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RETRIBUIÇÃO
ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO
SUBSÍDIO DE NATAL
DESCANSO COMPENSATÓRIO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
JUSTA CAUSA
Sumário
I - A retribuição base consiste na contrapartida especifica que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, corresponde ao exercício da atividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido. A retribuição compreende a retribuição base e todas as outras prestações complementares ou acessórias devidas com contrapartida pela especifica função desenvolvida. II - No cálculo do valor da isenção do horário de trabalho é apenas de considerar a retribuição base, não se contabilizando as demais prestações auferidas pelo autor, designadamente o complemento de função e o subsídio de função, pois estes têm causas especificas e individualizadas que contendem com a especifica função desenvolvida, que não tem a ver com uma contrapartida pelo trabalho prestado. III - Quando não existam disposições legais, convencionais ou contratuais que disponham em contrário, a base de cálculo do subsídio de Natal é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades. IV - O pagamento do descanso compensatório não gozado pressupõe a alegação e prova pelo autor (enquanto facto constitutivo do seu direito art.º 342.º n.º 1 do Código Civil) que trabalhou fora do seu horário normal de trabalho (trabalho suplementar), mas também que, na sua decorrência, não lhe foram dados a gozar os devidos descansos. V - O trabalhador terá direito à indemnização a que alude a cláusula 45.ª do CCT celebrado entre a AES e o STAD publicado no BTE n.º 4, de 29.01.2023, desde que prove: - que o empregador tem para com ele uma dívida referente a créditos elencados no capítulo IX; e - que tenha essa dívida por um período que ultrapasse os 60 dias. VI - O trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjetiva se o comportamento do empregador for ilícito e tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências, ou seja, é necessário verificar-se a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e a insubsistência da relação laboral VII - A falta de pagamento do complemento de função no subsídio de férias, no valor de €600,00, devido desde 2008 a 2022, sem reclamação do autor até 2023 e sem por em causa a satisfação das necessidades do trabalhador e da sua família, não torna impossível a manutenção da relação laboral, razão pela qual não se verifica justa causa de resolução do contrato de trabalho, com fundamento na falta de pagamento de tais créditos.
Texto Integral
I – RELATÓRIO
AA, residente na Rua ..., ..., em ..., ..., instaurou ação declarativa emergente de contrato de trabalho com processo comum contra “EMP01..., S.A.”, com sede na Rua ..., ..., em ... e pede que a Ré seja condenada a reconhecer a justa causa da resolução do contrato de trabalho, com as suas consequências legais e que seja condenada no pagamento ao autor das seguintes quantias:
a) 873,97€, ilíquida, a título de folgas compensatórias não gozadas e, não paga;
b) 23.139,46€, ilíquida, a título de horas noturnas, contabilizadas desde Janeiro de 2003 a Dezembro de 2022, não paga;
c) 5.784,87€, ilíquida, a título de majoração das horas noturnas no pagamento da retribuição das férias, do subsídio de férias e subsídio de Natal;
d) 47.823,13€, ilíquida, a título de parte do subsídio por isenção de horário de trabalho em falta desde o ano de 2003 até ao ano de 2022, não paga;
e) 19.200,00€ ilíquida, a título de parte de subsídios de férias e de Natal em falta desde o ano de 2008 até ao ano de 2022, não paga;
f) 290.464,29€, ilíquida, a título da indemnização pela mora, não paga;
g) 69.158,62€, ilíquida, a título da indemnização pela resolução com justa causa, não paga;
h) 5.421,61€, ilíquida, a título de créditos salariais finais pela cessação do contrato de trabalho, não pagos, quantias estas às quais deverão ser acrescidos os juros vencidos e vincendos, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.
A Ré contestou, dizendo em resumo, que o Autor foi contratado ao seu serviço com a categoria de vigilante e que, entre ../../2003 e ../../2023 desempenhou as funções de vigilante de transporte de valores. Em Junho de 2003, passou a desempenhar as funções de vigilante chefe de transportes de valores, na delegação da Ré, no ..., mediante o vencimento base correspondente ao valor estipulado na tabela salarial anexa ao CCT aplicável à relação laboral, a que acrescia o subsídio de função, tendo sido acordado, em Janeiro de 2005, atribuir isenção de horário ao Autor e, posteriormente, um valor a título de complemento de função, atribuído aos trabalhadores que exercem as funções de vigilante chefe de transporte de valores, como contrapartida do exercício dessa função concreta. Quanto às pretensas folgas compensatórias do ano de 2002, diz que o respetivo gozo foi substituído por remuneração, tendo sido pagos no ano de 2002. Relativamente às peticionadas horas noturnas, diz que o horário de trabalho atribuído foi o escolhido pelo Autor e quando cumpria o horário de trabalho com início às 13 horas, o mesmo terminava às 22 horas. Quanto ao pagamento do remanescente da isenção de horário pugnado pelo Autor e bem assim os valores devidos a título de subsídio de férias e de Natal, diz a Ré que, as mesmas não são devidas uma vez que o complemento de função constitui um complemento salarial atribuído aos trabalhadores que exercem a função de vigilante chefe de transportes de valores, como contrapartida do exercício dessa função concreta e enquanto a exercerem, não tendo carácter retributivo.
Mais entende a Ré que ainda que existam algumas quantias em dívida, não é devida a indemnização prevista na cláusula 45.º do CCT, uma vez que o Autor não prova ou alega quaisquer danos na sua esfera jurídica. O Autor não tinha justa causa para a resolução do contrato de trabalho, não lhe sendo devida qualquer indemnização. Sobre os créditos laborais devidos face à cessação do contrato de trabalho diz a Ré que processou o seu pagamento, tendo procedido à dedução do pré-aviso em falta. Defendeu ainda que ministrou formação profissional, não lhe sendo devidas as horas peticionadas.
Por fim, deduziu pedido de condenação do Autor como litigante de má fé por ter alegado factos que não correspondem à verdade, omitir outros significativos para a descoberta da verdade, fazendo um uso reprovável do processo.
O Autor veio pugnar pela improcedência do pedido de condenação com litigante de má-fé e peticionou também a condenação da Ré como litigante de má fé numa multa e indemnização em montante nunca inferior a €5.000,00 por ter sido esta quem deturpou a verdade dos factos, alterando-os conscientemente de forma censurável, negando factos que sabe ser verdade e alegando factos falsos.
Respondeu a Ré pugnando pela improcedência do pedido de litigância de má-fé.
Por despacho, proferido em 23.10.2023, foi o Autor convidado a aperfeiçoar a sua petição inicial, com o objetivo de concretizar as horas e os dias exatos em que prestou trabalho suplementar, trabalho em folgas e em feriados e em horário considerado noturno.
O Autor apresentou articulado aperfeiçoado, concretizou os dias e as horas em que prestou trabalho em Maio, Junho e Julho de 2002, e, quanto aos dias e horas em que prestou trabalho noturno, alegou apenas o horário de trabalho que fazia, quando o trabalho era prestado normalmente e os períodos em que esteve de baixa médica, admitindo o desconto de 22 dias de férias em cada ano, corrigindo os valores devidos a título de horas noturnas (€ 19.096,46) e a título de majoração das horas noturnas na retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal (€ 4.774,15).
A Ré respondeu alegando que o Autor não esclareceu quais os dias em que trabalhou em dia de descanso semanal obrigatório, nem as horas noturnas em que trabalhou.
*
Os autos prosseguiram os seus normais trâmites e por fim foi proferida sentença, pela Mmª. Juiz a quo, que terminou com o seguinte dispositivo:
“Face ao exposto, julga-se a acção parcialmente procedente, e, em consequência: » não se reconhece a justa causa da resolução do contrato de trabalho celebrado entre a Ré “EMP01..., S.A.” e o Autor AA; » condena-se a Ré “EMP01..., S.A.” a pagar ao Autor AA as seguintes quantias: » a quantia de € 296,52 a título de remuneração pelos descansos compensatórios não gozados em Maio de 2002, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal devida em cada momento, desde a data do seu vencimento e até efectivo e integral pagamento; » a quantia de € 335,35 a título de remuneração pelos descansos compensatórios não gozados em Junho de 2002, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal devida em cada momento, desde a data do seu vencimento e até efectivo e integral pagamento; » a quantia de € 328,76 a título de remuneração pelos descansos compensatórios não gozados em Julho de 2002, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal devida em cada momento, desde a data do seu vencimento e até efectivo e integral pagamento; » a quantia de € 600, a título de diferenças salariais resultadas da inclusão do “complemento de função” na retribuição do subsídio de férias devido no ano de 2008, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal devida em cada momento, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento; » a quantia de € 600, a título de diferenças salariais resultadas da inclusão do “complemento de função” na retribuição do subsídio de férias devido no ano de 2009, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal devida em cada momento, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento; » a quantia de € 600, a título de diferenças salariais resultadas da inclusão do “complemento de função” na retribuição do subsídio de férias devido no ano de 2010, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal devida em cada momento, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento; » a quantia de € 600, a título de diferenças salariais resultadas da inclusão do “complemento de função” na retribuição do subsídio de férias devido no ano de 2011, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal devida em cada momento, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento; » a quantia de € 600, a título de diferenças salariais resultadas da inclusão do “complemento de função” na retribuição do subsídio de férias devido no ano de 2012, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal devida em cada momento, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento; » a quantia de € 600, a título de diferenças salariais resultadas da inclusão do “complemento de função” na retribuição do subsídio de férias devido no ano de 2013, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal devida em cada momento, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento; » a quantia de € 600, a título de diferenças salariais resultadas da inclusão do “complemento de função” na retribuição do subsídio de férias devido no ano de 2014, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal devida em cada momento, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento; » a quantia de € 600, a título de diferenças salariais resultadas da inclusão do “complemento de função” na retribuição do subsídio de férias devido no ano de 2015, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal devida em cada momento, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento; » a quantia de € 600, a título de diferenças salariais resultadas da inclusão do “complemento de função” na retribuição do subsídio de férias devido no ano de 2016, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal devida em cada momento, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento; » a quantia de € 600, a título de diferenças salariais resultadas da inclusão do “complemento de função” na retribuição do subsídio de férias devido no ano de 2017, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal devida em cada momento, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento; » a quantia de € 600, a título de diferenças salariais resultadas da inclusão do “complemento de função” na retribuição do subsídio de férias devido no ano de 2018, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal devida em cada momento, desde 01.07.2018 e até efectivo e integral pagamento; » a quantia de € 600, a título de diferenças salariais resultadas da inclusão do “complemento de função” na retribuição do subsídio de férias devido no ano de 2019, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal devida em cada momento, desde 18.08.2019 e até efectivo e integral pagamento; » a quantia de € 600, a título de diferenças salariais resultadas da inclusão do “complemento de função” na retribuição do subsídio de férias devido no ano de 2020, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal devida em cada momento, desde 21.06.2020 e até efectivo e integral pagamento; » a quantia de € 600, a título de diferenças salariais resultadas da inclusão do “complemento de função” na retribuição do subsídio de férias devido no ano de 2021, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal devida em cada momento, desde 30.06.2021 e até efectivo e integral pagamento; » a quantia de € 600, a título de diferenças salariais resultadas da inclusão do “complemento de função” na retribuição do subsídio de férias devido no ano de 2022, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal devida em cada momento, desde 30.06.2022 e até efectivo e integral pagamento; » a quantia de € 29.881,89 a título de indemnização pelos danos causados ao Autor pela mora do pagamento dos créditos devidos (cláusula 45.ª da CCT), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal devida em cada momento, desde a data do trânsito em julgado da presente sentença; » a quantia de € 1.136,72 a título de devolução da quantia descontada a mais pela indemnização devida pela falta do cumprimento do aviso prévio; » a quantia de € 1.906,26 a título de férias proporcionais ao trabalha prestado em 2022, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal devida em cada momento, desde a data cessação do contrato e até efectivo e integral pagamento; » a quantia de € 1.906,26 a título subsídio de férias proporcionais ao trabalha prestado em 2022, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal devida em cada momento, desde a data da cessação do contrato e até efectivo e integral pagamento; » absolvendo-se do demais peticionado; » não se condena nenhuma das partes como litigante de má-fé. » Custas da acção a suportar pelo Autor e pela Ré, na proporção do decaimento. (Cfr. Artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil) » Valor da acção: já fixado em 28.11.2023. » Notifique.
Inconformados com o assim decidido apelaram Autor e Ré, tendo esta terminado a sua alegação de recurso formulando as seguintes conclusões: (…) 5. Relativamente à condenação no pagamento da indemnização prevista na Cláusula 45.ª CCT, lançando mão dos critérios hermenêuticos da interpretação da referida cláusula, entendemos que a letra da referida, não se coaduna com a versão constante da Sentença. 6. O texto da Cláusula 45.ª do CCT que rege a relação laboral que se aprecia é claro ao estipular como condição dessa indemnização a existência de danos decorrentes da mora. 7. Ou seja, a indemnização a que se reporta a Cláusula 45ª do CCT pressupõe a ocorrência de danos que o A. não alegou, nem provou. 8. Face a tudo o supra exposto, entende a Recorrente que não se verificam os pressupostos para que seja atribuída uma indemnização por mora no pagamento das referidas quantias. 9. Ainda que assim não se entenda, a referida cláusula é manifestamente excessiva e desproporcionada, traduzindo-se no pagamento de 3 (três) vezes o valor alegadamente em dívida, pelo que deverá ser reduzida, nos termos do art.º 812º do Código Civil. 10. Sem conceder, ainda quanto à indemnização prevista na Cláusula 45.ª do CCT, sucede que a referida não é aplicável aos montantes pagos pela R. a título de “complemento de função”. 11. Recorde-se que o pagamento do “complemento de função” resulta de um acordo realizado entre a R. e os respetivos trabalhadores. 12. Por sua vez, a indemnização prevista na Cláusula 45ª do CCT é aplicável somente às prestações previstas no Capítulo IX do CCT. 13. Sem prescindir, sendo a Cláusula 45.ª da CCT uma cláusula penal indemnizatória, de índole moratória, cujo escopo se destina ao ressarcimento dos danos decorrentes do (alegado) atraso no cumprimento, não é legalmente possível cumulá-la com a indemnização determinada segundo as regras gerais, do dano correspondente ao atraso no cumprimento da obrigação, ou seja, juros de mora. 14. Assim, não poderia a R. Recorrente ser condenada no pagamento da indemnização prevista na Cláusula 45.ª e no pagamento de juros moratórios incidentes sobre as retribuições em dívida abrangidas pela mencionada cláusula. 15. Decidindo como decidiu, o Tribunal a quo violou, designadamente, as normas dos artigos 367º e seguintes, 384º do CT, art. 410º do CC. Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Exa. doutamente suprirá, deve ser admitido o presente Recurso, concedendo-se-lhe provimento, revogando-se a Sentença recorrida e absolvendo-se a R. de todos os pedidos. Caso assim não se entenda, deve a aplicação da mencionada Cláusula 45ª improceder e caso assim também não se entenda deverá a mesma ser especial e equitativamente reduzida, nos termos do mencionado art.º 812º do CC. À cautela, sempre se dirá que, a aplicar-se a indemnização prevista na Cláusula 45.ª da CCT, a referida não é cumulável com a indemnização determinada segundo as regras gerais, ou seja, juros de mora.”
O Autor apresentou as suas alegações de recurso, que depois de aperfeiçoadas terminam mediante as seguintes conclusões:
(…)
21. Em face a esta não junção, o Tribunal a quo, na sessão de audiência de julgamento do dia 11 de Março de 2024, ordenou a Ré para que procedesse a junção quo, advertindo antes da possibilidade de inversão de ónus de prova na omissão de junção de tais documentos, em relação aos últimos 5 anos.
22. A Ré persistiu no comportamento e não juntou os registos de tempo de trabalho, dos últimos 22 anos, nem dos últimos 5 anos anterior à data da cessação do contrato de trabalho.
23. A Ré recusou-se em colaborar com a Justiça para o apuramento da verdade, não juntando os documentos que só a Ré deveria possuir; o que impossibilitou ao Autor fazer prova do trabalho nocturno prestado.
24. Perante tal comportamento, deveria ter havido inversão de ónus da prova (artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Civil).
25. A Ré foi advertida da cominação legal da não junção dos documentos ordenados, bem sabendo a Ré dos efeitos que teria com a não junção.
26. A Ré tornou culposamente impossível a prova ao onerado com a mesma, o que justifica a inversão do respectivo ónus, dos últimos 5 anos do registo de tempo de trabalho, art. 344.º n.º 2 do C. Civil.
27. Aliás, a simples a justificação final apresentada pela Ré - não ter os registos de tempo de trabalho definidos nos termos do art. 202º do Código de Trabalho -, é, logo, fundamento para a inversão das regras do ónus da prova, art 344º nº 2 do C. Civil.
28. Assim, uma vez que a Ré não fez prova contrária dos dias assinalados pelo Autor no aludido documento 2 como dias de trabalho prestados, com excepção dos factos provados em 19 a 22 da matéria dada como provada, tais referidos dias de trabalho deveriam ter sido dados como provados.
Do Direito
29. Em face à alteração de matéria de facto, implica, necessariamente, decisão diversa e novo enquadramento jurídico dos factos, e, em concreto sobre o seguinte:
A – Das horas noturnas
(…)
76. A Sentença recorrida violou, conforme explicado no recurso o sentido e alcance da interpretação das normas, o comando dos seguintes arts:
- dos arts 202º nº 1 e 2 do CT , arts. 417º, 429º, 430º e 431º do CPC e 344º do CC, quanto a inversão do ónus da prova;
- dos arts. 41º e 37º da CCT aplicável, art, 258º, 263º, 394º, 22º, 127º, 394º e 396º do CT, relativamente aos créditos salariais reclamados e não reconhecidos.
Termos em que, e nos demais de direito aplicáveis, deverá dar provimento ao presente recurso, revogando-se parcialmente sentença recorrida em conformidade com o exposto.
Assim se decidindo, se fará inteira JUSTIÇA!”
Apenas a Ré apresentou contra-alegação, pugnando pela improcedência do recurso do Autor.
Os recursos interpostos quer pela Ré, quer pelo Autor foram admitidos na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito e foram os autos remetidos a esta Relação.
*
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pela Exma. Senhor Procuradora Geral-Adjunta foi emitido parecer no sentido de ser dado parcial provimento ao recurso do autor no que respeita ao pagamento da retribuição peticionada por trabalho noturno e, provimento parcial ao recurso interposto pela ré, no que respeita à aplicação da cláusula 45ª. somente às retribuições mencionadas no cap. IX do CCT e à não cumulação da indemnização prevista em tal cláusula com juros de mora.
Mostram-se colhidos os vistos dos senhores juízes adjuntos e cumpre decidir.
II - OBJECTO DO RECURSO
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, coloca-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:
Recurso da Ré
1 – Do descanso compensatório;
2 – Da cláusula 45.º do CCT aplicável.
Recurso do Autor
1 – Impugnação da matéria de facto; Inversão do Ónus da Prova e Respetivas Consequências
2 – Das horas noturnas
3 – Complemento de função integra ou não a retribuição base
4 - Da Resolução do contrato com justa causa
5- Da indemnização pela mora
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
FACTOS PROVADOS
1. A Ré é uma sociedade comercial que, na prossecução do seu objecto social se dedica à prestação de serviços de Segurança Privada, estando habilitada para a prestação desses serviços pelo Alvará n.º 37, alíneas A, B, C e D do MAI.
2. Por acordo escrito celebrado em ../../1998 entre o Autor, como “segundo outorgante ou trabalhador” e à data a “EMP01..., S.A.”, como “primeiro outorgante ou entidade patronal”, foi celebrado o “contrato de trabalho a termo certo” subordinado, designadamente, às seguintes cláusulas: “1ª O primeiro outorgante admite ao seu serviço o segundo outorgante, para exercer a actividade de vigilância com a categoria profissional de vigilante, bem como outras de que o primeiro outorgante possa legalmente incumbir. 2ª O segundo outorgante auferirá uma retribuição mensal de Esc. 94.750$00 sujeita aos descontos legais, designadamente para a Segurança Social e para o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS).(…) 5ª O período médio normal de trabalho semanal é de 40 horas. 6ª Dada a especificidade das funções a desempenhar pelo Trabalhador, o dia de descanso semanal será rotativo, conforme horário a ser fixado pela Entidade Patronal. 7ª O Trabalhador dá desde já o seu acordo à prestação de trabalho em regime de turno, caso tal venha a ser necessário à actividade da Entidade Patronal. 8ª O presente contrato é celebrado nesta data, produz efeitos a partir do dia 25/06/98 (…) 12ª Às relações de trabalho entre as partes, aplicam-se as normas legais e regulamentares designadamente o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a AES – Associação de Empresas de Segurança e entre a FETESE – Fed. Dos Trab. De Escritório e Serviço e outros e o STAD – Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza e Profissões Similares e Act. Diversas e outros, publicado no B.T.E., 1ª série, n.º 4, de 29/01/963 e alterações posteriores. (…)”.
3. Em 3 de Janeiro de 2000 a “EMP01... S.A.” comunicou ao Autor para além do mais que “É com maior prazer que lhe comunicamos a sua passagem ao Quadro de Pessoal Efectivo da Empresa.
Nestes termos, o contrato de trabalho a prazo celebrado com V. Exa. em 25.06.96 passará a contrato de trabalho sem prazo, a partir de 25.12.99 com todas as vantagens daí decorrentes. (…)”.
4. Em meados de 2002 e até Maio de 2003, o Autor desempenhou as funções de vigilante de transportes de valores.
5. Em Junho de 2003, o Autor passou a desempenhar as funções de vigilante chefe de transporte de valores na delegação do ....
6. As funções do Autor consistiam no planeamento e acompanhamento dos circuitos de transportes de valores, desenho rotas dos dias seguintes e controlar as rotas do dia.
7. A Ré pagou ao Autor as seguintes quantias monetárias:
Mês/Ano
Vencimento base
Isenção Horário Trabalho
Subsídio de Função
Complemento de Função
06.2002
623
19,45
07.2002
623
19,45
08.2002
623
176,08
292,59
06.2003
730,71
182,68
219,21
05.2004
748,98
187,25
224,69
11.2004
812
203
243,60
04.2005
836
203
251
11.2005
836
203
251
03.2006
855,44
207,72
256,84
11.2006
855,44
207,72
256,84
01.2007
855,44
207,72
256,84
11.2007
855,44
207,72
256,84
02.2008
864,88
216,22
271,90
600
11.2008
864,88
216,22
271,90
600
01.2009
864,88
216,22
271,90
600
11.2009
864,88
216,22
271,90
600
05.2010
864,88
216,22
271,90
600
11.2010
864,88
216,22
271,90
600
01.2011
864,88
216,22
271,90
600
11.2011
864,88
216,22
271,90
600
05.2012
864,88
216,22
271,90
600
11.2012
864,88
216,22
271,90
600
02.2013
864,88
216,22
271,90
600
07.2013
864,88
216,22
271,90
600
02.2014
864,88
216,22
271,90
600
11.2014
864,88
216,22
271,90
600
01.2015
864,88
216,22
271,90
600
02.2016
906,82
226,71
226,71
600
11.2016
906,82
226,71
226,71
600
02.2017
906,82
226,71
226,71
600
11.2017
950
237,50
228,98
600
02.2018
950
237,50
228,98
600
11.2019
976,35
244,09
232,41
600
05.2020
990,78
247,70
232,41
600
11.2020
990,78
247,70
232,41
600
01.2021
995,73
248,93
232,41
600
11.2021
995,73
248,93
233,58
600
10.2022
1.010,65
252,66
233,58
600
11.2022
1.010,65
252,66
233,58
600
8. No ano de 2002 a Ré efetuou pagamentos ao Autor a título de trabalho suplementar, com base nas seguintes horas extra:
8.1. Junho de 2002 (referente ao trabalho realizado em Maio de 2002): 84 horas;
8.2. Julho de 2002 (referente ao trabalho realizado em Junho de 2002): 95 horas.
9. A Ré decidiu atribuir aos trabalhadores que exercem a função de Vigilante chefe de transporte de valores, por acordo com estes, a quantia €600, designada por “complemento de função”, como contrapartida do exercício da concreta função de vigilante chefe, atentas as particularidades e condicionalismos inerentes àquela função e enquanto a exercerem.
10. Em Julho de 2002, o Autor prestou o seu trabalho nos seguintes termos:
10.1. 01.07.2002, das 7 horas às 20 horas;
10.2. 02.07.2002, das 7 horas às 17 horas;
10.3. 03.07.2002, das 7 horas às 20 horas;
10.4. 05.07.2002, dia de folga, das 7 horas às 22 horas;
10.5. 08.07.2002, das 7 horas às 18 horas;
10.6. 09.07.2002, das 7 horas às 19 horas;
10.7. 10.07.2002, das 7 horas às 19 horas;
10.8. 12.07.2002, das 7 horas às 21 horas;
10.9. 13.07.2002, das 6 horas às 17 horas;
10.10. 15.07.2002, das 7 horas às 19 horas;
10.11. 16.07.2002, das 7 horas às 19 horas;
10.12. 17.07.2002, das 6 horas às 20 horas;
10.13. 18.07.2002, das 7 horas às 18 horas;
10.14. 19.07.2002, das 12 horas às 24 horas;
10.15. 21.07.2002, das 8 horas às 21 horas;
10.16. 22.07.2002, das 6 horas às 19 horas;
10.17. 23.07.2002, das 6 horas às 21 horas;
10.18. 24.07.2002, das 6 horas às 20 horas;
10.19. 25.07.2002, dia e folga, das 5 às 24 horas
10.20. 27.07.2002, das 00 horas às 16 horas;
10.21. 28.07.2002, das 8 horas às 17 horas;
10.22. 29.07.2002, das 7 horas às 19 horas;
10.23. 30.07.2002, das 7 horas às 22 horas;
10.24. 31.07.2002, dia de folga, das 7 horas às 24 horas.
11. Entre Janeiro de 2003 e Dezembro de 2020, por determinação da Ré, o Autor cumpriu o horário de trabalho das 13 horas às 22 horas, com período de intervalo de descanso de 1 horas, entre as 18 horas e as 20 horas, de segunda-feira a sexta-feira.
12. O Autor trabalhava aos fins de semana, de 4 em 4 semanas, de forma rotativa.
13. Nos feriados, o Autor prestava serviço, de forma rotativa, de 4 em 4 feriados.
14. Não se trabalhava ao dia 25 de Dezembro e 01 de Janeiro.
15. Entre Janeiro de 2021 e Outubro de 2022, por determinação da Ré, o Autor cumpriu o horário de trabalho das 5 horas às 14 horas, com período de intervalo de 1 horas no período compreendido entre as 9 horas e as 11 horas.
16. O Autor trabalhou aos fins de semana de 4 em 4 semanas, de forma rotativa.
17. Nos feriados, o Autor prestava serviço, de forma rotativa, de 4 em 4 feriados.
18. Não se trabalhava ao dia 25 de Dezembro e 01 de Janeiro.
19. O Autor esteve em situação de incapacidade temporária para o trabalho nos seguintes dias:
19.1. Em 2009: de 25.11.2009 a 29.11.2009 e de 07.12.2009 a 13.12.2009;
19.2. Em 2010: 19.05.2010;
19.3. Em 2011: de 25.01.2011 a 11.02.2011;
19.4. Em 2016: de 06.01.2016 a 05.02.2016;
19.5. Em 2017: de 18.01.2017 a 22.01.2017, de 28.03.2017 a 31.03.2017, de 04.09.2017 a 18.09.2017;
19.6. Em 2019: de 04.03.2019 a 28.06.2019;
19.7. Em 2020: de 27.07.2020 a 30.07.2020;
19.8. Em 2021: de 10.01.2021 a 14.02.2021;
19.9. Em 2022: de 04.11.2022 a 13.06.2023.
20. O Autor esteve em situação de licença parental, no ano de 2011, entre 18.02.2011 a 17.03.2011 e de 16.07.2011 a 16.08.2011.
21. O Autor esteve em situação de isolamento profiláctico, no ano de 2021, entre 03.01.2021 a 16.01.2021 e 27.07.2021 a 02.08.2021.
22. O Autor gozou os seguintes dias de férias:
22.1. Em 2018: 26.03 e 27.03; 25.06 a 29.06, 02.07 a 13.07 e 17.12 a 21.12;
22.2. Em 2019: 08.04 a 12.04, 01.07 a 05.07, 19.08 a 30.8 e 16.12 a 17.12;
22.3. Em 2020: 22.06 a 30.06, 01.07 a 10.07, 23.11 a 27.11, 14.12 a 18.12:
22.4. Em 2021: 15.02 a 19.02, 01.04, 25.06 a 30.06, 01.07 a 16.07, 02.11 a 04.11 e 09.12 a 17.12;
22.5. Em 2022: 08.06 a 09.06, 27.06 a 30.06, 01.07 a 08.07, 08.08 a 12.08, 19.12 a 23.12.
23. O Autor enviou à Ré uma carta registada com aviso de recepção datada de 24 de Janeiro de 2023 através da qual lhe comunicou, para além do mais, que “Eu, AA, sou v/ funcionário, com número ...25, desde Junho de 1998, actualmente com categoria e funções de vigilante chefe de transporte, na delegação do ....
Ora, Após analise dos recibos de vencimento dos últimos anos, verificou-se a existência vários erros de processamento por parte da empresa, pelo menos desde de 2003, tendo apurado que a empresa EMP01... não tem pago as retribuições devidas, nomeadamente do não gozo e pagamento das folgas compensatórias do ano de 2002, das horas nocturnas que foram prestadas, a majoração destas horas nocturnas no pagamento da retribuição das férias, do subsídio de férias e subsídio de natal, da contabilização errónea do valor da isenção de horário de trabalho desde 2008 e da contabilização errónea do subsídio de férias e de natal desde de 2008.
Com efeito, a) Das folgas compensatórias do ano de 2002 Conforme os registos existentes, por via do trabalho suplementar prestado, do trabalho prestado em folgas e feriados, são devidos 21 dias de folgas compensatórias. Até à presente data, tais folgas não foram gozadas, nem pagas. Pelo que, face ao tempo decorrido, deverão tais folgas serem gozadas ou serem pagas pelo triplo do seu valor.
b) Das horas nocturnas Desde de 2003 a 2020, o horário de trabalho atribuído foi das 13h às 22h, por vontade da empresa, prestando, parcialmente, trabalho nocturno das 20h às 22h, ou seja, prestando 2h de trabalho nocturno na jornada de trabalho. E, de 2021 a 2022, o horário de trabalho atribuído foi das 05h às 14h, por vontade da empresa, prestando, parcialmente, trabalho nocturno das 05h às 07h, ou seja, prestando 2h de trabalho nocturno na jornada de trabalho. Tais horas nocturnas nunca foram pagas. Contabilizadas as mesmas, desde Janeiro de 2003 à Dezembro de 2022, as mesmas ascendem ao valor de Euros 23.357,58, ilíquido (valor hora por cada ano (vencimento base+ sub el ou complemento função) x número de horas)
c) Majoração destas horas nocturnas no pagamento da retribuição das férias, do subsídio de férias e subsídio de natal Conforme Convenção Colectiva de Trabalho aplicável, tais horas nocturnas devem ser contabilizadas e majoradas para efeito de cálculo da retribuição das férias, subsídio de férias e subsidio de natal de acordo com a média mensal do ano civil em causa. Tal majoração nunca foi tida em conta. Contabilizadas a mesma, desde o ano 2003 até ao ano de 2022, a mesma ascende ao valor de Euros 5.839,39, ilíquido (valor global de horas nocturnas prestadas no ano 12 meses*3, por cada
d) Contabilização errónea do valor da isenção de horário de trabalho A retribuição de isenção de horário de trabalho, nos termos da Convenção Colectiva de Trabalho aplicável, corresponde ao mínimo de 25% do vencimento. A empresa tem aplicado como critério para efeito de contabilização de tal retribuição à soma do apelidado vencimento base + apelidado subsídio de função *25% *12 (meses).
Sucede que, O trabalhador aqui em causa, desde Janeiro de 2008, aufere, também, um apelidado complemento de função, de forma mensal e regular, no valor de Euros 600,00, ilíquido. Na verdade, tal apelidado complemento de função não é mais que uma parte integrante do vencimento base do trabalhador que a EMP01..., de forma conveniente e ilegal, decompôs. Tal parcela não foi tida em conta na contabilização do subsídio de isenção de horário de trabalho e deveria tê-lo sido. Contabilizada tal parcela para efeito de subsídio de isenção de horário de trabalho, desde o ano 2008 até ao ano de 2022, a mesma ascende ao valor de Euros 28.800,00, ilíquido (Euros por cada ano)
e) Contabilização errónea do subsídio de férias e de natal desde de 2008. Igualmente, a empresa EMP01... contabilizou erroneamente o valor a pagar a título de subsídio de férias e de natal, desde o ano de 2008. A EMP01... não integrou nos pagamentos feitos, ao longo dos referidos anos, o valor apelidado de complemento de função de Euros 600,00, quando, na verdade, tal valor é parte integrante do vencimento e retribuição. Contabilizada tal parcela não paga para efeito de subsídio de férias e de natal, desde o ano 2008 até ao ano de 2022, a mesma ascende ao valor de Euros 19.200,00, ilíquido (Euros 1.200,00 por cada ano). Quer isto dizer que, Na presente, e desde de 2003, a EMP01... não tem pagos os créditos salariais devidos. A soma global de tais créditos ascende ao valor de Euros 77.178,62, ilíquido, acrescido das folgas compensatórias do ano de 2002, ainda não gozadas, nem pagas. Lembra-se ainda o seguinte, Nos termos da Convenção Colectiva de Trabalho aplicável, o empregador (aqui EMP01...) que incorra em mora superior a 60 dias após o vencimento das prestações pecuniárias devidas ao trabalhador (como é o presente caso), é obrigado a indemnizar o trabalhador pelo valor mínimo de 3 vezes o montante em dívida. Na presente data, tal indeminização por mora ascende ao valor global de Euros 231.535,86, ilíquida. Perfazendo, assim, o valor devido ao montante global de Euros 308.714,48, ilíquido. Ora, como poderão ver, tais valores aqui reclamados, já vencidos e não pagos, são efectivamente devidos. E, após ter tido tal percepção efectiva, não é mais possível esperar que a empresa toma iniciativa de pagar o que não quis pagar até à data. Concede-se, assim, prazo de 10 dias para proceder ao referido pagamento, sob pena de ter que exigir judicialmente tais valores, com os custos e incómodos para todos. (…)”.
24. O Autor enviou à Ré uma carta registada com aviso de recepção datada de 17 de Abril de 2023 e recepcionada em 20 de Abril de 2023, através da qual lhe comunicava o seguinte: “Assunto: retribuições não pagas e já vencidas / rescisão do contrato com justa causa. Exmos. Senhores. Apresento os meus respeitosos cumprimentos. Eu, AA, sou v/ funcionário, com número ...25, desde Junho de 1998, atualmente com categoria e funções de vigilante chefe de transporte. na delegação do .... Após análise dos recibos de vencimento dos últimos anos, constatou-se, pelo menos desde 2003. vários créditos salariais que não foram pagos. Concretamente, a empresa EMP01... não tem pago as retribuições devidas, nomeadamente folgas compensatórias do ano de 2002 (gozadas e não gozadas), horas de trabalho nocturno, a majoraçäo destas horas notumas no pagamento da retribuição das férias. do subsidio de férias e subsidio de natal, pagamento incompleto da prestação respeitante à isenção de horário de trabalho desde 2008 e não pagamento da totalidade dos subsídios de férias e de natal desde de 2008.
Com efeito, a) Das folgas compensatórias do ano de 2002 Conforme os registos existentes. por via do trabalho suplementar prestado. do trabalho prestado em folgas e feriados, são devidos 21 dias da folgas compensatórias, Até à presente data, tais folgas não foram gozadas, nem pagas. Pelo que, face ao tempo decorrido, deverão tais folgas ser gozadas ou pagas pelo triplo do seu valor.
b) Das horas notumas Desde 2003 até 2020. o horário de trabalho atribuído foi das 13h às 22h. por vontade da empresa. prestando, parcialmente, trabalho noturno das 20h às 22h, ou seja, prestando 2h de trabalho notumo na jornada de trabalho. E, de 2021 a 2022, o horário de trabalho atribuído foi das 05h às 14h, por vontade da empresa. prestando, parcialmente, trabalho notumo das 05h às 07h. ou seja, prestando 2h de trabalho notumo na jornada de trabalho. Tais horas noturnas nunca foram pagas. Contabilizadas as mesmas, desde Janeiro de 2003 à Dezembro de 2022, as mesmas ascendem ao valor de 23.357,58€, ilíquido (valor hora por cada ano [vencimento base + sub elou complemento função] x número de horas)
c) Majoraçåo destas horas notumas no pagamento da retribuição das férias, do subsidio de férias e subsidio de natal Conforme Convenção Coletiva de Trabalho aplicável, tais horas notumas devem ser contabilizadas e majoradas para efeito de cálculo da retribuição das férias, subsidio de férias e subsidio de natal de acordo com a média mensal do ano civil em causa. Tal majoração nunca foi tida em conta. Contabilizadas, desde o ano 2003 até ao ano de 2022, a mesma ascende ao valor de 5.839,39€, ilíquido (valor global de horas notumas prestadas no ano 1 12 meses • 3, por cada ano)
d) Contabilização errónea do valor da isenção de horário de trabalho A retribuição de isenção de horário de trabalho, nos termos da Convenção Coletiva de Trabalho aplicável. corresponde ao mínimo de 25% do vencimento, o que a empresa não tem respeitado. Isto porque. tal prestação deve ser calculada em pelo valor resultante da soma vencimento base + apelidado subsídio de função *25% * 12 (meses).
Sucede que, Eu, desde Janeiro de 2008, aufiro. também, um apelidado complemento de função de forma mensal e regular, no valor de 600,00€, Ilíquido. Na verdade, tal apelidado complemento de função não é mais que uma parte integrante do meu vencimento base, enquanto trabalhador, que a EMP01..., de forma conveniente e ilegal, decompôs. Tal parcela não foi tida em conta na contabilização do subsídio de isenção de horário de trabalho e deveria tê-lo sido. Contabilizada tal parcela para efeito de subsídio de isenção de horário de trabalho, desde o ano 2008 até ao ano de 2022. a mesma ascende ao valor de 28.800,00€, ilíquido (600,00€ * 0,25 * 12, por cada ano) e) Subsidio de férias e de natal devidos desde de 2008. A EMP01... não integrou nos pagamentos feitos a título de subsídio de férias e de natal. desde o ano de 2008, o valor apelidado de complemento de função de 600,00€, quando. na verdade, tal valor é parte integrante do vencimento e retribuição. Contabilizada tal parcela não paga para efeito de subsídio de férias e de natal, desde o ano 2008 até ao ano de 2022, a mesma ascende ao valor de 19.200,00€, ilíquido (1.200,00€ por cada ano). Quer isto dizer que, na presente, e desde 2003, a EMP01... não tem pagos os créditos salariais devidos. A soma global de tais créditos ascende ao valor de 77.178.62€, ilíquido. acrescido das folgas compensatórias do ano de 2002, ainda não gozadas. nem pagas. Lembra-se ainda o seguinte, nos termos da Convenção Coletiva de Trabalho aplicável, o empregador (aqui EMP01...) que incorra em mora superior a 60 dias apôs o vencimento das prestações pecuniárias devidas ao trabalhador (como é o presente caso), é obrigado a Indemnizar o trabalhador peto valor mínimo de 3 vezes o montante em dívida. Na presente data, tal indeminização por mora ascende ao valor global de 231.535,86€ ilíquida. Perfazendo, assim, o valor devido ao montante global de 308.714.48€, ilíquido. Ora, como poderão ver, tais valores aqui reclamados, já vencidos e não pagos, são efetivamente devidos. E. após ter tido tal perceçäo efetiva, não é mais possível esperar que a empresa tome a iniciativa de pagar o que não quis pagar até à data. Já foi alertada a empresa desta situação em Janeiro de 2023, por meio de carta registada, com data de 24, não tendo obtido qualquer posição, nem resposta ao conteúdo desta missiva. Pelo que, face ao lapso de tempo decorrido, verifica-se que a empresa não tem qualquer intenção de pagar estes créditos salariais, nem mudar tal comportamento omissivo e abusivo, sendo tal situação completamente insustentável, não restando outra solução do que resolver o contrato com justa causa por falta de pagamento pontual das retribuições. nos termos do art. 394.º no 2 al a) e e) do Código de Trabalho. Até porque, foi concedido tempo para pagar uma vez detetadas tais omissões, e decorridos 60 dias sobre a interpelação feita, nada foi pago. Concede-se, assim, prazo de 10 dias para proceder ao referido pagamento dos aludidos créditos salariais, acrescidos dos créditos salariais finais devidos pela cessação do contrato, bem como da indemnização devida por antiguidade. sob pena de avançar judicialmente com os custos e incómodos inerentes. Bem como, deverá ser enviada, em igual prazo. o certificado de trabalho e modelo 5044 da Segurança Social. (…)”.
25. O Ré respondeu ao Autor, através de carta registada com aviso de recepção datada de 17 de Maio de 2023, nos seguintes termos: “Assunto: retribuições não pagas e já vencidas / rescisão do contrato com justa causa. Exmo. Senhor, Acusamos a receção da sua carta com o assunto em epígrafe. Antes de mais, há que salvaguardar o seguinte: o horário que lhe está atualmente atribuído foi por si solicitado, tendo a EMP01... anuído à sua pretensão. Independentemente disso, refira-se que os pedidos constantes da V. missiva não se encontram devidamente fundamentados, o que dificultou a análise por parte da EMP01.... Ainda assim, após a devida análise, a EMP01... Concluiu que não lhe assiste razão, não lhe sendo devidos quaisquer créditos. Relativamente aos descansos compensatórios, não sendo V. Exa. Explícito relativamente à decorrência dos mesmos, esclarece se que, de acordo com os registos da EMP01..., O seu gozo foi substituído por remuneração, tendo sido os valores devidos pagos no ano de 2002 e, após, essa data não foram gerados descansos compensatórios. Cabe referir que o acréscimo de 25%, atribuído aos trabalhadores em situação de isenção de horário, se calcula sobre o vencimento base. Tal esclarecimento resulta da cláusula 37.ª do Contrato coletivo aplicável ao setor. Por outro lado, o complemento de função que lhe está atribuído, como a própria designação indicia, trata-se de um complemento salarial atribuído a todos os trabalhadores que exercem a função de vigilante chefe de acompanhamento ao transporte de valores. Sendo aquele complemento, uma contrapartida do exercício daquelas funções concretas, atentos os condicionalismos daquelas. Ora, estando referido subsídio ligado ao exercício de determinadas tarefas, é devido na justa medida da sua execução, e, portanto, é devido apenas nos meses/dias em que desempenha essas tarefas. No que diz respeito à indemnização prevista Cláusula 45.ª do Contrato Coletivo aplicável, por si reclamada, é de relembrar que tal indemnização tem como condição a existência de danos decorrentes da mora no pagamento de prestações devidas. Ora, ainda que fossem devidos créditos alguns, seria sempre necessário que dessa mora resultassem danos, os quais não foram sequer referidos na missiva a que se responde. Assim, e considerando a falta de fundamentação de algumas das alegações e a falta de correspondência com a verdade de outras, consideramos que não existe justa causa para a denúncia efectuada, pelo que vamos reconduzir a mesma à denúncia prevista nos termos do artigo 400.º do Código do Trabalho. De tudo o exposto, V. Exa. não invoca factos que permitam concluir pela impossibilidade de manutenção da relação laboral, nos termos do n.º 3 do artigo 351.º do Código do Trabalho.
Nessa medida, considerando a sua rescisão como denúncia unilateral, iremos proceder à respectiva dedução do aviso prévio em falta às suas contas finais (...)”.
26. A Ré ministrou ao Autor as seguintes horas de formação:
26.1. Em 25.08.2020, 1 hora e 30 minutos de formação em contexto de trabalho sob o nome “Reciclagem Equipas MAP”;
26.2. Em 24.03.2021, 4 horas de formação/acção de sensibilização sobre o tema “Riscos e Ameaças no Transporte de Valores”;
26.3. Em 13.09.2022, 1 hora de formação/acção de sensibilização sobre “Riscos/Ameaças inerentes aos Edifícios da EMP01...”, entre outros.
27. Em Maio de 2023, a Ré processou os créditos laborais devidos ao Autor nos seguintes termos:
27.1. Ret. Vencimento Base (4/2023): - 358,78
27.2. Ret. Isenção horário Trabalho (4/2023): - 89,70
27.3. Ret. Acerto de Recibo a Zeros (4/2023): 2.270,48
27.4. Ret. Subsídio de Função (4/2023): - 77,86
27.5. Ret. Complemento de Função (4/2023): - 200,00
27.6. Ret. Férias não Gozadas Anterior (4/2023): 495,23
27.7. Ret. Horas de Formação (4/2023): 1.034,95
27.8. Ret. Desconto de Aviso Prévio (4/2023): - 3.158,02
27.9. Ret. Doença c/ Baixa Médica (4/2023): 363,17.
*
FACTOS NÃO PROVADOS
A. O Autor, no decurso da relação laboral entre as partes, foi sempre assíduo, competente, zeloso e profissional em todas as tarefas incumbidas.
B. Em Maio, Junho e Julho de 2002, o horário de trabalho do Autor era das 7 horas às 15 horas, em jornada contínua.
C. Em Maio de 2002, o Autor prestou, a pedido da sua chefia, o seu trabalho no seguinte horário:
a. 02.05.2002, das 7 horas às 20 horas;
b. 03.05.2002, das 7 horas às 20 horas;
c. 04.05.2002, dia de folga, das 7 horas às 15 horas;
d. 09.05.2002, das 7 horas às 20 horas;
e. 10.05.2002, das 7 horas às 17 horas;
f. 13.05.2002, das 7 horas às 18 horas;
g. 15.05.2002, das 7 horas às 19 horas;
h. 17.05.2002, das 7 horas às 20 horas;
i. 23.05.2002, das 7 horas às 17 horas;
j. 24.05.2002, das 7 horas às 20 horas;
k. 25.05.2002, das 7 horas às 19 horas;
l. 29.05.2002, das 7 horas às 19 horas;
m. 30.05.2002, feriado, das 7 horas às 15 horas;
n. 31.05.2002, das 7 horas às 20 horas.
D. Em Junho de 2002, o Autor prestou o seu trabalho nos seguintes termos:
a. 01.06.2002, dia de folga, das 7 horas às 19 horas;
b. 05.06.2002, das 7 horas às 20 horas;
c. 06.06.2002, das 7 horas às 18 horas;
d. 07.06.2002, das 7 horas às 19 horas;
e. 08.06.2002, dia de folga, das 7 horas às 19 horas;
f. 09.06.2002, dia de folga, das 7 horas às 19 horas;
g. 10.06.2002, feriado, das 7 horas às 16 horas;
h. 11.06.2002, das 7 horas às 18 horas;
i. 12.06.2002, das 7 horas às 18 horas;
j. 13.06.2022, das 7 horas às 20 horas;
k. 14.06.2002, das 7 horas às 20 horas;
l. 15.06.2002, dia de folga, das 7 horas às 19 horas;
m. 16.06.2002, dia de folga, das 7 horas às 19 horas;
n. 17.06.2002, das 7 horas às 19 horas;
o. 19.06.2002, das 7 horas às 20 horas;
p. 20.06.2002, das 7 horas às 20 horas;
q. 22.06.2002, dia de folga, das 7 horas às 19 horas;
r. 24.06.2002, feriado, das 7 horas às 15 horas;
s. 25.06.2002, das 7 horas às 19 horas;
t. 26.06.2002, das 7 horas às 19 horas;
u. 27.06.2002, das 7 horas às 19 horas;
v. 28.06.2002, das 7 horas às 20 horas;
w. 29.06.2002, dia de folga, das 7 horas às 18 horas.
E. Relativamente ao trabalho prestado nos dias referidos em 10. e C. e D., a Ré concedeu ao Autor o gozo de descanso compensatório ou procedeu ao seu pagamento.
F. O Autor prestava o trabalho referido em 12. com descanso de 2 dias na semana anterior à quinta e na semana seguinte à terça.
G. O horário de trabalho de fim de semana era das 6 horas às 16 horas, com uma hora de almoço.
H. O horário do feriado era das 6 horas às 14 horas, em jornada contínua.
I. O Autor prestava o trabalho referido em 15. com descanso de 2 dias na semana anterior à quinta e na semana seguinte à terça.
J. O horário do fim de semana era das 5 horas às 15 horas, com uma hora de almoço.
K. O horário do feriado era das 5 horas às 13 horas, em jornada contínua.
L. O Autor faltou justificadamente por motivo de falecimento de parente nos dias 24.04.2021 a 28.04.2021.
M. O Autor esteve de licença de casamento entre 11.06.2022 e 25.06.2022.
IV – APRECIAÇÃO DOS RECURSOS
Por uma questão de sistematização iremos começar por apreciar o recurso interposto pelo Autor e seguidamente o interposto pela Ré, deixando consignado que a questão referente à resolução do contrato com justa causa, suscitada pelo autor, só será apreciada depois de apreciado o recurso interposto pela Ré.
A – Recurso do Autor
1 – Impugnação da matéria de facto; Inversão do Ónus da Prova e Respetivas Consequências
Insurge-se o Autor/Recorrente quanto à decisão da matéria de facto, pretendendo que a factualidade que se fez constar do ponto G) dos pontos de facto não provados passe a constar dos factos provados e que se aditem dois novos factos, aos factos provados, os quais constam da petição inicial e da petição inicial aperfeiçoada e que o tribunal a quo não relevou.
Alicerça a sua pretensão no testemunho prestado pelas testemunhas BB, CC, DD e EE e nos documentos juntos aos autos.
Dispõe o artigo 662.º n.º 1 do CPC. aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 87.º do CPT. e no que aqui nos interessa, que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
E prescreve o artigo 640.º do CPC., que respeita ao ónus a cargo da parte que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o seguinte: 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
Pretendendo o Recorrente a alteração da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova, designadamente os depoimentos testemunhais gravados e uma vez que está suficientemente cumprido o respetivo ónus de impugnação acima referido, cabe-nos apreciar e decidir.
A factualidade não provada que o recorrente pretende que passe a constar dos factos provados é a seguinte:
Ponto G) dos pontos de facto não provados: “O horário de fim de semana e feriado era das 06h as 16h, com uma hora de almoço.“
O Tribunal a quo deu como não provada tal factualidade, com a seguinte fundamentação: “Relativamente aos horários de trabalho praticados pelo Autor (pontos 11 a 18 e B., G., H., J e K.) afigurou-se que a prova testemunhal supra referida revelou-se claramente insuficiente para afastar a prova documental junta aos autos e referente aos mapas de horários de trabalho. Com efeito, as testemunhas não foram coincidentes no que os referidos horários dizem respeito. (…). O trabalho aos fins de semana e aos feriados foi, de forma praticamente unânime, confirmado pelas testemunhas, mas já não os horários verdadeiramente praticados pelos vigilantes chefes, não constando o mesmo dos mencionados mapas de horário.
Após a análise da prova documental e da audição dos testemunhos prestados em audiência de julgamento teremos de dizer que não vislumbramos que tenha sido cometido qualquer erro pelo tribunal a quo que impusesse que o ponto G) dos pontos de facto provados passasse a constar dos factos provados.
Com efeito, apesar de não ficarem dúvidas quanto ao facto dos vigilantes chefes prestarem serviço em dias de feriado e domingos, o certo é que o horário efetivamente cumprido nesses dias, não consta dos mapas juntos aos autos, e, ao contrário do afirmado pelo recorrente, as testemunhas sobre esta questão não foram nem precisas, nem seguras, revelando-se os depoimentos de insuficientes para dar tal facto como provado.
Assim a testemunha BB revelou ter conhecimento do trabalho ao fim de semana e nos feriados, mas revelou não saber os horários que eram assumidos nesses dias, tendo respondido de forma afirmativa ao ser confrontado com o horário das 6h às 16 h., mas sem qualquer certeza, como resulta das respostas dadas às perguntas que lhe foram formuladas. Quanto ao depoimento da testemunha CC, este depôs essencialmente quanto ao horário por si cumprido nesses dias de fim de semana e feriado que não seria coincidente com o do autor, revelando ter pouca ou nenhuma certeza, quanto ao horário que o autor cumpriria ao fim de semana e feriados.
Em suma, os depoimentos destas duas testemunhas revelam-se de insuficiente para dar esta factualidade como provada e não impõe de forma alguma que se proceda à alteração da matéria de facto.
É assim de manter o ponto G) dos pontos de facto não provados.
Quanto ao aditamento aos factos provados da seguinte factualidade: “Tais quantias (subsídio de função e complemento de funções) foram sempre pagas de forma regular e pontual, todos os meses, no decurso destes anos.”
É de referir, que é certo que o Tribunal a quo, não se pronunciou sobre esta factualidade, mas também é certo que não o teria de fazer, pois trata-se de factualidade de cariz conclusivo, que se extraí da simples leitura dos documentos, juntos aos autos (recibos de vencimento), que não tem qualquer interesse para a boa decisão da causa, para além da relevância que sobre a mesma se deu na sentença recorrida.
Aliás, da própria alegação do Recorrente não se vislumbra, qualquer utilidade prática em fazer constar, tal juízo conclusivo da factualidade provada, pois daí não retira qualquer ilação que venha a ter relevância ou venha a influenciar a boa decisão de direito.
Tenha-se presente o estatuído no n.º 2 do art.º 611.º do CPC do qual resulta que “só podem ser atendíveis os factos que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida”. Daqui podemos concluir que, se o facto que se pretende impugnar for irrelevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis, não há qualquer utilidade naquela impugnação da matéria de facto, pois o seu resultado será sempre de considerar de absolutamente inócuo.
Acresce dizer que, o uso dos poderes de controlo da matéria de facto da 1ª instância pela Relação só deve ser utilizado quando a impugnação recaia sobre factos que tenham interesse para a decisão da causa, de forma a evitar a prática de atos inúteis – cfr. art.º 130º do CPC., devendo nestas circunstâncias a Relação abster-se de apreciar tal impugnação. Neste sentido ver entre outros Ac. STJ de 14.07.2021 (relator Fernando Baptista), proc. n.º 65/18.9T8EPS.G1.S1.
Em suma, para além da factualidade que se pretendia aditar ter cariz meramente conclusivo, a mesma não tem interesse para a boa decisão da causa.
Por fim, pretende o Recorrente que seja aditado aos factos provados a seguinte factualidade: “O Autor prestou trabalho nos dias assinalados, nos supra indicados horários de trabalho, no mapa de dias de trabalho que se junta como doc 2 e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, a saber: (…)”
Defende o Recorrente que para prova deste facto requereu ao Tribunal que determinasse a junção aos autos do registo dos tempos de trabalho, desde 2002 até novembro de 2022. Tal requerimento foi deferido, e depois de várias peripécias acompanhadas de notificações à Ré, esta manteve sempre a mesma postura, informando que para além dos documentos que juntou aos autos não possui mais elementos respeitantes ao autor. Conclui o Recorrente que a Ré apresentou várias justificações que foram contrariadas entre elas, tudo para não proceder à junção dos registos dos tempos de trabalho e obstaculizar a obtenção de documentos que são seus e cuja junção foi determinada pelo tribunal, impedindo assim o autor de fazer prova, o que dá lugar à inversão do ónus da prova.
O Tribunal a quo pronunciou-se sobre o trabalho noturno da seguinte forma: Por outro lado, e relativamente aos concretos dias e horas em que o Autor trabalhou importa referir o seguinte: Na petição inicial, o Autor requereu que a Ré juntasse aos autos os mapas de trabalho e horários de trabalho do Autor desde 2002 até Novembro de 2022, que, reiterou no articulado de aperfeiçoamento, no qual requereu, ainda, a junção pela Ré dos mapas de férias desde 2003 a Novembro de 2022 (diga-se, porém, que ao contrário do convite que lhe foi dirigido, o Autor, no que ao dias e horas exactos em que trabalhou em horário nocturno, não os concretizou). O tribunal deferiu a pretensão do Autor, e a Ré apresentou o requerimento de 12.12.2023, referindo que destrói os documentos em causa, por questões de organização, após 5 anos, apenas tendo juntado o mapa de horário de trabalho de 17.09.2021 (documento n.º 1 - de onde resulta que o horário de trabalho do Autor passou a ser das 5 horas às 14 horas, com descanso para a refeição de 1 hora no período compreendido entre as 9 horas e as 11 horas, e com dia de descanso semanal obrigatório e complementar, respectivamente Domingo e Sábado) e os planos de férias dos anos de 2018 a 2022 (documento n.º 2 - de onde resultam as férias do Autor). Entretanto, através do requerimento de 03.01.2024, veio o Autor dar conta de que pretende os mapas de trabalho do Autor em que constam os registos de tempo de trabalho, o que foi deferido, tendo a Ré reiterado a destruição dos documentos volvidos 5 anos, manifestando não possuir tais documentos, não logrando juntar aos autos documento comprovativo da destruição dos documentos, mas apenas um relatório de actividade de registo de acesso à empresa. A empresa “EMP02..., S.A.”, que, alegadamente se dedica à custódia do aquivo físico da Ré veio dar conta, em 12.04.2024, que não existe qualquer processo referente ao Autor. Ora, nos termos do disposto no artigo 202.º do Código do Trabalho, o empregador é obrigado a manter o registo dos tempos de trabalho dos trabalhadores, com indicação das horas de início e de termo do tempo de trabalho, bem como das interrupções ou intervalos que nele não se compreendam, estando obrigado a conservar tal registo durante cinco anos, tudo sob pena de praticar uma contra-ordenação grave. Do mesmo modo, estabelece o artigo 231.º do mesmo diploma que o empregador deve ter um registo de trabalho suplementar em que, antes do início da prestação de trabalho suplementar e logo após o seu termo, são anotadas as horas em que cada uma das situações ocorre, com a indicação expressa do fundamento da prestação de trabalho suplementar e os períodos de descanso compensatório gozados pelo trabalhador, estando obrigado a manter durante cinco anos relação nominal dos trabalhadores que efectuaram trabalho suplementar, tudo também sob pena da prática de contra-ordenação. Considerando que, só em 03.01.2024 é que o Autor veio alegar que, o que pretendia, era os registos de tempo de trabalho, é desde essa data que deve ser efectuada a contagem dos cinco anos aludida nos dispositivos referidos. Ou seja, só desde 03.01.2019 é que se pode declarar invertido o ónus da prova, perante a declaração expressa da Ré no sentido de não possuir os referidos registos de tempo de trabalho. Sucede que, para se inverter o ónus da prova e dar como provada a factualidade que se pretendia provar com tais documentos importava que o Autor alegasse quais os dias e horas em que efectivamente trabalhou (como, de resto já se havia dado conta no despacho de convite ao aperfeiçoamento). Não o tendo feito, não podia o tribunal dar como provada qualquer matéria factual em atenção à não junção pela Ré dos documentos solicitados.”
Quanto ao trabalho noturno, o autor na petição inicial não concretizou nem as horas, nem os dias em que ao longo dos anos terá prestado este tipo de trabalho, razão pela qual por despacho proferido em 23.10.2023 foi convidado a concretizar as horas e os dias exatos em que prestou tal trabalho em horário considerado noturno.
O autor respondeu ao convite formulado, mas voltou a não concretizar as horas e os dias exatos em que prestou trabalho em horário considerado noturno (remetendo a mesma para o documento apelidado de mapa de dias de trabalho – calendário anual com dia assinalados) -, a este propósito apenas alegou o horário de trabalho que fazia, quando o trabalho era prestado normalmente e os períodos em que esteve de baixa médica, admitindo o desconto de 22 dias de férias em cada ano, corrigindo os valores devidos a título de horas noturnas (€ 19.096,46), a título de majoração das horas noturnas na retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal (€ 4.774,15).
Em suma, voltou a não esclarecer e a não identificar os dias e as horas noturnas em que trabalhou, sendo que apenas agora, em sede de alegação de recurso veio discriminar os dias e os meses em que terá prestado trabalho noturno.
Como é sabido, estando em causa a reclamação de créditos por trabalho noturno, incumbe ao autor, por se tratar de facto constitutivo do direito de que se arroga, a alegação não só do número de horas de trabalho noturno que terá realizado, mas sim também a indicação, e cada um dos dias em que o prestou, bem como o horário concreto em que prestou o seu trabalho, com horas de inicio e termo do período normal de trabalho diário e respetivos intervalos. Faltando tal alegação fica inviabilizado o conhecimento do mérito da questão. Por tal motivo foi o autor convidado a aperfeiçoar a petição inicial, sem que tivesse dado cumprimento a este ónus de alegação, pois voltou a não discriminar os dias em que teria realizado trabalho noturno.
Perante este quadro teremos de dizer que concordamos com o Tribunal a quo, ao afirmar, que mesmo que fosse determinada a inversão do ónus da prova, por falta de alegação não se pode agora dar como provada a matéria factual respeitante ao trabalho noturno.
Na verdade, só em sede de alegação de recurso veio o Recorrente discriminar o trabalho noturno, o que se revela de extemporâneo, pois em tempo foi convidado para suprir a falta de alegação e voltou de forma conclusiva e desprovida de factos a não discriminar o trabalho noturno[1].
Assim, ainda que se pudesse vir a concluir pela inversão do ónus da prova no que respeita a trabalho noturno prestado nos últimos 5 anos, o certo é que por falta de alegação não poderia ser dado como provada, qualquer matéria factual que resultasse da falta de junção de documentos por facto imputado à Ré, como pretende agora o recorrente.
Improcede também nesta parte a impugnação da matéria de facto.
2 – Das horas noturnas
A apreciação da questão referente ao trabalho noturno respeitava do apuramento dos montantes eventualmente devidos a este título, estando assim dependente da alteração da matéria de facto.
Ora, mantendo-se inalterada a factualidade apurada pelo Tribunal a quo fica prejudicado o conhecimento desta questão.
3 – Complemento de função e subsídio de função integra ou não a retribuição base
Pretende o Recorrente que se considere que o complemento de função e o subsídio de função por si auferidos de forma regular e periódica integrem o cálculo do valor que lhe é devido pela isenção de trabalho e subsídio de Natal, desde 2008, uma vez que a Ré calculou o montante devido a esses títulos deixando de fora estas prestações.
O Tribunal a quo de forma clara, precisa e exaustivamente fundamentada conclui que quer o complemento de função, quer o subsídio de função não integram a retribuição base e por isso não devem ser considerados na operação de cálculo quer da isenção de horário de trabalho, quer no subsídio de Natal (sendo certo que no subsídio de Natal a Ré sempre incluiu o subsídio de função). Desde já diremos que concordamos com a posição assumida pelo Tribunal a quo, a qual passamos a transcrever:
“Com efeito, relativamente à quantia paga a título de isenção de horário, alega o Autor este complemento salarial foi-lhe atribuído 14 vezes por ano, porém, a Ré apenas considerou para o seu apuramento a retribuição que apelidava de vencimento base, devendo, porem, ter em consideração o valor pago a título de “subsídio de função” e de “complemento de função”. Também quanto às quantias pagas pela Ré a título de subsídio de férias e de Natal entende o Autor que se encontram indevidamente pagas, considerando que, para além das designadas rubricas “vencimento base”, “subsídio de função” e “isenção de horário”, o valor pago pela Ré como “complemento de função” devia integrar os respetivos subsídios. A contabilização pelo Autor do valor em falta a título de isenção de horário remonta a Junho de 2003, e das quantias pagas a título de subsídios de férias e de Natal a 2008. 5.1. De acordo com a cláusula 17.ª do CTT celebrado entre a AES e o STAD publicado no BTE n.º 4, de 29.01.1993 “1- Poderão ser isentos de horário de trabalho, mediante requerimento da entidade patronal, os profissionais que exerçam cargos de direcção, de chefia ou de fiscalização. 2 – Os profissionais isentos de horário de trabalho têm direito a uma retribuição especial adicional, que não será inferior à remuneração correspondente a uma hora extraordinária (…).”.
Com a revisão global publicada no BTE n.º 26, de 15.07.2004 a isenção de horário de trabalho passou a ser remunerada mediante um “acréscimo mínimo de 25% sobre o seu vencimento base, enquanto perdurar este regime.” (cláusula 17.ª, n.º 2), remuneração que se manteve nas revisões seguintes: cláusula 17.ª do CCT publicado no BTE n.º 10, de 15.03.2006, cláusula 17.ª do CCT publicado no BTE n.º 6, de 15.02.2008, cláusula 17.ª do CCT publicado no BTE n.º 17, de 08.05.2011, cláusula 37.ª do CCT publicado no BTE n.º 38, de 15.10.2017, cláusula 37.ª do CCT publicado no BTE n.º 22, de 15.06.2020 e cláusula 37.ª do CCT publicado no BTE n.º 4, de 29.01.2023. Em todos as versões do CCT aplicável à relação contratual estabelecida entre Autor e Ré encontra-se previsto o subsídio de função (cfr. Anexo II do CCT de 1993 e Anexos III das revisões seguintes do CCT). Ora, sendo claro, do texto legal, que a isenção de horário de trabalho deve ser remunerada com o acréscimo de pelo menos 25 % do vencimento base, é este vencimento a ter em consideração, não se contabilizando, ademais, o valor pago a título de “subsídio de função”, e bem assim aquele pago a título de “complemento de função”. Da petição inicial resulta que o Autor pretende que lhe seja reconhecido que o seu vencimento base contemplava as rubricas que a Ré decompunha em “retribuição base”, “subsídio de função” e “complemento de função”. Vejamos. De acordo com o artigo 258.º, n.º 1 do Código do Trabalho “Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho”, compreendendo “a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie” (n.º 2 do mesmo dispositivo legal) e presumindo-se retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador. (n.º 3). Por sua vez, estabelece o artigo 129.º, n.º 1 alínea d) do Código do Trabalho que é proibido ao empregador diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Junho de 2023, processo 1407/19.5T8BCL.G1.S.1, disponível em www.dgsi.pt «A densificação do conceito fortemente indeterminado de retribuição envolve múltiplas dificuldades. Desde logo, como nota Júlio Manuel Vieira Gomes, “para alguns autores (...) o sinalagma não domina toda a execução do contrato de trabalho, havendo frequentes derrogações ao sinalagma funcional, derrogações que permitiriam falar de uma crise do sinalagma ou, de um outro prisma, escapar da tirania da correspetividade”, sendo que «a complexidade da retribuição, resultante da sua plurifuncionalidade e da convergência de perspetivas e valores contrastantes, individuais e supra-individuais, é bem visível, mesmo num contacto superficial, com a “selva retributiva”, atendendo á “fantasia dos nomes” e ao modo como estes se multiplicam». Conexamente, refira-se, “a verdade é que a história da retribuição (...) é uma história feita da multiplicação das suas componentes e da tendência a oscilar entre sistemas retributivos que assumem que o intercâmbio essencial no contrato de trabalho se faz entre o tempo de trabalho e o respetivo preço e sistemas retributivos que atendem em maior medida ao resultado”. Em todo o caso, é irrelevante, neste âmbito, o nomen iuris que as partes atribuam a determinada prestação remuneratória: “a vontade (individual ou coletiva) não pode [só por si] atribuir natureza retributiva a uma prestação que dela careça (...) ou, inversamente, negar tal natureza a uma prestação que intrinsecamente se apresente como retributiva”. Com base no teor do citado art. 258º, Monteiro Fernandes define a retribuição como “conjunto dos valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida)”.
Pese embora todas as dificuldades associadas à fluidez de alguns dos elementos definidores do conceito de retribuição, conjugando o citado art. 258º com as demais disposições legais pertinentes do Código do Trabalho, maxime o art. 260º (prestações incluídas ou excluídas da retribuição), é possível identificar os seguintes elementos fundamentais: i) Patrimonialidade, embora a retribuição possa ter uma componente pecuniária e outra em espécie (art. 259º). ii) Obrigatoriedade, decorrente da lei, de IRCT, de contrato individual, de regulamentação interna ou de usos laborais. «Pretende-se, assim, afastar as meras liberalidades, valores atribuídos com animus donandi nomeadamente a título de “recompensa ou prémio” (são as gratificações ou prestações extraordinárias a que se reporta o art. 260o/1-b), sem prévia vinculação do empregador.8 Já se vê, todavia, que podem ser disfarçadas sob tal fórmula verdadeiras prestações salariais (...).
Note-se (...) que a lei (art. 260o/1-c) exclui o carácter retributivo de certos prémios de mérito e de assiduidade (...) que se relacionam, por sua natureza, com a prestação de trabalho. O mecanismo de exclusão assenta no facto de a atribuição desses prémios não estar antecipadamente garantida – justamente por depender da verificação de [outros] fatores a considerar – e não constituir, por conseguinte, fundamento de qualquer expetativa legítima de ganho, não sendo, neste sentido específico, obrigatória.” iii) Periodicidade/regularidade (que não tem de ser a mesma para todas as prestações), embora Júlio Gomes, em linha com outros autores, afirme que hesita em afirmar que só as prestações regulares podem assumir a natureza de retribuição, tendo em conta que “nesta matéria parte-se de uma presunção ilidível de que constitui retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador”. À luz do art. 260º, no 1, b), os prémios e gratificações não integram a retribuição se forem extraordinários, integrando-a, ao invés, se forem atribuídos regularmente.
Sobre este requisito, diz Monteiro Fernandes: «Esta característica tem um duplo sentido indiciário: Por um lado, sugere a existência de uma vinculação prévia (quando não se ache expressamente consignada) e, por conseguinte, de uma prática vinculativa; por outro, assinala a medida das expetativas de ganho do trabalhador e (...) confere relevância ao nexo existente entre a retribuição e as necessidades pessoais e familiares daquele. A repetição (...) do pagamento de certo valor, com identidade título e/ou montante, cria a convicção da sua continuidade e conduz a que o trabalhador, razoavelmente, paute o seu padrão de consumo por tal expetativa (...) juridicamente protegida.”. iv) Correspetividade. No tocante a este elemento, continua o mesmo autor: «Enfim, é necessário que exista correspetividade entre as prestações do empregador e a situação de disponibilidade do trabalhador – ou seja, noutros termos, que essas prestações não tenham causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho. (...) É, em suma, necessário que se possa detetar uma contrapartida específica – diferente da disponibilidade da força de trabalho – para certa prestação do empregador, a fim de que esta se coloque à margem do salário global. O que, dito de outro modo, envolve a existência da presunção de que qualquer atribuição patrimonial efetuada pelo empregador em benefício do trabalhador, salvo prova em contrário, constitui parcela da retribuição (art. 258o/3).”
Especialmente significativo sobre este ponto específico é o Ac. de 12.10.2017 desta Secção Social13, Proc. n.o 84/16.0T8PNF.P1.S2, assim sumariado:
I. Princípio reitor na definição da retribuição (stricto sensu), visto o carácter sinalagmático que informa o contrato de trabalho, é a exigência da contrapartida do trabalho, pois só se considera retribuição aquilo a que nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho. II. Mesmo provadas a regularidade e a periodicidade no pagamento de remunerações complementares, as mesmas não assumem carácter retributivo se tiveram uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este. III. Não integram o apontado conceito de retribuição, pela falência do elemento constitutivo da contrapartida da prestação, os suplementos remuneratórios recebidos pelo trabalhador a título de “Abono/subsídio de Prevenção”, pois é pago para estar disponível para uma eventual chamada, fora das horas normais de serviço. IV. Não integra o conceito de retribuição o subsídio de condução que é pago ao trabalhador, que não sendo motorista tem que conduzir em exercício de funções e por causa destas, pois visa compensar a especial penosidade e o risco decorrente da condução de veículos, tendo assim uma justificação individualizável, diversa da contrapartida pelo trabalho prestado.».
Relativamente à parcela designada de “subsídio de função” importa repetir que o seu pagamento está previsto no CCT aplicável à relação laboral em causa, estando, assim, desde logo excluída a sua consideração como fazendo parte da retribuição base do Autor. Quanto ao “complemento de função”, sendo irrelevante o nomen iuris atribuído ao seu pagamento, inexistindo dúvidas do seu carácter patrimonial e da sua periodicidade/regularidade (que não é discutida pela Ré), importa referir que o seu pagamento não é imposto pelo CCT aplicável à relação laboral em causa. Importa, então, aferir da sua correspectividade, ou seja, perceber se a causa específica e individualizável para tal pagamento é diversa da remuneração do trabalho. Tendo-se apurado que tal prestação constitui uma contrapartida do exercício da concreta função de vigilante chefe, atentas as particularidades e condicionalismos inerentes àquela função e enquanto os trabalhadores a exercerem, conclui-se que seu pagamento está dependente do facto de o trabalhador exercer a função de vigilante chefe. Não se trata do vencimento base pois, caso o Autor ou qualquer vigilante chefe de transporte de valores deixasse de exercer a concreta função de vigilante chefe deixaria de receber esse complemento.
Como se entendeu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9 de Fevereiro de 2015, processo 233/13.0TTVLG.P1, disponível em www.dgsi.pt “Não faz parte da retribuição, em sentido estrito, o subsídio chefe de grupo atribuído ao trabalhador enquanto exerceu as tarefas de “chefe de grupo”, pois este complemento não tem a ver com uma contrapartida do trabalho mas antes com a específica função desenvolvida, que pode cessar quando o trabalhador deixar de desempenhar essas concretas tarefas”.
Face ao exposto, não assiste razão ao Autor quando pretende que o designado “subsídio de função” e o designado “complemento de função” integrem a quantia paga pela Ré a título de isenção de horário. (…) 5.2.2. Já sobre o Subsídio de Natal dispõe a cláusula 32.ª do CCT publicado no BTE n.º 6, de 15.02.2008 que “1 — Os trabalhadores abrangidos por este CCT têm direito a um subsídio de Natal de montante igual a um mês de retribuição, que será pago até ao dia 15 de Dezembro de cada ano. 2 — Suspendendo -se o contrato de trabalho por impedimento prolongado do trabalhador por motivo de doença, a entidade empregadora pagará a parte proporcional ao tempo de serviço prestado nesse ano. 3 — Nos anos do início e da cessação do contrato de trabalho, a entidade empregadora pagará ao trabalhador a parte proporcional ao tempo de serviço prestado nesse ano. 4 — A entidade empregadora obriga -se a completar a diferença para a retribuição mensal normal no caso de a segurança social ou o seguro de acidentes de trabalho assegurar apenas uma parte do subsídio de Natal.” (OCCT publicado no BTE n.º 17, de 08.05.2011 manteve a mesma redacção, passando a ser, com a mesma redacção, a cláusula 35.ª do CCT publicado no BTE n.º 38, de 15.10.2017, mantida nos CCTs publicados no BTE n.º 22, de 15.06.2020 e no BTE n.º 4, de 29.01.2023). O CCT fala apenas de “retribuição”, não fazendo referência às “prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho” como acontece no caso do subsídio de férias. E, estando em causa quantias peticionadas desde o ano de 2008, importa ter em atenção o Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto e o actual Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro. Nos termos do artigo 249.º do Código do Trabalho de 2003, “1 - Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho. 2 - Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie. 3- Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador. (…)”.
O confronto entre as disposições do Código do Trabalho de 2003 com o actual Código do Trabalho evidencia a correspondência das normas em termos substantivos, não tendo sido introduzidas alterações de natureza substantiva quanto à noção de retribuição (cfr. artigo 258.º do Código do Trabalho de 2009) Sobre as normas que regem o direito ao subsídio de Natal escreveu-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20 de Novembro de 2017, processo 1831/15.2T8VFR.P1, disponível em www.dgsi.pt que «Até à publicação do Decreto-Lei n.º 88/96, de 3 de Julho, a lei laboral não fazia qualquer referência ao direito a subsídio de Natal. Porém, como o legislador menciona no preâmbulo do diploma, a generalidade das convenções colectivas de trabalho já instituía esse direito, ficando de fora “alguns sectores de actividade e (..) certos grupos profissionais”, quer porque os instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis não o consagravam, quer por ausência destes.
O propósito do diploma foi justamente o de consagrar “(..) a generalização por via legislativa do subsídio de Natal nas relações de trabalho por conta de outrem”.
No essencial, o diploma estabelece o seguinte: [artigo 1.º Âmbito] 1 - O presente diploma é aplicável a trabalhadores vinculados por contrato de trabalho a quaisquer entidades empregadoras, incluindo os trabalhadores rurais, a bordo e de serviço doméstico. 2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior os trabalhadores abrangidos por instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho que regulem especificamente o subsídio de Natal, salvo o referido no número seguinte. 3 - Aos trabalhadores abrangidos por instrumentos de regulamentação colectiva que prevejam a concessão do subsídio de Natal com valor inferior a um mês de retribuição é aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 2.º, na parte relativa ao montante da prestação.
[Artigo 2.º Subsídio de Natal] 1 - Os trabalhadores têm direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que será pago até 15 de Dezembro de cada ano. Era entendimento pacífico da jurisprudência que o DL. 88/96, ao estabelecer que o valor do subsídio de Natal deveria ser “igual a um mês de retribuição”, deveria ser interpretado e aplicado à luz do conceito de retribuição do art.º 82.º da LCT, isto é, abrangendo o conjunto de valores que a entidade empregadora estivesse obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em contrapartida da actividade por ele desempenhada e presumindo-se, até prova em contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador. Na verdade, o n.º2, do art.º 82.º da LCT, distinguia expressamente entre a “remuneração base” e “todas as prestações regulares e periódicas”, dando a noção de que a “retribuição”, englobava uma e outras. O art.º 254.º do CT/03, à semelhança do art.º 2.º do DL 88/96, continuou a dizer que o trabalhador tem direito a um subsídio de Natal “de igual valor a um mês de retribuição”, o que poderá sugerir que nenhuma alteração foi pretendida.
Acontece, porém, que aquele diploma inovou com o disposto no art.º 250.º, aí se dispondo o seguinte: 1 - Quando as disposições legais, convencionais ou contratuais não disponham em contrário, entende-se que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias nelas estabelecidas é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades. 2 - Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por: a) Retribuição base - aquela que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, corresponde ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido; b) Diuturnidade - a prestação pecuniária, de natureza retributiva e com vencimento periódico, devida ao trabalhador, nos termos do contrato ou do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, com fundamento na antiguidade.
Assim, sendo o subsídio de Natal uma das prestações complementares a que se refere esse normativo, daí decorre que ao respectivo montante passou a corresponder, salvo disposição legal, convencional ou contratual em contrário, a soma da retribuição base com as diuturnidades. Esta solução veio a ser acolhida no CT/09, nomeadamente nos artigos 262.º [Cálculo de prestação complementar ou acessória] e 263.º [Subsídio de Natal]. Daí que, sem qualquer controvérsia, passou a ser pacificamente pela doutrina e jurisprudência que “Com o Código do Trabalho, que vigorou a partir de 1 de Dezembro de 2003 – bem como com o aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que, revendo-o, lhe sucedeu – a base de cálculo do subsídio de Natal, salvo disposição legal, contratual ou convencional em contrário, é constituída apenas pela retribuição-base e pelas diuturnidades” [Cfr. na jurisprudência do STJ, entre outros, os Acórdãos de 12-03-2014, Recurso n.º 294/11.6TTFIG.C1.S1; e, de 03-07-2014, Recurso n.º 532/12.8TTVNG.P1.S1, ambos relatados pelo Senhor Conselheiro Fernandes da Silva, disponíveis em www.dgsi.pt].» Cremos que este entendimento é transponível para a interpretação da(s) cláusula(s) do CCT aplicável nos autos. Com efeito, ao contrário do estabelecido quanto ao subsídio de férias, para o subsídio de Natal foi acordado negocialmente que este corresponde ao “montante igual a um mês de retribuição”, isto é, a retribuição base. Assim sendo, não tem razão o Autor no que à integração do “complemento de função” nas prestações recebidas a título de subsídios de Natal desde 2008 diz respeito.”
Afigura-se-nos que ao longo das suas alegações de recurso o Recorrente confunde os conceitos de retribuição em sentido lato e de retribuição base (stricto sensu), sendo certo que a factualidade apurada não nos permite concluir, como pretende o Recorrente que, quer o subsídio de função, quer o complemento de função são partes integrantes da retribuição base.
Resulta do n.º 1 do art.º 258.º Código do Trabalho de 2009 (doravante CT) que a retribuição corresponde à prestação que o empregador tem de pagar ao trabalhador como contrapartida do trabalho que este desempenha para o empregador ou da sua disponibilidade para o prestar. A prestação pode ser em dinheiro ou em espécie. Por outro lado, resulta do n.º 2 do citado artigo que a retribuição pode compreender várias prestações para além da retribuição base, tais prestações assumem natureza retributiva, são liquidadas com caracter regular e periódico e são designadas normalmente de complementos salariais, ou prestações complementares ou subsídios e estão em estreita conexão com as contingências especiais da prestação do trabalho, como seja o perigo, a penosidade, ou até o desempenho de determinado cargo de chefia.
Em suma, a retribuição base consiste na contrapartida especifica que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, corresponde ao exercício da atividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido. A retribuição compreende a retribuição base e todas as outras prestações complementares ou acessórias devidas com contrapartida pela especifica função desenvolvida.
Do CCT aplicável resulta inequívoco que a isenção de horário de trabalho deve ser remunerada com o acréscimo de pelo menos 25 % do vencimento base (cláusula 17.ª, n.º 2 do BTE n.º 26, de 15.07.2004 que se manteve nas revisões seguintes: “acréscimo mínimo de 25% sobre o seu vencimento base, enquanto perdurar este regime.”).
Daqui resulta que no cálculo do valor da isenção do horário de trabalho é apenas de considerar a retribuição base, não se contabilizando as demais prestações auferidas pelo autor, designadamente o complemento de função(o qual de acordo com o ponto 9 dos pontos de facto provados se destina a compensar o vigilante chefe de transporte de valores pelo exercício da concreta função de vigilante chefe, atentas as particularidades e condicionalismos inerentes àquela função e enquanto a exercerem), e o subsídio de função (que está previsto no CCT aplicável à relação laboral em causa - cfr. Anexo II do CCT de 1993 e Anexos III das revisões seguintes do CCT-, sendo irrelevante se o mesmo se aplica ou não ao autor, porque a Ré lho atribuiu). O 1.º complemento tem causa própria, específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este, pois está dependente do facto do trabalhador exercer a função de vigilante chefe de transporte de valores e o 2.º complemento está previsto no instrumento de contratação coletiva aplicável à relação laboral em causa, sendo por isso também distinto da retribuição base e com ela não se confunde. Nenhum dos dois mencionados complementos integram o vencimento base, pois têm causas especificas e individualizadas que contendem com a especifica função desenvolvida, que não tem a ver com uma contrapartida pelo trabalho prestado.
Em face do exposto teremos de concluir que bem andou o Tribunal a quo ao não integrar o “subsídio de função” e o “complemento de função” na quantia paga pela Ré a título de isenção de horário.
Quanto à integração da quantia auferida a título de “complemento de função” na quantia paga pela Ré a título subsídio de Natal (um vez que o subsídio da natal do autor incluía o subsídio de função) apenas apraz dizer que, como temos vindo a defender, e atualmente ser até entendimento pacifico quer pela doutrina, quer pela jurisprudência[2] que, “Com o Código do Trabalho, que vigorou a partir de 1 de Dezembro de 2003 – bem como com o aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que, revendo-o, lhe sucedeu – a base de cálculo do subsídio de Natal, salvo disposição legal, contratual ou convencional em contrário, é constituída apenas pela retribuição-base e pelas diuturnidades.” Tal resulta claro do prescrito no n.º 1 do art.º 250.º conjugado com o art.º 254.º ambos do CT de 2003, solução esta que foi acolhida pelo CT de 2009 designadamente nomeadamente nos artigos 262.º, com a epígrafe “Cálculo de prestação complementar ou acessória” e 263.º, com a epígrafe “Subsídio de Natal”, da qual resulta inequívoco que quando não existam disposições legais, convencionais ou contratuais que disponham em contrário, a base de cálculo do subsídio de Natal é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades.
Acresce ainda dizer que o CCT aplicável (cláusulas 32.ª e 31.ª do CCT publicado no BTE n.º 6, de 15.02.2008) refere que o subsídio de Natal é “de montante igual a um mês de retribuição…)” e quando se refere ao subsídio de férias, refere que “… o trabalhador tem direito a um subsídio de férias cujo montante compreende a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo especifico da execução do trabalho.” Daqui também resulta inequívoca a distinção nos valores a pagar, a significar que, no que respeita ao subsídio de natal, o correspondente ao mês de retribuição, deve ser interpretado no seu sentido estrito, ou seja, a retribuição desprovida dos seus complementos.
Improcede nesta parte a apelação do autor, sendo de manter a sentença recorrida
4 - Da Resolução do contrato com justa causa
Oportunamente será apreciada esta questão
5- Da indemnização pela mora
Quanto a esta questão apenas apraz dizer que a sua apreciação estaria dependente da procedência do pedido respeitante às horas noturnas cujo pagamento o autor reclamava, bem como do pedido referente aos montantes devidos a título de subsídio de Natal, os quais não lograram obter êxito, ficando assim prejudicado o conhecimento desta questão.
B - Do Recurso da Ré
Passamos agora a analisar o recurso de apelação interposto pela Ré.
1 – Do descanso compensatório
Defende a Recorrente que a factualidade apurada se revela de insuficiente para que se possa concluir que o autor tem direito a receber a remuneração a título de descanso compensatório não gozado.
Vejamos se lhe assiste razão.
Prescreve a cláusula 26.ª do CTT celebrado entre a AES — Assoc. das Empresas de Segurança e outra e o STAD — Sind. Dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Profissões Similares e Actividades Diversas e outros publicado no BTE n.º 4, de 29.01.1993, aplicável ao caso: “1 – O trabalho prestado no dia de descanso semanal obrigatório confere ao trabalhador o direito a descansar num dos três dias úteis seguintes sem perda de retribuição. 2 – O trabalho prestado em dia feriado e a prestação de trabalho suplementar em dia útil confere aos trabalhadores o direito a um descanso compensatório remunerado, correspondente a 25 % das horas de trabalho suplementar realizado. 3 – O descanso compensatório vence-se quando o trabalhador perfizer um número de horas igual ao período normal de trabalho diário e deve ser gozado num dos 90 dias seguintes, por mútuo acordo. 4 – O descanso compensatório previsto no n.º 2 pode, por acordo entre a entidade patronal e o trabalhador, ser substituído por prestação de trabalho remunerado com acréscimo não inferior a 100%.”.
É ponto assente que ao trabalhador incumbe alegar e provar que prestou trabalho que lhe confira o direito ao descanso compensatório e que o mesmo não lhe foi dado a gozar pelo empregador.
Decorre do prescrito nos n.ºs 1 e 2 do art.º 342.º do Código Civil que cabe ao trabalhador alegar e provar, não só que prestou trabalho suplementar em dia útil, em dias de descanso semanal, ou feriados, mas também que não gozou os descansos compensatórios devidos. Feita esta prova, cabe à entidade empregadora provar o respetivo pagamento.
Daqui resulta que para que se possa apurar do descanso compensatório não gozado, não basta a prova de ter realizado trabalho suplementar em dia útil, em dia de descanso ou em feriado, é ainda necessário alegar e provar que na sua decorrência, não foram dados a gozar ao trabalhador os descansos compensatórios devidos, ou seja, que o empregador não lhe proporcionou os descansos devidos.[3]
Só perante a prova destes factos constitutivos do direito do trabalhador é que nasce para o empregador a obrigação de pagar a compensação por falta de gozo do descanso.
Da factualidade provada com relevo para a apreciação desta questão apenas resulta o seguinte:
- No ano de 2002, a Ré efectuou pagamentos ao Autor a título de trabalho suplementar, com base nas seguintes horas extra: Junho de 2002 (referente ao trabalho realizado em Maio de 2002): 84 horas; Julho de 2002 (referente ao trabalho realizado em Junho de 2002): 95 horas (ponto 8 dos factos provados).
- Em Julho de 2002, o Autor prestou o seu trabalho nos seguintes termos:
01.07.2002, das 7 horas às 20 horas;
02.07.2002, das 7 horas às 17 horas;
03.07.2002, das 7 horas às 20 horas;
05.07.2002, dia de folga, das 7 horas às 22 horas;
08.07.2002, das 7 horas às 18 horas;
09.07.2002, das 7 horas às 19 horas;
10.07.2002, das 7 horas às 19 horas;
12.07.2002, das 7 horas às 21 horas;
13.07.2002, das 6 horas às 17 horas;
15.07.2002, das 7 horas às 19 horas;
16.07.2002, das 7 horas às 19 horas;
17.07.2002, das 6 horas às 20 horas;
18.07.2002, das 7 horas às 18 horas;
19.07.2002, das 12 horas às 24 horas;
21.07.2002, das 8 horas às 21 horas;
22.07.2002, das 6 horas às 19 horas;
23.07.2002, das 6 horas às 21 horas;
24.07.2002, das 6 horas às 20 horas;
25.07.2002, dia e folga, das 5 às 24 horas
27.07.2002, das 00 horas às 16 horas;
28.07.2002, das 8 horas às 17 horas;
29.07.2002, das 7 horas às 19 horas;
30.07.2002, das 7 horas às 22 horas;
31.07.2002, dia de folga, das 7 horas às 24 horas (ponto 10 dos factos provados).
Da factualidade apurada constatamos que, não resultaram provados factos que nos permitam concluir que na decorrência do trabalho suplementar prestado não foram dados a gozar ao Autor aqueles dias de descanso compensatório devidos.
A prova de tais factos ao autor incumbia, não a tendo logrado obter teremos de concluir que não lhe são devidas as quantias apuradas pelo Tribunal a quo a título de falta de gozo de descanso compensatório[4].
Voltamos a repetir o pagamento do descanso compensatório não gozado pressupõe a alegação e prova pelo autor (enquanto facto constitutivo do seu direito art.º 342.º n.º 1 do Código Civil) que trabalhou fora do seu horário normal de trabalho (trabalho suplementar), mas também que, na sua decorrência, não lhe foram dados a gozar os devidos descansos.
Neste mesmo sentido também se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto nos Acórdãos de 12.05.2014, proc. n.º 723/11.9TTBRG.P1 e de 30.05.2018, proc. n.º 4018/16.3T8VFR.P1 e este Tribunal da Relação de Guimarães nos acórdão de 3/11/2016, proc. n.º 286/13.0TTVNF.G1; acórdão de 4.10.2017, proc. n.º 2698/16.9T8GMR.G1 e acórdão de 25.06.2020, proc.º n.º 1630/18.0T8VCT.G1[5] do qual consta o seguinte sumário: “I - Ao trabalhador, que reclama o pagamento de descanso compensatório, compete o ónus da prova de que prestou o trabalho suplementar e de que não gozou o dia de descanso compensatório que lhe seria devido, enquanto factos constitutivos do direito invocado (342º/1 CC), ao passo que ao empregador compete a prova do pagamento, enquanto facto extintivo desse mesmo direito.”
Acolhendo este entendimento, atento o disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Cód. Civil, e não tendo o autor provado que não lhe foram dados a gozar os descansos compensatórios devidos, procede o recurso nesta parte e consequentemente será de revogar nesta parte a sentença recorrida.
2 – Da cláusula 45.º do CCT aplicável.
Insurge-se a Ré quanto ao facto de ter sido condenada no pagamento da indemnização por mora das quantias em divida ao autor a título de descanso compensatório, dizendo que foi feita uma errada interpretação da cláusula 45.ª do CCT aplicável, uma vez que o pagamento da indemnização por mora pressupõe a existência de danos decorrentes da mora. Caso assim não se entenda, então diz a Ré, que se deverá considerar a referida clausula excessiva e desproporcionada, traduzindo-se no pagamento de 3 vezes o valor alegadamente em divida, pelo que deverá ser reduzida, nos termos do art.º 812.º do C.C.
Mais defende a Ré que a referida cláusula não é aplicável aos montantes pagos a título de “complemento de função”, o qual resultou de acordo entre a ré e os seus trabalhadores, não estando tal prestação inserta no cap. IX do CCT para o qual a cláusula 45ª. remete.
Por fim, sustenta ainda a Ré/Recorrente que a condenação no pagamento de indemnização no âmbito de tal cláusula, a qual consubstancia uma cláusula penal indemnizatória, nunca poderia ser cumulada com o pagamento de juros de mora, nos termos gerais incidentes sobre as retribuições em dívida abrangidas pela mencionada cláusula.
O Tribunal a quo considerou que a cláusula 45.º do CCT aplicável, atribuiu automaticamente o direito indemnizatório ao trabalhador desde que este prove: ter uma dívida referente a créditos elencados no capítulo IX; e que essa dívida ultrapasse os 60 dias. Consequentemente por estarem verificados os requisitos para o efeito aplicou a referida cláusula aos créditos que apurou, quer referente a não remuneração dos descansos compensatórios não gozados, quer às diferenças salariais na retribuição do subsídio de férias que estavam em dívida há mais de 60 dias, dizendo que se tratam de créditos laborais que estão previstos no capítulo IX do CCT e condenou a Ré no pagamento da indemnização, no montante global de € 29.881,89 [(€ 2.881,89 = € 960,63 x 3) + (€ 27.000 = € 9.000 x 3).]
Vejamos se assiste razão à Recorrente.
Ora, tendo presente que este Tribunal, no que respeita ao crédito referente à remuneração dos descansos compensatórios não gozados, entendeu ser o mesmo inexistente, fica desde já prejudicado o conhecimento desta questão, deixando apenas consignado que não se tendo provado a existência do crédito, não há lugar a qualquer indemnização devida a este título ao autor.
Importa agora apurar se a cláusula 45.º do CCT é aplicável ao crédito de que o autor é titular respeitante às diferenças salariais na retribuição do subsídio de férias que estavam em dívida há mais de 60 dias, que respeitam à falta de inclusão em tal subsídio do complemento de função atribuído pela Ré ao Autor.
Será que tais créditos laborais estão previstos no capítulo IX do CCT, já que são apenas estes que beneficiam do regime prescrito na cláusula 45.ª do CCT aplicável
Prescreve a cláusula 45.ª do CCT celebrado entre a AES e o STAD publicado no BTE n.º 4, de 29.01.2023 o seguinte: “O empregador que incorra em mora superior a sessenta dias após o seu vencimento no pagamento das prestações pecuniárias efetivamente devidas e previstas no presente capítulo ou o faça através de meio diverso do estabelecido, será obrigado a indemnizar o trabalhador pelos danos causados, calculando-se os mesmos, para efeitos indemnizatórios, no valor mínimo de 3 vezes do montante em dívida.”
Esta cláusula encontra-se inserida no Capítulo IX, respeitante à “Retribuição de Trabalho” e constitui uma consequência para a mora do empregador no pagamento das prestações retributivas previstas no capítulo e que sejam efetivamente devidas ao trabalhador. A consequência é o pagamento de uma indemnização que compense os danos causados pelo atraso no pagamento. Tal indemnização terá necessariamente o valor mínimo correspondente ao triplo do montante em dívida.
Todavia, esta indemnização apenas será devida quando a mora no pagamento ultrapasse os 60 dias após o vencimento das prestações em dívida.
Daqui também resulta que o trabalhador terá direito à indemnização desde que este prove:
- que o empregador tem para com ele uma dívida referente a créditos elencados no capítulo IX; e
- que tenha essa dívida por um período que ultrapasse os 60 dias.
Ora, antes de nos debruçarmos sobre as demais questões inerentes à atribuição ao autor, da indemnização, pela mora superior a 60 dias, no valor mínimo de 3 vezes do montante em divida, incumbe apurar se tais créditos laborais de que o autor é titular respeitantes à falta de pagamento da parcela referente ao complemento de função, no subsídio de férias, devida desde o ano de 2008 até 2022, estão previstos no capítulo IX do CCT, já que são apenas estes que beneficiam do regime prescrito na cláusula 45.ª do CCT aplicável.
Com efeito, da redação da citada cláusula resulta manifesto que a indemnização apenas é devida quando o empregador incorra em mora superior a 60 dias no pagamento das prestações pecuniárias devidas, previstas no capítulo IX do CCT, aplicável à relação laboral, respeitante à “retribuição”.
Como bem observa a Recorrente, “a prestação atribuída pelo empregador, mediante acordo, aos trabalhadores que exercem funções determinada função, designada por “complemento de função”, não se encontra prevista no capítulo IX”
Não resultando a prestação auferida pelo trabalhador a título de complemento de função do CCT aplicável, não estando, por isso, prevista no seu capítulo IX, o atraso no pagamento daquela prestação pecuniária não dá lugar à indemnização a que alude a cláusula 45.ª do CCT.
Procede o recurso da Ré sendo de revogar a sentença recorrida no que diz respeito à condenação na indemnização pela mora, já que, por um lado, o autor não logrou provar o crédito respeitante ao não gozo dos descansos compensatórios e por outro lado, o crédito de que é titular por falta do pagamento devido a título de complemento de função não se inclui nos créditos abrangidos pela cláusula 45.ª do CCT aplicável.
Do Recurso do Autor
4 - Da Resolução do contrato com justa causa
Pretende o Autor/Recorrente a revogação da sentença recorrida na parte que considerou ser inexistente a justa causa de resolução do contrato.
Ora, mantendo-se a inalterada a factualidade dada como assente em 1ª instância, importa agora averiguar da verificação da justa causa de resolução do contrato da iniciativa do Autor, desde já se deixando expresso que na sentença recorrida, se procedeu à correta subsunção jurídica dos factos apurados ao direito, não sendo por isso merecedora de qualquer reparo.
Na verdade, apesar de se terem verificado de forma mais restrita do que o alegado o preenchimento objetivo dos ns.º 2, al. a) e 5 do art.º 394.º do CT, ou seja, o autor logrou provar ter a receber créditos laborais vencidos há mais de 60 dias (os respeitantes às diferenças salariais do subsídio de férias desde o ano de 2008, por falta de integração em tal subsídio do “complemento de função”), o certo é que para que se verifique a justa causa é necessário que o comportamento em causa, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, o que não se verifica no caso, uma vez que a falta de pagamento de tais quantias não pôs, nem põe em risco a subsistência do autor, nem se mostravam imprescindíveis para o seu sustento.
Mas vejamos:
Como acima deixámos expresso, ao caso, aplica-se o Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/02.
Como é sabido, no contexto duma relação de trabalho o pagamento pontual da retribuição configura um dos deveres essenciais que impende sobre o empregador - cfr. art.º 127º, n.º 1, al. b), do CT, conferindo o seu incumprimento a faculdade de o trabalhador fazer cessar o vínculo laboral – art.º 323.º n.º 3 do CT.
Nesta lógica, a lei considera tal facto como constituindo justa causa para a resolução do contrato distinguindo a falta culposa, da falta não culposa de pagamento pontual – cfr. art.º 394.º n.ºs 2, al. a), e 3, al. c), do CT, só no primeiro caso terá o trabalhador direito a receber indemnização pela cessação contratual por si promovida, a calcular nos termos previstos no art.º 396.º do CT.
Por outro lado o n.º 4 do citado art.º 394.º do CT determina que a justa causa deve ser apreciada tendo em conta o quadro de gestão da empresa, o grau de lesão dos interesses do trabalhador, o carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes, ou seja deve ser apreciada em conformidade com o disposto no n.º 3 do art.º 351º do CT, com as necessárias adaptações.
Subjacente ao conceito de justa causa está assim a impossibilidade definitiva da subsistência do contrato de trabalho, tal como é empregue no âmbito do despedimento promovido pelo empregador.
Por fim, o artigo 395.º n.º 1 do CT estabelece que o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos, só podendo ser atendidos, para efeito de apreciação da ilicitude da resolução, os factos constantes de tal comunicação - art.º 398º n.º 3 do CT.
Há ainda a referir uma outra regra que não pode ficar esquecida, que resulta do preceituado no nº 5 do referido art.º 394.º do CT., a saber: “considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo”.
Do enquadramento legal acima descrito, decorre que o não pagamento pontual da retribuição se presumirá sempre como sendo culposo, em face do princípio acolhido no art.º 799.º, nº 1, do Código Civil. Essa presunção será, porém, inilidível quando a mora se prolongue por mais de 60 dias, pois é esse o único sentido útil que poderá extrair-se da autonomização da norma consignada no citado art.º 394º, nº 5 do CT.
Tal como se vinha entendendo no âmbito da anterior legislação (DL n.º 64-A/89, de 27/02 e CT2003) e que se mantém no âmbito do atual Código do Trabalho, para preenchimento valorativo da cláusula geral da rescisão pelo trabalhador ínsita no n.º 1 do art.º 394.º do CT, não basta a verificação material de qualquer dos comportamentos descritos no n.º 2 do preceito, mas é ainda necessário que desse comportamento resultem efeitos de tal modo graves, em si ou nas suas consequências que tornem inexigível ao trabalhador a continuação da sua atividade em benefício do empregador
Em suma, o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjetiva se o comportamento do empregador for ilícito e tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências, ou seja, é necessário verificar-se a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e a insubsistência da relação laboral.
Por fim, resulta ainda do disposto artigo 398.º, n.º 3 do CT, na ação em que for apreciada a justa causa de resolução do contrato o tribunal apenas poderá atender aos factos que tenham sido invocados pelo trabalhador na comunicação que, para tanto, dirigiu ao empregador.
Das citadas disposições legais resulta inequívoco que na ação judicial onde for apreciada a ilicitude da resolução apenas são atendíveis para a justificar os factos constante da respetiva comunicação, são apenas estes e não outros que podem ser invocados judicialmente.
Nesta conformidade, na missiva em que formalizou a resolução do seu contrato de trabalho com justa causa, o trabalhador/recorrente invocou (para além de outros factos que não logrou provar), o facto do empregador depois de ter sido interpelado para o efeito, não lhe ter liquidado os créditos respeitantes às diferenças salariais do subsídio de férias desde o ano de 2008, tudo no montante global de €9.000,00.
Estes factos logrou o autor provar, resultando também o incumprimento do empregador na liquidação destes créditos por um período que se prolongou por mais de 60 dias, daqui resultando o comportamento ilícito e culposo do empregador violador das mais elementares garantias legais e convencionais do Autor.
Como conclui o tribunal a quo“…objectivamente o incumprimento destes direitos remuneratórios, por se prolongarem por mais de 60 dias, justificava que o Autor accionasse a faculdade de rescisão do contrato independentemente de aviso prévio”
Contudo importa ainda verificar se, no caso concreto, o comportamento culposo do empregador é de tal modo grave e danoso que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
Da factualidade apurada com relevo para apreciação desta questão resulta o seguinte:
- A relação laboral estabelecida entre as partes iniciou-se em Junho de 1998;
- Em 24 de Janeiro de 2023, por carta registada enviada à Ré, reclamou o autor as retribuições que considerava estarem por lhe liquidar, nelas se incluindo o pagamento erróneo do subsídio de férias.
- As diferenças salariais referentes ao subsídio de férias, por falta de inclusão de uma prestação complementar correspondem ao montante anual de €600,00, devidos desde o ano de 2008 a 2022, o que se traduz no montante global de €.9.000,00
Desta factualidade resulta evidente que os créditos em questão que se vieram a apurar que estão por liquidar são as diferenças salariais referentes ao subsídio de férias, que se traduzem numa prestação remuneratória, que ascende ao montante de €600,00, que a Ré não incluía em tal subsídio, que é assim devida, uma vez em cada ano, desde 2008, só tendo sido reclamadas junto da Ré, em Janeiro de 2023.
Desta factualidade podemos afirmar, que apesar das quantias em causa e da sua natureza, o certo é que o Autor/Recorrente recebeu sempre a retribuição acordada que lhe permitiu gerir a sua vida e satisfazer as suas necessidades ao longo dos anos, não se revelando assim, a falta deste pagamento de imprescindível para a sua subsistência, nem a mesma dificultou a gestão dos seus rendimentos.
As quantias que se apuraram estar em divida não podem ser consideradas de forma alguma de imprescindíveis, nem põe em risco a sobrevivência do autor e da sua família.
Por conseguinte, o incumprimento contratual da Ré/Empregadora, até pelo facto de o autor apenas ter reclamado tais pagamentos em 2023, sendo parte desses créditos devidos há vários anos, não é, nem pode ser considerado de tal forma grave que impossibilite a manutenção da relação laboral. Ao invés, a culpa da Ré pelo incumprimento em que incorreu tem de ser considerada de diminuta, como de diminutos sempre seriam de considerar os danos daí decorrentes, dos quais o autor será devidamente indemnizado pela mora no pagamento.
De tudo isto resulta, que a falta de pagamento do complemento de função no subsídio de férias, no valor de €600,00, devido desde 2008 a 2022, sem reclamação do autor até 2023 e sem por em causa a satisfação das necessidades do trabalhador e da sua família, não torna impossível a manutenção da relação laboral, razão pela qual não se verifica justa causa de resolução do contrato de trabalho, com fundamento na falta de pagamento de tais créditos.
Improcede o recurso, sendo de manter nesta parte a decisão recorrida.
V - DECISÃO
Nestes termos, acorda-se neste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso de apelação interposto por EMP01..., S.A. e consequentemente revoga-se a sentença recorrida no que respeita à condenação no pagamento da retribuição a título de não gozo de descanso compensatório e à condenação na indemnização pelos danos causados ao autor pela mora do pagamento dos créditos devidos (cláusula 45.ª do CCT).
E julga-se improcedente o recurso de apelação interposto pelo Autor AA.
Quanto ao mais é de confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo do Autor.
Notifique.
Guimarães 06 de Março de 2025
Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Francisco Sousa Pereira
[1] Neste sentido refere o Ac. do STJ de 26.03.2015, proc.º n.º 6500/07.4TBBRG.G2.S2, disponível em www.dgsi.pt “A mera insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspecto ou vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida (implicando que a petição, caracterizando, em termos minimamente satisfatórios, o núcleo factual essencial integrador da causa petendi, omite a densificação, ao nível tido por adequado à fisionomia do litígio, de algum aspecto caracterizador ou concretizador de tal factualidade essencial) não gera o vício de ineptidão, apenas podendo implicar a improcedência, no plano do mérito, se o A. não tiver aproveitado as oportunidade de que beneficia para fazer adquirir processualmente os factos substantivamente relevantes, complementares ou concretizadores dos alegados, que originariamente não curou de densificar em termos bastantes.”. [2] Entre outros cfr. Ac. RP de 20.11.2017, proc. n.º 1831/15.2T8VFR.P1, disponível em www.dgsi.pt [3] Neste sentido Ac. RE de 19.12.2019, proc. n.º 134/19.8T8PTM.E1, e Ac do STJ de 09.03.2017, proc. n.º 633/13.5TTVIS.C1,S1, disponíveis em www.dgsi.pt [4] Sobre esta matéria pronunciaram-se, entre outros, os Acórdãos do STJ de 10-11-2004, recurso n.º 2945/03; de 03-07-2014, proc. n.º 532/12.8TTVNG.P1.S1, de 9-03-2017, proc.º n.º 633/13.5TTVIS.C1.S1 e de 16-12-2010, proc. n.º 314/08.1TTVFXL1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt, referindo este último o seguinte: “peticionando o Autor o pagamento do descanso compensatório, cabe-lhe a alegação e prova dos factos constitutivos do direito de que se arroga, isto é, a alegação e a prova não apenas da prestação do trabalho suplementar mas também que, na sua decorrência, não lhe foram dados a gozar o(s) descanso(s) compensatório(s) devidos. Uma vez provados estes factos – que são constitutivos do direito que o A. se arroga – é que, então caberia à Ré a prova do respectivo pagamento, tudo em conformidade com as regras da distribuição do ónus da prova, previstas no art. 342.º ns.1 e 2 do Código Civil.” [5] Disponíveis em www.dgsi.pt