MANDATO JUDICIAL
RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO
DANO DE PERDA DE CHANCE
ILÍCITO CULPOSO
NEXO DE CAUSALIDADE
Sumário

I – O exercício/cumprimento do mandato judicial não comporta uma obrigação de resultado, de obtenção de um desfecho favorável aos interesses do cliente, mas somente uma obrigação de meios, de desenvolver uma atividade destinada a obter a melhor solução jurídica conforme esses interesses, nela empenhando todo o seu zelo e conhecimentos técnicos.
II – A ação comum em que o mandatário, a par de outras causas de pedir atinentes ao pedido de condenação em quantia deduzido a final, alega a ofensa à legítima da autora por via de liberalidades efetuadas pelo seu pai, de quem é única herdeira, e requer a sua redução por inoficiosidade, integra a ação prevista no art. 2178º do C. Civil.
III – Tal ação, sendo a autora a única herdeira legitimária e tendo as liberalidades sido feitas a terceiros não herdeiros, não havendo por isso que proceder à partilha, é meio idóneo e adequado a obter a redução por inoficiosidade daquelas liberalidades.
IV – O processo de inventário é também meio de se obter aquela redução por inoficiosidade, sendo no âmbito do mesmo orientação adequada a de não aplicar a tal pretensão o prazo de caducidade de 2 anos previsto no art. 2178º do C. Civil.
V – Sendo de considerar que, além da verificação do dano da perda de chance, para a responsabilização do mandatário pelo mesmo devem verificar-se os demais pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente o facto ilícito culposo – o “comportamento indevido” daquele – e o nexo causal entre ele e aquele dano, não se verifica aquele facto ilícito culposo se o mandatário propôs tempestivamente ação que era a adequada e, tendo-se esta frustrado na sequência de recurso e do que neste se concluiu quanto à redução por inoficiosidade, veio a interpor processo de inventário para obter tal redução por inoficiosidade.
VI – Doutro modo, sempre seria também de concluir pela inexistência de nexo de causalidade adequada entre a conduta do mandatário e a ocorrência daquele alegado dano, pois sendo a propositura da ação inicial e a propositura posterior do inventário meios idóneos a, dentro das soluções ou caminhos processuais plausíveis e possíveis, obter a por si pretendida redução por inoficiosidade daquelas liberalidades, e tendo a frustração de tal pretensão acabado por vir a decorrer de entendimentos jurídicos sufragados nos acórdãos que puseram termo a cada um daqueles processos e que optaram por entendimentos jurídicos diferentes de outros também possíveis, caso estes tivessem sido perfilhados a pretensão da autora poderia ter logrado solução diferente da que teve em qualquer de tais processos.

Texto Integral

Processo: 145/22.6T8PRT.P1

Relator: António Mendes Coelho

1º Adjunto: Miguel Fernando Baldaia Correia de Morais

2º Adjunto: Eugénia Maria Moura Marinho da Cunha

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

AA propôs ação declarativa comum contra BB, advogado, pedindo a condenação deste a pagar-lhe o montante de 277.069,67 €, acrescidos de juros de mora contados desde a citação e calculados sobre o valor de 240.260,47 € até integral e efetivo pagamento.

Alegou para tal, em síntese: o cumprimento defeituoso do mandato que conferiu ao réu, por este não ter cumprido os prazos a que as ações judiciais, por que ele próprio optou, obrigavam, tendo deixado caducar o seu direito em ver efetivamente preenchida a sua legítima (referiu especialmente a ação de inventário com pedido de redução de liberalidades por inoficiosidade, que vindo a dar entrada apenas em 22 de Junho de 2012 não obedeceu ao prazo de caducidade de 2 anos previsto no art. 2178º do C. Civil); que, por causa de tal cumprimento defeituoso, o R. deu causa direta a danos que se traduzem na impossibilidade de ver apreciado o seu direito à redução das liberalidades de seu pai por inoficiosidade, com o respetivo recebimento por si do valor total de 316.528,20 € em lugar de apenas 76.267,73 €, do que resulta um dano no valor de 240.260,47 €; que em face dos factos provados nas ações judiciais que correram os seus termos, e supra citadas, a verdade é que o seu direito à legítima é irrefutável, como irrefutável é o seu valor, como, por fim, é irrefutável (por já provado no processo nº 1014/08.8TVPRT) que a apropriação por CC de 556.788,61 € ocorreu a título de doação, por ter correspondido à vontade do de cujus de transmitir a propriedade dos valores mobiliários e fundos monetários de forma gratuita; que aquela donatária tinha os fundos na sua disposição, facilitando a respetiva cobrança efetiva, sendo por isso muito altas as probabilidades de sucesso da ação de inventário com redução das liberalidades por inoficiosidade; que, assim, o valor do seu dano – na quantia de 240.260,47 € – corresponde efetivamente ao valor da sua legítima deduzido do montante que restava na herança; e que a tal quantia devem acrescer juros de mora calculados à taxa legal e contados desde 31.01.2018, data de trânsito em julgado do acórdão que confirmou a extinção da instância do processo de inventário, no valor vencido de 36.809,22 €.

O réu deduziu contestação.

Nela deu conta das diligências que efetuou na sequência do mandato a si conferido pela autora para levar por diante o seu propósito de, como única herdeira do seu falecido pai, fazer valer o seu direito a fundos pecuniários que aquele tinha na Banco 1... e que teriam sido transferidos para conta bancária de outrem, referiu as ações judiciais que interpôs para o efeito e o que nelas se decidiu, impugnou o montante indemnizatório peticionado pela autora e terminou a pugnar pela improcedência da ação.

Além disso, deduziu reconvenção, na qual pediu a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de 31.250,00 € a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais a si causados, acrescida de juros à taxa legal desde a notificação da reconvenção. Pediu ainda a condenação da autora como litigante de má-fé e, nesta sede, em indemnização a seu favor de 5.000,00 €.

Terminou pedindo a intervenção principal provocada da seguradora “A... Company, SA, Sucursal em Espanha”, do qual é beneficiário de apólice de responsabilidade civil profissional contratada pela Ordem dos Advogados Portugueses.

A autora replicou, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional e do pedido da sua condenação como litigante de má-fé.

Foi proferido despacho a admitir a intervenção principal provocada daquela seguradora e a ordenar a citação da mesma.

A interveniente principal veio apresentar articulado próprio de contestação, nela deduzindo a exceção de falta de cobertura do contrato de seguro por via do pré-conhecimento dos factos e, subsidiariamente, defendendo a total improcedência da ação.

A autora, na sequência de despacho a ordenar o contraditório quanto àquele articulado, pronunciou-se no sentido da improcedência do pretendido pela interveniente.

Foram proferidos despachos a admitir a reconvenção e a dispensar a audiência prévia, logo seguidos de despacho saneador e despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Designou-se data para julgamento e, no dia designado (20/12/2023), antes de o mesmo se iniciar, a autora, como da respetiva ata consta, reduziu o seu pedido para a quantia de € 214.517,75 (189.219,34 de capital a que acrescem juros vencidos desde 18/09/2018 até à data da propositura da ação no valor de € 25.298,37), redução esta que foi admitida por despacho logo ali proferido.

Na sequência do julgamento efetuado foi proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos:

Pelo exposto, julga-se a presente acção improcedente por não provada e consequentemente, absolvem-se o Réu e a seguradora do pedido.

Condena-se a autora na multa de 3 Uc’s como litigante de má-fé.

Mais se decide julgar o pedido reconvencional improcedente por não provado e absolver a autora/reconvinda do peticionado.

Custas da acção a cargo da autora e da reconvenção a cargo do Réu.

De tal sentença veio a autora interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (o teor da conclusão 19 está repetido na conclusão 20, mas é assim o texto):

“1.

Os tempos que hoje correm propiciam novos problemas relacionados com a responsabilidade civil profissional, e a eles estão muitas vezes ligadas questões referentes não apenas à verificação da ilicitude do comportamento do lesante, mas também à questão do nexo de causalidade adequada porventura existente entre tal comportamento do lesante na responsabilidade civil profissional, máxime, a questão de responsabilidade civil de profissional sobretudo de médicos e/ou de advogados e a imprevisibilidade de efeitos de opções (actos ou omissões) que o exercício de algumas profissões pode acarretar, e muitas vezes acarreta mesmo, à vida, patrimonial ou não, de terceiros ou de contrapartes de negócios de natureza contratual .

2.

O caso dos presentes autos é um exemplo deste tipo de casos, com origem na celebração de um contrato de mandato forense entre a ora apelante e o advogado apelado.

3.

Prosseguindo estas notas introdutórias, pode ainda dizer-se que o problema da variedade e do multifacetado (in)cumprimento da obrigação sobressai de forma autónoma e diferenciada quando o mandato é cumprido defeituosamente pelo advogado mandatado, e desse cumprimento defeituoso resultam danos que poderiam ter sido evitados se o mandato tivesse sido executado com outra mais reforçada e devida diligência, dada a especial natureza das obrigações profissionais que recaem sobre os profissionais respectivos .

4.

No caso presente não se trata de saber apenas, como se verá, tão só se houve ou não cumprimento formal do mandato conferido, mas sim, e sobretudo, se, por via de omissões culposas e pouco diligentes, tal mandato foi executado apenas aparentemente sem defeito, ao menos sem defeito relevante em termos da suas consequências patrimoniais, e tendo sobretudo em vista a finalidade da sua celebração.

5.

Tanto mais que a questão do denominado cumprimento defeituoso acima colocada levanta matérias tão aliciantes como complexas quanto as que hoje são habitualmente conhecidas e denominadas de “perda de chance “e sua relevância.

6.

E tudo isto sem esquecer que esta modalidade de responsabilidade pela dita “perda de chance” não deixa, nem por isso, de continuar a ser fruto do incumprimento de uma obrigação de meios, que a responsabilidade civil profissional raramente deixará de ser, não passando a ser uma obrigação de resultado.

7.

A douta sentença recorrida falha nas duas vertentes em que a responsabilidade civil profissional se desdobra, isto é, julga mal quando defende o mandato como correctamente executado e perfeitamente cumprido no caso dos autos.

8.

Mas julga também mal quando desvaloriza e ignora de todo a questão do seu cumprimento defeituoso, com a consequente “perda de chance” de vir apelante a obter um benefício que lhe seria devido, melhor dito, que lhe “não fugiria” caso o mandato tivesse sido desempenhado de forma mais diligente.

9.

De toda a factualidade dada por PROVADA na douta sentença recorrida, é manifesto e inquestionável que os propósitos da autora, quando procurou os serviços do sr. advogado apelado, eram fundamentalmente os seguintes:

- na posse de todas as informações descritas sob os nº10 a 22 da decisão constante da douta sentença recorrida, a A, consultou o R. com as informações obtidas, a fim de recuperar, integral ou parcialmente, os fundos retirados ao património de seu pai dias antes do seu óbito;

- e que no pior dos cenários (na perspectiva da A) ao menos recuperar os valores correspondentes a sua legítima, enquanto herdeira universal do pai.

10.

Foi isto que foi transmitido pela apelante ao ilustre mandatário por si escolhido. Este era, como foi, o seu objectivo central ao procurar mandatário forense que a apoiasse, ajudasse, informasse e, finalmente, actuasse na defesa dos seus interesses no conflito já existente.

11.

Ao Advogado, sempre que procurado e contratado para patrocinar um cliente, deverá ter como preocupação perceber qual a sua real intenção, da sua viabilidade e fundamentos que em abstracto a pudesse sustentar.

12.

Tem ainda o advogado, em caso de resposta afirmativa àquela primeira questão, o advogado que avaliar, já no concreto de cada caso, sobre efectividade dos direitos que a autora se arroga, verificar se estariam reunidas as condições instrumentais para o êxito prático da pretensão do cliente, e desde logo, se o direito reclamado estaria ainda em tempo útil para ser exercido, ou, dito de outro modo, se estava ainda dentro do prazo legalmente consagrado para tal exercício .

13.

Se dúvidas existirem no espírito do Advogado, é sua obrigação dissipá-las questionando o cliente sobre a sua existência, alcance e conteúdo, por forma a obter uma fotografia e um filme tão exacto quanto possível sobre a situação sub judice.

14.

Perante o quadro que lhe vai sendo traçado pelo cliente, é ao advogado que, cabe o dever de confrontar aquele com situações e circunstâncias que eventualmente possam ocorrer, com relevância para o caso que tenha na sua presença.

15.

Em caso algum o advogado deverá aceitar como boas as instruções e ordens do cliente, sem que previamente as examine e conclua da sua seriedade, viabilidade e conformidade legal, sob pela de poder lhe imputado incumprimento do mandato conferido.

16.

Quanto à estratégia processual seguida pelo Sr. Advogado apelado, a Mma Juiza, a este propósito, limita-se surpreendentemente a declarar que se lhe afigura defensável e correcto o entendimento que não era juridicamente viável instaurar em simultâneo o inventário e a acção de condenação porque sustentavam posições opostas (no inventário admitia-se a perda de metade da massa hereditanda em virtude da doação e na acção pedia-se a recuperação integral dos fundos depositados na Banco 1..., SA por apropriação ilícita – objectivo desejado pela autora) e ocorreria litispendência entre os dois processos por identidade dos sujeitos, pedidos e causa de pedir .

17.

Discorda-se veementemente entendimento, de todo inesperado e absolutamente contrário à lei e até contra lei expressa, dessa forma desculpabilizando o que não tinha desculpa nem explicação aceitável.

18

Desde logo, não faria qualquer sentido falar-se aqui em litispendência, já que é manifesto que os pedidos seriam diferentes, como diferentes e até contraditórias seriam a causa de pedir de cada um deles.

Depois,

19.

Porque seria absolutamente desnecessária a propositura de duas distintas acções, dado o disposto no art. 554º nº 1 do CPC, que expressamente admite a formulação de pedidos subsidiários, ou seja, “pedidos apesentados ao tribunal para serem tomados em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior”:

20.

Porque seria absolutamente desnecessária a propositura de duas distintas acções, dado o disposto no art. 554º nº 1 do CPC, que expressamente admite a formulação de pedidos subsidiários, ou seja, “pedidos apesentados ao tribunal para serem tomados em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior”:

21.

E ainda que a diferente forma de processo - processo comum e processo especial de inventário para partilha – pudesse ser impedimento à formulação dos pedidos ligados por uma relação de subsidiariedade (vide art. 37º nºs 1 e 2 do CPC) – o que se não aceita como evidente e indiscutível -, sempre restaria à autora, aqui cliente do Sr. Advogado apelado, e por iniciativa dele próprio como mandatário forense, apresentar separadamente os dois pedidos em duas acções distintas, requerendo a suspensão da instância no processo de inventário, nos termos do disposto no art 272º nº 1 do CPC, até que fosse julgada e definitivamente decidida a outra acção na qual se visasse a apropriação da totalidade do património que fora do pai da autora, e indevida e ilegitimamente apropriado por terceiro .

22.

E só então, em caso de improcedência de tal acção, seria de requerer então o levantamento dessa suspensão, prosseguindo os segundos autos a sua normal tramitação.

23.

Diga-se aliás de passagem, que não é hoje certo que a eventual existência de diferentes formas processuais impedisse, no caso dos presentes autos, a formulação de pedidos subsidiários, nos termos já indicados do art. 554º do CPC, dada a amplitude aberta pelo princípio da adequação formal, sobretudo dados os termos amplos da sua consagração no art. 547º do CPC, se interpretado a luz do disposto no art. 37º nºs 1 e 2 do CPC .

24.

Repare-se que no processo de inventário visa-se proceder a partilha de bens, e a redução de liberalidades com fundamento na sua inoficiosidade é matéria incidental a decidir por via de avaliação dos bens de herança, sujeitos ou não a colação, e que em si não exigem uma tramitação manifestamente incompatível com o pedido de pagamento em quantia certa ou incerta.

25.

Assim procedendo o Sr. Advogado ora apelado, como lhe era exigível que tivesse procedido, a ora apelante teria seguramente garantidas as quantias a que, ainda que desfavorável o julgamento do tribunal no primeiro processo, sempre teria direito a receber.

26.

E recorde-se que fora isso, fora exactamente isso, que a ora apelante lhe tinha pedido quando o procurou e com ele contratou os seus serviços de advogado.

Aliás …..

27.

É incorrecta, infelizmente incorrecta, a afirmação constante da douta decisão recorrida de que “Mais ficou inequívoco que a vontade da autora e do marido era a de demandar CC e marido e obter a sua condenação nos termos pedidos na acção nº 1014/08.8TVPRT, uma vez que estavam convencidos que as transferências bancárias em discussão não resultaram da real vontade o pai da autora .

28.

Mais infeliz ainda é a afirmação de que são vários os escritos do marido da autora que sustentam esta posição. A responsabilidade da decisão final de propor ou não qualquer acção judicial assumindo a responsabilidade por essa decisão, coube á autora, sem desmerecer todo o aconselhamento jurídico que o réu certamente lhe deu.

29.

E, como cúmulo do despropósito da fundamentação da douta sentença recorrida, é de todo inaceitável a afirmação, proferida como simples sugestão, mas nem por isso, admissível no que toca à percepção da relação advogado / cliente, de que “são vários os escritos do marido da autora que sustentam esta posição.

30.

A responsabilidade da decisão final de propor ou não qualquer acção judicial assumindo a responsabilidade por essa decisão, coube à autora, sem desmerecer todo o aconselhamento jurídico que o réu certamente lhe deu.

31.

A factualidade dada PROVADA na douta sentença recorrida conduz-nos a resultado absolutamente contrário a esse, como se retira concludentemente da matéria que vem declarada como provada nos nºs 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38 e 39.

32.

Registe-se, pois, que foi exactamente por isso que, como vem dado como PROVADO, que

- a Autora consultou o R. com as informações supra, a fim de recuperar, integral ou parcialmente, os fundos retirados ao património de seu pai dias antes do seu óbito;

- e que, no pior dos cenários (na perspetiva da A), ao menos recuperar os valores correspondentes à sua legítima, enquanto herdeira universal do pai.

o Sr. Advogado foi instado a actuar em conformidade o que, lamentavelmente não fez, cometendo acção ilícita, causadora de danos à apelante, cuja culpa é de presumir, dado que se está no âmbito da responsabilidade contratual (art. 799º do CCivil ), e cujo nexo de causalidade com os danos verificados é mais do que evidente.

33.

E não pode aqui deixar de se salientar que, ainda que tal modo de actuação e que tal estratégia processual fosse a preferida pelo Sr. Advogado ora apelado, não poderia ele ignorar, no mínimo, as indicações e sugestões que lhe haviam sido deixadas já no douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 12.14.2017, e proferido em julgamento da reclamação de incidente reativo ao pedido de reforma da instância junto aos autos (Apelação nº 1116/12.6TJPRT.P2- Conferência).

34.

A ora apelante já acima deixou registadas afirmações constantes de tal douto acórdão e afirmações suficientemente impressivas para que o Sr. Advogado aqui apelado, actuando para tutela da sua constituinte, tivesse admitido como possíveis e a justificar ponderada reflexão, as considerações e juízos constantes de tais afirmações.

35.

O Sr. Advogado aqui apelado optou por ignorar o sentido e alcance dessas afirmações, e procedeu como se elas não tivessem existido.

36.

Procedeu, pois, com clara a evidente negligência no cumprimento do mandato que lhe havia sido conferido.

37.

E causou danos à apelante, danos esses traduzidos na perda de chance relativamente á sua pretensão de obter a legitima da herança deixada por óbito de seu pai, obtendo ganho de causa na pretensão de ver reduzida por inoficiosas as liberalidades eles excedessem essa legitima.

38.

É manifesta a inexistência de má-fé da parte da apelante, que outro propósito não teve, nem tem, senão o de exigir do seu mandatário o cumprimento exigível do mandato que lhe havia conferido.

39.

É evidente que a autora ora apelante não litigou com má-fé nos presentes autos, não podendo deixar de ser absolvida de condenação que, nos presentes autos, representa clara injustiça do tamanho do MUNDO.

40.

A douta decisão recorrida violou, por errada interpretação e aplicação, as disposições dos arts. 483, nº 1, 485, nº 2, 486º, 1159º nº 2, 1161, nº 1 al. a), 2178º, 327º nº 3, 333 nº 2, 303º e 542 nºs 1 e 2 nas suas diferentes alíneas, todos do CCivil, 88º nºs 1 e 2, 97 nºs 1 e 2 100º als. a) e b), todos do Estatuto da Ordem dos Advogados, bem como ainda o disposto no art. 542º nºs 1 e 2 do CPC (quanto à inexistência de má-fé da parte da apelante).”

O réu apresentou contra-alegações, defendendo que deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida.

A interveniente seguradora apresentou contra-alegações, defendendo também que não deve ser dado provimento ao recurso. Além disso, nelas requereu a ampliação do objeto do recurso, apresentando quanto a tal as seguintes conclusões:

Sem prejuízo do que antecede, e no que respeita à ampliação do objeto do recurso, sempre se diga que:

17. Da matéria de facto dada como provada, nomeadamente, nos pontos 57., 58., 59., 60., a existência de um contrato de seguro perante o qual a ora Recorrida assumiu, perante o Tomador de Seguro, nos termos das condições particulares que o compõem, a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da advocacia, desenvolvida pelos seus segurados.

18. Nos termos do ponto 6. das condições da apólice, a responsabilidade civil decorrente do exercício da advocacia tem um limite de capital seguro de € 150.000,00 por sinistro.

19. Acresce que, o ponto 9. das condições particulares da apólice estabelece uma franquia contratual no valor de € 5.000,00 por sinistro, que ficará a cargo do segurado.

20. Em face o que antecede, a proceder (em qualquer medida) a pretensão indemnizatória deduzida pela Recorrente, o que não se admite, mas apenas por dever de patrocínio se equaciona, a responsabilidade desta Interveniente, aqui Recorrida, sempre se encontrará limitada ao valor do capital seguro (€ 150.000,00), cabendo ao Recorrido, Dr. BB, liquidar o montante de € 5.000,00, correspondente à franquia contratualmente estabelecida, atento o facto de intervir nos presentes autos, na qualidade de parte e de a si ser oponível a franquia.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), são as seguintes as questões a tratar:

a) – da conformação da matéria de facto a ter em conta para análise do recurso;

b) – da responsabilidade do réu;

c) – da responsabilização da interveniente seguradora, sendo nesta sede de apurar da ampliação do objeto do recurso por esta requerida;

d) – da litigância de má fé da autora.


**

II – Fundamentação

A primeira questão enunciada prende-se com a competência oficiosa deste tribunal para, constando do processo os elementos necessários, proceder à ampliação da matéria de facto, como previsto no art. 662º nº2 c) do CPC.

A nosso ver, tal mostra-se pertinente em relação aos seguintes itens factuais, todos provados por documentos juntos aos autos com a petição inicial e com a contestação (não impugnados e integrados por peças processuais dos processos neles referidos):

- os termos em que na ação referida sob o nº29 dos factos provados da sentença recorrida, com o nº 1014/08.8TVPRT e que correu termos no 2º Juízo do Tribunal da Covilhã, e também no recurso da sentença dela interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra, foi equacionada a ofensa à legítima da autora (matéria alegada pelo réu nos artigos 70 e 75 da contestação);

- os termos em que o Tribunal da Relação de Coimbra se pronunciou relativamente ao equacionamento de tal questão (matéria alegada pela autora nos artigos 36 e 37 da petição inicial e pelo réu no artigo 76 da contestação);

- o conteúdo da decisão final proferida no processo de inventário nº 1116/12.6TJPRT do 3º Juízo Cível do Porto, referido sob o nº40 dos factos provados da sentença recorrida, pois, como se constata da certidão de peças de tal processo junta pela autora com a sua petição inicial, a decisão referida sob o nº48 dos factos não corresponde à última decisão nele proferida [complemento de factualidade alegada nos artigos 50 a 58 da p.i. e nos arts. 78 a 96 da contestação – art. 5º nº2 b) do CPC];

Procedendo à ampliação da matéria de facto quanto a tais itens, decide-se introduzir na factualidade provada da sentença os seguintes segmentos factuais:

- na sequência da factualidade que consta do ponto 33, acrescentar um novo ponto com a seguinte redação:

«Em sede de ofensa à legítima da autora, escreveu-se na petição inicial daquela ação o seguinte:

VII – Da Ofensa à Legítima da Autora

72. Como já se deixou alegado a Autora é a única e universal herdeira do seu pai.

73. Correspondendo a sua legítima a metade da herança (artº 2159 nº2 do Cod Civil).

74. Ora a transferência de fundos efectuada pelos Réus em seu benefício, porque excede largamente a quota disponível da herança aberta por óbito do pai da Autora, ofende o direito à legítima.

75. Impondo-se que esta liberalidade seja reduzida, em tanto quanto for necessário para que a legítima seja preenchida (artºs 2168 e 2169 do Cod Civil).

76. Começando a redução pela última liberalidade (artº 2173 do Cod Civil).

77. Que, no caso em apreço, são as transferências de fundos efectuadas nos dias 18 e 13 de Junho de 2008.

78. O que a ser necessário e por mera cautela, igualmente se requer.

- na sequência da factualidade que consta do ponto 34, acrescentar um novo ponto com a seguinte redação:

«No recurso interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra da sentença proferida naquela ação, que a julgou improcedente e absolveu os réus do pedido, escreveu-se, em sede de ofensa à legítima da autora, o seguinte:

F- Da Ofensa à Legítima da Apelante:

36. Como está provado nos autos a Apelante é a única e universal herdeira do seu pai Sr. Engº DD.

Correspondendo a sua legítima a metade da herança (artº 2159 nº2 do Código Civil).

Ora a apropriação do dinheiro e valores mobiliários efectuados pelos Apelantes em seu benefício, porque excede largamente a quota disponível da herança aberta por óbito do pai da Apelante, ofende o direito à legítima.

Impondo-se, por isso, que esta liberalidade seja reduzida, em tanto quanto for necessário para que a legítima seja preenchida (artºs 2168 e 2169 do Código Civil).

Começando a redução pela última liberalidade (artº 2173 do Cod Civil).

Que, no caso em apreço, são as transferências do dinheiro e valores mobiliários efectuadas nos dias 18 e 13 de Junho de 2008, o que também se requer.

- depois do ponto acabado de acrescentar, acrescentar um novo ponto com a seguinte redação:

«No acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra a 20/11/2011, que julgou totalmente improcedente o recurso e confirmou a sentença da primeira instância, escreveu-se relativamente àquela questão o seguinte:

2.1.2.5 E, finalmente, abordando a questão que a Apelante caracteriza como ofensa do seu direito à legítima, diremos, secundando o referido pela primeira instância, não constituir este veículo processual (a presente ação e o pedido aqui em causa) o meio adequado para equacionar e resolver esta questão.

Estaria em causa aqui – só poderia estar em causa – a chamada garantia quantitativa da legítima da Apelante, enquanto herdeira legitimária do seu pai, incidência a tratar no quadro de redução de liberalidades por inoficiosidade (artigos 2168 e sss. do CC). Quer isto dizer que ao desvalor correspondente a essa violação quantitativa da legítima corresponde – e só corresponde – a redução por inoficiosidade, não se podendo falar nessa violação enquanto fonte autónoma de uma obrigação de restituir (menos ainda de indemnizar) por violação do direito à legítima, fora do quadro dessa redução na sua sede própria: a da avaliação quantitativa da herança. É neste sentido, com efeito, que se afirma, no espécime jurisprudencial citado na Sentença [o Acórdão da Relação do Porto de 22/06/2006 (Saleiro de Abreu)], que o processo próprio para cálculo de uma quota disponível e de uma legítima e, consequentemente, para eventual redução por inoficiosidade de liberalidade feita pelo doador seja o processo de inventário.

Não sendo disso que se trata aqui, não sendo, aliás, determinável nesta sede qual o património hereditário do Engº DD, não tem aqui qualquer cabimento a pretensão da Apelante referida a uma alegada violação do seu direito à legítima.

- na sequência da factualidade que consta do ponto 48, acrescentar um novo ponto, a seguir a ele, com a seguinte redação:

Da decisão referida no número anterior foi interposto recurso de revista pelos requeridos e, na sequência do mesmo, foi proferido acórdão em conferência pelo Tribunal da Relação em 14/12/2017, que, embora não admitindo tal recurso de revista, procedeu à reforma do acórdão anterior também ali pedida e, por esta via, confirmou a sentença recorrida”.

Na sequência das alterações ora decididas, e suprimindo o ponto 38 dos factos provados porque repetido em relação ao ponto 34, é a seguinte a matéria de facto a ter em conta (com uma nova numeração decorrente de tais alterações e ressaltando a negrito as mesmas):

Factos provados

1. O Réu é advogado, exercendo profissionalmente tal atividade, encontrando-se inscrito junto da Ordem dos Advogados Portugueses sob a cédula profissional nº .......

2. A A. contratou os serviços do R. em 2008,

3. Tendo o R. prestado tais serviços, fosse de assessoria e aconselhamento técnicos,

4. Fosse de mandato judicial,

5. Tudo no seguimento do óbito do pai da A.

6. E a propósito da aceitação e salvaguarda dos direitos hereditários da A. por tal óbito.

7. A A. informou o R. que o seu pai faleceu no dia 21 de junho de 2008,

8. No estado de divorciado,

9. A autora era sua filha única, e não existiam quaisquer disposições testamentárias.

10. A A. veio a ter conhecimento, na sequência da abertura do processo de liquidação de imposto de selo e respetivas comunicações, nomeadamente junto de entidades bancárias, que existia uma declaração alegadamente assinada pelo seu pai de autorização de movimentação de conta bancária por este titulada aberta junto da Banco 1..., sob o nº ..., a favor de CC.

11. Esta CC, e seu marido, teriam usado o cartão de débito do pai da A., com o nº ... para, em terminal ATM, ordenar a transferência de um valor total de 12.000,00€ para conta bancária de quer era ela titular,

12. Valor transferido por meio de duas transferências realizadas em 1 de abril e 8 de junho de 2008 e, no montante de 6.000,00€ cada.

13. A autora teve conhecimento que a dita CC, ao abrigo da autorização de movimentação do pai da A., deu as seguintes ordens de movimentação sobre os títulos depositados naquela conta de depósitos à ordem:

i) no dia 13 de junho de 2008, deu ordem de resgate de 10.456 UP’s de Fundo de Investimento ..., no valor global de 49.537,39€, creditado na conta do pai da A. no dia 17 de junho de 2008;

ii) no 13 de junho de 2008, deu ordem de resgate de 4.343 UP’s de Fundo de Investimento ..., no valor global de 27.743,52€, creditado na conta do pai da A. no dia 18 de junho de 2008;

iii) no 13 de junho de 2008, deu ordem de resgate de 5.000 UP’s de Fundo de Investimento ..., no valor global de 23.680,50€, creditado na conta do pai da A. no dia 23 de junho de 2008;

iv) deu ordem de transferência para uma conta por si titulada dos seguintes valores mobiliários:

a. Banco 1... Renda Mista 2ª Emissão, no valor de 10.000,00€

b. Banco 1... sub 05/15, no valor de 50.000,00€.

v) deu ordem de venda de ações da BRISA, CIMPOR, PORTUGAL TELECOM, ZON MULTIMEDIA, por qualquer preço, tudo no valor apurado respetivamente de 1.414,40€, 1.808,82€, 999,24€ e 119,70€.

vi) no dia 13 de junho de 2008, deu ordem de venda, por qualquer preço, de 4.026 ações da EDP, no valor global apurado de 14.916,33€, creditado na conta do pai da A. no dia 18 de junho de 2008;

14. No dia 18 de junho, igualmente com recurso ao cartão de débito do pai da A., aquela CC ordenou a transferência a seu favor de 95.000,00€.

15. O pai da A. era ainda titular, também junto da Banco 1..., de treze depósitos a prazo, de 25.000,00€ cada, no valor global de 325.000,00€,

16. Que aquela CC, no mesmo dia 13 de junho de 2008, igualmente ordenou fossem liquidados antecipadamente, e os fundos respetivos fossem transferidos também para conta por si titulada.

17. A A. mais soube que a mesma CC ordenou a liquidação da conta de que o pai da A. era igualmente único titular, sob nº ..., e bem assim a transferência do saldo de 64.781,61€ para conta de que era titular.

18. A A. tomou conhecimento de que nas vésperas do óbito de seu pai aquela CC havia transferido ou beneficiado de um valor total de 556.788,61€,

19. Valor que pertencia a seu pai, e que integrava o seu património.

20. A A. apenas veio a receber € 204.290,64 por óbito do seu pai.

21. A herança tinha um valor global de € 749.079,25.

22. A A. consultou, o R. com as informações supra, a fim de recuperar, integral ou parcialmente, os fundos retirados ao património de seu pai dias antes do seu óbito.

23. No pior dos cenários (na perspetiva da A.), ao menos recuperar os valores correspondentes à sua legítima, enquanto herdeira universal do pai.

24. A autora considerava:

a. O pai como trabalhador, poupado, egoísta e avarento e que não confiava em ninguém nem na família ...;

b. E que houve um complot personalizado pela CC, a prima EE e a gestora da Banco 1..., SA para se apropriarem da herança da autora.

25. A autora considerava que:

a. O falecido pai não quis doar os fundos depositados na Banco 1..., SA;

b. Que a sua apropriação pela CC era ilícita e ilegal, somente tido sido possível pela cumplicidade da gestora de conta;

c. E que estes fundos lhe pertenciam por ser a única herdeira

26. Mandatando o R. para intentar as ações judiciais para o efeito.

27. Em vista da dita finalidade, o R. indicou como solução a propositura de ação de condenação, precedida de procedimento cautelar de arresto.

28. Ambos os processos que intentou efetivamente.

29. E que apesar de propostos originalmente no Porto.

30. Vieram a pender no 2º Juízo do Tribunal da Covilhã, sob o nº 1014/08.8TVPRT.

31. Pedindo a condenação dos então RR. (CC e marido) ao pagamento de 556.788,61€, correspondentes aos valores retirados da conta do pai da A., acrescidos dos respetivos juros de mora,

32. Fosse com causa em apropriação ilegítima dos referidos valores,

33. Fosse com causa na nulidade da autorização de movimentação da conta do pai,

34. Fosse ainda por abuso de representação ou, enfim, por ofensa à legítima da A.

35. Em sede de ofensa à legítima da autora, escreveu-se na petição inicial daquela ação o seguinte:

VII – Da Ofensa à Legítima da Autora

72. Como já se deixou alegado a Autora é a única e universal herdeira do seu pai.

73. Correspondendo a sua legítima a metade da herança (artº 2159 nº2 do Cod Civil).

74. Ora a transferência de fundos efectuada pelos Réus em seu benefício, porque excede largamente a quota disponível da herança aberta por óbito do pai da Autora, ofende o direito à legítima.

75. Impondo-se que esta liberalidade seja reduzida, em tanto quanto for necessário para que a legítima seja preenchida (artºs 2168 e 2169 do Cod Civil).

76. Começando a redução pela última liberalidade (artº 2173 do Cod Civil).

77. Que, no caso em apreço, são as transferências de fundos efectuadas nos dias 18 e 13 de Junho de 2008.

78. O que a ser necessário e por mera cautela, igualmente se requer.

36. Esta ação veio a ser considerada improcedente, por decisão transitada em julgado em 31 de janeiro de 2012.

37. No recurso interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra da sentença proferida naquela ação, que a julgou improcedente e absolveu os réus do pedido, escreveu-se, em sede de ofensa à legítima da autora, o seguinte:

F- Da Ofensa à Legítima da Apelante:

36. Como está provado nos autos a Apelante é a única e universal herdeira do seu pai Sr. Engº DD.

Correspondendo a sua legítima a metade da herança (artº 2159 nº2 do Código Civil).

Ora a apropriação do dinheiro e valores mobiliários efectuados pelos Apelantes em seu benefício, porque excede largamente a quota disponível da herança aberta por óbito do pai da Apelante, ofende o direito à legítima.

Impondo-se, por isso, que esta liberalidade seja reduzida, em tanto quanto for necessário para que a legítima seja preenchida (artºs 2168 e 2169 do Código Civil).

Começando a redução pela última liberalidade (artº 2173 do Cod Civil).

Que, no caso em apreço, são as transferências do dinheiro e valores mobiliários efectuadas nos dias 18 e 13 de Junho de 2008, o que também se requer.

38. No acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra a 20/11/2011, que julgou totalmente improcedente o recurso e confirmou a sentença da primeira instância, escreveu-se relativamente àquela questão o seguinte:

2.1.2.5 E, finalmente, abordando a questão que a Apelante caracteriza como ofensa do seu direito à legítima, diremos, secundando o referido pela primeira instância, não constituir este veículo processual (a presente ação e o pedido aqui em causa) o meio adequado para equacionar e resolver esta questão.

Estaria em causa aqui – só poderia estar em causa – a chamada garantia quantitativa da legítima da Apelante, enquanto herdeira legitimária do seu pai, incidência a tratar no quadro de redução de liberalidades por inoficiosidade (artigos 2168 e sss. do CC). Quer isto dizer que ao desvalor correspondente a essa violação quantitativa da legítima corresponde – e só corresponde – a redução por inoficiosidade, não se podendo falar nessa violação enquanto fonte autónoma de uma obrigação de restituir (menos ainda de indemnizar) por violação do direito à legítima, fora do quadro dessa redução na sua sede própria: a da avaliação quantitativa da herança. É neste sentido, com efeito, que se afirma, no espécime jurisprudencial citado na Sentença [o Acórdão da Relação do Porto de 22/06/2006 (Saleiro de Abreu)], que o processo próprio para cálculo de uma quota disponível e de uma legítima e, consequentemente, para eventual redução por inoficiosidade de liberalidade feita pelo doador seja o processo de inventário.

Não sendo disso que se trata aqui, não sendo, aliás, determinável nesta sede qual o património hereditário do Engº DD, não tem aqui qualquer cabimento a pretensão da Apelante referida a uma alegada violação do seu direito à legítima.

39. A A. aceitou a herança por óbito de seu pai logo após o seu falecimento.

40. Tanto assim que recolheu todas as informações bancárias, tomou como herança os fundos remanescentes nas contas bancárias, e litigou pedindo o reembolso de valores da herança.

41. Tudo com o conhecimento do R.

42. O R. veio a propor ação de inventário, com pedido de redução de liberalidades por inoficiosidade, mas em 22 de junho de 2012.

43. A autora passou a procuração, datada de 22 de junho de 2012, tendo nesse mesmo dia sido instaurado o inventário que foi tramitado no Processo nº 1116/12.6TJPRT, do 3º Juízo Cível do Porto.

44. A ação de inventário, com pedido de redução de liberalidades por inoficiosidade, veio a dar entrada apenas em 22 de junho de 2012 – ou seja, cerca de 5 meses depois do trânsito em julgado da decisão absolutória da ação de condenação nº 1014/08.8TVPRT.

45. O primeiro aresto em que foi apreciada a questão da caducidade do direito à redução da doação por inoficiosidade, foi a sentença proferida nesse processo de inventário, e fê-lo no sentido de que a ação de redução de liberalidade inoficiosa caduca no prazo de dois anos a contar da data da aceitação da herança pelo herdeiro legitimário.

46. Como esta sentença e respetivos fundamentos se afiguravam controvertidos, a autora deu instruções ao réu para interpor recurso de apelação.

47. Em consequência da interposição deste recurso, o Tribunal da Relação do Porto, em 1 de outubro de 2014, proferiu Decisão Singular em que anulou o julgamento e determinou a ampliação da matéria de facto nos termos constantes da mesma.

48. Na sequência, a 1ª Instância proferiu, em 15 de julho de 2015, nova Sentença, declarando que o direito à redução da liberalidade inoficiosa tinha caducado e julgou extinto o inventário por inutilidade superveniente da lide.

49. Inconformada a autora deu instruções ao réu para interpor novo recurso de apelação, o que foi feito em 28 de setembro de 2015.

50. Neste recurso a questão decidenda consistia em saber se tinha caducado o direito da autora à redução das liberalidades de que foram beneficiários os requeridos/apelados.

51. Este recurso foi julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e julgando-se improcedente a exceção perentória da caducidade.

52. Da decisão referida no número anterior foi interposto recurso de revista pelos requeridos e, na sequência do mesmo, foi proferido acórdão em conferência pelo Tribunal da Relação em 14/12/2017, que, embora não admitindo tal recurso de revista, procedeu à reforma do acórdão anterior também ali pedida e, por esta via, confirmou a sentença recorrida.

53. Na Reclamação apresentada à Seguradora do réu, a autora alegou que o participado não tinha dado entrada do inventário nos dois anos seguintes a contar da data da aceitação da herança.

54. O réu teve conhecimento deste assunto, através da comunicação da Seguradora A... Company, SE, Sucursal em Espanha, datada de 5 de abril de 2021

55. O réu teve de recuperar todos os dossiers judiciais e extrajudiciais relativos a esta pendência, e proceder à sua reanálise e preparar o presente articulado.

56. Terá ainda de acompanhar os ulteriores termos legais deste processo.

57. O réu licenciou-se em Direito da Universidade ... com a média de 16 valores.

58. O réu ao longo de quase quatro décadas como advogado, nunca foi sancionado disciplinarmente, documento que se protesta juntar.

59. O réu trabalhou ainda na Banca onde atingiu a categoria de diretor, tendo sido inclusive assessor jurídico do Conselho de Administração do B..., SA.

60. O réu tem sentido perturbação do sono e irritação pessoal.

61. A A... Company SE, Sucursal en España celebrou, enquanto entidade autorizada para exercer a atividade seguradora em Portugal em regime de livre prestação de serviços, o contrato de seguro de responsabilidade civil profissional com a Ordem dos Advogados (tomador de seguro), e titulado pela apólice de seguro n.º .......

62. Este contrato de seguro teve início às 00H00 de dia 01.01.2018 e termo às 00H00 de dia 01.01.2019;

63. Tendo sido renovado para os períodos de seguro seguintes correspondentes aos anos civis de 2019, 2020 e 2021.

64. Por via do referido contrato de seguro, esta Interveniente assumiu, perante o Tomador de Seguro (Ordem dos Advogados), nos termos expressamente definidos nas condições particulares do contrato, a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da atividade de advocacia, conforme regulado no estatuto da Ordem dos Advogados, desenvolvida pelos seus segurados.

65. Em 30.03.2021 foi remetida participação deste sinistro a esta Interveniente, através da Corretora de Seguros C....


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Factos não provados

1. O réu consumirá nesta pendência cerca de 150 horas de trabalho.

2. Valor hora de € 75,00 é prática corrente na Comarca do Porto.


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Entremos agora na análise da segunda questão enunciada.

O enquadramento da responsabilidade do advogado decorrente de mandato forense está já sobejamente referido na sentença recorrida: tal mandato regula-se pelos arts. 1157º e sgs. do C. Civil, destacando-se as obrigações do mandatário previstas no art. 1161º, e com elas atinentes há que ter em conta, nomeadamente, os deveres do advogado nas relações com o cliente previstos no art. 100º do Estatuto da Ordem dos Advogados, onde avultam (conforme as várias alíneas do nº1 de tal preceito) os de dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca, assim como prestar, sempre que lhe for solicitado, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas, estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e atividade, aconselhar toda a composição que ache justa e equitativa, não celebrar, em proveito próprio, contratos sobre o objeto das questões confiadas e não cessar, sem motivo justificado, o patrocínio das questões que lhe estão cometidas.

No caso vertente, a autora, única herdeira do seu falecido pai, defende que ocorre responsabilidade do réu, a quem outorgou mandato judicial, por este, ao ter proposto a ação referida sob os nºs 27, 30 e 31 dos factos provados e, em seguida ao trânsito em julgado da decisão final nela proferida, o inventário referido sob os nºs 42 a 44 dos factos provados, e não ter logo proposto processo de inventário no prazo de dois anos contados da sua aceitação da herança de seu pai (a fim de desse modo se observar o prazo de 2 anos para propositura da ação de redução de liberalidades inoficiosas previsto no art. 2178º do C. Civil), ter deixado caducar o seu direito a ver efetivamente preenchida a sua legítima naquela herança, assim lhe causando prejuízo no montante que peticiona.

Vejamos.

Conforme se refere no Acórdão desta mesma Relação de 7/12/2023 (proc. nº1311/21.7T8PVZ.P1), ainda que nada diga o legislador acerca da forma de cumprimento das obrigações do mandatário, vem-se entendendo que dos princípios gerais que emanam dos artigos 798°, 799° e 487°, nº 2, do C. Civil, deve ele atuar com a diligência de um bom pai de família, conceito que se tem aferido pela diligência do homem médio colocado na situação do agente, e, em particular, o tipo de mandato e as circunstâncias da sua execução, devendo, todavia, essa diligência profissional ser temperada com a independência e a autonomia técnica que caracterizam o exercício da atividade profissional do advogado.

Por outro lado, faz-se notar, é hoje pacificamente aceite que o exercício/cumprimento do mandato judicial não comporta uma obrigação de resultado, de obtenção de um desfecho favorável aos interesses do cliente, mas somente uma obrigação de meios, de desenvolver uma atividade destinada a obter a melhor solução jurídica conforme esses interesses, nela empenhando todo o seu zelo e conhecimentos técnicos [neste sentido, Acórdãos do STJ de 05/05/2012 (proc. nº 614/06.5TVLSB.L1.S1), de 30/04/2015 (proc. nº 338/11.1TBCVL.C1.S1), de 09/12/2014 (proc. nº 1378/11.6TVLSB.L1.S1) e de 19/12/2018 (proc. nº 1337/12.1TVPRT.P1.S1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.].

A pretensão da autora coloca-nos no âmbito do chamado dano da perda de chance processual, o qual, como se assinala no Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência de 5/7/2021 (disponível em www.dgsi.pt e publicado no DR, I Série, de 26/1/2022), tem sido perspetivado, principalmente, sob duas abordagens (cuja respetiva literatura doutrinal ali se dá conta): uma que considera que “o dano não estará no resultado final desfavorável do processo (no não ganhar ou no perder o processo), mas na própria perda da possibilidade/oportunidade de obter um resultado favorável (de ganhar ou de não perder o processo), decorrente do evento lesivo do mandatário e, por conseguinte, o que está sob indemnização é um dano intermédio (em relação ao dano final): o dano autónomo e emergente da perda de oportunidade de sucesso (e não o dano final do resultado desfavorável do processo)”; outra que considera tal dano “como afim do lucro cessante”, pois “o dano provocado pelo evento lesivo ocorre no futuro e do que se trata, na perda de oportunidade, é duma antecipação do dano final”, pelo que (conforme doutrina ali referenciada) o mesmo é “decalcado dos lucros cessantes (ou do prejuízo que poderá ter sido evitado)”, não estando portanto em causa “um valor patrimonial próprio, mas simplesmente uma fração ou antecipação de lucros cessantes relativamente incertos”.

Sob o ponto de vista da responsabilidade danosa imputada pela autora ao réu, está em causa apreciar da articulação da ação de redução de liberalidades inoficiosas prevista no art. 2178º do C. Civil com a instauração de processo de inventário e averiguação nele de pedido de redução de liberalidades por inoficiosidade (previsto no art. 1118º do CPC atual e previsto no âmbito dos arts. 1365º a 1367º e 1376º nº2 do CPC em vigor ao tempo do falecimento do pai da autora e da instauração do processo de inventário referido sob os nºs 42 a 44 dos factos provados).

Como referem Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, inO Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil”, Almedina, 2020, pág. 124, “tem constituído questão controvertida a articulação entre o incidente de verificação de inoficiosidades no processo de inventário e a acção de redução de liberalidades inoficiosas prevista no art. 2178º CC, bem como a aplicabilidade do prazo de caducidade estabelecido neste preceito ao pedidos de redução por inoficiosidade enxertados no inventário”, dizendo logo a seguir que “importa procurar esclarecer” que “o interessado na redução da liberalidade por inoficiosidade terá de instaurar uma acção ordinária nos casos em que, por não haver lugar a qualquer partilha da herança, não seja admissível o processo de inventário” [aduzem em tal sentido o Acórdão do STJ de 24/10/2006 (proc. 06B2650) e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14/1/2016 (proc. nº31/14.3T8VPC.G1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt].

Mesmo que este processo de inventário seja admissível, continuam aqueles autores (ainda a págs. 124), “nada impede que, antes de o inventário ser requerido, algum herdeiro legitimário proponha uma acção autónoma contra os sujeitos visados pelo pedido de redução por inoficiosidade, optando assim por resolver esta questão no âmbito de uma acção ordinária de natureza prejudicial. Aliás, a circunstância de não ser claro o âmbito da caducidade estabelecida no art. 2178º justifica que se não devam criar quaisquer entraves à formulação do pedido de redução da liberalidade, cabendo ao requerente optar pelo meio processual que, segundo a sua estratégia processual, considere preferível para a tutela do seu interesse”.

Por outro lado, e como referem ainda aqueles autores (págs. 124 e 125), ainda que não seja justificável fazer depender a aplicação da caducidade prevista no art. 2178º consoante o pedido de redução por inoficiosidade seja feito incidentalmente no inventário ou em ação ordinária autónoma, “há que reconhecer o bem fundado da orientação que exclui da sujeição ao prazo de caducidade as reduções que sejam requeridas em processo de inventário contra beneficiários de liberalidades que, por também serem interessados na partilha da herança, também têm intervenção no processo de inventário como interessados diretos ou secundários” [dão-se ali como exemplo de tal orientação os Acórdãos do STJ de 8/11/2001 (proc. 02A470), da Relação de lisboa de 17/2/2009 (proc. nº 10792/2008-7) e da Relação do Porto de 8/10/2018 (proc. nº2670/11.5TBPNF.P1) e, contra a mesma, o Acórdão da Relação de Lisboa de 19/10/2017 (proc. nº1208/13.4YXLSB.L1-6), todos eles disponíveis em www.dgsi.pt], pois “[n]este caso, os donatários e os legatários atingidos pela redução não podem deixar de ignorar que, na partilha da herança indivisa, não podem deixar de ser tomadas em conta as liberalidades de que beneficiaram, quando tal seja indispensável para a tutela da intangibilidade da legítima dos herdeiros”.

Aduzem, em reforço desta última asserção, que “o processo de inventário pode ser requerido a todo o tempo, enquanto não tiver ocorrido usucapião de todos os bens da herança (art. 2101º, nº1, CC), e porque a partilha que seja realizada nesse processo pode não dispensar a apreciação, como questão prévia, da inoficiosidade das liberalidades feitas aos legatários pelo de cujus, não podem estes razoavelmente fundar numa inércia dos herdeiros durante dois anos a contar da aceitação da herança a expectativa de que as suas liberalidades, mesmo que inoficiosas, se consolidaram para sempre”.

No caso vertente, dos factos provados sob os nºs 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25 e 26 não decorre que a autora considerasse que as deslocações de dinheiro ali referidas integrassem quaisquer liberalidades (no caso, doações daquelas quantias) mas antes apropriações indevidas daquelas quantias por parte das pessoas ali mencionadas (aquela Sra. CC e marido).

Como tal, por parte do réu, não havia que ponderar qualquer atuação no sentido estrito de instaurar ação cível ou processo de inventário para pedir a sua redução por inoficiosidade, mas antes propor ação baseada na ilicitude de comportamentos imputada pela autora àquelas pessoas com vista a recuperar aquelas quantias.

Ainda assim, o réu não deixou de acautelar a possibilidade de se estar na presença de liberalidades efetuadas pelo falecido pai da autora, e, nesse conspecto, a par de outras causas de pedir (nºs 32, 33 e 34 dos factos provados), introduziu na ação que veio a subscrever a alegação da ofensa à legítima da autora através das mesmas e requereu a sua redução por inoficiosidade nos termos referidos sob o nº35 dos factos provados, sendo esta também uma causa de pedir, a par com as outras, atinente ao pedido de condenação em quantia deduzido a final.

Note-se, quanto a tal, que o pedido ali formulado sob o nº78 da petição inicial, não obstante formulado no corpo de tal peça, não deixa de poder ser considerado um verdadeiro pedido dirigido ao tribunal.

Efetivamente, como há já muito sustentava o Prof. Alberto dos Reis[1], embora não seja uma forma correta de formulação do pedido do ponto de vista processual, o mesmo pode estar na narração da petição inicial e achar-se imperfeitamente ou incompletamente expresso na sua conclusão.

Na mesma linha do alegado na petição inicial, no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de Coimbra da sentença proferida pela primeira instância naquela ação (que a julgou improcedente e absolveu os réus do pedido), o réu invocou de novo a ofensa à legítima da autora e requereu igualmente a redução por inoficiosidade das transferências de dinheiro (nº37 dos factos provados), tendo o desfecho de tal recurso quanto a tal questão sido o que se refere sob o nº38 dos factos provados.

A ação que vem sendo referida deu entrada no ano de 2008 (não está certificada nos autos a data concreta, mas do número do processo resulta que foi proposta em tal ano) e, assim, perfeitamente dentro do prazo de 2 anos previsto no art. 2178º, pois a aceitação da herança pela autora ocorreu logo após o falecimento do seu pai, ocorrido a 21/6/2008 (nºs 7 e 39 dos factos provados).

Sendo a ação prevista naquele art. 2178º uma ação comum e não sob qualquer forma especial, a ação proposta pelo réu e onde este deduziu, também, a ofensa à legítima da autora e requereu a redução por inoficiosidade das transferências de dinheiro, integra-se naquela previsão.

Por outro lado, aquela ação comum, quanto à redução por inoficiosidade ali requerida, era a ação pertinente e útil que fazia sentido ser proposta pela autora, pois no caso ela é a única herdeira legitimária (só o herdeiro legitimário pode requerer a redução – art. 2169º do C. Civil) e as liberalidades haviam sido feitas a terceiros não herdeiros, não havendo por isso que proceder à partilha[2].

Assim, aquela ação subscrita pelo réu, interposta dentro do prazo legal, era o meio idóneo e adequado a obter a redução por inoficiosidade das liberalidades em causa, caso se viesse a concluir no âmbito do respetivo processo, como veio (tal é o que decorre da sentença da primeira instância e do acórdão da Relação de Coimbra sobre ela proferido – vide docs. nºs 20 e 22 juntos com a contestação do réu), que as transferências de dinheiro aludidas tinham aquela natureza.

Por outro lado, e como se viu do que se deixou dito acima, o processo de inventário que depois veio a ser instaurado após a frustração do peticionado naquela ação, tido como necessário pelo Acórdão da Relação de Coimbra (vide nº38 dos factos provados), não deixava de poder também ser um meio de se vir a obter aquela redução por inoficiosidade, sendo que no âmbito do mesmo – e diferentemente do que nele se veio a decidir (em primeira instância e depois confirmado na decisão final do recurso que da decisão da primeira veio a ser interposto, conforme factos provados sob os nºs 48 a 52) – seria também orientação adequada e com pleno cabimento, sufragada doutrinal e jurisprudencialmente, a de não aplicar àquela pretensão o prazo de caducidade de 2 anos previsto no art. 2178º do C. Civil.

Sendo de considerar que, além da verificação do dano da perda de chance, para a responsabilização do mandatário pelo mesmo devem verificar-se os demais pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente o facto ilícito culposo – o “comportamento indevido” daquele (a expressão é do Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência de 5/7/2021, acima referido) – e o nexo causal entre ele e aquele dano, é de concluir, na sequência de tudo quanto se veio de analisar, que no caso concreto não se verifica aquele facto ilícito culposo, pois, como se viu, o mandatário propôs tempestivamente ação que era a adequada e, tendo-se esta frustrado na sequência de recurso e do que neste se concluiu quanto à redução por inoficiosidade, veio a interpor processo de inventário, o qual, nos termos que acima se referiram, era também meio adequado a obter a redução por inoficiosidade.

Doutro modo, e ainda que assim se não considerasse, sempre seria também de concluir pela inexistência de nexo de causalidade adequada entre a conduta do mandatário e a ocorrência do dano alegado pela autora, pois quer a propositura da ação inicial quer a propositura posterior do inventário eram meios idóneos a, dentro das soluções ou caminhos processuais plausíveis e possíveis, obter a por si pretendida redução por inoficiosidade daquelas liberalidades efetuadas por seu pai.

Isto é, não é de imputar ao réu a responsabilidade pela frustração de tal pretensão, pois esta acabou por vir a decorrer de entendimentos jurídicos sufragados nos acórdãos que puseram termo a cada um daqueles processos e que, como se viu, optaram por entendimentos jurídicos diferentes de outros também possíveis, sendo que, caso estes tivessem sido perfilhados, a pretensão da autora poderia ter logrado solução diferente da que teve em qualquer de tais processos.

Assim, e embora com fundamentação diferente da veiculada na sentença recorrida, há que julgar improcedente a ação e absolver o réu do pedido.

A terceira questão enunciada fica prejudicada pela solução dada à anterior (arts. 663º nº2 e 608º nº2 do CPC).

Passemos agora para a última questão enunciada, atinente à litigância de má-fé da autora.

Na sentença recorrida condenou-se a autora a tal título com a seguinte fundamentação:

Ora, a autora fundamenta a sua pretensão no facto de o réu, no âmbito do contrato de mandato, de não ter cumprido os prazos a que as acções judiciais, por que ele próprio optou, obrigavam, tendo deixado caducar o direito da A. em ver efectivamente preenchida a sua legítima, nomeadamente através do mecanismo da redução das liberalidades por inoficiosidade.

Daí que ao atribuir ao aqui réu o incumprimento do contrato de mandato, maxime ter deixado caducado o direito da autora, quando estava perfeitamente ciente que a alegada violação do contrato não existia, uma vez que por douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto o direito a intentar a acção com a finalidade de ser declarada a redução de doações por inoficiosidade não estava caduco, seja lícito afirmar que a autora deduziu pedido cuja falta de fundamento não desconhecia, ou seja, que litigou de má-fé. Por conseguinte, e nos termos do art.º 542.º do C. Pr. Civil, vai a autora condenada na multa de 3 UC’s.

Como se vê, radica-se a condenação da autora na consideração de que esta estava ciente de que o Acórdão da Relação do Porto, proferido no âmbito do processo de inventário (nºs 48 a 52 dos factos provados), decidiu que “o direito a intentar a acção com a finalidade de ser declarada a redução de doações por inoficiosidade não estava caduco”.

Ora, tal corresponde a uma leitura deficiente dos dados dos autos, pois, ainda que tal consideração possa decorrer do primeiro acórdão ali proferido (nº51 dos factos provados), depois deste veio a ser proferido o acórdão em conferência referido sob o nº52 dos factos provados, que reformou aquele primeiro acórdão e, por essa via, confirmou a sentença recorrida.

Isto é, este último acórdão confirmou a caducidade decidida pela primeira instância.

Aliás, se assim não fosse o processo teria prosseguido e, assim, não ocorria o problema de caducidade que é apresentado como fundamento da presente ação.

Como tal, é de concluir que não se verifica a situação fáctica enunciada na sentença recorrida para basear a condenação por litigância de má-fé ali decidida.

Assim, há que, nessa parte, julgar procedente o recurso e, revogando-se quanto a ela a sentença recorrida, absolver a autora da condenação como litigante de má-fé.

As custas do recurso ficam a cargo da recorrente, que nele decaiu (art. 527º nºs 1 e 2 do CPC), sendo de precisar que a absolvição da condenação em litigância de má-fé decidida quanto a si não se repercute em tais custas [pois a litigância de má-fé não releva para a determinação do valor da causa – neste sentido, Acórdão do STJ de 22/11/2006 (proc. nº06S1542, disponível em www.dgsi.pt), referido por Lebre de Freitas e Isabel Alexandre no seu “Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, volume 2º, 4ª edição, pág. 46].


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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):

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III – Decisão

Pelo exposto, acorda-se nos seguintes termos:

- julga-se improcedente o recurso quanto à ação e, embora com fundamentação diferente da constante da sentença recorrida, confirma-se a improcedência da mesma e consequente absolvição do réu e da interveniente do pedido naquela decidida;

- julga-se procedente o recurso quanto à litigância de má-fé da autora e, revogando-se nessa parte a sentença recorrida, absolve-se a autora da condenação a tal título.

Custas pela recorrente.


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Porto, 10/3/2025
Mendes Coelho
Miguel Baldaia de Morais
Eugénia Cunha
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[1] Veja-se a Revista de Legislação e Jurisprudência Ano 84º, nº 2958, páginas 138 e 139.
[2] Neste sentido, Acórdão da Relação de Coimbra de 10/2/2021, proc. nº1095/19.9T8VIS.C1, em cujo texto se refere que “quando o autor é único herdeiro legitimário e não há dívidas a liquidar – caso em que não há lugar à partilha, mas, tão só e unicamente, à avaliação do património para efeito de determinar da eventual inoficiosidade da doação – poderá, eventualmente, ser adequado o recurso a uma ação autónoma”; vide igualmente o Acórdão da Relação de Guimarães de 14/1/2016, proc. nº 31/14.3T8VPC.G1, no qual se refere que “A acção declarativa comum, e não o processo de inventário, é o meio processual adequado para o autor, único herdeiro legitimário do de cujus, pedir a redução/revogação de liberalidades por inoficiosidade”; vide também o Acórdão da Relação de Évora de 23/11/2023, proc. nº1355/23.4T8FAR.E1, exatamente no mesmo sentido do anterior.