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INVENTÁRIO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
REMESSA PARA OS MEIOS COMUNS
Sumário
I - Relativamente ao processo especial de inventário, existe norma específica (o artigo 1092.º do CPCivil) que resolve os casos em que o juiz deve determinar a suspensão da instância em razão de se suscitarem questões prejudiciais. II - Assim, caso se suscitem questões prejudiciais de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição dos direitos dos interessados diretos na partilha o juiz determina a suspensão do processo. III - Já fora dos casos previstos no artigo 1092.º o juiz apenas goza da faculdade de determinar a suspensão da instância a requerimento de qualquer interessado ou oficiosamente, se entender que a questão a decidir afecta, de forma significativa, a utilidade prática da partilha (cfr. artigo 1093.º, nº 2 do CPCivil). IV - A utilidade prática da partilha a que se refere o citado nº 2 do artigo 1093.º apenas se verificará quando, em ação pendente, ou naquela que os interessados venham a propor na sequência da decisão da sua remessa para os meios comuns, estejam em causa um tal número significativo de verbas que, a parte sobrante e constante da relação de bens, seja tão residual que, para os interessados, a sua partilha não tem qualquer relevo patrimonial ou outro, ou então que se trate de verba, ou verbas, com um valor tão elevado em relação aos restantes bens que compõem o acervo a partilhar, que citado relevo só advirá após a decisão definitiva na acção que corra termos nos meios comuns. V - Por assim ser, não é de suspender o processo de inventário quando os interessados foram remetidos para os meios comuns tendo em vista a verificação de uma dívida ativa da herança, já que não se lobriga que a predita questão afete, de forma assaz significativa, a utilidade prática da partilha. V - Nos casos de reclamação da relação de bens em que o tribunal tiver remetido as partes para os meios comuns, o inventário prossegue sempre os seus termos quanto aos demais bens, não sendo possível suspender a instância até à decisão da ação comum (cf. artigo 1105.º, nº 5 do CPCivil).
Texto Integral
Processo nº 4107/22.5T8GDM-A.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Local Cível do Porto-J9
Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Dr. Nuno Araújo
2º Adjunto Des. Dr. Miguel Baldaia
5ª Secção Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I-RELATÓRIO AA, residente Rua ..., ..., Maia veio requerer processo de inventário para partilha da herança aberta por óbito de BB.
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Tendo o processo seguido os seus regulares termos, em 23/09/2024, veio o interessado CC e outros requerer a suspensão da instância, alegando em resumo que intentaram ação declarativa comum contra os co-herdeiros AA e DD, que já contestaram o pedido, sendo que, nessa ação, que corre termos com o n.º 9363/24.1T89PRT no juízo central cível do Porto, pedem o reconhecimento de uma dívida ativa da herança no valor de 829.729,60 €, sobre os co-herdeiros AA e DD e, cuja decisão, terá impacto direto na divisão da herança, alterando a distribuição dos quinhões entre os herdeiros.
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Devidamente notificado, o cabeça-de-casal opôs-se à pretensão assim formulada.
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Conclusos os autos foi proferido despacho que indeferiu o requerido.
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Não se conformando com o assim decidido veio o interessado CC e outros, interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos: 1ª)- Da análise do caso concreto resulta claramente que a não suspensão da instância afeta, de forma assaz significativa, a utilidade prática da partilha; 2ª)- A ação pendente discute e aprecia questões relevantes que afetam diretamente os direitos dos interessados na partilha; 3ª)- Do prosseguimento do presente processo de inventário irá resultar o pagamento pelos ora recorrentes de montante que não teriam de efetuar caso se obtenha vencimento na ação declarativa; 4ª- Ao não suspender a instância o tribunal “a quo” violou o estabelecido no artigo 1092.º do CPC.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPCivil.
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Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir: a)- saber se o tribunal recorrido devia, ou não, ter ordenado a suspensão dos presentes autos atédecisão, nos meios comuns, da existência ou não de um uma dívida ativa da herança sobre os co-herdeiros AA e DD.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A materialidade factual com relevo para o conhecimento do objeto do presente recurso é a que decorre das ocorrências e dinâmica processual expostas no relatório que antecede.
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III. O DIREITO
Como supra se referiu é apenas uma a questão que importa apreciar: a)- saber se o tribunal recorrido devia, ou não, ter ordenado a suspensão dos presentes autos atédecisão, nos meios comuns, da existência ou não de um uma dívida ativa da herança sobre os co-herdeiros AA e DD.
Como se evidencia da decisão recorrida o tribunal a quo indeferiu a suspensão da instância requerida pelos apelantes por, no caso, não existir qualquer relação de prejudicialidade entre os presentes autos e aquela referida ação declarativa comum.
E contra este entendimento que se insurgem os apelantes alegando que a não suspensão da instância afeta, de forma assaz significativa, a utilidade prática da partilha, pois que a ação pendente discute e aprecia questões relevantes que afetam diretamente os direitos dos interessados na partilha. Quid iuris?
A propósito das questões prejudiciais surgidas na pendência do inventário, de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição dos direitos dos interessados directos na partilha que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, não devam ser, incidentalmente, decididas, dispõe o artigo 1092.º, nº 1 do CPCivil sob a epígrafe “Suspensão da instância” que:
1 - Sem prejuízo do disposto nas regras gerais sobre suspensão da instância, o juiz deve determinar a suspensão da instância:
a) Se estiver pendente uma causa em que se aprecie uma questão com relevância para a admissibilidade do processo ou a definição de direitos de interessados diretos na partilha;
b) Se, na pendência do inventário, forem suscitadas questões prejudiciais de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição de direitos de interessados diretos na partilha que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, não devam ser incidentalmente decididas;
c) Se houver um interessado nascituro, a partir do conhecimento do facto nos autos e até ao nascimento do interessado, exceto quanto aos atos que não colidam com os interesses do nascituro.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, o juiz remete as partes para os meios comuns, logo que se mostrem relacionados os bens.
3 - O tribunal pode, a requerimento de qualquer interessado direto, autorizar o prosseguimento do inventário com vista à partilha, sujeita a posterior alteração em conformidade com o que vier a ser decidido: a) Quando os inconvenientes no diferimento da partilha superem os que derivam da sua realização como provisória; b) Quando se afigure reduzida a viabilidade da causa prejudicial; c) Quando ocorra demora anormal na propositura ou julgamento da causa prejudicial.
4 - À partilha, realizada nos termos do número anterior, são aplicáveis as regras previstas no artigo 1124.º relativamente à entrega aos interessados dos bens que lhes couberem.
Por sua vez o artigo 1093.º sob a epígrafe “Outras questões prejudiciais” estatui que:
1 - Se a questão não respeitar à admissibilidade do processo ou à definição de direitos de interessados diretos na partilha, mas a complexidade da matéria de facto subjacente à questão tornar inconveniente a apreciação da mesma, por implicar redução das garantias das partes, o juiz pode abster-se de a decidir e remeter os interessados para os meios comuns.
2 - A suspensão da instância no caso previsto no número anterior só ocorre se, a requerimento de qualquer interessado ou oficiosamente, o juiz entender que a questão a decidir afeta, de forma significativa, a utilidade prática da partilha.
Daqui decorre, respeitando-se entendimento diverso, que o incidente da verificação do passivo/ativo da herança tem, em princípio, uma natureza procedimental diversa da arguição das questões prejudiciais de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição dos direitos dos interessados diretos na partilha, muito embora, também estas sejam questões incidentais, mas que não devem ser decididas, no âmbito do próprio processo de inventário, como bem resulta da concatenação das normas dos artigos 1092.º e 1093.º, do CPCivil.
Com efeito, não obstante as questões prejudiciais, a que se reporta o artigo 1092.º tenham, igualmente, a natureza de questões incidentais, contendem com questões diversas daquelas a que se refere o incidente da verificação do passivo/ativo, sendo certo que, nesta última hipótese, podem ser decididas no próprio inventário, enquanto que naquela não devem, em princípio, ser, incidentalmente, decididas.
De facto, entre as questões de que depende a admissibilidade do processo ou a definição dos direitos dos interessados diretos na partilha destacam-se, por exemplo, a aquisição, pelo de cujus, por usucapião, do direito de certo imóvel, que se relaciona como pertencente à herança, a pendência da ação de investigação de paternidade ou maternidade, cuja procedência pode a vir a afastar a admissão, no inventário, de todos os herdeiros chamados à sucessão, ou a pendência da ação anulatória no testamento, em que são admitidos herdeiros testamentários ou outra que possa ter como consequência a modificação da partilha, o que não acontece, manifestamente, no caso da titularidade dos bens.[1]
Portanto, o artigo 1092.º, do CPCivil, a respeito destas exemplificadas questões prejudiciais, prevê a faculdade de “o juiz determinar a suspensão da instância”, ao contrário do que acontece com a situação do incidente da verificação do passivo/ativo, em que o artigo 1093.º do CPCivil (aplicável por remissão expressa do artigo 1105.º, nº 3 do mesmo diploma), apenas contempla essa possibilidade quando o juiz entender que a questão a decidir afeta, de forma significativa, a utilidade prática da partilha (cfr. nº 2 do mesmo normativo).
Como refere Carlos Lopes do Rego[2], “Neste preceito (entenda-se 1335.º), apenas se regula o regime de questões ou causas prejudiciais “essenciais”, de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição dos direitos dos interessados diretos na partilha, dispondo o artigo 1350.º sobre decisão das questões que apenas condicionam a exata definição do acervo de bens a partilhar no inventário” (negrito e sublinhados nossos), acrescentando depois o mesmo autor[3] na anotação ao artigo 1350.º que: “Ao contrário do que ocorre com as questões essenciais a que alude o artigo 1335.º, a insuficiência de elementos para dirimir incidentalmente as reclamações deduzidas em sede de relacionamento dos bens nunca conduz à suspensão do processo, aplicando-se, no caso de remessa para os meios comuns, o disposto no n ° 2 deste artigo” (negrito e sublinhados nossos).
Isto dito, no caso em apreço, torna-se vidente que, o fundamento invocado pela recorrente para a solicitada suspensão da instância, não integra a factie species do citado artigo 1092.º, nº 1 al. a), pois que não diz respeito a qualquer questão de que depende a admissibilidade do processo ou a definição dos direitos dos interessados directos na partilha nos moldes suprarreferidos.
Com efeito, o que está em causa, após a decisão definitiva que venha a ocorrer no citado processo n.º 9363/24.1T89PRT, é saber se a herança detém sobres os co-herdeiros AA e DD um crédito no montante de € 829.729,60 (oitocentos e vinte e nove mil seiscentos e vinte e nove euros e sessenta cêntimos).
Como assim, tanto bastava para julgar improcedente o recurso por, no caso, não estar verificada a factie species da al. a) do nº 1 do artigo 1092.º do CPCivil, onde os apelantes se estribaram para o efeito.
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Mas será que a requerida suspensão tem apoio no nº 2 do supratranscrito artigo 1093.º do CPCivil?
A utilidade prática da partilha a que se refere o citado nº 2 do artigo 1093.º apenas se verificará, segundo o nosso entendimento, quando em ação pendente, ou naquela que os interessados venham a propor na sequência da decisão da sua remessa para os meios comuns, estejam em causa um tal número significativo de verbas, que a parte sobrante e constante da relação de bens seja tão residual que para os interessados a sua partilha não tem qualquer relevo patrimonial ou outro, ou então que se trate de verba, ou verbas, com um valor tão elevado em relação aos restantes bens que compõem o acervo a partilhar, que aquele relevo só advirá após a decisão definitiva na ação que corra termos nos meios comuns.
É verdade que o eventual crédito da herança (dívida ativa) poderá ascender a € 829.729,60 (oitocentos e vinte e nove mil seiscentos e vinte e nove euros e sessenta cêntimos).
Acontece que, o valor dos bens a partilhar e constante da relação de bens (cf. despacho de 09/12/2021) é composto por 6 verbas referentes a bens imóveis cujo valor patrimonial ascende a € 1.460.451,69 (um milhão quatrocentos e sessenta mil quatrocentos e cinquenta e um euros e sessenta e nove cêntimos), sendo certo que este valor (patrimonial) é sempre inferior ao valor real de mercado, razão pela qual não se pode afirmar que a não suspensão da instância afete a utilidade prática da partilha.
Como assim, a incerteza quanto ao desfecho da ação comum não é suficiente para impedir que se avance com a partilha dos bens, para além de que, se a referida ação obtiver provimento sempre se poderá recorre à partilha adicional (cf. artigo 1129.º, nº 1 do CPCivil), sendo certo que na primitiva partilha como na partilha adicional os direitos dos interessados são respeitados e levados em conta, designadamente através de operações de novo cálculo das reduções por inoficiosidade se for caso disso.
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Aliás, em retas contas, para a questão específica da reclamação contra a relação de bens, como foi ocaso[4] existe outra norma que consagra a solução a adotar.
Trata-se do artigo 1105.º, n.º 5, do CPCivil que dispõe assim: “Se estiver em causa reclamação deduzida contra a relação de bens ou pretensão deduzida por terceiro que se arrogue titular dos bens relacionados e se os interessados tiverem sido remetidos para os meios comuns, o processo prossegue os seus termos quanto aos demais bens”.
Esta norma estabelece, portanto, que nos casos em que algum interessado direto na partilha haja apresentado reclamação da relação de bens e, em virtude de a complexidade da matéria de facto subjacente à questão tornar inconveniente a apreciação da mesma, por implicar redução das garantias das partes, o tribunal tiver remetido as partes para os meios comuns, o inventário prossegue os seus termos quanto aos demais bens.
Por outras palavras, nessa situação a lei indica de modo expresso o que se deve fazer no inventário, não dando ao juiz a possibilidade de decidir suspender a instância até que as questões da reclamação sejam decididas nos meios comuns.
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Em suma, a decisão de recusar a suspensão do inventário não só está correta, como é a única permitida pela lei processual, razão pela qual a decisão recorrida só pode ser confirmada.
Improcedem, assim, todas as conclusões formuladas pela recorrente e, com elas, o respectivo recurso.
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IV-DECISÃO Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente por não provada e, consequentemente, confirmar o despacho recorrido.
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Custas da apelação pela recorrente (cf. artigo 527.º, nº 1 do CPCivil)
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Porto, 10 de março de 2025.
Manuel Domingos Fernandes
Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo
Miguel Baldaia de Morais
__________________ [1] Cf. neste sentido Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, IV, 2ª edição, revista e actualizada, 2005, 297; João António Lopes Cardoso e Augusto Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, I, 5ª edição, 2006, 604. [2] In “Comentário ao Código de Processo Civil”, Vol. II, Almedina, anotação ao artigo 1335.º. [3] Obra citada na nota anterior. [4] No âmbito do processo as interessadas DD e BB apresentaram, respetivamente em 02/09/2019 e 04/09/2019 reclamação contra a relação de onde, além do mais, pediam a relacionação do crédito em causa, tendo nessa sequência e por despacho do Exª senhor Notário de 09/12/2021 forma remetidas para os meios comuns.