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RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
JUSTA CAUSA
INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO
Sumário
I - A indemnização devida ao trabalhador pela resolução com justa causa do contrato de trabalho tem natureza unitária e abarca os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo trabalhador e deve ser fixada dentro dos limites previstos no art. 396.º, n.º 1, do CT. II - O n.º 3 do normativo veio resolver o problema da limitação indemnizatória que resulta do referido nº 1, permitindo o ressarcimento da totalidade do dano. Fixado o valor indemnizatório por aplicação da regra do n.º 1, importa confrontá-lo com o montante efetivo dos danos, atribuindo-se o maior desses valores.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães
I – RELATÓRIO
AA, com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra EMP01... S.A., também nos autos melhor identificada, pedindo a condenação desta a:
a) pagar à Autora a quantia total de 12.209,59 € (doze mil duzentos e nove euros e cinquenta e nove cêntimos).
b) pagar juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, desde a citação até efetiva liquidação das importâncias em que vier a ser condenada;
c) pagar as custas, procuradoria e demais encargos com o processo.
Alegou, para o efeito e muito em síntese, que celebrou contrato de trabalho com a ré, que cessou por sua iniciativa, com invocação de justa causa, não tendo sido pagas a indemnização devida nos termos do art.º 396.º do CT e a indemnização a que também tem direito em consequência dos danos não patrimoniais que sofreu.
Em sede de audiência de partes, veio a autora alterar o pedido, no sentido de ser a ré condenada a reconhecer a licitude da resolução do contrato de trabalho, e condenada no pagamento daquela quantia, nos termos do artigo 396º do CT.
A ré, frustrada a conciliação, apresentou contestação, defendendo-se por impugnação quanto a parte da factualidade alegada pela autora, pugnando pela inexistência de justa causa para a resolução do contrato e a falta de fundamento para a indemnização peticionada.
Foi então proferido saneador – sentença no qual se fez, designadamente, constar:
“Atentas as posições assumidas pelas partes, em sede de articulados, e tendo sido já notificadas aquelas para se pronunciarem, nomeadamente com a realização de audiência de partes, torna-se possível o conhecimento do mérito da acção, nos termos do artigo 61º, n.º 2 do CPT”
Concluindo-se a sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto julgo a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolvo a ré dos pedidos.”
Desta decisão recorreu a autora e, obtendo a apelação parcial provimento, consta, em suma, do dispositivo do acórdão desta Relação que conheceu desse recurso: “julgar parcialmente procedente a apelação e anular parcialmente a decisão recorrida, sendo efectuado novo julgamento, com ampliação da matéria de facto nos termos acima referidos.”
[constando da fundamentação do acórdão: De facto, a sentença não contém – nem como factos provados nem como não provados – decisão sobre matéria de facto que manifestamente interessa, segundo as várias soluções de direito plausíveis, à boa decisão da causa. Com efeito, tendo em consideração o pedido efectuado e a causa de pedir que foi invocada para o sustentar, mormente quanto aos factos que alegadamente constituem justa causa para a resolução do contrato de trabalho, e que não se resumem aos factos considerados assentes de 8 a 12 do elenco da matéria de facto, é para nós manifesto que foram desconsiderados factos que relevam para a boa decisão da causa, nomeadamente os factos alegados nos artigos 66.º (a ré utilizou o procedimento disciplinar para: desincentivar a procura pela autora de um, eventual e futuro, desafio profissional, com a ameaça de despedimento, por a autora necessitar da remuneração; criar na trabalhadora a convicção de que não pode exercer a sua autonomia e autodeterminação pessoal, bem como os seus direitos, de definir/redefinir o futuro da sua carreira, de acordo com as suas necessidades internas, criar o medo/receio de o registo de sanções disciplinares diminuir a possibilidade de encontrar e ser aceite por um novo empregador; “manchar” o seu currículo, obstando ou diminuindo as hipóteses de evolução profissional da trabalhadora), 67.º (ao suspender preventivamente a trabalhadora a ré quis e conseguiu vexar, humilhar e diminuir a autora enquanto profissional), 68.º (com este tipo de conduta pretendia refrear, deliberada e intencionalmente, as aspirações da profissional/autora), 70.º (esta conduta da ré ocasionou problemas de saúde à autora, tendo que recorrer a baixas médicas), e bem assim os factos (concretizadores do alegado em 70.º5) alegados em 115.º (a conduta da ré causou uma grande revolta, frustração, angústia, inquietude, incerteza e preocupação à autora), 116.º (que, durante meses, viveu em contínuo desassossego, sentindo-se oprimida e violentada), 117.º (perdeu a tranquilidade do sono, passando muitas noites em claro, não conseguindo se abstrair do que estava a acontecer) e 118.º (deixou de ter vontade e força anímica para socializar e estar em família) da petição inicial.]
Baixando os autos à 1.ª instância, prosseguiram aí a sua tramitação, vindo a realizar-se audiência final e, após, foi proferida sentença com o seguinte diapositivo:
“Pelo exposto: a) julgo parcialmente procedente os pedidos formulados e, consequentemente, julgo provada a justa causa de resolução do contrato de trabalho pela autora e; b) condeno a ré a pagar à autora a quantia de €3.600,00 (três mil seiscentos euros), a título de indemnização global pela resolução do contrato com fundamento em justa causa (art.º 396º, nº 1 e 3 do CT). c) condeno a ré a pagar juros de mora sobre a apurada quantia, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
*
Custas a cargo de ambas as partes, na proporção do decaimento (29,49 % para a ré e 70,51 % para a autora), sem prejuízo do apoio judiciário concedido.”
Inconformada com esta decisão, dela veio a ré interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
(…)
A autora apresentou contra–alegações,e apresentou recuso subordinado, que concluiu assim:
(…)
Admitidos os recursos, principal e subordinado, na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso da ré e concedido provimento parcial ao recurso da autora.
Tal parecer não mereceu qualquer resposta.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II OBJECTO DO RECURSO
Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se então as questões que cumpre apreciar:
(recurso principal)
- Impugnação da matéria de facto;
- Inexistência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho;
(recurso subordinado)
- Quantum indemnizatório arbitrado à autora.
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos que constam da decisão recorrida como provados são os seguintes:
“1. A Autora foi admitida ao serviço da Ré, no dia 19 de agosto de 2019, mediante contrato de trabalho a termo certo, para sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer as funções inerentes à categoria profissional de Vendedora.
2. Em 06 de agosto de 2021, por Aditamento ao Contrato de Trabalho, a Autora e a Ré acordaram na conversão do contrato a termo certo para contrato sem termo, com efeitos a partir de 18 de agosto de 2021.
3. No âmbito deste contrato, a Autora exerceu funções de Vendedora de Automóveis, cabendo-lhe promover e vender veículos automóveis, assim como todos os produtos e serviços aos mesmos associados, por conta exclusiva da Primeira Outorgante, dentro e fora do estabelecimento, sempre de acordo com os objetivos por esta definidos.
4. Foi estipulado que a retribuição mensal ilíquida da BB seria de 600,00 € (seiscentos euros), à qual seriam deduzidos os impostos legais e descontos legais.
5. E ainda que, por cada dia de trabalho efetivamente prestado, lhe seria pago o subsídio de alimentação correspondente, cujo valor seria atualizado de acordo com as regras estabelecidas para os trabalhadores da função pública;
6. À relação laboral em causa é aplicável o Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) celebrado entre a ACAP – Associação Automóvel de Portugal e outras e o SINDEL – Sindicato Nacional de Indústria e Energia e Outros.
7. Mediante a Portaria de Extensão n.º 3/2011, de 3 de janeiro o CCT supra referido foi estendido às relações de trabalho entre empregadores não filiados na associação de empregadores outorgantes que exerçam a atividade económica abrangida pelas convenções e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nelas previstas a todo o território nacional continental.
8. No dia 28 de março de 2022, a Ré comunicou à Autora, por contato pessoal, a sua suspensão preventiva do exercício de funções, com produção imediata de efeitos, e sem perda de retribuição.
9. Sendo que, em 04 de maio de 2022, a Autora foi notificada, por carta registada com A/R, da instauração pela Ré de um procedimento disciplinar contra si, e do conteúdo da nota de culpa, anexa aquela comunicação.
10. Da qual resultava expressamente a intenção de a Ré proceder ao despedimento da trabalhadora com justa causa, após a conclusão do procedimento em curso.
11. Porquanto, no dia 23 de março de 2022, a Autora publicou na plataforma ... que procurava emprego, nos termos que ora se transcreve: “Olá a todos. Estou procurando emprego e agradecia o seu apoio. Agradeço, antecipadamente, por quaisquer conexões, conselhos ou oportunidades que você possa oferecer. #opentowork;
12. Sendo este o alegado comportamento ilícito e culposo praticado pela trabalhadora, que justificou a abertura daquele procedimento e a aplicação da sanção disciplinar de dois dias de férias, conforme resulta da Decisão e Relatório final1.
13. A autora esteve de baixa médica, de 28/07 a 26/08, tendo remetido à ré os competentes certificados de incapacidade temporária para o trabalho.
14. A Autora, em 08 de agosto de 2022, resolveu o contrato de trabalho, invocando justa causa, com produção imediata de efeitos, após a receção da comunicação pela Ré, conforme missiva registada com AR, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
15. Invocando como fundamentos, nomeadamente, a instauração de um procedimento disciplinar destituído de qualquer fundamento material e legal, com o único propósito de retaliar e obstar à vontade demonstrada pela Apelante de procurar um novo desafio profissional, visando vedar-lhe uma mudança de emprego e usando o procedimento disciplinar para:
- desincentivar a procura de um, eventual e futuro, desafio profissional, com a ameaça de despedimento, por a Autora necessitar efetivamente da remuneração;
- criar na trabalhadora a convicção de que não pode exercer a sua autonomia e autodeterminação pessoal, bem como os seus direitos, de definir/redefinir o futuro da sua carreira, de acordo com as suas necessidades internas.
- criar o medo/receio de o registo de sanções disciplinares diminuir a possibilidade de encontrar e ser aceite por um novo empregador.
- “manchar” o seu currículo, obstando ou diminuindo as hipóteses de evolução profissional da trabalhadora.
Ao suspender preventivamente a trabalhadora, sem qualquer fundamento para tal, a Ré quis e conseguiu vexar, humilhar e diminuir a Autora enquanto profissional, colocando em causa a sua ética.
Com este tipo de conduta pretendia refrear, deliberada e intencionalmente, as legítimas aspirações de uma excelente profissional,
Desconsiderando o impacto deste tipo de conduta na saúde psicológica/emocional e física da trabalhadora, Que lhe ocasionaram problemas de saúde, tendo que recorrer a baixas médicas.”
16. Contudo, a Ré não aceitou a justa causa, tendo respondido, para além do mais, o seguinte: “Aceitamos, contudo, a decisão de V. Excia., de por sua iniciativa, denunciar o contrato de trabalho que a une à EMP01...”.
*
Cuja ampliação se determinou no Acórdão:
17. A ré utilizou o procedimento disciplinar para criar na autora o medo/receio de o registo de sanções disciplinares diminuir a possibilidade de encontrar e ser aceite por um novo empregador; “manchar” o seu currículo, obstando ou diminuindo as hipóteses de evolução profissional da trabalhadora.
18. Ao suspender preventivamente a trabalhadora, a ré quis e conseguiu vexar, humilhar e diminuir a autora enquanto profissional.
19. E pretendia refrear, deliberada e intencionalmente, as aspirações profissionais da autora.
20. A conduta da ré ocasionou problemas de saúde à autora, tendo que recorrer a baixas médicas.
21. A conduta da ré causou uma grande revolta, frustração, angústia, inquietude, incerteza e preocupação à autora.
22. A autora, durante meses, viveu em contínuo desassossego, sentindo-se oprimida e violentada.
23. E deixou de ter vontade e força anímica para socializar e estar em família.
24. E perdeu a tranquilidade do sono, não conseguindo abstrair-se do que estava a acontecer.”
E os factos não provados:
“Todos os demais factos alegados, designadamente:
A. A ré utilizou o procedimento disciplinar para desincentivar a procura pela autora de um, eventual e futuro, desafio profissional, com a ameaça de despedimento, por a autora necessitar da remuneração.
B. E para criar na trabalhadora a convicção de que não pode exercer a sua autonomia e autodeterminação pessoal, bem como os seus direitos, de definir/redefinir o futuro da sua carreira, de acordo com as suas necessidades internas.”
IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO
- Da impugnação da matéria de facto:
A ré/recorrente pretende a eliminação dos factos 17., 18. e 19., do elenco dos factos dados como provados, que devem ser aditados à lista dos factos não provados.
Propugna que se impõe, ainda, a eliminação dos factos 20. a 24., do elenco dos factos dados como provados, sendo aditados à lista dos factos não provados.
Mostrando-se suficientemente observados pela recorrente os ónus previstos no art. 640.º do CPC, vejamos se tem cabimento a sua pretensão.
Estabelece o art. 662.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto que:
“1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” (sublinhamos)
Com referência a este normativo tem sido sustentado por esta Relação o entendimento de que, “Em suma, o uso dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de manifesta desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos impugnados, acrescendo dizer que estando em causa a análise de prova gravada só se deve abalar a convicção criada pelo juiz a quo, em casos pontuais e excepcionais, ou seja quando não estando em causa a confissão ou qualquer facto só susceptível de prova documental, se verifique que as respostas dadas não têm qualquer suporte nos elementos de prova trazidos aos autos ou estão em manifesta contradição com a prova produzida, ou não têm qualquer fundamento perante a prova constante dos autos.”[1]
Comecemos então a análise pelo primeiro grupo dos questionados factos - factos 17., 18. e 19., do elenco dos factos dados como provados:
17. A ré utilizou o procedimento disciplinar para criar na autora o medo/receio de o registo de sanções disciplinares diminuir a possibilidade de encontrar e ser aceite por um novo empregador; “manchar” o seu currículo, obstando ou diminuindo as hipóteses de evolução profissional da trabalhadora.
18. Ao suspender preventivamente a trabalhadora, a ré quis e conseguiu vexar, humilhar e diminuir a autora enquanto profissional.
19. E pretendia refrear, deliberada e intencionalmente, as aspirações profissionais da autora.
O Tribunal recorrido motivou assim a sua convicção:
“Para a formação da sua convicção a respeito da demais factualidade, considerou o tribunal a globalidade da prova documental anexa à petição inicial e à contestação aquela junta no decurso da audiência de julgamento, que se concatenou com o depoimento e declarações de parte da autora e com o depoimento das testemunhas CC (cliente); DD (cliente); EE (colega de trabalho da autora); FF (cliente); GG (diretora de recursos humanos da ré); HH (diretora comercial da ré).
Assim, quanto aos factos apurados em 17 a 19, entendemos que o intuito da ré, com a suspensão e com o procedimento disciplinar, não pode deixar de ser entendido na forma que vem descrita e que se deu como provada.
Com efeito, tenham-se em conta as declarações prestadas pela autora – as quais, no seu todo, se revelaram coerentes e credíveis, aludindo desde logo à pressão de que foi alvo, após o conhecimento pela ré da publicação, nos encontros e reuniões imediatamente encabeçadas pelas testemunhas GG e HH, sendo-lhe apontada, como única solução, a saída da autora da empresa, “a bem ou a mal”, ou “por acordo ou por despedimento por justa causa”.
Ora, tais reuniões foram expressamente confirmadas pelas testemunhas GG e HH, dando-lhes porém um colorido de afabilidade e tranquilidade pouco compatível com o desagrado que evidenciaram ao terem conhecimento da publicação, ora admitindo que a autora era “livre de procurar […]” e que “não estava coartada em termos do contrato” e que a questão do processo disciplinar resultou porque “ela é que não queria continuar na organização […] mas não aceitou o acordo”, mais referindo a testemunha GG que “o processo disciplinar e a suspensão não causava qualquer impacto na AA, porque ela é que não queria trabalhar na empresa”. Também a testemunha HH, que veio dizer que a autora já vinha denotando algum desleixo e incumprimentos – factos que afinal nem sequer constaram da nota de culpa lavrada, o que permitem concluir que os mesmos não terão existido - e que a declarante já a tinha posto deliberadamente à distância, admitiu os dois ou três dias de encontros, reuniões, choros da autora e que, a partir dessas reuniões, a decisão ficou na mão dela, deixando bem patente que a solução era aceitar ou não o acordo de saída da empresa (que seria tratado pelos Recursos Humanos)…“. Diz a declarante que “depois, a decisão foi da AA.”
A esta matéria probatória acresceu ainda o depoimento da testemunha EE, que bem explicou - para além do profissionalismo, da produtividade e da empatia que a autora estabelecia com o cliente, que mais tarde, quando regressava à casa, fazia questão de ser atendido pela autora - o impacto extremamente negativo que um processo disciplinar tem na vida profissional de um trabalhador, mormente do ramo automóvel – os concessionários falam entre si; só em ... há 10 a 12 concessionários de marcas de automóveis; e todos sabiam; em entrevistas de emprego – corroborando as declarações da autora, no que concerne ao período que esteve sem trabalhar (após o fim do contrato), à rejeição da sua candidatura na empresa EMP02... (que tinha conhecimento do processo disciplinar e questionou a autora na entrevista para eventual recrutamento, o que não veio a suceder).
Tudo assaz demonstrativo das implicações (fortemente penalizadoras) que a suspensão e o processo disciplinar trariam e efetivamente trouxeram à autora, o que a ré não poderia deixar de saber e querer, em manifesta retaliação pelo facto de a autora ter postado no ... a publicação em causa (direito que a própria testemunha GG reconheceu) e não aceitar a saída “por acordo” proposta pela ré.”
Tendo-se procedido à audição da gravação áudio do depoimento e das declarações de parte prestadas pela autora e dos depoimentos das testemunhas inquiridas, temos de concluir que inexiste fundamento para a pretendida alteração da matéria de facto.
Com efeito, e como decorre do art. 607.º/4/5 do CPC (ex vi do art. 1.º/2 a) do CPT), o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção, devendo ter em consideração, nomeadamente, as regras de experiência.
Como consta da fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.6.2016, “A prova testemunhal, tal como acontece com a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objeto de formulação de deduções e induções, as quais, partindo da inteligência, hão-de basear-se na correção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência [o id quod plerumque accidit] e de conhecimentos científicos”[2]
Por outro lado, não se trata de alcançar a certeza absoluta da realidade do facto, antes de, em termos de probabilidade, esta atingir um grau tal que torne razoável concluir que o facto aconteceu.[3]
Ora, a autora esclareceu que logo na primeira reunião que teve com a sua chefia directa, a Chefe de Vendas HH, e com a Directora de Recursos Humanos, GG, estas efectivamente a questionaram sobre “o porquê da publicação” mas que logo nessa ocasião lhe foi referido que já não havia condições para continuar na empresa e que no dia seguinte houve outra reunião, em que (para além delas três) esteve ainda presente o Eng. II, Director Operacional da ré, e que lhe foi então reafirmado que a empresa não tinha mais confiança em si, “tem aqui as suas contas”, “ou sai a bem ou sai a mal”.
É evidente que a autora é parte interessada, e que na análise e valoração das suas declarações se deve ter essa circunstância bem presente, o que tudo exige particulares atenção e cuidado.
Mas não se pode simplesmente e a priori descartar esse meio de prova, como se a lei não mandasse tomar em consideração todas as provas atendíveis (art. 413.º do CPC) e as «declarações de parte» não fossem até um meio de prova (agora) expressamente previsto na lei (art. 466.º do CPC).
Na esteira de Luís Filipe Pires de Sousa, “repudiamos este pré-juízo de desconfiança e de desvalorização das declarações de parte, sendo infundada e incorreta esta postura que degrada prematuramente o valor probatório das declarações de parte.”[4]
Sucede que não só as declarações da autora foram congruentes e consistentes, como os depoimentos das testemunhas GG e HH, já supra mencionadas, e na parte em que versaram matéria comum, foram de molde a corroborar a versão do autora.
A testemunha GG referiu que no dia seguinte ao da publicação em causa ela e a chefia directa da autora, HH, reuniram com a autora procurando obter desta uma explicação para a publicação que fizera e saber se ela pretendia ou não continuar na empresa, mas que a autora não deu qualquer explicação/resposta cabal, e que voltaram a reunir no dia seguinte, tendo ela, testemunha, preparado toda a documentação para a autora sair “por mútuo acordo”, com o valor a pagar à autora, tendo sido dito à autora que se não aceitasse – como não veio a aceitar – o “mútuo acordo” ser-lhe-ia instaurado um procedimento disciplinar. Embora menos pormenorizado, o depoimento da testemunha HH foi de molde a corroborar o da testemunha anteriormente referida.
Ora, só faz sentido que logo na segunda reunião – quando a autora não tinha manifestado qualquer vontade de sair da empresa por “mútuo acordo” – lhe fossem apresentadas as contas e a documentação para formalizar o “mútuo acordo” para a cessação do contrato, se a ré pretendesse efectivamente pressionar a autora a ir embora da empresa, querendo a autora sair ou não, indo na mesma linha de pressão e instilação de receio e medo pelo futuro profissional a comunicação de que se não aceitasse o “mútuo acordo” proposto seria alvo de um procedimento disciplinar.
Mais, as testemunhas indicadas pelo autor, em particular as três primeiras a depor, e como melhor se explicitará infra, convenceram das repercussões negativas para a auto-estima da autora e para a sua evolução profissional geradas pela mera existência do procedimento disciplinar deduzido contra a autora.
Daí que, recorrendo a deduções lógicas e racionalmente fundamentadas naquelas declarações e depoimentos, é efectivamente possível firmar a convicção, que o Tribunal recorrido formou, da veracidade dos factos que constam dos números 17 a 19.
Quanto aos demais factos
(20. A conduta da ré ocasionou problemas de saúde à autora, tendo que recorrer a baixas médicas.
21. A conduta da ré causou uma grande revolta, frustração, angústia, inquietude, incerteza e preocupação à autora.
22. A autora, durante meses, viveu em contínuo desassossego, sentindo-se oprimida e violentada.
23. E deixou de ter vontade e força anímica para socializar e estar em família.
24. E perdeu a tranquilidade do sono, não conseguindo abstrair-se do que estava a acontecer.)
que a recorrente pretende transitem dos factos provados para os não provados, consta da motivação exposta pelo Tribunal a quo:
“Quanto à matéria apurada em 20 a 24, baseou o tribunal a sua convicção nos depoimentos das testemunhas CC, DD e FF, clientes que conheceram a autora no âmbito da atividade profissional desta junto da ré, que aludiram, de forma genuína, ao elevado profissionalismo e a grande empatia que a mesma gerava no contacto interpessoal com o cliente, sendo que CC e DD, explicaram ainda de forma coerente e credível o estado emocional que reconheceram na autora, posteriormente aos factos em apreço nos autos, aliás em total arrimo quer com aquilo que a própria autora declarou em declarações de parte, quer com os documentos fls. 68 e verso (certificados de incapacidade temporária para o trabalho), sendo ainda factos compatíveis com as regras da experiência comum, de qualquer trabalhador, mormente brioso e diligente, colocado na situação da autora.”
Na nossa ponderação deve acrescentar-se, pelas razões já ditas, as declarações de parte da autora, que elucidou sobre as consequências que a instauração e pendência do PD teve para a sua saúde e vida familiar e social, e deve também ter-se em conta, harmonizando-se com os depoimentos referidos pelo Tribunal recorrido, o depoimento da testemunha EE, que trabalhou para a ré , como avaliador de viaturas, e que por via das funções que exercia tinha contactos frequentes com a autora, e que confirmou que com o procedimento disciplinar a autora ficou muito perturbada, e “foi-se abaixo”, elementos de prova estes no sentido de corroborar, pois, aqueles em que o Tribunal recorrido assentou a sua convicção.
Ante o exposto, e concluindo, mantém-se a matéria de facto tal como decidido em primeira instância. - Da inexistência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho:
Pretende a recorrente (Conc. 25.), que “na procedência da impugnação feita à decisão quanto à matéria de facto”, deverá, consequentemente, ser alterada a decisão quanto à matéria de direito, pois inexiste qualquer justa causa para a resolução do contrato por parte da autora/recorrida.
Ora, persistindo inalterada a matéria de facto, é a própria recorrente que implicitamente admite, a propósito desta questão, o acerto da decisão recorrida.
De qualquer forma se diga que, contendendo com a questão supra enunciada, na decisão recorrida discorreu-se nos termos seguintes:
“Como é sabido, a resolução é uma causa de cessação comum à generalidade dos contratos e traduz a possibilidade que o ordenamento reconhece a qualquer dos contraentes de fazer cessar o contrato sempre que ocorra uma situação em que deixa de ser exigível o prosseguimento da relação contratual, situação que pode derivar de um incumprimento imputável à contraparte, como da verificação de circunstancias de carácter objetivo (Ricardo Nascimento “Da Cessação do Contrato de Trabalho”, Coimbra Editora, pág. 161).
O art.º 394.º, n.º 1, do Código do Trabalho dispõe, então, que ocorrendo justa causa, a apreciar nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações (cfr. n.º 4), o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato, através de comunicação escrita a remeter ao empregador, no prazo de 30 dias após o conhecimento dos factos, com indicação sucinta dos factos que a justificam (cfr. art. 395.º, n.º 1, do CT), sendo que, na apreciação da justa causa para resolução de contrato de trabalho apenas podem ser considerados os fundamentos que constem na “indicação sucinta dos factos que (a) justificam” da comunicação dirigida pelo trabalhador ao empregador (cfr. art.º 398.º, n.º 3, do CT), não estando o trabalhador dispensado de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão (cfr. Ac. da RE de 21/10/2020, processo n.º 4925/17.6T8OAZ.P1, disponível in www.dgsi.pt).
Por seu lado, há que ter presente que para se poder afirmar a existência de justa causa de rescisão do contrato pelo trabalhador não é suficiente a mera verificação objetiva de um dos comportamentos previstos no n.º 2 do art.º 394.º do CT, tendo também que haver culpa por parte do empregador, devendo ainda a violação das obrigações contratuais por parte deste último, em resultado da sua gravidade, implicar a insubsistência da relação laboral (cfr. Ac. da RL de 06/04/2022, processo n.º 23240/20.1T8LSB.L1-4, disponível in www.dgsi.pt).
Como se escreveu no Ac. da RE de 25/5/2023, processo n.º 1264/21.1T8TMR.E1, disponível in www.dgsi.pt, para que se verifique uma situação de resolução do contrato de trabalho fundamentada num comportamento culposo da entidade empregadora, mostra-se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos cumulativos:
1.º um de natureza objetiva – verificação do comportamento(s) concretamente imputado(s), na carta de resolução, à empregadora;
2.º outro de natureza subjetiva - que essa atuação violadora e lesiva seja imputável a título de culpa;
3.º que essa conduta da empregadora torne imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral.
Por fim, resulta do art.º 396.º, n.º 1, do CT, que só a resolução fundada em factos previstos no n.º 2 do art.º 394.º do CT confere ao trabalhador o direito a uma indemnização.
Nos termos da Clª 81.ª do CCT aplicável, o regime da cessação do contrato de trabalho é o previsto na lei.
Como resulta do ponto 14 dos factos provados, a autora, por carta de 08/08/2022, recebida pela ré, declarou resolver o contrato celebrado invocando justa causa.
Importa, portanto, antes de mais, averiguar se a mesma se verifica.
A resolução do contrato de trabalho comunicada à ré fundou-se nos seguintes factos:
- A ré utilizou o procedimento disciplinar para desincentivar a procura pela autora de um, eventual e futuro, desafio profissional, com a ameaça de despedimento, por a autora necessitar da remuneração.
- E para criar na trabalhadora a convicção de que não pode exercer a sua autonomia e autodeterminação pessoal, bem como os seus direitos, de definir/redefinir o futuro da sua carreira, de acordo com as suas necessidades internas.
- ter a ré utilizado expedientes como o procedimento disciplinar para:
- Desincentivar a procura de um, eventual e futuro, desafio profissional
- A ré utilizou o procedimento disciplinar para criar na autora o medo/receio de o registo de sanções disciplinares diminuir a possibilidade de encontrar e ser aceite por um novo empregador; “manchar” o seu currículo, obstando ou diminuindo as hipóteses de evolução profissional da trabalhadora.
- Ao suspender preventivamente a trabalhadora, a ré quis e conseguiu vexar, humilhar e diminuir a autora enquanto profissional.
- E pretendia refrear, deliberada e intencionalmente, as aspirações profissionais da autora.
Cumpre verificar se tais factos são suscetíveis de serem reconduzíveis a qualquer um dos comportamentos previstos no art.º 394.º, n.º 2, do CT.
Nos termos do aludido preceito, constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador: a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição; b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, designadamente a prática de assédio praticada pela entidade empregadora ou por outros trabalhadores; c) Aplicação de sanção abusiva; d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho; e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador; f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante.
Assim, a matéria apurada em 8 a 11, conjugada com a apurada em 17 a 19 e 20 a 24 - independentemente da justeza da sanção aplicada3 – enquadra-se na previsão da alínea b) do n.º 2 do referido artigo 394.º do Código do Trabalho.
Com efeito, o empregador tem, entre outros, o dever de proporcionar boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral – art.º 127.º, n.º 1, al. c) do CT.
Por outro lado, preceitua-se no art.º 129.º, n.º 1, al. a) do CT que é proibido ao empregador: a) Opor-se, por qualquer forma, a que o trabalhador exerça os seus direitos, bem como despedi-lo, aplicar-lhe outra sanção, ou tratá-lo desfavoravelmente por causa desse exercício.
Esta norma encontra-se também transposta na Cl.ª 36.ª do CCT aplicável.
Vertendo à situação em análise, resultou provado, na sequência da publicação da autora no ..., descrita em 11 – que de per si, traduz o mero exercício de um direito e da liberdade de qualquer trabalhador, quer seja o de fazer mera prospeção do mercado de trabalho; quer seja o de procurar qualquer solução de trabalho, de forma exclusiva ou complementar – a ré:
- em 28 de Maio de 2022 a ré suspendeu preventivamente a autora do exercício de funções, com efeitos imediatos e sem perda de retribuição;
- em 4 de maio de 2022, comunicou à autora a nota de culpa, com o fundamento mencionado e comunicou-lhe a intenção de despedimento;
- em 26 de Julho de 2022 comunicou-lhe a decisão final e a sanção aplicada de perda de dois dias de férias;
- e utilizou a referida suspensão e o referido procedimento disciplinar contra a sua trabalhadora, aqui autora (8 a 11 dos factos provados), para criar nesta o medo e receio de o registo de sanções disciplinares – de despedimento, nos termos da nota de culpa; e de perda de dois dias de férias concretamente aplicada, conforme resulta da decisão e relatório final – diminuir a possibilidade de ser aceite por um novo empregador; “manchar” o seu currículo, obstando ou diminuindo as hipóteses de evolução profissional da trabalhadora;
- para vexar, humilhar e diminuir a autora enquanto profissional;
- pretendendo refrear, deliberada e intencionalmente, as aspirações profissionais da autora;
- causando à autora, com a descrita conduta, revolta, frustração, angústia, inquietude e desassossego, incerteza e preocupações, afetando-a na sua saúde, o que implicou baixas médicas, no período compreendido entre 28/07/2022 e 26/08/2022 e na sua capacidade de socialização e na vida familiar.
Neste contexto fático apurado conforme descrito, consideramos ter a autora demonstrado que os factos apurados, pela sua gravidade, tornam definitiva e praticamente impossível a subsistência do contrato de trabalho.
Assim, conclui-se que assiste razão à autora quando, na carta de resolução e nos presentes autos, invoca a justa causa de resolução do contrato.”
Concordamos com o essencial do assim explanado e da conclusão a que chegou o Tribunal a quo.
Com efeito, o artigo 394.º do CT dispõe, no seu n.º 1, que ocorrendo justa causa o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato, sendo que no seu n.º 2 se exemplificam, densificando o conceito de justa causa, comportamentos do empregador que constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, sendo que, ainda que o comportamento da recorrente não fosse de enquadrar na alínea b) do referido n.º 2 como, a nosso ver bem, o Tribunal recorrido enquadrou, sempre tal comportamento pela sua gravidade e censurabilidade há - de considerar-se preencher o conceito de justa causa para a resolução do contrato de trabalho, até porque a justa causa, nos termos do n.º 4 desse art. 394.º, é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º do mesmo Código, com as necessárias adaptações, normativo este que manda ter em consideração, nomeadamente, o grau de lesão dos interesses do trabalhador, no caso, bem vincado.
(recurso subordinado)
- Do quantum indemnizatório arbitrado à autora:
Discorreu-se, a propósito, na decisão recorrida:
“Como estabelece o artigo 396.º, n.ºs 1 e 2 do C. Trabalho, em caso de resolução do contrato com justa causa, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades. No caso de fração de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente.
A autora peticiona a quantia global de €12.209,59, sendo €2.209,59 a título de indemnização para efeitos do art.º 396.º e €10.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Vejamos pois.
O valor da retribuição base a considerar é no montante de €600,00.
À data da cessação do contrato a autora tinha 2 anos 11 meses 2 semanas e 6 dias de antiguidade (de 19/08/2019 a 08/08/2022).
Pelo que, considerando que à data da cessação do contrato, a autora tinha antiguidade inferior a três anos, não existindo, apesar de tudo, razões para nos afastarmos do ponto médio no cálculo da indemnização, tem esta direito a receber da ré uma indemnização no valor de €1.800,00 (€600,00 x 3 anos)
A autora peticiona ainda a quantia de €10.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, pelos transtornos e angústias causadas, em consequência da conduta da ré.
Em caso de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, com fundamento em facto previsto no n.º 2 do art.º 394.º, o valor da indemnização por antiguidade pode ser superior ao que resultaria da aplicação do n.º 1 do art.º 396º, sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado.
Conforme vem entendendo a jurisprudência, esta indemnização por danos não patrimoniais não é cumulável, mas antes complementar à indemnização por antiguidade prevista no n.º 1 do art.º 396º.
Assim, “O valor da indemnização pode ser superior ao da aplicação da fórmula prevista no dispositivo referido no número anterior <<sempre que o trabalhador sofra danos de montante mais elevado>>, nomeadamente, quando a indemnização alcançada nos termos daquela norma do n.º 1 não satisfaça integralmente os danos concretamente sofridos pelo trabalhador - Acórdão do STJ de 05/09/2018 (Proc. 311/13.5TTEVR.E2.S), disponível em www.dgsi.pt.
O mesmo se explicava já no Acórdão do STJ de 27/10/2009, disponível em www.dgsi.pt: “A indemnização devida ao trabalhador pela resolução com justa causa do contrato de trabalho tem natureza unitária e abarca os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo trabalhador e deve ser fixada dentro dos limites previstos no artº 443.º, nº 1 do CT/2003.”
Assim, o nº e do art.º 396º do Cód. Trabalho, permite que a indemnização vá além do limite estabelecido no n.º 1 da referida norma, sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado ao que resultaria da aplicação do n.º 1, caso em que a indemnização a atribuir ficará limitada ao valor dessa indemnização por danos patrimoniais e/ou por danos não patrimoniais, não se somando as suas indemnizações (a do nº. 1 e a do n.º 3 do art.º 396º do Cód. Trabalho.
E quando o cômputo da indemnização por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais seja inferior à indemnização que resulta da aplicação do n.º 1 do art.º 396.º, a indemnização a atribuir ao trabalhador fica limitada ao que advém da aplicação do n.º 1, não se somando também as duas indemnizações.
O direito à reparação dos danos não patrimoniais não decorre simplesmente da ilicitude das condutas da entidade empregadora, fundamento da resolução com justa causa, antes dependendo da verificação dos pressupostos exigidos por lei, designadamente nos artigos 483º, nº 1, e 496º, nº 1, do Código Civil.
Quanto aos danos não patrimoniais, nos termos do artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil, deve o tribunal proceder equitativamente, tendo em conta as circunstâncias aludidas no art.º 494.º, a saber o grau de culpa do agente, a situação económica deste e a do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Assim, dever atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, através de um critério de equidade e o seu montante deve ser proporcionado à gravidade do dano, segundo as regras da experiência comum, da boa prudência e do bom senso prático, respeitando-se a justa medida das coisas e das realidades.
O STJ explica esses critérios, no Acórdão de 27/10/2009, in www.dgsi.pt, da seguinte forma: “A lei não especifica os critérios a que o tribunal deve atender na fixação da referida indemnização, mas parece evidente que terá de levar em consideração, nomeadamente, a gravidade objectiva e subjectiva da conduta da entidade empregadora, à relevância dos direitos do trabalhador que por esta foram violados, ao valor dos danos efectivamente sofridos pelo trabalhador, à retribuição base e diuturnidades que por este eram auferidas e à sua antiguidade na empresa. A antiguidade a atender para efeitos no disposto no art.º 443.º, n.º 1, é a antiguidade na empresa e esta corresponde ao período temporal em que o trabalhador se encontra integrado na organização laboral do empregador.”
Apenas serão, pois, ressarcíveis os danos que face à sua gravidade mereçam a tutela do direito. Esta gravidade “há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos” (Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil anotado, I, 4.ª edição, pág. 501).
Citando o mesmo autor, “os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais”.
Ora, ponderando a matéria de facto assente em 17 a 24, designadamente os efeitos que a conduta da ré causou na saúde da trabalhadora, tornando-a temporariamente incapaz para o exercício da sua atividade profissional; a sua afetação do bem-estar pessoal, vivendo durante meses (pelo menos desde a data em que foi suspensa, até à notificação da decisão final), em contínuo desassossego sentindo revolta, inquietação e angústia; na sua vida social e familiar (deixou de ter vontade para socializar; e força anímica para estar em família), entendemos que, tais factos, pelo abalo físico e emocional apurado causado à autora, merecem a tutela do direito, afigurando-se por adequado e proporcional atribuir à autora, para compensação pelo referido dano não patrimonial, a quantia de €3.600,00 (três mil e seiscentos euros).
Assim, tal como se deixou expresso supra, nos termos das disposições conjugadas do n.º 3 do art.º 396.º e n.º 1 da referida norma, a indemnização global a atribuir à autora ficará limitada ao valor da indemnização por danos não patrimoniais acabada de arbitrar, porque mais elevada, não se somando as suas indemnizações.”
Vejamos.
O art. 396.º do CT, na redacção já vigente à data da resolução do contrato de trabalho e ora aplicável, dispõe:
“Indemnização ou compensação devida ao trabalhador 1 - Em caso de resolução do contrato com fundamento em facto previsto no n.º 2 do artigo 394.º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades. 2 - No caso de fracção de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente. 3 - O valor da indemnização pode ser superior ao que resultaria da aplicação do n.º 1 sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado. 4 - No caso de contrato a termo, a indemnização não pode ser inferior ao valor das retribuições vincendas. 5 - Em caso de resolução do contrato com o fundamento previsto na alínea d) do n.º 3 do artigo 394.º, o trabalhador tem direito a compensação calculada nos termos do artigo 366.º”
Interpretando este normativo no que tange à indemnização aí prevista, e particularmente ao alcance do disposto no n.º 3 do artigo, refere Leal Amado que “O valor da indemnização poderá, porém, ser superior ao que resultaria da aplicação daquele n.º 1, «sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado» (n.º 3). O CT esclarece, assim, que também os danos não patrimoniais sofridos pelo trabalhador (…) são ressarcíveis, na linha, aliás, do disposto no art. 496.º do CCivil e do art. 389.º, n.º 1, al. a), do CT, em sede de despedimento ilícito.”[5]
Abordando esta temática, no Ac. desta Relação de 30.06.2022, sintetizou-se:
“A indemnização devida ao trabalhador pela resolução com justa causa do contrato de trabalho tem natureza unitária e abarca os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo trabalhador e deve ser fixada dentro dos limites previstos no art.º 396º, nº 1, do CT. - O nº 3 do normativo veio resolver o problema da limitação indemnizatória que resulta do referido nº 1, permitindo o ressarcimento da totalidade do dano. -Fixado o valor indemnizatório por aplicação da regra do nº 1, importa confrontá-lo com o montante efetivo dos danos, atribuindo-se o maior desses valores.”[6]
Não vemos razão para nos afastarmos deste entendimento, que se nos afigura o correcto.
Note-se que o art. 443.º do CT de 2003 estabelecia:
“Indemnização devida ao trabalhador 1 - A resolução do contrato com fundamento nos factos previstos no n.º 2 do artigo 441.º confere ao trabalhador o direito a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, devendo esta corresponder a uma indemnização a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade. 2 - No caso de fracção de ano o valor de referência previsto na segunda parte do número anterior é calculado proporcionalmente, mas, independentemente da antiguidade do trabalhador, a indemnização nunca pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades. 3 - No caso de contrato a termo, a indemnização prevista nos números anteriores não pode ser inferior à quantia correspondente às retribuições vincendas.”
Por reporte a esse normativo, no Ac. da RE de 09-03-2010,
“Como se frisou no Acórdão de 27/10/2009 do STJ [4] a indemnização devida ao trabalhador pela resolução com justa causa do contrato de trabalho tem natureza unitária e abarca os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo trabalhador e deve ser fixada dentro dos limites previstos no art.º 443.º, n.º 1, do CT/2003. Acrescenta-se que só assim não será, eventualmente, se o valor dos danos efectivamente sofridos pelo trabalhador exceder o valor da indemnização máxima a que ele teria direito, calculada nos termos do n.º 1 do art.º 443.º, pois, nesse caso, a constitucionalidade deste normativo legal poderia ser questionada por violação do princípio de justiça, ínsito a um Estado de direito democrático como é a República Portuguesa (art.º 2.º da CRP).”[7]
Ora, como bem se explica no Ac. da RP de 08-06-2022, “O legislador, com a revisão de 2009 veio alterar o regime da “indemnização devida ao trabalhador”, quem sabe se sensível a essas críticas veio sanar essa apelidada de “redação deficiente”, estabelecendo o regime do art.º 396º do Código do Trabalho que se transcreveu. Foi mantido o limite mínimo (três meses de retribuição base e diuturnidades), sendo referido o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador. Mas no nº 3 prevê a possibilidade de uma majoração no caso de o trabalhador sofrer danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado (ao valor resultante de 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade). Decorre daqui que a indemnização prevista no nº 1 do art.º 396º do Código do Trabalho, apesar de este o não dizer expressamente (mas como decorre do nº 3, que refere danos patrimoniais e não patrimoniais, o legislador não quis separar a indemnização), abrange os danos patrimoniais e não patrimoniais, tratando-se de indemnização fixada conjuntamente com os critérios ali referidos, apenas se podendo fixar um valor fora desse critério, isto é superior, no caso de o valor assim arbitrado não se mostrar adequado à salvaguarda de todos os danos efetivamente sofridos. Ou seja, se a indemnização adequada aos danos patrimoniais e/ou não patrimoniais sofridos pelo trabalhador é coberta pelo valor referido no nº 1 do art.º 396º, o trabalhador fica ressarcido (sem acrescer quanta a título de danos não patrimoniais); se a indemnização adequada aos danos patrimoniais e/ou não patrimoniais sofridos pelo trabalhador for de montante superior ao que resulta do estabelecido no nº 1 do art.º 396º, então será compensado pelo valor adequado (cabendo, naturalmente, ao trabalhador provar a sua existência e a relação causal com a cessação do contrato de trabalho)[54].”[8] (sublinhamos)
Foi este, como resulta da fundamentação da sentença a propósito desta questão acima transcrita, o iter seguido pelo Tribunal recorrido para achar o valor da indemnização que arbitrou à autora/recorrente, pelo que neste aspecto nenhuma censura merece o entendimento aí perfilhado.
Donde, não merece acolhimento a pretensão da autora/recorrente de ver fixada a indemnização no valor de € 12.209,59 (€ 2.209,59 “calculado nos termos do artigo 396.º do CT + € 10.000,00 de “uma indemnização pelos danos não patrimoniais”).
Contudo, tendo razão a autora/recorrente quanto ao valor da retribuição (base) mensal a considerar não poder ser inferior ao valor do salário mínimo nacional em vigor aquando da resolução do contrato, i. é, a € 705,00, cumpre reflectir este valor no da indemnização atribuída pela 1.ª instância.
Com efeito, é implícito ao raciocínio que presidiu à decisão da 1.ª instância, atento o valor a que chegou - € 3.600,00 - que o Tribunal recorrido perfilhou o entendimento de que se mostra adequada uma indemnização, para compensar todos os danos morais sofridos pela autora, correspondente ao dobro do valor a que a autora sempre teria direito pela resolução do contrato de trabalho com justa causa (equivalente a 3 meses de retribuição base).
Este raciocínio afigura-se correcto, alcançando-se assim uma indemnização equitativa que o mesmo é dizer, num valor razoável e justo.
Assim, «corrige-se» o valor da indemnização para € 4.230,00 (€ 705,00 X 6). V - DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso da ré e parcialmente procedente o recurso subordinado, interposto pela autora, e consequentemente condenar a ré a pagar à autora a quantia de € 4.230,00 (quatro mil duzentos e trinta euros), a título de indemnização global pela resolução do contrato com fundamento em justa causa (art. 396.º, n.ºs 1 e 3, do CT).
No mais, confirma-se a decisão recorrida.
Custas do recurso principal a cargo da ré/recorrente, e custas do recurso subordinado a cargo da autora/recorrente e da ré/recorrida, na proporção do respectivo decaimento.
Notifique.
Guimarães, 06 de Março de 2025
Francisco Sousa Pereira (relator)
Antero Veiga
Vera Maria Sottomayor
[1] Cf., por ex., Ac. RG de 19.09.2024, Proc. n.º 2629/23.0T8VRL.G1, Vera Sottomayor [2] Proc. 2683/12.0TJLSB.L1.S1, Hélder Roque, www.dgsi.pt [3] Como se lê no sumário do Ac. RP de 28-11-2022, Proc. 4251/19.6T8OAZ.P1, Jerónimo Freitas, www.dgsi.pt, “Para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto.” [4] Cf. http://julgar.pt/as-malquistas-declaracoes-de-parte/; no mesmo sentido, Ac. do TRP de 21.02.2018
Proc. 271/16.0T8ETR.P1, Miguel Baldaia de Morais, in www.gde.mj.pt/jtrp. [5] Direito do Trabalho – Relação Individual, João Leal Amado e outros, Almedina, pág. 1121; em sentido idêntico, por ex., Luís Meneses Leitão, Direito do Trabalho, 6.ª Edição, Almedina, págs. 487/488.. [6] Ac. do TRG de 30.06.2022, Proc. nº 1407/19.5T8BCL.G1, Antero Veiga, www.dgsi.pt [7] Proc. 160/08.2TTFAR.E1, Chambel Mourisco, www.dgsi.pt [8] Proc. 756/20.4T8MAI.P1, António Luís Carvalhão, www.dgsi.pt