REVISTA EXCECIONAL
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Sumário


I. A nota de culpa abrange os seus anexos que dela fazem parte integrante.
II. Não existe qualquer violação da norma segundo a qual a decisão de despedimento só pode fundar-se em factos constantes da nota de culpa, quando tal decisão assenta em factos constantes dos anexos da mesma.
III. O Tribunal da Relação é livre de densificar os factos provados, mormente explicitando o conteúdo de emails e ordens constante dos anexos da nota de culpa, em vez de proceder à mera remissão para tais anexos.

Texto Integral


Processo n.º 22452/23.0T8LSB.L1.S1

Acorda-se na Formação prevista no artigo 672.º n.º 3 do Código de Processo Civil junto da Seção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

AA, Autora da presente ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, prevista nos artigos 98.º-B e ss. do Código de Processo de Trabalho em que é Ré Almascience – Investigação e Desenvolvimento em Celulose para Aplicações Inteligentes e Sustentáveis, veio interpor recurso de revista do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 06.11.2024. A presente revista foi interposta ao abrigo do disposto no artigo 671.º n.º 1 do Código do Processo Civil (doravante designado por CPC) e subsidiariamente como revista excecional, invocando a alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC.

O Réu contra-alegou.

Por despacho de S.ª Ex.ª o Relator do presente recurso neste Supremo Tribunal de Justiça foi decidido que haveria que discutir da admissibilidade da revista excecional, antes de apreciado outro segmento do recurso que incidindo sobre a decisão tomada pelo Tribunal da Relação quanto ao recurso em matéria de facto seria um segmento sobre o qual não se poderia, em rigor, falar de “dupla conformidade”. Assim, e nas palavras do douto despacho, “o recurso ordinário de revista só será julgado após a formação do número 3 do artigo 672.º do NCPC tomar posição sobre o objeto da revista excecional”.

A questão colocada pela Recorrente e que pretende que este Tribunal deveria apreciar por ser claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito seria a seguinte:

“2. O Tribunal de primeira instância, tendo em consideração o teor da decisão disciplinar comunicada à autora, o teor dos articulados e o acordo das partes (acta de 16.04.2024), reproduziu nos factos provados 13 a 39 os factos que, de acordo com a decisão do procedimento disciplinar, justificaram o despedimento da autora.

3. Estes factos não podiam ser alterados nem pelas partes, designadamente, pelo empregador, nem pelo Tribunal a título oficioso. Alterar esses factos seria, no fim de contas, alterar as razões de facto do despedimento invocadas pela empregadora na sua decisão. Tal não é possível face ao disposto no artigo 98º - J, do CPT.

4. Ao promover a alteração dos factos provados 13, 16, 17, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 32, 35, 36, 37, 38, 39 (eliminado) e 40, o que o Tribunal da Relação de Lisboa na realidade fez foi alterar as razões de facto por que a ré despediu a autora constantes da decisão disciplinar comunicada à autora. Não o podia fazer face ao disposto nos artigos 607º, nºs 4 e 5, co CPC e 98º - J do CPT.

5. Não cabe à Relação, oficiosamente, corrigir os referidos factos, se, por qualquer razão, os mesmos padecem de vício que afecta a sua validade. A Relação considerou, bem, que aqueles factos se mostravam eivados com conteúdo conclusivo e valorativo. Tinha que os aceitar conforme estavam. Não podia a Relação substituir-se ao empregador e ir corrigi-los, substituindo juízos conclusivos, genéricos e valorativos por factos concretos que não foram imputados à autora, nem lhe foram comunicados na decisão final do procedimento disciplinar. O Anexo 1 permite ver claramente as razões porque a ré despediu a autora (primeira instância) e as razões por que a Relação «despediu» a autora.

6. Ao promover, oficiosamente, a alteração da decisão de facto consignada na sentença da primeira instância, com referência aos factos provados 13, 16, 17, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 32, 35, 36, 37, 38, 39 (eliminado) e 40, o Tribunal da Relação de Lisboa violou o disposto nos artigos 662º, nºs 1 e 2, 663º, nº 2, 607º, nºs 4 e 5, do CPC, e 98º J, nº 1, do CPT.”

Como se vê, a questão colocada consiste em saber se ao alterar a matéria de facto dada como provada o Tribunal da Relação teria alterado os factos constantes da nota de culpa e da decisão final do despedimento.

Sublinhe-se, antes de mais, que uma nota de culpa pode conter anexos que fazem parte integrante da mesma, mormente quando o trabalhador é expressamente advertido do facto.

E é o que sucede no caso em que nos pontos 17 a 27 e 31 a 34 se faz expressa referência a anexos (I a IV) “que aqui se junta[m] e que se dá por integralmente reproduzido[s] para todos os efeitos legais”.

No Acórdão recorrido pode ler-se a propósito:

“[A]nalisada a nota de culpa, datada de 12 de Julho de 2023, inserida a fls. 90 a 81 do PD constata-se que em sede factual enumera trinta e cinco (35) factos, sendo que em muitos deles [ vide factos nºs 17, 18, 19,20,21, 22,23,24,25,26 ,27 ,31,32,33 e 34 a fls. 90 a 81 do PD1] alude a documentos [ nomeadamente emails] referindo que o faz conforme Anexo I,II, III, IV e V , «que aqui se junta e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais».

Por sua vez, no Relatório Final que veio a integrar a decisão final do PD [ vide fls. 232 a 208 e 207 a 184] também constam os factos constantes da nota de culpa dados como provados com relevância para a apreciação e qualificação jurídica dos factos imputados à trabalhadora arguida(por referência à numeração da nota de culpa) , sendo que ali também se faz menção a documentos [ vg: documento denominado AlmaScience /Organigram, April 2023] e aos Anexos I, II , III, IV e V à Nota de Culpa ] juntos à nota de culpa, o mesmo ocorrendo em relação aos factos constantes da resposta à nota de culpa dados como provados com relevância para a apreciação e qualificação jurídica dos factos imputados à trabalhadora arguida(por referência à numeração da resposta à nota de culpa – Anexo VIII ) e até aos factos não provados [Anexos II a IV , V e VI].”

Ora o que o Acórdão recorrido faz, depois de eliminar alguns factos que considerou conclusivos, é substituir o seu teor por aquele que resulta diretamente por exemplo dos anexos à nota de culpa. Assim, o teor exato das mensagens eletrónicas enviadas á Autora e pela Autora consta agora da matéria de facto, mas a verdade é que já dela constava por remissão. E não se trata de um conteúdo novo que a Autora não conhecesse, já que o conteúdo dos emails trocados constava já da nota de culpa e do procedimento disciplinar.

Assim, a questão que a Recorrente pretende que fosse tratada na presente revista excecional é, na realidade, uma não questão, não se justificando, de todo, a admissibilidade da presente revista excecional.

Como também não constitui questão que justifique a reapreciação no âmbito de uma revista excecional a apreciação da justa causa de despedimento da Autora no âmbito de uma prática reiterada de violação de deveres de obediência e de respeito e urbanidade.

Decisão: Acorda-se em não admitir a presente revista excecional.

Custas pela Recorrente

Lisboa, 12 de março de 2025

Júlio Gomes (Relator)

José Eduardo Sapateiro

Mário Belo Morgado

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1. Que se encontra numerado ao contrário.↩︎