualismo processual não se colhe em que medida o recorrente não teve oportunidade de se pronunciar sobre as questões que foram apreciadas na sentença de embargos de executado que o próprio apresentou.
Em acórdão de 19/04/2018 a Relação de Guimarães (Proc.533/04.0TMBRG-K.G1, Rel. Eugénia Cunha) salienta que “A regra do contraditório passou … a abarcar a própria decisão de uma questão de direito, decisiva para a sorte do pleito, inovatória, inesperada e não perspetivada pelas partes, tendo de ser dada a estas a possibilidade de, previamente, a discutirem sendo que tal “entendimento amplo da regra do contraditório, afirmado pelo nº3, do art. 3º, não limita obviamente a liberdade subsuntiva ou de qualificação jurídica dos factos pelo juiz – tarefa em que continua a não estar sujeito às alegações das partes relativas à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º); trata-se apenas e tão somente, de, previamente ao exercício de tal “liberdade subsuntiva” do julgador, dever este facultar às partes a dedução das razões que considerem pertinentes, perante um possível enquadramento ou qualificação jurídica do pleito, ou uma eventual ocorrência de exceções dilatórias, com que elas não tinham razoavelmente podido contar” (in www.dgsi.pt).
Nesta perspectiva, a decisão recorrida não pode ser considerada uma decisão-surpresa, porquanto previamente já havia sido dada oportunidade às partes, inclusive ao recorrente, para se pronunciarem sobre as questões que dela foram objecto.
Por outro lado, uma das situações em que o juiz deve conhecer do pedido ou dos pedidos formulados, ao abrigo do art. 595.º, n.º 1, al. b) do CPC, é, sublinha Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, quando toda a matéria de facto relevante esteja provada por documentos, mostrando-se, por isso dispensável a audiência final, como sucede no caso, porquanto toda a factualidade é composta pelos descritos actos processuais que o recorrente não impugnou (in loc. cit., pág. 697).
Neste conspecto, o tribunal recorrido não violou o princípio do contraditório nem o direito do recorrente à realização de uma audiência de julgamento.
iv) Da violação do princípio da igualdade de armas.
O art. 4.º do CPC, sob a epígrafe “Igualdade das partes” prescreve que o tribunal deve assegurar ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.
Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, em comentário a este normativo, escrevem que “Segundo o TEDH, o princípio da igualdade das partes tem por objectivo manter um justo equilíbrio entre as partes. A igualdade das partes implica a obrigação de facultar a cada uma a possibilidade razoável de apresentar o seu caso, aí se compreendendo a indicação das suas provas em condições que não a coloquem numa situação de clara desvantagem em relação ao adversário” (in loc. cit., pág. 22).
Por sua vez, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre explicam que “O princípio do contraditório implica o tratamento das partes em termos de igualdade e por isso se faz derivar do princípio geral da igualdade das partes, que implica a paridade simétrica das suas posições perante o tribunal. Deste mesmo princípio deriva também o da igualdade de armas…Trata-se de garantir a ambas as partes, ao longo do processo, a identidade de faculdades e meios de defesa e a sua sujeição a ónus e cominações idênticos. Como, porém, é da natureza do próprio processo alguma diversidade das posições das partes (maior entre exequente e executado, mas também em alguma medida entre autor e réu na ação declarativa), à ideia de identidade formal absoluta de meios e efeitos substitui-se a de um jogo de compensações gerador do equilíbrio global do processo, sempre que a desigualdade objectiva intrínseca de certas posições processuais leve a atribuir a uma parte meios ou a sujeitá-la a efeitos não atribuíveis à outra” (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1.º, 4.ª Edição, Almedina, pág. 33).
Do que vem de se dizer, extrai-se com clareza que o princípio da paridade processual legalmente consagrado se refere ao tratamento das partes adversárias no âmbito de um mesmo processo em ordem a assegurar-lhes as mesmas condições de defesa dos respectivos direitos e de acesso aos meios disponíveis para o efeito, sem prejuízo do respeito pelas normas de carácter preceptivo e de efeito preclusivo indispensáveis à previsibilidade, segurança e eficácia processual. É neste confronto entre a parte e a contraparte que se coloca a necessidade do cumprimento do princípio da igualdade por forma a que ambas, em face das diferentes posições dentro do mesmo processo, tenham a possibilidade efectiva de fazer valer as suas pretensões. Ora, essa disputa processual que reclama a paridade de tratamento, não se verifica entre processos diferentes, nem se coloca entre partes com idêntico posicionamento em apensos de um mesmo processo, no caso diferentes embargos de executado. Na verdade, cada apenso é constituído por um processado próprio que, obedecendo às mesmas regras e ao mesmo modelo processual, pode evoluir de maneira diversa, inclusive em função de opções das próprias partes. Veja-se por exemplo o facto de um dos embargantes arrolar prova pessoal a produzir em audiência de julgamento, ao contrário de outro que, não o fazendo, como sucedeu com o recorrente, torna desnecessária a realização da audiência de julgamento para a produção desse tipo de prova.
Não se verifica, portanto, violação do princípio da igualdade de armas.
Assim, o recurso mostra-se totalmente improcedente, inexistindo qualquer razão para alterar a decisão recorrida que, em face do exposto, se confirma.
As custas do recurso são da responsabilidade do recorrente atento o seu decaimento (art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
*
SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7 do NCPC): ……………………………… ……………………………… ………………………………
*
IV. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas do recurso pelo recorrente.
Notifique.
Porto, 10/3/2025
Carla Fraga Torres
José Nuno Duarte
Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo