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CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário
O regime dos recursos em matéria contra-ordenacional abrange somente matéria de direito e não matéria de facto - 51º, 1, RPCOLSS. Tal significa que está vedado à Relação apreciar de modo diferente a prova. A fundamentação da decisão recorrida é lógica, coerente, racional e, do seu contexto, quer isolado, quer em conjugação com as regras da experiência comum, não decorre qualquer das anomalias de prova previstas no artigo 410º, 2, CPP.
Texto Integral
Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO
EMP01..., Unipessoal, Lda (que se dedica à atividade de restaurantes, tipo tradicional) interpôs recurso da sentença (art. 39º RGCLSS[1]) que confirmou a decisão da autoridade administrativa ACT, a qual aplicou à arguida a coima única de 4080,00€, pela prática de nove contraordenação p. e p. artºs 79º, 1, Lei 88/2009 de 4-09, 201º, 2, CT e 29º, n.os 1, 2 e 7 e 233º, n.o 2 e n.º 4 a) da Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (1 por falta de seguro, 1 por falta de registo dos tempos dos tempos de trabalho e 7 por falta de comunicação à Segurança Social da admissão dos 7 trabalhadores), coima esta também da responsabilidade solidária do gerente da recorrente AA.
A ARGUIDA FORMULA AS SEGUINTES CONCLUSÕES (412º CPP por remissão do art. 50º, 4 e 51º do RPCLSS)
(...) 19.Assim, a douta decisão impugnada violou, além de outros, o disposto nos artºs 29º n.ºs 1, 2 e 7 e 233.º, n.º 2 e n.º 4 a) da Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro.
TERMOS EM QUE, revogando parcialmente a douta decisão em mérito e substituindo-a por outra...
RESPOSTA EM 1ª INSTÂNCIA (413º, 1, CPP) - O Ministério Público sustenta que o recurso não merece provimento.
PARECER - O Ministério Público junto deste tribunal de recurso, ao invés, não acompanha a posição do MP na 1ª instância e sustenta que deve ser dado parcial provimento ao recurso relativamente aos facos que envolvem BB, existindo erro notório na apreciação da prova, devendo ser dados como não provado que “ No dia 20 de maio de 2022, pelas 19H00, encontravam-se a trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização da arguida: - BB”, bem como que “ encontram-se em dívida ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, o valor referente à falta de comunicação de admissão da trabalhadora BB”.
No mais, refere que “No que respeita a ter sido dado como provado que os contratos de trabalho referentes aos trabalhadores da recorrente aquando da visita inspetiva, tiveram início no 1.º dia do 6.º mês anterior ao da verificação do incumprimento, mediante aplicação da presunção estatuída no nº 4 do artº 29º da Lei 110/2009 de 16/09, considera-se não ter existido qualquer erro na apreciação da prova, tendo o tribunal feito operar a aludida presunção que não foi ilidida.”
A recorrente não respondeu (417º, 2, CPP).
O recurso foi apreciado em conferência (art. 419º, CPP).
Objecto do recurso:
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente[2], a questão a decidir é a seguinte: saber se existe erro notório na apreciação da prova.
I.I. FUNDAMENTAÇÃO
A) FACTOS PROVADOS:
1 - A arguida EMP01..., Unipessoal, Lda, NIPC ...49, dedica-se à atividade de restaurantes tipo tradicional (CAE 56101), com sede na Travessa ..., ..., ... ... e local de trabalho na Rua ..., ..., ..., ... ..., onde funciona uma churrasqueira com serviço de take-away, com o seguinte horário de funcionamento do estabelecimento (igual ao período normal de trabalho) – num total de 31 horas semanais:
· Terça-feira a sexta-feira: 18h00 às 22h00
· Sábado: 11h00 às 14h30
18h00 às 22h00
· Domingo: 11h00 às 14h30
18h00 às 22h00
2 –No dia 20 de maio de 2022, pelas 19H00, encontravam-se a trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização da arguida:
- BB
- CC
- DD
- EE
- FF
- GG
- HH.
3 – A arguida apresentou a apólice de seguro de acidentes de trabalho n.º ...00 da Companhia de Seguros EMP02... plc – Sucursal em Portugal, com efeitos a 31.05.2022.
4 - Os trabalhadores não procediam ao registo das horas de início e termo do tempo de trabalho, não existia qualquer registo de tempos de trabalho.
5 – Na data e local da visita inspetiva referida em 2), a arguida não possuía o registo de tempos de trabalho prestado pelos seus trabalhadores, por forma que permitisse a sua consulta imediata.
6 – A arguida não apresentou comprovativo de ter comunicado à Segurança Social a admissão da trabalhadora BB.
7 - Encontram-se em dívida ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, o valor referente à falta de comunicação de admissão da trabalhadora BB, presumindo-se que iniciou a prestação de trabalho ao serviço da entidade empregadora faltosa no 1º dia do 6º mês anterior ao da verificação do incumprimento, no valor recalculado considerando o horário de funcionamento do estabelecimento/período normal de trabalho, no montante de 1.224,22 €.
8 – A arguida procedeu à comunicação de admissão à Segurança Social do trabalhador CC em 30.05.2022 com efeitos em 31 de maio de 2022 – data posterior à da visita inspetiva.
9 - Encontram-se em dívida ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, o valor referente à falta de comunicação de admissão do trabalhador CC, presumindo-se que iniciou a prestação de trabalho ao serviço da entidade empregadora faltosa no 1º dia do 6º mês anterior ao da verificação do incumprimento, no valor recalculado considerando o horário de funcionamento do estabelecimento/período normal de trabalho, no montante de 1.224,22 €.
10 – A arguida procedeu à comunicação de admissão à Segurança Social do trabalhador DD em 30.05.2022 com efeitos em 31 de maio de 2022.
11 - Encontram-se em dívida ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, o valor referente à falta de comunicação de admissão do trabalhador DD, presumindo-se que iniciou a prestação de trabalho ao serviço da entidade empregadora faltosa no 1º dia do 6º mês anterior ao da verificação do incumprimento, no valor recalculado considerando o horário de funcionamento do estabelecimento/período normal de trabalho, no montante de 1.224,22 €.
12 – A arguida procedeu à comunicação de admissão à Segurança Social da trabalhadora EE em 30.05.2022 com efeitos em 31 de maio de 2022.
13 - Encontram-se em dívida ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, o valor referente à falta de comunicação de admissão da trabalhadora EE, presumindo-se que iniciou a prestação de trabalho ao serviço da entidade empregadora faltosa no 1º dia do 6º mês anterior ao da verificação do incumprimento, no valor recalculado considerando o horário de funcionamento do estabelecimento/período normal de trabalho, no montante de 1.224,22 €.
14 – A arguida procedeu à comunicação de admissão à Segurança Social do trabalhador FF em 30.05.2022 com efeitos em 31 de maio de 2022.
15 - Encontram-se em dívida ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, o valor referente à falta de comunicação de admissão do trabalhador FF, presumindo-se que iniciou a prestação de trabalho ao serviço da entidade empregadora faltosa no 1º dia do 6º mês anterior ao da verificação do incumprimento, no valor recalculado considerando o horário de funcionamento do estabelecimento/período normal de trabalho, no montante de 1.224,22 €.
16- A arguida procedeu à comunicação de admissão à Segurança Social da trabalhadora GG em 30.05.2022 com efeitos em 31 de maio de 2022.
17 - Encontram-se em dívida ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, o valor referente à falta de comunicação de admissão da trabalhadora GG, presumindo-se que iniciou a prestação de trabalho ao serviço da entidade empregadora faltosa no 1º dia do 6º mês anterior ao da verificação do incumprimento, no valor recalculado considerando o horário de funcionamento do estabelecimento/período normal de trabalho, no montante de 1.224,22 €.
18 – A arguida procedeu à comunicação de admissão à Segurança Social do trabalhador HH em 30.05.2022 com efeitos em 31 de maio de 2022.
19 - Encontram-se em dívida ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, o valor referente à falta de comunicação de admissão do trabalhador CC, presumindo-se que iniciou a prestação de trabalho ao serviço da entidade empregadora faltosa no 1º dia do 6º mês anterior ao da verificação do incumprimento, no valor recalculado considerando o horário de funcionamento do estabelecimento/período normal de trabalho, no montante de 1.224,22 €.
20 - A arguida não comunicou a admissão dos trabalhadores nas vinte e quatro horas anteriores à data da produção de efeitos do contrato de trabalho.
21 – A arguida, na qualidade de entidade empregadora, está obrigada a conhecer e cumprir a lei que regula as relações de trabalho subordinado e que lhe atribui determinadas obrigações.
22 – Com a diligência normal, a arguida podia e devia ter atuado de forma diferente, satisfazendo os preceitos legais, não se tendo demonstrado que os desconhecesse e, muito menos, que estivesse objetivamente impedida de os satisfazer.
23 – A arguida presentou um volume de negócios de 155.561,00€ relativo ao ano de 2021.
24- BB é afilhada da funcionária EE, que por sua vez é esposa do gerente da impugnante e sofre de problemas de coluna.
25- A arguida prestava serviço de takeaway em regime de não entrega.
26- Todos os trabalhadores tinham uma atividade principal, com cujas empresas / entidades tinham contratos de trabalho a tempo inteiro.
*
FACTOS NÃO PROVADOS
1. No dia da ação inspetiva, BB, encontrava-se no estabelecimento da impugnante, não porque fosse sua funcionária, mas porque foi-lhe pedida ajuda pela sua madrinha EE, dado o estado de saúde em que a mesma se encontrava.
2. Tratou-se, pois, de uma situação esporádica e ocasional, decorrente da crise aguda de coluna que a EE tentava ultrapassar.
3. Portanto, a BB nunca teve com a impugnante qualquer vínculo contratual, ainda que por formalizar.
4. Nunca recebeu qualquer remuneração da impugnante pela ajuda prestada naquele dia e que não durou mais que uma hora.
5. Nunca esteve sujeita ao cumprimento de qualquer horário, ou tão pouco sujeita a ordens, direção e fiscalização, porquanto a sua permanência no estabelecimento foi casual e unicamente por razões de saúde da madrinha EE.
6. Motivo pelo qual, não procedeu a impugnante em conformidade com a notificação que lhe foi efetuada pela impugnada, ou seja, não comunicou à Segurança Social a sua admissão, uma vez que a mesma era inexistente.
7. Todos os funcionários se encontravam a laborar há uma semana.
8. A 20/05/2022, a impugnante tentava sair de uma situação complexa em que a crise pandémica mundial a colocou.
9. A procura era pouca.
10. O início da prestação de trabalho pelos funcionários constantes dos autos de contraordenação havia ocorrido na sexta-feira anterior.
11. O trabalhador:
a) CC encontrava-se a trabalhar 6 horas semanais (ao sábado);
b) DD encontrava-se a trabalhar 6 horas semanais (de sexta-feira a domingo);
c) EE encontrava-se a trabalhar 12 horas semanais (de terça-feira a domingo);
d) FF encontrava-se a trabalhar 10 horas semanais (de terça-feira a sábado);
e) GG encontrava-se a trabalhar 12 horas semanais (de terça-feira a sábado) e
f) HH encontrava-se a trabalhar 10 horas semanais (de terça-feira a sábado). B) DIREITO
Conforme discriminado no relatório do acórdão, a arguida foi condenada pela prática de 9 contraordenações: falta de seguro de acidentes de trabalho relativamente a todos os trabalhadores, ausência de registo dos tempos de trabalho relativamente a todos os trabalhadores e falta de comunicação à Segurança Social de admissão dos 7 trabalhadores.
O recurso questiona apenas factos, invocando-se erro notório na apreciação da prova.
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O regime dos recurso em matéria contra-ordenacional abrange apenas matéria de direito e não matéria de facto - 51º, 1, RPCOLSS[3]. O que significa que está vedado à Relação apreciar de modo diferente a prova e, por via disso, fixar diversamente os factos materiais da causa (veja-se o paralelismo com os poderes do STJ e as suas limitações no artigo 674º, 3, CPC).
Esta limitação prende-se, por um lado, com o facto de o tribunal da Relação funcionar como instância de revista. Os tribunais de trabalho, ou os outros no regime geral, funcionam como primeira instância de recurso (impugnação judicial) das decisões proferidas pelas autoridades administrativa – 32º e 33º RPACLSS, 55º e 59º RGCO. O tribunal da Relação, em matéria contraordenacional, funciona como uma instância de revista julgando em definitivo, sendo assim mais restritiva a admissibilidade de recurso, diferentemente com o que acontece no recurso penal ou civil. Em consequência, limita-se, quer o tipo de recurso, quer o âmbito das decisões que admitem recurso, porquanto já houve um primeiro crivo, assegurado por via do recurso para os tribunais de trabalho, ou outros.
A limitação imposta à admissibilidade dos recursos no domínio contraordenacional encontra, por outro lado, também explicação na diferente natureza dos ilícitos de mera ordenação social. Onde está em causa, apenas, a aplicação de sanções de natureza económica decorrentes de um juízo de censura social e administrativa por violação de um dever legal. Ao invés do que acontece no direito penal onde, por força da natureza ética e da gravidade das sanções impostas, preponderam princípios constitucionais de defesa dos arguidos, sendo a possibilidade de recurso mais ampla.
Assim, nas contraordenações a matéria de facto é inatingível no recurso para o tribunal da Relação.
O tribunal da Relação pode, é certo, interferir na matéria de facto caso nela se verifiquem anomalias. Entre os quais se destaca o erro notório na apreciação da prova, ou a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, ou a contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão. Tais vícios terão de resultar evidentes do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum - 410º, 2, CPP, ex vi 41º, 1, RGCO, ex vi 60º do RPACLSS. Ou seja, estas anomalias decisórias da matéria de facto terão de ressaltar e de ser apreensíveis pela simples leitura do texto da sentença, sem recurso a outros elementos, designadamente depoimentos de testemunhas ou documentos- ac. RP de 22-05-2019 e ac. RG de 19-04-2018, in www.dgsi.pt.
(Veja-se a lei: 410º CPP “Fundamento do recurso...2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:....c) Erro notório na apreciação da prova.”)
*
O recurso questiona apenas dois factos: que BB fosse trabalhadora da arguida (refere-se que é aquela é afilhada da esposa do gerente e ali se encontrava apenas a ajudar), e que todos os trabalhadores estivessem ao serviço da arguida há cerca de 6 meses, o que se repercute no montante em dívida à Segurança Social.
A recorrente refere erro notório na apreciação da prova quanto ao facto que, no seu entender, deve passar a não provado: “No dia 20 de maio de 2022, pelas 19H00, encontravam-se a trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização da arguida: - BB” (entre outros).”
Sustenta:
“Se a BB declara em plena inspeção levada a cabo pela ACT à Srª Inspetora em causa, que era prima da D. EE e só lá estava a ajudar, como pode o Tribunal a quo concluir que a mesma era trabalhadora da arguida? Acresce que, a referida BB, tal como resulta da matéria de facto dada como provada sob o ponto 26., tinha uma atividade principal, com um contrato de trabalho a tempo inteiro! Quando muito e salvo o devido respeito, ao Tribunal poder-se-iam suscitar dúvidas e então, nesse caso, não deveria ter decidido contra a arguida, mas usado do princípio in dubio pro reo.”
Lida a fundamentação da sentença constata-se que nela se considerou que BB trabalhava para a arguida porque tal foi verificado no dia da inspecção, encontrando-se no estabelecimento a fritar batatas, o que foi confirmado pela testemunha II, inspectora da ACT, que mais declarou que já ali a tinha visto anteriormente (“...quando chegou ao estabelecimento a BB estava a fritar batatas e, quando lhe perguntou se estava declarada à Segurança Social, disse-lhe que era prima da D. EE e só lá estava a ajudar. A testemunha já anteriormente tinha visto a BB a trabalhar no local”.
Refere-se também que o próprio gerente admitiu que tal já tinha sucedido noutras ocasiões relativamente a BB, afilhada da sua esposa (“AA, legal representante da sociedade arguida, relatou que BB é sua afilhada, tendo-lhe pedido ajuda nesse fim de semana, porque a sua mulher EE tinha problemas de coluna, conforme já tinha sucedido noutras ocasiões. A BB trabalhava noutra empresa e tinha terminado o seu serviço pelas 17h30, altura em que se deslocou para o seu estabelecimento, não iria ser remunerada pelo trabalho prestado. “).
Refere-se, também, ter sido desvalorizado o depoimento da esposa do gerente EE que referiu que teria sido a primeira vez que JJ foi ajudar (“O depoimento de KK foi isento e desinteressado, contudo foi assertivo, relatando que já tinha visto a BB a trabalhar no estabelecimento. As declarações prestadas pelo legal representante da arguida e pelas testemunhas EE e GG mostraram-se parciais, atento o manifesto interesse no desfecho do processo. Aliás, o representante legal AA disse que a BB já tinha ido ajudar noutras ocasiões e a sua mulher EE disse que era a primeira vez.”)
Depois, quanto à retribuição, invocam-se as regras da experiência comum ...” Certo é que BB estava no estabelecimento da arguida, no horário de funcionamento do mesmo, a fritar batatas, mas para além disso já lá tinha estado a trabalhar... Resulta das regras da experiência comum que uma pessoa que presta serviço numa atividade lucrativa é remunerada pelo mesmo, seja de que modo for. Mesmo tratando-se de pessoas do mesmo agregado familiar, tal sucede....”)
O raciocínio expresso na sentença não apresenta qualquer anomalia, é lógico, racional e conforme às regras da experiência comum. Do texto da decisão por si só, ou ainda que associado ás regras da experiência comum, não resulta qualquer anomalia notória.
Segundo o texto da decisão, a matéria foi provada não apenas com base nas regras da experiência comum, mas associada à inspeção ao local, ao depoimento da testemunha inspectora da ACT e, até, do próprio gerente na parte em que há admissão parcial, e das contradições com o depoimento da testemunha sua esposa. Não estamos a valorar a prova, estamos só a aferir se ela enferma de anomalia notória. Não é o caso.
O requisito é exigente, cinge-se ao texto da decisão, à anomalia evidente e rejeita o auxilio de outros meio de prova, conforme tem assinado a jurisprudência do STJ (www.dgsi.pt):
Ac. STJ de 27-03-2019, p. 114/15.2GABRR.L2.SV”...I O vício de erro notório na apreciação da prova não supõe raciocínios ou considerações racionais da melhor metodologia empregue, mas sim a existência ou não de regras ilógicas ou contrárias à experiência comum, na definição dos factos.”
Ac. STJ de 20-09-2017, p. 596/12.4 JABRG.G2.S1 “...IV - O erro notório na apreciação da prova - vício previsto pela al. c) do n.º 2 do art. 410.º, do CPP - verifica-se quando, partindo do texto da decisão recorrida, a matéria de facto considerada provada e não provada pelo tribunal a quo, atenta, de forma notória, evidente ou manifesta, contra as regras da experiência comum, avaliadas de acordo com o padrão do homem médio. É um vício intrínseco da sentença, isto é, que há-de resultar do texto da decisão recorrida, de tal forma que, lendo-o, logo o cidadão comum se dê conta que os fundamentos são contraditórios entre si, ou com a decisão tomada.V - Os vícios contemplados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, no respeito pelos princípios da imediação e da livre apreciação da prova.”
Ac. STJ 9-09-2010, p. 1795/07.6GISNT.L1III “O erro notório na apreciação da prova, para além de ter que decorrer da decisão recorrida ela mesma, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, tem também que ser um erro patente, evidente, perceptível por um qualquer cidadão médio. E não configura um erro claro e patente um entendimento que possa traduzir-se numa leitura que se mostre possível, aceitável, ou razoável da prova produzida.”
Ac. STJ 15-01-2015, p. 92/14.5YFLSB “ Estando este Tribunal restringido quanto aos poderes de cognição não pode sindicar a má ou boa valoração da prova, nem discutir a valoração da prova produzida, pois isso constitui um conhecimento da matéria de facto que está vedado a este tribunal e não se integra no âmbito alargado dos poderes de cognição, a partir do estipulado no art. 410.º, n.º 2, do CPP.
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A recorrente refere ainda erro notório na apreciação da prova quanto ao facto de que todos os trabalhadores estivessem ao serviço da arguida há cerca de 6 meses, o que se repercute no montante em dívida à Segurança Social.
Sustenta que “se folhearmos os autos, em sede de ação inspetiva e na própria instrução, constatamos que ostrabalhadores que no dia dos factos estavam ao serviço da empresa foram unânimes emdizer que estavam a trabalhar acerca de uma semana.”
Ora, nos termos acima referidos, o erro notório na apreciação da prova tem de ser aferido pelo texto da decisão recorrida e não com recurso a outros elementos de prova, mormente a que resulte da instrução.
Da decisão consta que os depoimentos do legal representante da arguida e da testemunha sua esposa, interessados no desfecho do processo, foram contraditórios e a não merecerem credibilidade quanto ao facto de todos os trabalhadores, coincidentemente, estarem a trabalhar apenas há uma semana, não obstante o estabelecimento estar em funcionamento desde fevereiro de 2020. Do depoimento da testemunha GG também nada se colhe quanto à data de admissão. BB, apesar de indicada como testemunha, foi prescindida pela arguida.
Assim, como se refere na decisão recorrida, em face da falta de apuramento das datas concretas, aplicou-se a presunção legal de que os trabalhadores estavam ao serviço da empresa há 6 meses.
(artº 29º da Lei 110/2009 de 16-09. “ Comunicação da admissão de trabalhadores” 1 - A admissão dos trabalhadores é obrigatoriamente comunicada, pelas entidades empregadoras, através de qualquer meio escrito ou online no sítio da Internet da segurança social, à instituição de segurança social competente....4 - Sem prejuízo do disposto no n.º 6, na falta de cumprimento da obrigação prevista no n.º 1, presume-se que o trabalhador iniciou a prestação de trabalho ao serviço da entidade empregadora faltosa no 1.º dia do 6.º mês anterior ao da verificação do incumprimento.5 - A presunção referida no número anterior é ilidível por prova de que resulte a data em que teve, efectivamente, início a prestação de trabalho.6 - A violação do disposto nos n.os 1 a 3 constitui contra-ordenação leve quando seja cumprida nas vinte e quatro horas subsequentes ao termo do prazo e constitui contra-ordenação grave nas demais situações.”).
Mais se refere na decisão que no apuramento dos horários e valores em divida à SSE já se teve em conta o horário reduzido do estabelecimento, após as 18h nos dias úteis, o que não conflitua com o facto de os trabalhadores prestarem actividade para outras entidades.
Do exposto decorre que a fundamentação da decisão recorrida é lógica, coerente, racional e, do seu contexto, quer isolado, quer em conjugação com as regras da experiência comum, não decorre qualquer das anomalias de prova previstas no artigo 410º, 2, CPP
I.I.I. DECISÃO
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrida.
Notifique.
Após trânsito em julgado, comunique a presente decisão à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT).
Guimarães, 6-03-2025
Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora) Vera SottoMayor Antero Veiga
[1] Regime Processual das Contra-Ordenações Laborais e da Segurança Social regulado na Lei 107/2009, de 14/09. [2] Segundo os artigos 403º, 1, 412º, 1, CPP, aplicável ex vi artigo 50º, 4, RPACOLSS, o âmbito do recurso e a área de intervenção do tribunal ad quem é delimitado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente e extraídas da sua motivação do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação dos vícios previstos no art. 410º, 2, CPP. [3] Salvo se a própria lei dispuser em sentido contrário.