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INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
TRABALHO SUPLEMENTAR
CONDENAÇÃO GENÉRICA
Sumário
I – A não junção de documentos não leva à inversão do ónus da prova se não decorre dos autos que que a parte notificada para esse efeito estava na posse dos respectivos documentos ou que se tenha deliberada e culposamente colocado na situação de os não poder juntar, ou que a parte que requereu a notificação da contra-parte para a dita junção estivesse impossibilitado de fazer essa prova, já que lhe seria lícito utilizar qualquer outro meio de prova legalmente admitido. II – Se do acervo dos factos provados consta a matéria que contende com a liquidação do crédito reconhecido ao autor, deve essa liquidação ser efectuada e não relegada para posterior liquidação.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO
AA, com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra EMP01..., TRANSPORTATION SERVICES, LDA., também nos autos melhor identificada, pedindo:
“I. Ser reconhecido que entre o Autor e a Ré existiu um vínculo laboral alicerçado em contrato de trabalho subordinado e a termo que vigorou entre 03-01-2019 e ../../2021;
II. Ser a Ré condenada a pagar à Autora a título de diferenças nos subsídios de férias pagos por duodécimos previsto nos IRCT’s a quantia ilíquida de €1.075,75;
III. Ser a Ré condenada a pagar ao Autor a título de diferenças nos subsídios de natal pagos por duodécimos previsto nos IRCT’s a quantia ilíquida de €63,54;
IV. Ser a Ré condenada a pagar ao Autor a título de férias vencidas e não gozadas relativamente aos anos de 2019 e 2020 a quantia ilíquida de €1.228,60;
V. Ser a Ré condenada a pagar ao Autor os diferenciais do trabalho suplementar prestado pelo A., no ano de 2020, aos sábados, domingos e feriados, tal como prevê a Cláusula 51ª nº1 CCT de 2020, sem prejuízo de futuros apuramentos, €2.989,00;
VI. Ser a Ré condenada a pagar ao Autor o descanso compensatório devido em virtude do trabalho suplementar prestado pelo A., no ano de 2020, aos domingos e feriados, tal como prevê a Cláusula 29ª nº2, al. b) CCT de 2020, sem prejuízo de futuros apuramentos, €637,00;
VII. Ser a Ré condenada a pagar ao Autor a título de créditos de formação profissional em virtude da cessação do contrato, nos termos do art.º 134 do CT a quantia de €522,20;
VIII. Ser a Ré condenada a pagar ao Autor a título de proporcionais pela cessação do contrato de trabalho a quantia de €1.303,75;
IX. Ser a Ré condenada a pagar ao Autor a título de danos não patrimoniais a quantia mínima de €100,00;
X. Ser a Ré condenada a pagar juros de mora à taxa legal ao Autor, desde a citação e até efetiva liquidação das importâncias em que vier a ser condenada;
XI. Deve ainda ser a Ré condenada a pagar as respetivas custas legais e demais encargos com o processo e de procuradoria condigna.
Deve, em consequência, a Ré ser condenada a pagar ao Autor a quantia global ilíquida de €7.919,84 (sete mil novecentos e dezanove euros e oitenta e quatro cêntimos), acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e que se vierem a vencer desde a citação até integral e efetivo pagamento.”
Alegou, para o efeito e valendo-nos da síntese efectuada na decisão recorrida, que celebrou um contrato de trabalho com a ré, que cessou posteriormente por denúncia, sendo-lhe devidos por esta os créditos laborais peticionados, aferidos à luz do CCTV assinado entre a ANTRAM e a FECTRANS, publicado no BTE, 1ª Série, nº 34, de 15.09.2018 (com Portaria de extensão nº 287/2018, publicada no DR de 24/10/2018), ao período compreendido entre 03.01.2019 (inicio do contrato) até 31-12-2019 e o CCTV revisto pelo CCT publicado no BTE nº 45, de 08/12/2019 (com Portaria de extensão nº 49/2020, publicada no DR de 26/02/20201), ao período compreendido entre 01.01.2020 até ao final do contrato, que pugna ser aplicável à relação laboral dos presentes autos. Mais peticiona uma indemnização por danos não patrimoniais, alegando que a execução do contrato de trabalho dos autos foi marcada por sujeição do autor a condições de “sobrecarga até ao limite” das suas capacidades humanas, “particulares condições de penosidade e risco” e “nunca a ré querendo pagar aquilo que o autor tinha direito”.
A ré - tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se, nessa sede, a conciliação - apresentou contestação, defendendo-se por exceção (da prescrição e do pagamento), e por impugnação (da petição inicial aceitou apenas os factos vertidos nos artigos 8º, 9º, 11º,12º e 26º à exceção de “no entanto”) e deduziu reconvenção, pedindo que “(…) a reconvinda [seja] condenada a pagar à demandada reconvinte a quantia de €8.126,00, sendo 5.126,00€ a título de danos patrimoniais e 3.000,00€ a título de danos não patrimoniais”.
Alegou para o efeito, muito resumidamente, que pagou ao autor os créditos laborais emergentes do contrato de trabalho que celebraram, não lhe devendo as quantias peticionadas relativas ao período de execução do contrato, inexistindo qualquer discrepância entre os valores pagos e os devidos, já que o autor concordou com os pagamentos e modo como foram efetuados ao longo da execução do contrato, concretamente, nunca levantou qualquer questão acerca dos pagamentos documentados nos recibos, sempre os recebeu sem reclamação e do mesmo (recebimento) deu quitação.
Mais alegou, ser o autor quem lhe deve uma indemnização dos prejuízos causados, pelos factos que descrimina a nota de culpa que enviou ao autor por carta registada com A/R em 30.12.2020, a qual apesar de rececionada não teve resposta do autor, justificando essa inércia no perfeito conhecimento do autor do prejuízo patrimonial em que tinha feito incorrer a ré, do descontentamento da ré para consigo e do procedimento disciplinar que lhe iria (e foi) movido.
O autor apresentou resposta à contestação/reconvenção, onde concluiu pela improcedência das excepções da prescrição e do pagamento e, bem assim, improcedência da reconvenção.
A reconvenção não foi (em sede de recurso) admitida, vindo o autor/reconvindo a ser absolvido da instância reconvencional.
Prosseguindo os autos, e após realização da audiência final, veio a proferir-se sentença com o seguinte diapositivo:
“Pelos fundamentos expostos, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condeno a ré EMP01..., Transportation Services, Lda. a pagar ao autor BB,
A - A quantia liquida de €1.652,71, assim descriminada:
1. €477,44 a titulo de crédito de 64 horas de formação profissional devida e não ministrada pela Ré ao Autor em virtude da cessação do contrato;
2. €1.175,27 a titulo de proporcionais de férias devidas no ano da cessão do contrato de trabalho dos autos,
3. (…) a ambas as quantias acrescem juros moratórios, à taxa legal (v. art. 559º do Código Civil) como pedido pelo Autor desde a data de vencimento, até integral pagamento.
B- Reconheço que o Autor no âmbito da execução do contrato de trabalho dos autos tem direito ao recebimento da Ré:
1. da diferença verificada entre o valor pago em duodécimos a titulo de subsídio de férias e de natal e os (valores) previstos previsto nos IRCT’s, face aos factos provados em 7), nos períodos compreendidos entre fevereiro a dezembro de 2019 e janeiro a dezembro do ano 2020, relegando para execução de sentença a liquidação do valor exato do crédito do Autor, tendo como limite máximo os valores peticionado nos autos de €1.075,75 e €63,54, respetivamente.
2. Declara-se oficiosamente nula e com efeitos retroativos, a alteração do modo de pagamento do trabalho suplementar prestado pelo Autor, Cláusula 51ª nº1 CCT de 2020 e das férias não gozadas, consubstanciado no pagamento de tais retribuições na rubrica ajudas de custo, por afrontar norma imperativa (art. 476º, do CT), por esse sistema não ser mais vantajoso para o trabalhador;
2.1- Em decorrência, condena-se:
a Ré no pagamento ao Autor das quantias devidas a titulo o trabalho suplementar por força das rubricas previstas no CCTV e do crédito correspondente ao valor das férias não gozadas e
o Réu restituir, por sua vez, as importâncias recebidas a tais títulos, em consequência do regime remuneratório praticado nos termos do art. 289.º, n.º 1, do Código Civil, tendo apenas direito à estrita diferença em que tenha sido prejudicado, sob pena de enriquecimento injustificado da sua parte;
3. Relego para execução de sentença o apuramento do valor em divida relativo aos créditos referidos em B.2, ou seja:
3.1 – Aos 19 dias de férias não gozadas nos anos de 2019 e 2020, tendo como limite máximo o valor de € 1.111,07;
3.2 - Do crédito relativo ao pagamento do trabalho suplementar prestado pelo Autor, no ano de 2020, no total de 32 sábados, 20 domingos e 9 feriados, tendo como limite máximo o valor peticionado pelo autor de €2.989,00.
4. Às quantias apuradas (pontos B.2 e 3), acrescerão juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos desde a data de vencimento de cada uma das prestações e até efetivo e integral pagamento.
C) Mais se decide absolver a Ré do demais peticionado pelo Autor.
*
Custas da ação a cargo de Autor e ré, provisoriamente (a corrigir depois de um eventual incidente de liquidação) e na proporção de ½, sem prejuízo da isenção de que beneficie o autor (tudo nos termos Arte. 527º, n.ºs 1 e 2 e 528º, n.º 1 do Novo Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no art. 1º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, aderindo-se, quanto à parte ilíquida da condenação, à posição expressa no Acórdão da Relação do Porto de 27 de junho de 1996, CJ III, p. 243, e por ABRANTES GERALDES, Temas Judiciários I, Coimbra, 1998, p. 240-242, uma vez que ambas as partes devem ser consideradas, neste momento, como parcialmente vencidas quanto a essa parte da condenação), fixando-se o valor da presente ação, nos termos do art. 306º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, atento o disposto nos arts. 296º, 297º, n.ºs 1 e 2 e 299º do mesmo diploma legal.”
Inconformado com esta decisão, dela veio o autor interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
(…)
42. A Ré não juntou aos autos os documentos solicitados e cuja junção foi ordenada pelo tribunal sem que para tal justificasse devidamente tal desobediência.
43. A Ré não juntou tal prova, não por impossibilidade, mas sim porque bem sabe que a mesma não lhe aproveitava.
44. A ausência de tal documento impossibilitou o Autor de fazer prova documental do direito por si alegado, pois que o gozo/não gozo de descansos compensatórios é mormente provado mediante documentos.
45. O Tribunal a quo devia ter procedido de molde a privilegiar a descoberta da verdade material, nomeadamente, decretando a inversão do ónus da prova nos termos constantes do requerimento submetido pelo Autor.
46. Tendo-se recusado a decretar a inversão do ónus da prova, conforme requerido pelo Autor, o Tribunal a quo não observou o princípio da cooperação a que se encontra adstrito tal como resulta do preceituado pelo artigo 7º do Código de Processo Civil.
47. O Tribunal a quo não cumpriu o dever de cooperação quando, após a não junção dos registos tacógrafos pela Ré, se absteve de retirar daí qualquer consequência desse facto.
48. Ao não decretar a inversão do ónus da prova, dificultou e impossibilitou injustificadamente a produção de prova por parte do Autor.
49. Os documentos solicitados correspondem a meios de prova que não só possibilitam como impõe decisão diversa por parte do tribunal de primeira instância.
50. O princípio violado é o do dever de cooperação para a descoberta da verdade com vista à boa administração da justiça.
51. Deveria o tribunal a quo ter admitido a requerida inversão do ónus da prova e bem assim, decidir que era a Ré quem tinha que provar que proporcionou ao Autor os devidos descansos compensatórios.
(…)
61. Os elementos necessários para o apuramento de tais valores, para além de resultarem da petição inicial resultam igualmente dos documentos juntos com a mesma.
62. Não sendo necessário qualquer outro elemento ou documento para o apuramento de tais quantias.
63. O Tribunal a quo deveria ter condenado na quantia precisa e peticionada ao invés de relegar tal operação para momento posterior, protelando e onerando a causa.
64. O que para além de prejudicar os direitos e interesses do Autor/Recorrente que trabalhou e ainda não recebeu a competente e devida compensação para o efeito, viola o princípio da economia processual.
65. O Tribunal a quo ter condenado nos montantes precisos e líquidos peticionados pelo Autor, aqui recorrente.”
A recorrida apresentou contra–alegações, onde conclui:
(…)
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Tal parecer não mereceu qualquer resposta.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II OBJECTO DO RECURSO
Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se então as questões que cumpre apreciar:
- Impugnação da matéria de facto;
- Eventualmente (dependendo da resposta dada à questão anterior), aplicação do Direito aos “novos” factos provados;
- Omissão de pronúncia.
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos que o Tribunal recorrido considerou provados são os seguintes:
“1. A Ré é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à atividade de transportes nacionais e internacionais de mercadorias.
2. Por contrato de trabalho escrito, subordinado a termo, o Autor foi admitido ao serviço da Ré em 03-01-2019 (conforme contrato de trabalho junto aos autos com a petição como documento nº 1, onde consta) que se regeu, entre outras, pelas cláusulas seguintes:
2.1- A categoria profissional de Motorista de Pesados Internacional;
2.2- (…) que o período normal de trabalho acordado foi de 40 horas semanais, sendo da inteira responsabilidade do trabalhador o respeito pelos descansos obrigatórios por lei;
2.3 (…) com a retribuição base ilíquida de €630,00; retribuição mensal calculada nos termos legais e referente à cláusula 61 da C.C.T., no montante de 309,09€, Prémio TIR no montante de 130,00, bem como, as prestações que lhe são devidas pela regulamentação laboral aplicável ao sector dos transportes rodoviários de mercadorias de mercadorias — CCT celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS e que se encontra publicado no BTE nº 34 de 15 de setembro de 2018;
2.4 (…) o contrato de trabalho a Termo certo tem a duração de 12 (doze) meses, iniciando-se em 03/01/2019 e terminando em 02/01/2020.
2.5 No ano de contratação, o trabalhador tem direito, após seis meses completos de execução do contrato, a gozar 2 (dois) dias úteis de férias por cada mês de duração do contrato, até ao máximo de 20 (vinte) dias úteis;
2.6 (…) nos anos seguintes o trabalhador tem direito a um período de 22 dias úteis, a partir de janeiro, com referência ao trabalho prestado no ano anterior;
2.7 O Segundo Contraente tem igualmente direito a um subsídio de Natal e de férias, nos termos legais.
2.8 O trabalhador pode denunciar o presente contrato, independentemente de justa causa, mediante comunicação escrita à empregadora, através de carta registada com aviso de receção, com antecedência mínima de 30 ou 15 dias, consoante a duração do contrato seja de pelo menos seis meses ou inferior (…)”.
3. A Ré enviou por correio registado ao Autor uma nota de culpa relativamente a um procedimento disciplinar que lhe pretendia mover com vista ao seu despedimento, por carta datada de 30/12/2020 que o autor recebeu a 04/01/2021;
4. (…) concedendo-lhe 10 dias úteis a contar da data de recebimento da referida nota de culpa para se pronunciar;
5. (…) o autor não respondeu (não se pronunciou sobre a nota de culpa).
6. A Ré desde 03/01/2019 a 02/01/2020 pagou ao Autor os subsídios de natal e de férias em duodécimos.
6.1- A titulo de subsidio de férias pagou, nos meses:
6.1.1 – de fevereiro de 2019 a 31-12-2019, duodécimos no valor de €52,50;
6.1.2 – (…) de janeiro a dezembro do ano 2020 duodécimos no valor de €58,33;
6.2 - A titulo de subsidio de natal pagou nos meses:
6.2.1- de fevereiro a dezembro do ano 2019 duodécimos no valor de €52,50;
6.2.2 – (…) de janeiro a dezembro do ano 2020 duodécimos no valor de €58,33.
7. O autor gozou:
7.1 - 11 dias de férias em setembro de 2019;
7.2 - 10 dias de férias setembro de 2020 e
7.3 - 3 dias de férias em janeiro de 2020.
8. (…) com inicio em 02.12.2020 o Autor esteve 30 dias de baixa médica por doença.
9. A solicitação da Ré o Autor prestou trabalho no ano de 2020 em dias de sábados, domingos, e feriados no total de 32 sábados, 20 domingos e 9 feriados: Janeiro de 2020: Sábado - dias 4, 11 18 e 25; Domingo - dias 12 e 26; Feriado – dia 1; Fevereiro de 2020: Sábado - dias 8, 22 e 29; Domingo - dias 23; Feriado – dia 25;Março de 2020: Sábado - dias 7 e 21; Domingo - dias 15 e 22; Abril de 2020: Sábado - dias 11 e 18; Domingo - dias 19; Feriado – dia 10; Maio de 2020: Sábado - dias 2, 16 e 30; Domingo - dias 17; Feriado – dia 1; Junho de 2020: Sábado - dias 6, 13, 20 e 27; Domingo - dias 7 e 14; Feriado – dia 10 e 11; Julho de 2020: Sábado - dias 4, 18 e 25; Domingo - dias 5, 19 e 26; Agosto de 2020: Sábado - dias 1, 8, 22 e 29; Domingo - dias 9, 16 e 23; Feriado – dia 15; Setembro de 2020: Sábado - dias 19; outubro de 2020: Sábado - dias 10, 17, 24 e 31; Domingo - dias 11 e 25; Feriado – dia 5; Novembro de 2020: Sábado - dias 14, 21 e 28; Domingo - dias 15, 22 e 29; Feriado – dia 1;
confessado
10. A ré não proporcionou formação profissional ao autor no ano de 2019;
11. (…) no ano de 2020 a ré proporcionou ao autor 8 horas de formação profissional (das 32 horas a que tinha direito - baixa médica em dezembro de 2020 do autor);
12. O Autor prestou trabalho á Ré trabalhou no dia 01-12-2020.
13. O Contrato de Trabalho dos autos cessou a 02.01.2021(art.1º da contestação).
14. A petição inicial dos autos deu entrada em Tribunal em 12.03.2022.
15. A ré foi citada a 16.03.2022.
16. A Ré efetuou ao Autor os pagamentos constantes dos recibos de vencimento juntos aos autos (que nesta sede se dão por reproduzidos);
17. (…) o Autor recebeu tais pagamentos sem questionar os valores e a descriminação das rúbricas e dos mesmos deu quitação.
18. A formação referida em 11) versou sobre tacógrafos, teve a duração de um dia e foi ministrada por formador certificado para o efeito.
19. O pagamento do trabalho prestado em sábados domingos e feriados (Cláusula 50.ª n.º 1 do CCT 2020) e as férias não gozadas eram incluídas na rubrica “ajudas de custo” nos recibos de vencimento referidos em 16).” (alterado, conforme determinado infra, nos seguintes termos: “O pagamento do trabalho prestado em sábados, domingos e feriados (cláusula 50ª, nº 1 do CCT 2020) era incluído na rubrica “ajudas de custo”)
Mais se consignando na decisão recorrida que “Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para decisão final deste processo, nomeadamente:
a) O Autor tenha denunciado o contrato de trabalho dos autos à Ré por carta registada enviada no dia 30/11/2020, mormente, que tivesse respeitado o aviso prévio de 30 dias;
b) Não provado, relativamente ao ponto 6.1, que:
I. em 03-01-2019 (a titulo de duodécimos de subsidio de férias) a Ré tenha pago ao Autor €52,50 e
II. (…) nos meses de agosto e setembro de 2020, a Ré tenha pago ao Autor ao Autor €61,25.
c) Não provado, relativamente ao ponto 6.2, que:
I. (…) em 03-01-2019 (a titulo de duodécimos de subsidio de natal) a Ré tenha pago ao Autor €52,50;
II. (…) de janeiro a dezembro do ano 2020 a Ré tenha pago ao Autor €61,25.
d) Os três dias de ferias referidos em 7) – sub “item” 7.3”, correspondam a dias de folga gozados pelo Autor na sequência de trabalho prestado em dias de descanso semanal ou feriado por determinação da Ré.
e) A ré não tenha permitido ao autor gozar os descansos compensatórios relativos aos 18 domingos e 8 feriados trabalhados entre ../../2020 e ../../2020 (referidos no facto provado 9);
f) A Ré não tenha pago a retribuição ao autor pelo dia trabalho referido em 12);
g) (…) a Ré tenha descontado ao autor unilateralmente 3 dias de férias em janeiro de 2020.
h) Durante a execução do contrato de trabalho dos autos a Ré tivesse demonstrado total desrespeito pelo Autor, tratando-o como um autómato, obrigando-o a cumprir ordens sem curar de saber dos seus direitos;
i) (…) sem se importar com os perigos inerentes às condições meteorológicas, trânsito, assaltos, cansaço causador de acidentes na estrada e de trabalho, e que a sua atuação prosseguisse exclusivamente o seu lucro económico;
j) (…) sobrecarregado o autor até ao limite (físico e psicológico);
k) (…) desconsiderando sempre que o trabalho executado pelo Autor era constantemente sujeito a particulares condições de penosidade e risco;
l) (…) “nunca querendo pagar aquilo a que o Autor legitimamente tinha direito” e,
m) (…) “obrigando a que o Autor se visse envolvido num estado de nervos tal que foi submetido a baixa psiquiátrica por 30 dias até ao final do contrato”.
n) A inclusão pela Ré na “rubrica de ajudas de custo” de pagamentos relativos à CCTV, nos recibos de vencimento referidos em 16), fosse um sistema retributivo globalmente mais favorável ao Autor.
o) O Autor tenha gozado, também, 11 dias de férias no ano 2019 e 7 dias de férias relativos ao ano 2020.
Quanto aos restantes artigos dos articulados das partes, não se responde aos mesmos por não corresponderem a matéria de facto controvertida, mas antes a matéria de direito, conclusiva, irrelevante ou repetitiva, pelo que o Tribunal não deve pronunciar-se nesta sede sobre os mesmos.
Também não se tiveram em conta os factos alegados na reconvenção por não ter a mesma sido admitida e ser irrelevante para a apreciação dos pedidos deduzidos pelo Autor, mas considerou-se a impugnação direta e motivada da contestação e os factos alegados a respeito das exceções da prescrição e da perentória de pagamento, designadamente, modo como o processamento e pagamento do salário do autor foi efetuado ao longo da relação laboral que que o vinculou à Ré.”
IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO
- Da impugnação da matéria de facto:
Sustenta o recorrente que o ponto 19 dos factos provados “O pagamento do trabalho prestado em sábados, domingos e feriados (cláusula 50ª, nº 1 do CCT 2020) e as férias não gozadas eram incluídas na rubrica “ajudas de custo” nos recibos de vencimento referidos em 16.”, devia integrar o elenco dos factos não provados, pois que “a prova produzida e supra referida e a ausência de prova que aproveite a tese da Ré impunha tal decisão”.
Aceitando-se como cumpridos pelo recorrente os ónus previstos no art. 640.º do CPC, tem-se presente que estabelece o art. 662.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto que:
“1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” (sublinhamos)
Com referência a este normativo tem sido sustentado por esta Relação o entendimento de que, “Em suma, o uso dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de manifesta desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos impugnados, acrescendo dizer que estando em causa a análise de prova gravada só se deve abalar a convicção criada pelo juiz a quo, em casos pontuais e excepcionais, ou seja quando não estando em causa a confissão ou qualquer facto só susceptível de prova documental, se verifique que as respostas dadas não têm qualquer suporte nos elementos de prova trazidos aos autos ou estão em manifesta contradição com a prova produzida, ou não têm qualquer fundamento perante a prova constante dos autos.”[1]
Ora, tendo-se procedido à audição integral dos depoimentos – de parte, e os prestados pelas testemunhas arroladas – e declarações de parte, e à análise dos documentos juntos, temos de concluir que em parte tem a recorrente razão: não se descortina prova com um mínimo de consistência de que «as férias não gozadas eram incluídas na rubrica “ajudas de custo” nos recibos de vencimento referidos em 16.»
Com efeito, e desde logo, o último recibo de vencimento junto pela ré com o requerimento de 19.7.2022, reportado ao mês de Janeiro de 2021 e datado de 31.01.2021, identifica a remuneração aí inscrita como “Férias n/Goz Fim cont.”, o que manifestamente significa que se trata de um pagamento respeitante a férias não gozadas, e o que evidentemente conflitua com a afirmação de que «as férias não gozadas eram incluídas na rubrica “ajudas de custo”».
Acresce que a gerente da ré CC no depoimento que prestou e a propósito desta matéria disse expressamente que as férias (os pagamentos) “estão mencionadas nos recibos”, com isto querendo significar que os pagamentos relativos às férias estavam todos identificados em rubrica própria, mais referindo que no último recibo tem o pagamento de férias não gozadas, sendo que o outro gerente da ré, e companheiro da gerente CC, referiu que “as férias é com a Sra. CC, que ela é que trata disso…”.
Já quanto à restante à matéria que consta do mesmo número como provada, entendemos que o recorrente não tem razão.
Efectivamente não existem elementos de prova que ponham seriamente em crise a convicção que o Tribunal a quo formou por considerar credível a versão – quanto ao acordo de pagamento, e v.g. no que tange ao pagamento do trabalho prestado em sábados, domingos e feriados ser incluído na rubrica “ajudas de custo”, que consta nos recibos de vencimento referidos em 16. – que a propósito foi dada pelos dois gerentes da ré, tanto mais que, como consta da motivação dessa matéria de facto, mostrou-se corroborada pelos depoimentos das testemunhas DD e EE.
Com efeito, atentos os depoimentos prestados por estas testemunhas, que se mostraram conhecedores das práticas adoptadas, no que concerne à remuneração dos trabalhadores, quer neste sector de actividade quer na própria empresa ré, os depoimentos dos ditos gerentes foram de facto, e no essencial, corroborados.
Altera-se, pois e em conformidade, a redacção do ponto 19 dos factos provados nos seguintes termos: “O pagamento do trabalho prestado em sábados, domingos e feriados (cláusula 50ª, nº 1 do CCT 2020) era incluído na rubrica “ajudas de custo” nos recibos de vencimento referidos em 16.”, considerando-se não provada a restante matéria que dele consta.
Mais sustenta o recorrente que o Tribunal de primeira instância deu como não provado que “A Ré não permitiu ao Autor gozar os descansos compensatórios relativos aos 18 domingos e 8 feriados trabalhados entre ../../2020 e ../../2020.”, mas devia ter considerado provada tal factualidade.
Afigura-se-nos que não tem razão.
Os documentos juntos aos autos não permitem, per si, extrair que assim é.
É certo que o autor nas declarações que prestou disse que não gozou os descansos compensatórios.
Mas nisso foi contrariado pelos gerentes da ré, que disseram que o autor por regra gozava os descansos compensatórios, e que quando não gozava lhe eram pagos nas ajudas de custo, nesse sentido tendo sido também o depoimento da testemunha EE.
Por outro lado, a companheira do autor e que com ele partilhava a condução do camião (foi igualmente admitida pela ré, na mesma ocasião que o autor), tendo deposto como testemunha, por várias vezes aludiu a que a ré lhe pagava um prémio “por não fazerem descanso em casa”, “…era os prémios por não estar em casa a gozar…”, “era os prémios que nos davam para a gente não ficar em casa a fazer o descanso devido…”, donde sempre ficar a dúvida se, ainda que eventualmente não gozados os, ou todos os, descansos compensatórios, a ré não ressarciu o autor/recorrente por isso.
O recorrente sustenta que o Tribunal recorrido devia ter determinado a inversão do ónus da prova.
Contendendo com este argumento, na decisão recorrida discorreu-se nos termos seguintes:
“Quanto à prova documental, tem-se em conta que a ré foi notificada para juntar aos autos os documentos que se encontram na sua posse e cujo conhecimento se revelava relevante para a boa decisão da causa (ao abrigo do disposto nos artigos 417º, nº 1, do art. 429º, tendo pedido o autor, ante a necessidade de insistência junto da ré para a sua junção a cominação do disposto nos artigos 542º, alínea c), 430º e 417º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), a saber, o registo do trabalho normal e suplementar efetuado pelo A., bem como o registo dos descansos compensatórios concedidos; todos os mapas de viagem/ itinerário entregues pelo A. durante toda a vigência do contrato; leitura do cartão de condutor e cópias de todos os CMR`s correspondentes às cargas efetuadas pelo A., durante a vigência do contrato. A ré juntou os recibos de vencimento e o registo do tempo de trabalho e valor das ajudas de custo pagas ao autor, documento este cujo teor foi impugnado. Não efetuou a junção dos restantes documentos invocando impossibilidade fundada em constrangimentos eletrónicos insuperáveis. Esta resposta não foi questionada pelo autor, não existindo nos autos informação que a permita contrariar. Apesar disso, quanto à não junção de documentos pela ré, consideramos que não se deve julgar invertido o ónus da prova dos factos que o autor pretendia provar com a sua junção, nos termos dos arts. 417º, n.º 2 do Código de Processo Civil e 344º, n.º 2 do Código Civil, dado que o autor não provou que esses documentos estejam, neste momento, na posse da ré – que não se recusou a proceder à sua junção, antes tendo procedido à junção daqueles que tinha na sua disponibilidade – e que esta tenha tornado impossível culposamente a prova desses mesmos factos por parte do autor, que sempre os poderia provar de outra forma, mormente até com a prova testemunhal que indicou, dado que a única testemunha que arrolou se referiu, embora não de forma convincente, e com generalidade aos mesmos, e pediu os depoimento de parte dos legais representantes da ré. “De acordo com o artigo 344, n.2 do Código Civil, para que haja inversão do ónus da prova, é necessário: a) que a prova de determinada factualidade se tenha tornado impossível de fazer, por ação (comissiva ou omissiva) da parte contrária; e b) que tal comportamento lhe seja imputável a título culposo”). Só ocorre a inversão do ónus da prova, nas situações limite em que se verifique uma intenção inequívoca de destruir ou ocultar meios de prova para impedir a contraparte de efetivar o seu direito. Ou seja, só as situações em que a parte culposamente impossibilite a prova é que são geradoras da inversão do ónus, todas as demais situações geradoras da violação do dever de cooperação para a descoberta da verdade devem ser analisadas atendendo à natureza da recusa, sendo o valor da recusa livremente apreciado pelo tribunal para efeitos probatórios – cfr. art.º 417.º n.º 2 do CPC. “Acresce ainda dizer, que a circunstância da recusa da contraparte tornar culposamente a prova impossível ou tornar particularmente difícil a prova não dá lugar, sem mais, a que o facto controvertido se tenha por verdadeiro ou como provado. Na verdade, tal recusa, não tem como consequência necessária que o facto se tenha por provado contra a parte recusante pois, não se trata de estarmos perante um meio de prova com força probatória plena. Atender à dita recusa apenas significa que passou a caber à parte recusante a prova da falta de realidade desse facto, não estando, por isso, o tribunal dispensado de valorar essa recusa para efeitos da formação da sua convicção com vista a dar, como provado, ou não, o facto em causa. Conjugando o teor dos depoimentos de partes prestados pelos legais representantes da ré e declarações de parte do autor, retira-se que o autor era proactivo na “contabilidade” do trabalho que prestava para Ré, registando mensalmente todos os créditos que tinha a receber em razão do concreto trabalho prestado nesse período e se houvesse alguma diferença por defeito, prontamente reclamava o pagamento devido. Tendo o Autor nove anos de experiência no setor dos transportes internacionais de mercadorias, e trabalhando por contrato a termo, à luz da experiencia e do senso comum, seria expectável que mantivesse a informação que sustentasse em caso de litigio a sua razão quanto à falta de pagamento de trabalho efetivamente prestado. Referimos por último, que do depoimento de parte requerido aos legais representantes resultou afirmado, relativamente ao trabalho prestado aos sábados, domingos e feriados, apesar da prova documental do autor se ter cingido à cópia das “descargas de cartões de motorista - documento nº 22 “ do mesmo consta apenas o período de 22.02.2020 até 30.11.2020, o que pode significar que só juntou o período que lhe interessou ou que não foi diligente em fazer descargas de todo o período em que trabalhou. Aliás, o “cartão de motorista6” é pessoal e tem o registo de dados de 5 anos, sendo que as máquinas ditas “normais” conseguem descarregar os dados dos dois últimos anos, mas a ACT dispõe de meios técnicos para “ir buscar os registos desses até 5 anos”. Portanto, ao abrigo do principio da autorresponsabilização das partes, não se pode exigir a contraparte maior diligencia do que a apor si observada.”
Concordamos com este entendimento, enfatizando nós que o recorrente não provou que a ré estava na posse dos documentos cuja junção aos autos requereu que a mesma efectuasse, ou que se desfizesse dos mesmos para se escusar a essa junção, sendo que a ré juntou aqueles que disse ter na sua disponibilidade e, por outra banda, os factos em questão são susceptíveis de ser provados através de outra prova, que não a documental.
Como se sintetizou em Ac. do STJ de 22/3/2018, a não junção de documentos não leva à inversão do ónus da prova “quando não decorre dos autos que tal omissão tenha sido deliberada, ou sequer culposa, ou que o recorrente estivesse impossibilitado de fazer essa prova, já que lhe seria lícito utilizar qualquer outro meio de prova legalmente admitido.”[2]
Consequentemente, e à excepção da acima determinada alteração do n.º 19 dos factos provados, improcede a impugnação da matéria de facto.
- Da questão formulada em segundo lugar [Eventualmente (dependendo da resposta dada à questão anterior), aplicação do Direito aos “novos” factos provados.]:
Com relevo aqui, temos que não consta já dos factos provados que «as férias não gozadas eram incluídas na rubrica “ajudas de custo”».
Na sentença recorrida discorreu-se a propósito:
“Como julgado provado no ponto 7), o Autor gozou 11 dias de férias em setembro de 2019, 10 dias de férias setembro de 2020 e 3 dias de férias em janeiro de 2020, faltando-lhe o gozo dos restantes 19 dias de férias a que tinha direito relativamente ao período de execução do contrato de trabalho (não os 21 dias peticionados, por não se ter provado o facto referido em O). Com efeito, o Autor provou, como lhe competia, os factos constitutivos do direito ao gozo de férias e à sua retribuição, quais sejam a existência e a execução de um contrato de trabalho que perdurou entre 03-01-2019 e 02-01-2021.Cabia à Ré provar os factos extintivos do direito do autor: que este gozou as férias a que tinha direito e recebeu o respetivo pagamento. “ (…) Ora, da matéria de facto não se extrai que a Ré tenha feito essa prova, pelo que se reconhece o direito do Autor ao recebimento do valor de € 1.111,07 correspondente aos referidos 19 dias de férias não gozados. A demonstração matemática do valor de € 1.111,07: 11 dias do ano 2019 – [(630,00 + 31,50 + 63,00 + 130,00 + 309,09): 22) X 11= €582,20 e 9 dias do ano 2020 - [(700,00 + 35,00 + 70,00 + 135 + 352,80): 22) X 9 = €528,87. Contudo haverá que se extrair as consequências legais de ter sido este pagamento incluído na rubrica de ajudas de custo. Em decorrência, pelas razões infra expostas, terá que primeiro se apurar se este valor se encontra efetivamente refletido nos pagamentos efetuados a titulo de ajudas de custo, por força nulidade do sistema retributivo acordado por trabalhador e empregador ou, como supra se referiu, ainda que unilateralmente determinado pela Ré empregadora, face ao disposto no art. 289º do Código Civil, face ao facto provado em 19). Assim, a exigibilidade desse crédito é relegada para execução de sentença, pelas razões infra explanadas, sem prejuízo de decair parcialmente o pedido deduzido nesta parte pelo autor de pagamento da quantia de €1.228,60, calculado tenho por base 21 dias de ferias não gozadas, na medida e que apenas restava gozar ao autor não esse numero, mas apenas 19 dias.”
Ora, não subsiste o fundamento aduzido pelo Tribunal recorrido para relegar para o incidente de liquidação o apuramento do crédito devido pelas férias não gozadas, mais não restando que condenar a ré de acordo com o reconhecido direito do autor ao recebimento, com este fundamento, do valor de € 1.111,07.
- Da omissão de pronúncia:
Pretende ainda o recorrente que a sentença recorrida não concretiza a totalidade dos valores que o autor tem direito a receber e relega o respetivo apuramento para liquidação de sentença, o que deve ser sanado por este Tribunal da Relação, pois “tais valores encontram-se devidamente enunciados, explicitados e calculados na petição inicial.”
A omissão de pronúncia assim caracterizada não integra qualquer nulidade da sentença a que se reporta o art. 615.º do CPC, antes a existir configura um erro de julgamento.
Atento o decidido quanto à questão anterior, é esta a parte do dispositivo que agora está em causa:
“B- Reconheço que o Autor no âmbito da execução do contrato de trabalho dos autos tem direito ao recebimento da Ré: 1. da diferença verificada entre o valor pago em duodécimos a titulo de subsídio de férias e de natal e os (valores) previstos previsto nos IRCT’s, face aos factos provados em 7), nos períodos compreendidos entre fevereiro a dezembro de 2019 e janeiro a dezembro do ano 2020, relegando para execução de sentença a liquidação do valor exato do crédito do Autor, tendo como limite máximo os valores peticionado nos autos de €1.075,75 e €63,54, respetivamente. 2. Declara-se oficiosamente nula e com efeitos retroativos, a alteração do modo de pagamento do trabalho suplementar prestado pelo Autor, Cláusula 51ª nº1 CCT de 2020 (…), consubstanciado no pagamento de tais retribuições na rubrica ajudas de custo, por afrontar norma imperativa (art. 476º, do CT), por esse sistema não ser mais vantajoso para o trabalhador; 2.1- Em decorrência, condena-se: a Ré no pagamento ao Autor das quantias devidas a titulo o trabalho suplementar por força das rubricas previstas no CCTV (…) e o Réu restituir, por sua vez, as importâncias recebidas a tais títulos, em consequência do regime remuneratório praticado nos termos do art. 289.º, n.º 1, do Código Civil, tendo apenas direito à estrita diferença em que tenha sido prejudicado, sob pena de enriquecimento injustificado da sua parte; 3. Relego para execução de sentença o apuramento do valor em divida relativo aos créditos referidos em B.2, ou seja: (…) 3.2 - Do crédito relativo ao pagamento do trabalho suplementar prestado pelo Autor, no ano de 2020, no total de 32 sábados, 20 domingos e 9 feriados, tendo como limite máximo o valor peticionado pelo autor de €2.989,00.”
Quanto à condenação a que se reporta a al. B-1., o Tribunal recorrido fundamentou assim a sua opção para relegar para liquidação de sentença o respectivo valor:
“Quanto ao apuramento da diferença verificada entre o valor pago em duodécimos (por defeito) e constantes nos recibos de vencimento a titulo de subsídio de férias e de natal e os (valores) previstos previsto nos IRCT’s, face aos factos provados em 7), nos períodos compreendidos entre fevereiro a dezembro de 2019 e janeiro a dezembro do ano 2020, entende o Tribunal que não se deve substituir à parte na determinação do valor exato, que implica determinar o valor do subsídio de ferias e de natal nos anos 2019 e 2020, e posteriormente calcular a diferença entre o valor constante dos recibos de vencimento juntos aos autos e o previsto nas CCTV, já que os valores alegados na petição inicial não são coincidentes com os constantes dos recibos de pagamento, nem o resultado apurado se mostra exato em decorrência disso. Portanto, o apuramento e a demonstração matemática do resultado, deverá ser efetuada em sede de liquidação de sentença, tendo por base os factos provados, condenando o Tribunal no que vier a ser liquidado, tendo como limite o valor do pedido deduzido nesta parte.”
Neste particular não se vê efectivamente que matéria de facto careça de ser apurada para que a liquidação possa ser feita.
Com efeito, do ponto 6 dos factos provados (afigurando-se que quando no trecho da sentença acima citado se escreveu “face aos factos provados em 7” se quis dizer “…em 6”) constam os meses/anos em que o autor recebeu duodécimos de subsídios de férias e de Natal e os respectivos montantes.
Também está provado o valor da retribuição mensal base do autor: € 630,00 desde o início do contrato, e a partir de Janeiro 2020 (inclusive) € 700,00, e bem assim os complementos remuneratórios que a ré pagou ao autor – ponto 2.3 e ponto 16 dos factos provados (este conjugado com os recibos de vencimento de Janeiro 2020 e ss juntos aos autos e, quanto aos complementos, ainda com os restantes recibos juntos).
Mais, encontra-se exarado na sentença recorrida – e nessa parte não objecto de recurso – quais os valores (retribuição base e complementos remuneratórios) que devem integrar o subsídio de férias e quais os que devem integrar (ou não!) o subsídio de Natal.
Assim, consta da sentença:
“férias, em que, em cada ano civil, cada trabalhador tem direito trinta dias de calendário, a que acresce um subsídio de igual montante ao da retribuição das férias (Cláusula 43ª do CCT).A referida retribuição “específica” [«retribuição “específica” calculada nos termos legais e referente à cláusula 61 da C.C.T»] (tal como sucede com o Prémio TIR), nos termos dos arts. 260º, 262º e 264º do Código do Trabalho, deve ser paga também quanto às férias e ao subsídio de férias do Autor(assim, já o referia o Acórdão da Relação de Lisboa de 26 de janeiro de 2011, retirado de www.dgsi.pt, dado que integra a sua retribuição devida quando está em serviço efetivo e é também a “contrapartida do modo específico da execução do trabalho”), o mesmo já não sucedendo quanto ao subsídio de Natal, devido ao teor do art. 263º do Código do Trabalho em que se refere apenas ao pagamento de “um mês de retribuição” e não a quaisquer outras prestações retributivas, quando conjugado com o disposto no art. 262º do mesmo diploma legal.” (negrito nosso)
Daqui decorre que, ao contrário do peticionado pela ré (repete-se, de acordo com o decidido na sentença e nessa parte não objecto de recurso), no cômputo do subsídio de férias não se inclui o complemento salarial/Cláusula 45.ª/59.ª nem a remuneração por trabalho nocturno/Cláusula 48.ª/63.ª, e para achar o valor do subsídio de Natal apenas importa o valor da retribuição base.
O que se impõe então – e impunha ao Tribunal recorrido – é efectuar os pertinentes cálculos, para achar o valor das enunciadas diferenças – cf. art. 609.º/2 do CPC.
E, fazendo-o, alcançamos o valor em dívida, quanto ao subsídio de férias, de € 890,18 [(€ 630,00 + € 130,00 + € 309,00 = € 1.069,00 : 12/meses = € 89,08 – € 52,50 = € 36,58 X 11/meses = € 402,38) + (€ 700,00 + € 135,00 + € 352,80 = € 1.187,80 : 12/meses = € 98,98 – € 58,33 = € 40,65 X 12/meses = € 487, 08)]
Quanto ao subsídio de Natal não há quaisquer diferenças apurar, posto que a ré já pagou os duodécimos de acordo com a retribuição base.
Relativamente à condenação contida em B-2., “3.4.1.3 – [o autor tem direito] Aos diferenciais relativos ao pagamento do trabalho suplementar prestado pelo Autor, no ano de 2020, aos sábados, domingos e feriados, tal como prevê a Cláusula 51ª nº1 CCT de 2020, nos termos dados como provados em 9), no total de 32 sábados, 20 domingos e 9 feriados. Como resulta da palavra “diferencial”, haverá, de qualquer forma, de descontar as quantias já pagas pela Ré ao Autor e destinadas ao pagamento das referidas prestações retributivas, face também à nulidade do sistema retributivo acordado por trabalhador e empregador ou, como supra se referiu, ainda que unilateralmente determinado pela Ré empregadora, face ao disposto no art. 289º do Código Civil, face ao facto provado em 19). § O apuramento dessa diferença é relegado para execução de sentença, pelas razões infra explanadas, fixando-se o limite máximo no valor do pedido deduzido pelo Autor nos autos quanto a este concreto pedido.”
Como se decidiu na sentença recorrida, o pagamento do trabalho prestado em sábados, domingos e feriados (cláusula 50ª, nº 1 do CCT 2020) era incluído na rubrica “ajudas de custo”, havendo por isso que determinar, em razão da declarada nulidade do sistema retributivo, se os valores que foram pagos ao autor título de ajudas de custo – e atentos os outros complementos remuneratórios que as ajudas de custo igualmente visavam pagar – foram suficientes para saldar os valores que, de acordo com o CCT aplicável, eram devidos ao autor pelo trabalho suplementar por si prestado em sábados, domingos e feriados ou não e, neste caso, qual o valor ainda em falta.
Ora, é evidente que neste particular existe matéria que contende com essa liquidação que não faz parte do acervo dos factos provados, mormente determinar o que, em concreto, visaram pagar as quantias que a título de “ajudas de custo” a ré entregou ao autor.
V - DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente:
Revoga-se o dispositivo da sentença na parte em que consta:
“B- Reconheço que o Autor no âmbito da execução do contrato de trabalho dos autos tem direito ao recebimento da Ré:
1. da diferença verificada entre o valor pago em duodécimos a titulo de subsídio de férias e de natal e os (valores) previstos previsto nos IRCT’s, face aos factos provados em 7), nos períodos compreendidos entre fevereiro a dezembro de 2019 e janeiro a dezembro do ano 2020, relegando para execução de sentença a liquidação do valor exato do crédito do Autor, tendo como limite máximo os valores peticionado nos autos de €1.075,75 e €63,54, respetivamente.
2. Declara-se oficiosamente nula e com efeitos retroativos, a alteração do modo de pagamento do trabalho suplementar prestado pelo Autor, Cláusula 51ª nº1 CCT de 2020 e das férias não gozadas, consubstanciado no pagamento de tais retribuições na rubrica ajudas de custo, por afrontar norma imperativa (art. 476º, do CT), por esse sistema não ser mais vantajoso para o trabalhador;
2.1- Em decorrência, condena-se:
a Ré no pagamento ao Autor das quantias devidas a titulo o trabalho suplementar por força das rubricas previstas no CCTV e do crédito correspondente ao valor das férias não gozadas e
o Réu restituir, por sua vez, as importâncias recebidas a tais títulos, em consequência do regime remuneratório praticado nos termos do art. 289.º, n.º 1, do Código Civil, tendo apenas direito à estrita diferença em que tenha sido prejudicado, sob pena de enriquecimento injustificado da sua parte;
3. Relego para execução de sentença o apuramento do valor em divida relativo aos créditos referidos em B.2, ou seja:
3.1 – Aos 19 dias de férias não gozadas nos anos de 2019 e 2020, tendo como limite máximo o valor de € 1.111,07;
3.2 - Do crédito relativo ao pagamento do trabalho suplementar prestado pelo Autor, no ano de 2020, no total de 32 sábados, 20 domingos e 9 feriados, tendo como limite máximo o valor peticionado pelo autor de €2.989,00.”
E, em sua substituição, decide-se:
B- Reconheço que o Autor no âmbito da execução do contrato de trabalho dos autos tem direito ao recebimento da Ré:
1. da diferença verificada entre o valor pago em duodécimos a titulo de subsídio de férias e de natal e os (valores) previstos previsto nos IRCT’s, face aos factos provados em 6), nos períodos compreendidos entre fevereiro a dezembro de 2019 e janeiro a dezembro do ano 2020, diferença essa no valor global de € 890,18 (oitocentos e noventa euros e dezoito cêntimos).
2. Declara-se oficiosamente nula e com efeitos retroativos, a alteração do modo de pagamento do trabalho suplementar prestado pelo Autor, Cláusula 51ª nº1 CCT de 2020, consubstanciado no pagamento de tais retribuições na rubrica ajudas de custo, por afrontar norma imperativa (art. 476º, do CT), por esse sistema não ser mais vantajoso para o trabalhador;
2.1- Em decorrência, condena-se:
a Ré no pagamento ao Autor das quantias devidas a titulo o trabalho suplementar por força das rubricas previstas no CCTV
o Réu restituir, por sua vez, as importâncias recebidas a tal título, em consequência do regime remuneratório praticado nos termos do art. 289.º, n.º 1, do Código Civil, tendo apenas direito à estrita diferença em que tenha sido prejudicado, sob pena de enriquecimento injustificado da sua parte;
3. Relego para liquidação de sentença o apuramento do crédito relativo ao pagamento do trabalho suplementar prestado pelo Autor, no ano de 2020, no total de 32 sábados, 20 domingos e 9 feriados, tendo como limite máximo o valor peticionado pelo autor de €2.989,00.
3.1 Condeno a Ré a pagar ao Autor, respeitante aos 19 dias de férias não gozadas nos anos de 2019 e 2020, o valor de € 1.111,07 (mil cento e onze euros e sete cêntimos;”
No mais, mantem-se a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo do recorrente e da recorrida, na proporção de metade por cada um.
Notifique.
Guimarães, 06 de Março de 2025
Francisco Sousa Pereira (relator)
Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
Vera Maria Sottomayor
[1] Ac. RG de 19.09.2024, Proc. n.º 2629/23.0T8VRL.G1, Vera Sottomayor [2] Proc. 67525/14.6YIPRT.L1.S1, www.dgsi.pt ; no mesmo sentido, e a título de ex., Ac. STJ de 15-01-2019, Proc. 9055/15.2T8LSB.L1.S1, Ferreira Pinto, in www.dgsi.pt