QUOTAS DE AMORTIZAÇÃO DE CAPITAL E JUROS
VENCIMENTO ANTECIPADO
PRESCRIÇÃO
Sumário

I - O que o Supremo Tribunal de Justiça afirmou, uniformizou e vem reafirmando é que o vencimento antecipado da obrigação, ou seja, das prestações (quotas de amortização do capital pagáveis com os juros) em dívida não altera o prazo prescricional de cinco anos, já antes aplicável a cada uma dessas prestações, unitariamente consideradas.
II – Tal interpretação, tendo em conta as razões que fundam a consagração das prescrições de curto prazo, não se mostra desconforme ao disposto no artigo 9.º do Código Civil.

Texto Integral

Processo n.º 6559/24.0T8PRT-A.P1

Relator – José Eusébio Almeida

Adjuntas – Teresa Sena Fonseca e Ana Olívia Loureiro

Acordam na 3.ª secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório

A executada AA veio, por apenso à execução para pagamento de quantia certa com o n.º 6559/24.0T8PRT, em que é exequente A..., SA, deduzir embargos de executado, alegando, em síntese e além do mais, a prescrição do crédito decorrente do contrato subjacente à emissão da livrança exequenda, por terem decorrido mais de 5 anos desde o incumprimento/vencimento da obrigação.

A exequente contestou os embargos. Referiu que “as partes convencionaram que em caso de incumprimento do contrato por parte dos mutuários de quaisquer obrigações que para si decorresse do mesmo, o Banco 1... poderia proceder à resolução do contrato e apresentar a livrança a pagamento para acionamento judicial dos créditos. O que veio a suceder. De facto, os mutuários deixaram de liquidar as prestações devidas em 02/04/2012”. Acrescenta que “nos termos do disposto na Cláusula 14.ª das Condições Gerais do Contrato de Crédito ao Consumo BES, tendo sido consideradas vencidas todas as prestações devido ao incumprimento registado, ficou sem efeito o plano de pagamento acordado”. E defende que a invocada prescrição não se verifica, uma vez que, com o vencimento antecipado da obrigação, a partir daí deixou de se aplicar o prazo de prescrição de 5 anos previsto para a amortização de quotas de capital com juros, passando a aplicar-se o prazo de 20 anos, isto para além de ter sobrevindo título executivo, mais concretamente a livrança, passando, também por isso, a aplicar-se o prazo ordinário de prescrição.

O tribunal recorrido fixou o valor da causa [30.153,27€] e entendeu que, “em face dos factos alegados e comprovados nos autos, o estado do processo permite, sem necessidade de mais provas, a apreciação total dos presentes embargos, pelo menos relativamente à prescrição invocada (...)”. E, em conformidade, fixou os factos pertinentes à aplicação do Direito e, aplicando-o, decidiu: “(...) julgo, por via do conhecimento da arguida prescrição, procedentes os presentes embargos de executado e, em conformidade, absolvo do pedido executivo a executada/embargante AA, com a inerente extinção da execução contra a mesma”.

II – Do Recurso

Inconformada, a exequente veio apelar. Pretende a revogação da sentença e o prosseguimento da execução e, para tanto, apresentou as seguintes Conclusões:

A - Vem a recorrente interpor recurso da sentença que julgou os embargos, por via do conhecimento da arguida prescrição, procedentes, por não se conformar com a mesma.

B - A matéria de facto dada como provada, e relevante para a boa decisão da causa é a seguinte: - A execução foi deduzida em 15.03.2024; - A exequente apresentou como título executivo a livrança cujo original juntou com o requerimento [de] 09.05.2024, com o teor que se dá por reproduzido, contendo a referência a “contrato n.º ...” e tendo inscrito o valor de 30.153,27€, emitida com data de 2011-08-29, com vencimento em 2024-02-26, contendo, no local do subscritor, a assinatura da executada embargante e de outro; - A livrança havia sido entregue em branco, pelo menos quanto à data de vencimento e valor, como garantia de financiamento concedido aos subscritores da livrança, mediante contrato subordinado às cláusulas constantes do documento 1 dos embargos, com data de 26.08.2011.

C - No que respeita à prescrição da obrigação causal, veio o tribunal concluir pela “prescrição do crédito exequendo”.

D - Considera que “o prazo de prescrição do crédito exequendo decorrente desse contrato de mútuo é de 5 anos, nos termos do artigo 310, als. d) e e), do CC, pois cada prestação do mútuo corresponde a quota de amortização de capital pagável com juros”.

E - Salvo o devido respeito, não cremos que seja de aplicar o prazo de cinco anos ao crédito exequendo e, como alegado, genericamente, aos créditos bancários, sem mais.

F - Com efeito, não ignorando o mais recente entendimento jurisprudencial, diga-se AUJ n.º 6/2022, permitimo-nos discordar do entendimento aí perfilhado, designadamente, o que postula a aplicação do prazo prescricional de cinco anos, à totalidade dos créditos vencidos antecipadamente, contados desde a data em que ocorreu o vencimento antecipado, com aparente acolhimento na alínea e) do artigo 310 do CC.

G - Ora, fazendo uma interpretação daquele normativo, importa relembrar o texto da norma, sendo o elemento literal, simultaneamente, ponto de partida e limite do entendimento que àquela será dado, de acordo com o disposto no artigo 9.º do CC.

H - Diz-nos o artigo 310, e): “Prescrevem no prazo de cinco anos: As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”;

I - Importa, assim numa primeira analise, definir o que são quotas de amortização de capital pagáveis com os juros.

J - Muito sucintamente, refere-se a norma às situações de obrigações fracionadas, ou as comuns prestações, em que o devedor se vincula ao cumprimento duma obrigação, amortizando-a de modo repartido, ou fracionado, englobando tal amortização capital e juros, de modo a formar uma “prestação unitária e global” – as quotas.

K - O que importa para integrar tal conceito é, pois, que o cumprimento da obrigação principal se faça desse modo fracionado e que não haja distinção quanto a prestações de juros e de capital, sendo estes amortizados simultaneamente, de forma unitária.

L - Além da letra da Lei, que nos parece ser relativamente clara, atente-se ao acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 19.12.2017, no âmbito do processo 561/16.2T8VIS-A.C1, e citando este mesmo acórdão “Resultando as quotas de amortização do capital da estipulação, entre as partes, de um plano de reembolso gradual e periódico de capital, que visa facilitar e agilizar o pagamento através do fracionamento da dívida em parcelas do capital - e em que cada prestação é composta por uma parcela de capital e outra de juros -, faz sentido a existência de um prazo prescricional de curta duração aplicável a cada prestação que se vença, considerada individualmente, como “obrigação autónoma” (Ana Filipa Morais Antunes – “Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade”, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, III Vol., pp. 44 e seguintes)” in http://www.dgsi.pt.jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b 22802576c0005637dc/dc7185ee23e065d88025822100555c71.

M - Assim, cumpre afirmar que o prazo prescricional de cinco anos deverá ser aplicado quando estejam em causa prestações vencidas, de capital e juros, sendo cada uma delas individualmente considerada para este efeito.

N - Como tal, cada uma das prestações vencidas na vigência do contrato, conta com um prazo prescricional de curto prazo, que será diverso em relação a cada uma das que se vençam, dependendo da data do vencimento.

O - Diferente será quando está em causa a resolução do contrato por incumprimento, nos termos no artigo 781 do C.C. – o vencimento antecipado da totalidade dos montantes em dívida.

P - Nestes casos o vencimento ocorre em bloco, relativamente aos montantes ainda em dívida, inclusive aqueles que, do ponto de vista do esquema contratual, ainda não se hajam vencido.

Q - Ora ocorrendo incumprimento definitivo, imputável ao devedor, resolvido o contrato e vencida antecipadamente a totalidade da dívida, não se entende ser de aplicar o artigo 310, e) do C.C.

R - Desde logo porque deixa de fazer qualquer sentido falar em quotas e muito menos em quotas de amortização de capital pagável com juros.

S - As quotas referidas no artigo 310, e) do C.C. apenas resultam do esquema contratual fixado pelas partes.

T - Sendo resolvido, deixa, em primeiro lugar, de haver contrato e, por conseguinte, quotas.

U - Desta feita, o esquema periódico de restituição dos valores mutuados é de natureza diversa do que vem a ser exigido posteriormente em sede de resolução do contrato, apesar da fonte comum, isto é, o contrato.

V - O fundamento do primeiro é a autonomia privada, no âmbito da qual as partes conformam o esquema contratual que melhor lhes aprouver e tudo se passa ao abrigo do contratualmente estipulado.

W - O segundo, o incumprimento definitivo e a resolução do contrato.

X - E o que é exigido nesse segundo momento é a totalidade do montante em dívida e não quotas, por força do incumprimento, quotas que já nem sequer terão aplicação.

Y - Relembremos o disposto no artigo 9.º, n.º 2 do C.C. que prescreve que a interpretação deve ter um mínimo de correspondência na letra da Lei.

Z - E, salvo o devido respeito, a alusão do elemento literal a quotas veda qualquer possibilidade de interpretação no sentido de aplicar aos montantes resultantes do vencimento antecipado correspondentes à totalidade da obrigação em causa, porque, repita-se, já não há lugar a quotas.

AA - E mais: ainda que se pudesse artificialmente falar em quotas, o que por mera hipótese académica se admite, também o montante vencido nunca corresponderia a quotas de amortização de capital, pagável com juros.

BB - Desde logo, porque os montantes assim vencidos já não estão ao abrigo do esquema contratual e, como tal, também uma eventual regularização, ou pagamentos, não serão forçosamente efetuados do mesmo modo, ou seja, em pagamentos unitários de capital e juros.

CC - Atenda-se ao disposto no artigo 785 do CC., ao presumir que a imputação de qualquer montante se faça primeiramente, a despesas, posteriormente, a indemnização, depois a juros e apenas após deverá ser efetuada imputação ao capital.

DD - Daqui resulta que os pagamentos, a não ser outra a vontade de ambas as partes, não terão carácter unitário.

EE - Também os juros vencer-se-ão de forma diversa. Já não sobre o montante de cada quota cujo pagamento se encontre em falta, mas sim sobre a totalidade do capital que resulte em dívida, por conta do vencimento antecipado.

FF - O que se justifica por, naturalmente, já não fazer sen?do nesta fase falar em quotas, ou prestações.

GG - Como tal, se tudo o resto que pressupõe o cumprimento fracionado, através das tais quotas, é insuscetível de aplicação no cenário previsto no artigo 781 do C.C., então também não vemos como, nesse mesmo cenário, seja possível aplicar, por uma questão de coerência sistemática, o prazo de prescrição de cinco anos, previsto no artigo 310, e) do C.C. que pressupõe a existência dessas mesmas quotas.

HH - Desta feita, depõem os elementos literal e sistemático contra a posição defendida pelo tribunal.

II - Tenha-se ainda em consideração a ratio legis do artigo 310, e) do CC.

JJ - Veja-se o descrito por VAZ SERRA (Vaz Serra – Prescrição extintiva e caducidade, BMJ, n.º 106, p. 119), segundo o qual “o fundamento do prazo prescricional de curto prazo, quanto ao tema em causa, se prende com a necessidade de evitar a acumulação desmesurada de montantes em dívida, conduzindo à ruína financeira do Devedor, viesse o pagamento a “ser-lhe exigido de um golpe, ao cabo de um número demasiado de anos”. Esta é a ratio do preceito.

KK - De facto, o incumprimento, conjugado com a inércia do credor, que poderia até ser propositada, permitiria, assim, a acumulação de valores em dívida, durante anos a fio e, potencialmente, de forma tão gravosa para o devedor, que pudesse conduzir ao seu colapso económico, situação que se pretendeu salvaguardar com a solução legislativa adotada.

LL - Com efeito, antevendo e prevenindo, até, a eventual má-fé de credores, que viessem reclamar montantes em dívida patentemente inflacionados consagrou-se, para o que ao caso interessa, que as prestações vencidas beneficiavam de um prazo mais curto de prescrição, evitando a potencial ruína do devedor.

MM - Ora, e a diferença entre face ao vencimento antecipado da totalidade dos montantes em dívida reside exatamente na medida em que, ocorrendo o vencimento antecipado da totalidade da dívida esta é determinada automaticamente por referência àquela data, vencendo-se os juros, também, a partir daquela data.

NN - Contrariamente, se permanecessem as quotas sujeitas ao prazo de prescrição ordinário, teríamos contratos cuja execução se estende no tempo a acumular prestações em dívida

OO - Além de que a inércia do credor seria porventura suscetível, atento o tempo decorrido, de ter criado pelo menos alguma confiança na esfera do Devedor de que tais montantes não viriam a ser exigidos.

PP - No limite, é a materialização normativa da tentativa de evitar, ainda que indiretamente, uma modalidade específica de abuso do direito por parte dos credores, num caso particular, como o das quotas – a suppressio.

QQ - Diferentemente, com o vencimento antecipado inexiste já qualquer fundamento de criação de expectativas de que o direito venha a ser exercido. A resolução por incumprimento e o vencimento antecipado da totalidade dos montantes em dívida são, justamente, sinais contrários a qualquer expectativa de que não venham tais direitos a ser exercidos.

RR - Além do mais, o vencimento imediato e em bloco, como se disse, tem a virtualidade de acertar o que está efetivamente em dívida, de modo global e desde que data, com os correspondentes juros a serem contados desde então, à respetiva taxa, sobre o capital em dívida.

SS - Posto isto não podemos concordar com o entendimento perfilhado pelo AUJ proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 30 de junho de 2022,

TT - Ademais, veja-se que segundo o Relator tal entendimento alinha-se com o objetivo de evitar a acumulação desmedida de montantes em dívida, no entanto já existe uma norma apta a proteger os Devedores no que aos juros diz respeito – neste caso, o artigo 310, d) do C.C.

UU - Efetivamente, a acumulação de montantes de que fala o acórdão, com o vencimento antecipado, apenas se obtém através dos juros de mora e, quanto a estes, já rege norma diversa, que nesta interpretação ficaria esvaziada de conteúdo útil.

VV - Interpretação essa que implicaria a desconsideração do disposto no artigo 9.º, n.º 3 do C.C. (neste ponto em particular, ou, de todo o artigo 9.º do CC se tomarmos a globalidade das considerações apontadas supra).

WW - Ora o capital nada mais é do que a quantia que foi entregue ao devedor, pelo credor e que por si só, não representa um acréscimo ilegítimo dos montantes em dívida, estando, por isso, fora da ratio do artigo 310, e) do CC, pelo contrário, reflete a quantia efetivamente mutuada e que o credor tem direito, legítimo, a reaver.

XX - Assim, concluindo, temos por aplicável quanto aos juros, qualquer que seja a sua natureza, sem dúvida, o prazo prescricional de cinco anos, todavia, ao abrigo do artigo 310, d) do C.C.

YY - O artigo 310, e) do CC está, assim, reservado aos casos em que a dívida é composta por prestações incumpridas.

ZZ - Mesmo após a resolução e vencimento antecipado da totalidade dos montantes em dívida estas, porque se venceram anteriormente, continuam a beneficiar do mecanismo previsto no artigo 310, e) do CC.

AAA - Logicamente, as posteriores que ainda não se encontravam vencidas àquela data e só o foram em razão do incumprimento do contrato e consequente resolução e vencimento antecipado terão tratamento diverso e sujeitas, em nosso entendimento, ao prazo prescricional ordinário.

BBB - Ademais, não se entende motivo pelo qual, as prestações de capital não pagáveis com juros, ou casos em que não há lugar a juros se encontram sujeitas ao prazo de prescrição ordinário de vinte anos, e o capital vencido antecipadamente e em bloco não beneficie deste mesmo prazo.

CCC - A nosso ver, a interpretação tomada pelo tribunal é incorreta e parte duma petição de princípio, considerando que as quotas se mantêm num cenário de resolução do contrato/vencimento antecipado e que tudo (capital, juros e outras) é misturado numa massa uniforme e sujeito aos mesmos prazos. Com o devido respeito, a questão é mais complexa.

DDD - Assim, é forçoso concluir que mal andou o tribunal ao julgar que se mostram prescritas todas as prestações de capital e juros vencidas, todavia, e com o devido respeito, não pode a ora recorrente concordar com esse entendimento.

EEE - Sem prescindir, caso o entendimento seja outro, o que só por mera hipótese se admite, por razões de salvaguarda do patrocínio sempre se dirá quanto ao caso especial da prescrição dos juros o seguinte: No que à prescrição dos juros diz respeito, novamente, pugna, o Tribunal a quo, pela prescrição da totalidade dos montantes em dívida, baseando-se este na aplicação do artigo 310, e) do C.C. – prazo de cinco anos.

Ora desde já se diga que,

FFF - Nas palavras do acórdão: “para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no artigo 781 do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros”. Resulta, assim, inalterada a natureza de quotas de capital pagáveis com os juros.

GGG - E é neste ponto que importa fazer a distinção, pois que nem todos os juros são os mesmos.

HHH - Com efeito, uma das principais divisões na categorização dos juros é aquela entre os juros moratórios e remuneratórios.

III - Ora, os remuneratórios, como o nome indica, destinam-se a remunerar o Mutuante pela disponibilização do capital ao Mutuário, tendo em consideração o montante, o período de reembolso, entre outros critérios. Diz respeito, nos Contratos de Mútuo, à Taxa Anual Efetiva, que são devidos por mero efeito da celebração do Contrato.

JJJ - Já os juros moratórios, destinam-se, a sancionar o incumprimento pelo Mutuário e a compensar o Mutuante pela mora no ressarcimento do que lhe é devido, com os constrangimentos que tal, inevitavelmente, causa e são devidos pelo eventual incumprimento.

KKK - Portanto, duvidas não existem de que os juros remuneratórios e os juros moratórios, são de natureza diversa.

LLL - Ora, nos termos do artigo 310, e) do C.C.: “prescrevem no prazo de cinco anos (...) as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”.

MMM - E o entendimento do AUJ é tomado com base no facto de que o vencimento antecipado não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas.

NNN - Só que, nos casos (como o dos autos) em que o cumprimento parcelado se traduz no pagamento de prestações que incluem reembolso de capital e juros, esses juros são os remuneratórios (os que se incluem na prestação).

OOO - Ora, os juros moratórios não cabem nas chamadas “quotas” pois, não são pagos em prestações conjuntamente com o capital e os demais juros – são independentes, não fazendo parte do esquema de reembolso acertado pelas partes, contratualmente,

PPP - Assim, se o vencimento antecipado não altera a natureza das quotas de capital e juros, também não é suscetível de alterar a natureza dos juros de mora que ali não se incluem. Especialmente após o vencimento antecipado e a resolução.

QQQ - Tanto mais que têm previsão própria – o artigo 310, d) do C.C., sendo certo que a estes também é aplicado o prazo de cinco anos.

RRR - Tendo previsão própria, o fundamento da aplicação da prescrição de curto prazo a umas rúbricas e a outras deve ter em atenção tal dicotomia, sob pena de esvaziamento do conteúdo da norma constante do artigo 310, d) do C.C. na parte respeitante aos juros, ao amalgamar todo e qualquer caso de prescrição no âmbito de um Contrato de Mútuo em que o reembolso é feito em prestações, sob a égide do artigo 310, e) do C.C.

SSS - Assim, salvo melhor opinião, e sem prescindir, sempre se diga que não se encontram prescritos todos os montantes em dívida, sendo que pelo menos se mantêm os juros de mora com menos de cinco anos.

TTT - Porque, o que é certo é que os montantes continuam em dívida.

UUU - E a tal não obsta o facto do capital e os demais juros se encontrarem (hipoteticamente) prescritos.

VVV - Com efeito, assim dispõe o artigo 561 do C.C., ao estabelecer a autonomia do crédito de juros.

WWW - Assim, não obstante se tratar duma prestação acessória, a mesma goza de ampla autonomia face à obrigação principal, podendo, segundo o normativo invocado no artigo antecedente, subsistir independentemente da obrigação principal. Transcrevendo: “desde que se constitui, o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro”.

XXX - Assim, e sem prescindir, é forçoso concluir, que mal andou o tribunal ao julgar que se encontram prescritos os juros moratórios.

A embargante respondeu ao recurso e defendeu a sua improcedência.

O recurso foi recebido nos termos legais e os autos correram Vistos. Nada observamos que obste à apreciação do seu objeto, o qual, atentas as conclusões da apelante, consiste em saber se, como decidiu o tribunal apelado, a execução foi corretamente declarada extinta, atenta a procedência dos embargos, por ocorrer a prescrição da obrigação exequenda.

III – Fundamentação

III.I – Fundamentação de facto

O tribunal recorrido considerou a seguintes factualidade:

1 - A execução foi deduzida em 15.03.2024.

2 - A exequente apresentou como título executivo a livrança cujo original juntou com o requerimento 09.05.2024, com o teor que aqui se dá por reproduzido, contendo a referência a “contrato n.º ...” e tendo inscrito o valor de 30.153,27€, emitida com data de 2011-08-29, com vencimento em 2024-02-26, contendo, no local do subscritor, a assinatura da executada embargante e de outro.

3 - A livrança havia sido entregue em branco, pelo menos quanto à data de vencimento e valor, como garantia de financiamento concedido aos subscritores da livrança, mediante contrato subordinado às cláusulas constantes do documento 1 dos embargos, com data de 26.08.2011, que aqui se dá por reproduzido (de onde decorre que a última prestação devida pelos mutuários é de 02.09.2018).

A propósito da matéria de facto que antecede, importa esclarecer o seguinte: estando em causa, na ação e no recurso, a prescrição da obrigação (subjacente) exequenda também na perspetiva do vencimento antecipado da dívida (artigo 781 do Código Civil – CC) carece de fixação factual esse vencimento.

Considerando o que a própria apelante sustenta na contestação dos embargos – e, aliás, equaciona como objeto do recurso – nos termos do artigo 662 do Código de Processo civil (CPC), acrescenta-se àquela factualidade:

4 - As partes convencionaram que em caso de incumprimento do contrato por parte dos mutuários de quaisquer obrigações que para si decorresse do mesmo, o mutuante poderia proceder à resolução do contrato e apresentar a livrança a pagamento para acionamento judicial dos créditos, o que veio a suceder. De facto, os mutuários deixaram de liquidar as prestações devidas em 02/04/2012 e nos termos do disposto na Cláusula 14.ª das Condições Gerais do Contrato, tendo sido consideradas vencidas todas as prestações devido ao incumprimento registado, ficou sem efeito o plano de pagamento acordado”.

III.II - Fundamentação de Direito

Com o esclarecimento resultante do ponto 4 da matéria de facto, dúvidas não restam que o que se equaciona, nesta sede – como, aliás, a embargada bem identifica no seu recurso e respetivas conclusões – é saber se, perante o vencimento antecipado das (de todas as) prestações em dívida, o prazo prescricional a considerar é o prazo quinquenal previsto no artigo 310, alínea e) do CC, ou o prazo ordinário, de vinte anos, previsto no artigo 309 do mesmo diploma.

A sentença recorrida considerou, primeiramente, o vencimento de todos as prestações, atendendo à data do vencimento da última e, em reforço do seu entendimento, o vencimento antecipado. Vejamos, com síntese: “(...) o prazo de prescrição do crédito exequendo é de 5 anos, nos termos do art. 310.º als. d) e e), do CC, pois cada prestação do mútuo corresponde a quota de amortização de capital pagável com juros (...) De facto, no caso, não se aplica o prazo ordinário de 20 anos, mas sim o prazo reduzido previsto no art. 310.º do CC. (...) Além disso, contrariando alguma da jurisprudência anterior, foi já proferido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência sobre a matéria (...) Assim sendo, seguindo a argumentação jurídica acima exposta, uma vez que decorreram mais de cinco anos entre a data de vencimento de todas as prestações do mútuo, cuja última prestação se venceria em 02.09.2018, e a causa interruptiva da prescrição associada à interposição da execução (5.º dia subsequente à execução, nos termos do art. 323.º, n.º 2, do CC, ou seja, em 20.03.2024), sem que conste a verificação de causas suspensivas (relevantes) ou interruptivas da prescrição no período de 5 anos que antecedeu a causa interruptiva referida, verifica-se a prescrição do crédito exequendo. Para este efeito, cumpre atentar que, quanto a causas suspensivas da prescrição ocorridas antes da interposição da execução, apenas se surpreenderia a que decorre do regime de exceção associado à pandemia da COVID-19, entre 09.03.2020 e 02.06.2020 - 86 dias -, e entre 22.01.2021 e 05.04.2021 - 74 dias -, por força da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03 e das suas sucessivas alterações, até à Lei n.º 13-B/2021, de 05.04, mas a verdade é que tal causa suspensiva é irrelevante para o caso dos autos, uma vez que o prazo de 5 anos de prescrição mostra-se decorrido mesmo considerando os períodos de suspensão[1]. Acresce que, no caso, seguindo a alegação da exequente quanto ao facto de ter ocorrido o vencimento antecipado do mútuo (ou seja, vencimento antes de 02.09.2018, data da última prestação), naturalmente que ainda se verificaria maior distância temporal face à data da interrupção da prescrição, e, como acima referido, o vencimento antecipado apenas teria a virtualidade de iniciar a contagem do prazo de 5 anos de prescrição mais cedo”.

Como decorre, a sentença mostra-se acertada quando conclui que a prescrição ocorre, mesmo atendendo ao termo inicial da sua contagem a 2.09.2018. Efetivamente, ainda que ponderando 160 dias (86 + 74) de suspensão, a prescrição ocorreria a 9.02.2024, e a execução foi interposta a 15.03.2024.

Ainda assim, e salvo melhor saber, deve equacionar-se a questão da prescrição atendendo ao vencimento antecipado, que a recorrente invoca e os factos demonstram, vencimento esse ocorrido em 2012. Efetivamente, se com o vencimento antecipado o prazo prescricional passasse a ser de vinte anos, a obrigação não se mostrava prescrita.

Como nos esclarece José Engrácia Antunes [A Moeda – Estudo Jurídico e Económico, Almedina, 2021, págs. 532/533], as quotas de amortização “consistem em prestações pecuniárias que são pagas pelo devedor de uma obrigação de capital com vista à restituição ou reembolso fracionado deste (...). As quotas de amortização, apesar de poderem comungar com os juros o seu caráter periódico (podendo até possuir prazos de vencimento idênticos), não constituem um rendimento de capital mas antes um reembolso (...). Tal não significa, todavia, que as duas figuras[2] não se possam cruzar na prática – bem pelo contrário. Exemplo lídimo dessa imbricação são as prestações pecuniárias periódicas que, no âmbito dos contratos bancários de empréstimo à habitação ou ao consumo, os clientes mutuários pagam ao banco mutuante: tais prestações periódicas – designadas na gíria como “mensalidades” ou “anuidades”, consoante a respetiva periodicidade – configuram obrigações unitárias de natureza híbrida ou mista, constituídas por uma componente de capital amortizado e uma componente de juros remuneratórios”.

No caso presente, o contrato subjacente à emissão do título cambiário traduzia-se, inequívoca e consensualmente, em (no pagamento de) “quotas de amortização do capital pagáveis com juros”, e o artigo 310, alínea e) do Código Civil (CC) estipula, exatamente, que essas quotas de amortização, pagáveis com os juros, “prescrevem no prazo de cinco anos”.

Tenha-se presente que tais quotas “não tinham consagração autónoma no Código Civil de Seabra, pese embora o facto de se lhes poder aplicar o prazo de prescrição de cinco anos, previsto no então artigo 543.º” [Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2014, pág. 127].

Sendo inequívoco que às referidas quotas de amortização é aplicável o prazo de prescrição quinquenal, previsto na citada alínea e) do artigo 310 do CC, a questão que verdadeiramente ainda se coloca é a de saber se assim deixa de ser, e se o prazo de prescrição passa a ser o prazo ordinário de vinte anos, nos casos de vencimento antecipado da (da totalidade da) dívida, tal como sustenta a apelante.

A questão não é nova e tem recebido, nos tempos mais recentes, uma resposta jurisprudencial uniforme, e em sentido divergente daquele que a recorrente sustenta.

Como refere Júlio Gomes, em comentário ao preceito em causa [Comentário ao Código Civil – Parte Geral, 2.ª edição revista e atualizada, UCP Editora, 2023, pág. 922] “De acordo com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 30 de junho de «no caso de quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º, alínea d) do CC, em relação ao vencimento de cada prestação» e «ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente no termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas». A solução consagrada neste Acórdão corresponde, de resto, àquela que já era dominante nos nossos Tribunais superiores. Cf., por exemplo Ac. STJ de 23 de janeiro de 2020, Processo 4517/17.8T8LOU-A.P1.S1”.

O acórdão uniformizador de jurisprudência (AUJ), antes citado é o AUJ n.º 6/2022, publicado na 1.ª Série do Diário da República n.º 184/2022, de 22.09.2022.

Antes desse a acórdão, já José Engrácia Antunes [A Moeda... cit., pág. 574] citando diversa jurisprudência concordante[3], referia que “o prazo de prescrição quinquenal é aplicável de forma escalonada às diversas prestações de acordo com o plano contratualizado e é aplicável mesmo no caso de vencimento antecipado de todas as prestações”. Em obra mais recente [Direito do Consumo, 2.ª Edição, Almedina, 2024, págs. 461/462], citando jurisprudência mais atualizada e, bem assim, o AUJ n.º 6/2022[4], o autor refere “que tais prestações se encontram sujeitas ao prazo de prescrição quinquenal do art. 310º, d) e e) do CCivil, incluindo no caso de prestações híbridas de capital e juros”.

Diverge a recorrente do entendimento que vimos de citar e, invocando o disposto no artigo 9.º do CC, sustenta que, perante o vencimento antecipado, a dívida de capital tem de passar a ter o prazo de prescrição ordinário, ou seja, de 20 anos.

No entanto, e antes de mais, deve ter-se em consideração que o recurso, pelo credor, ao disposto no artigo 781 do CC (ou, no crédito ao consumo, no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 133/2009) é uma sua opção, é uma “mera possibilidade, cabendo ao credor decidir se pretende ou não manter o contrato” [Jorge Morais Antunes, Manual de Direito do Consumo, 8.ª Edição, Almedina, 2022, pág. 579].

Ora, como se refere no AUJ n.º 6/2022, “Para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no artigo 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros”.

É certo que, com o vencimento imediato, passam a ser inexigíveis os juros remuneratórios incorporados nas prestações assim vencidas[5], mas o citado AUJ n.º 6/2022 pondera-o, para concluir que “a referida desoneração do pagamento dos juros não descaracteriza, em qualquer caso, a "acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor" que a doutrina pretendeu evitar, ou, de outro ângulo, o incentivo à rápida cobrança dos montantes em dívida, por parte do credor”.

O que o Supremo afirmou, uniformizou e vem reafirmando é que o vencimento antecipado da obrigação, ou seja, das prestações em dívida não altera o prazo prescricional de cinco anos, já antes aplicável a cada uma das prestações, unitariamente consideradas. E não vemos como tal interpretação, tendo em conta as razões que fundam a consagração das prescrições de curto prazo, possa ser desconforme ao disposto no artigo 9.º do CC, nem que interesse legítimo do credor possa haver para – por mero reflexo dogmático da hipotética transformação da natureza da obrigação original – alterar o prazo prescricional, em razão de um vencimento antecipado, pelo qual ele mesmo optou.

Por tudo, entendemos que, mesmo perante o vencimento antecipado de todas as quotas de amortização pagáveis com os juros, o prazo prescricional é, continua a ser, o previsto no artigo 310, alínea e) do CC, ou seja, o prazo de cinco anos.

Assim, o recurso revela-se improcedente.

As custas são devidas pela apelante, atento o seu decaimento (artigo 527 do CPC).

IV – Dispositivo

Pelo exposto, acorda-se na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o presente recurso de apelação e, em conformidade, confirma-se a decisão proferida em primeira instância.

Custas pela apelante.


Porto, 10.03.2025
José Eusébio Almeida
Teresa Fonseca
Ana Olívia Loureiro
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[1] Sublinhados nossos.
[2] As quotas de amortização e os juros.
[3] Nota 1301 (pág. 574): “A generalidade da jurisprudência portuguesa tem considerado que o vencimento antecipado da totalidade das prestações de capital e juros, decorrente do incumprimento por parte do devedor de uma prestação nos termos do art. 781º do CCivil não altera a aplicação deste regime prescricional especial, nem permite, consequentemente, que a dívida de capital passe a ficar sujeita ao prazo prescricional ordinário. (...)”.
[4] Nota 1115 (pág. 462).
[5] «No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redação conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados» - AUJ n.º 7/2009 de 5 de maio.