JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
TRABALHADOR BANCÁRIO
DEVER DE ZELO E DILIGÊNCIA
Sumário

Sumário elaborado pelo relator (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I – Aos trabalhadores do sector bancário impõe-se uma maior exigência e acuidade no cumprimento do contrato, devendo assumir uma conduta transparente, leal, idónea, de boa fé, designadamente respeitando as ordens e orientações do empregador e realizando o trabalho com zelo e diligência.

II – Todavia, embora violando, essencialmente, os deveres de zelo e diligência, não configura justa causa de despedimento o comportamento de um trabalhador bancário, cujas funções principais eram no serviço de tesouraria e que (nesse serviço) subscreveu um seguro financeiro complexo a uma cliente, sem que esta tivesse assinado a documentação respetiva, o que levou a que, nas sequência de reclamação da cliente, a entidade empregadora viesse a resgatar o produto financeiro, mas se comprova também que, excecionalmente, tratando-se de um cliente conhecido na agência, podia ocorrer a subscrição do seguro, com inserção no sistema informático, apenas com base na declaração verbal do cliente, com o compromisso deste, posteriormente, dentro do prazo que permitia a revogação do seguro, proceder à assinatura dos documentos, e ainda que o trabalhador tinha, à data dos factos, cerca de 31 anos de antiguidade na empregadora, sem antecedentes disciplinares, sempre respeitou e teve boas relações com os seus colegas e superiores hierárquicos e velou pela melhoria da produtividade, e no início de novembro de 2022, antes da cliente apresentar a reclamação, contactou-a para regularizar a situação (assinatura dos documentos).

Texto Integral

Proc. n.º 20/24.0T8TMR.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1:


I – Relatório


AA intentou, mediante a apresentação de formulário a que aludem os artigos 98.º-C e 98.º-D do Código de Processo do Trabalho (CPT), a presente ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra Caixa Geral de Depósitos, S.A., requerendo que seja declarada a ilicitude ou irregularidade do despedimento, com as legais consequências.


Não tendo sido obtido acordo na audiência de partes, veio a ré/empregadora apresentar articulado a motivar o despedimento, nos termos previstos no artigo 98.º-J do CPT.


Para o efeito alegou, muito em síntese, que o autor, seu trabalhador, subscreveu um produto financeiro sem autorização da cliente titular da conta debitada, e respondeu, em substituição da mesma, às questões que compõem o questionário do “perfil do investidor”, de modo a poder concretizar essa operação, assumindo tal comportamento gravidade, a justificar a sanção mais gravosa de despedimento.


O trabalhador/autor contestou o articulado da empregadora/ré, sustentando, também muito em síntese e o que ora releva, que ainda que tenha praticado os factos que lhe são imputados, os mesmos não assumem gravidade que justifiquem o despedimento.


No prosseguimento dos autos veio a proceder-se a audiência de julgamento e foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor:


«Pelos fundamentos de direito e de facto supra mencionados, julga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência:


1) Declaro ilícito o despedimento efetuado por iniciativa da Ré Caixa Geral de Depósitos, SA. na pessoa do Autor AA;


2) Condeno a Ré Caixa Geral de Depósitos, SA. a reintegrar o Autor AA, no seu posto de trabalho, com respeito pela sua antiguidade, categoria e funções;


3) Condeno a Ré Caixa Geral de Depósitos, SA. a pagar ao Autor AA, as retribuições vencidas desde o seu despedimento e as vincendas até ao trânsito em julgado da decisão final desta causa, bem como juros sobre as quantias devidas até integral pagamento, com dedução dos montantes recebidos pelo Autor, nesses períodos, a título de subsídio de desemprego ou equiparado, bem como o desconto do demais indicado no artigo 390.º, n.º 2 do CT;


4) Condeno o Autor e a Ré no pagamento das custas, na proporção do decaimento, sendo 10% da responsabilidade do primeiro e de 90% da responsabilidade da segunda.


Determina-se, nos termos do artigo 98.º, N, n.º 1 do CPT, que o pagamento das retribuições devidas ao Autor, após o decurso de 12 meses desde a apresentação do formulário referido no artigo 98.º-C e até à notificação da decisão de 1.ª instância, seja efetuada pela entidade competente da área da segurança social, sem prejuízo da atendibilidade do indicado em 60) a 62) dos factos provados, não sendo o pagamento cumulativo».


Inconformada com o assim decidido, a ré interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:


«1. O presente recurso vem interposto da douta sentença de Fls. , que julgou procedente


a acção, condenando a Recorrente nos termos que dela constam.


2. A Recorrente impugna a matéria de facto dada por provada, pois entende que há um


facto que foi julgado provado e não o deveria ter sido, e há factos que foram julgados não provados e deveriam ter sido julgados provados atendendo à prova produzida.


3. Os factos que a Recorrente impugna são os vertidos no ponto 63 dos factos provados


e nas alíneas a) e b) dos factos não provados.


4. Quanto ao Facto 63, o mesmo deve julgar-se não provado, quer porque os depoimentos das testemunhas referidas na motivação não se reporta nem ao tempo nem ao espaço dos factos imputados ao Recorrente, quer porque as testemunhas referiram tratar-se de casos excepcionais, quer ainda por tal ter sido contraditado directamente pelo depoimento da testemunha BB, gravado no FICHEIRO ÁUDIO – DIA 18/09/2024, às 11:19:36, no


trecho que acima se transcreve e aqui se dá por integralmente reproduzido.


5. Deve eliminar-se dos factos provados o ponto 63, o que se requer.


6. Quanto às alíneas a) e b) dos factos não provados, ao contrário do que parece


considerar o Tribunal a quo, o depoimento da testemunha CC foi totalmente credível, pois, apesar de se tratar de pessoa com 90 anos, mostrou-se muito clara e absolutamente peremptória na recusa de ter prestado qualquer autorização ao Autor para a subscrição daquele produto, o qual, de resto, era totalmente desadequado ao perfil da cliente.


7. Veja-se o depoimento da cliente, testemunha CC, gravado no FICHEIRO ÁUDIO – DIA 24/06/2024, às 10:52:06, no trecho que acima se transcreve e aqui se tem por integralmente reproduzido.


8. Também isso mesmo resulta das reclamações apresentadas pela cliente, que constam


a Fls. 7 e 9 do procedimento disciplinar.


9. A reforçar a seriedade e credibilidade do depoimento da testemunha, pode também questionar-se: qual o interesse da cliente em faltar à verdade? A resposta é simples: nenhum.


10. A cliente foi sempre coerente com a recusa de ter prestado qualquer autorização para


o efeito, quer antes, quer em depoimento no Tribunal, sendo certo também que o atendimento à cliente durou entre as 10:07h e as 10:19h (Facto 40); a cliente tinha 90 anos de idade (Facto 13); a cliente não assinou quaisquer documentos (Facto 36); o seguro financeiro investimento Iberia 5 anos Julho 2022 não era do interesse da cliente (Facto 57); o comportamento do Autor colocou em causa a confiança da cliente na Ré (Facto 58).


11. A fundamentação dada pela douta sentença recorrida para não julgar provadas as


alíneas a) e b) dos factos não provados, salvo o devido respeito, não procede.


12. Antes procedendo, com sólida base, os fundamentos para que tais factos sejam julgados provados.


13. Deve aditar-se, assim, aos factos provados, os seguintes:


“66 - A Cliente DD, em 26.07.2022, dia em que se deslocou à Agência de ... para fazer um levantamento de € 1.000,00, não declarou perante o Autor que pretendia subscrever o Seguro Financeiro Investimento Ibéria 5 anos Julho 2022 (apólice n.º ...), após o Autor lhe ter sugerido a subscrição daquele produto.


67 - A Cliente DD nunca autorizou a subscrição do Seguro Financeiro Investimento Ibéria 5 anos Julho 2022, apólice n.º ..., tendo apenas conhecimento da mesma em 31.10.2022, data em que recebeu o extrato global referente ao mês de setembro de 2022.”


14. Em suma: Deve eliminar-se o ponto 63 dos factos provados e aditar-se aos factos provados as alíneas a) e b) dos factos não provados.


15. A improcedência do recurso no que respeita à impugnação da matéria de facto – não


concedendo - não preclude, entende a Recorrente, a procedência da Apelação quanto ao mérito dos autos.


16. A proceder a impugnação da matéria de facto – como se espera – apenas se adensa o mérito do despedimento do Recorrido, despedimento que, de todo o modo, se tem por fundamentado solidamente na matéria de facto julgada provada no Tribunal a quo.


17. A factualidade imputada ao Recorrido, e provada na 1.ª Instância, é muito grave.


18. Para efeitos de justa causa de despedimento, a subsistência da relação de trabalho é


impossível quando, à luz de todas as circunstâncias relevantes, mediante o balanço dos interesses em presença e através de um juízo objectivo, segundo um critério de razoabilidade, se conclua que a ruptura é irremediável.


19. O comportamento do Autor, acima descrito, assumiu uma tal gravidade que comprometeu, de forma irremediável e definitiva a subsistência da relação de trabalho, por quebra absoluta de confiança por parte da Caixa no mesmo, não podendo exigir-se a um empregador razoável que mantenha ao seu serviço um empregado em quem não pode confiar.


20. Como tem salientado a Jurisprudência, de forma unânime, a perda de confiança não admite graduações, já que a confiança existe ou deixa de existir. Deixando de existir, não há o suporte psicológico mínimo para a subsistência da relação de trabalho.


21. O Autor, com o seu grave comportamento, fez perder a confiança em que tem de assentar uma relação de trabalho, tendo tornado imediata e definitivamente impossível a subsistência da mesma.


22. Como vem afirmando o Supremo Tribunal de Justiça, a actividade bancária, atenta a sua natureza, pressupõe um especial grau de confiança nos trabalhadores bancários.


23. Neste sentido, entre outros, veja-se:


O Acórdão do STJ de 02/12/2004, disponível em www.dgsi.pt, onde se escreve: (…).


24. A conduta do Recorrido é incompatível com o exercício da actividade bancária e


importa a quebra absoluta da confiança que nele a Recorrente depositava.


25. O Recorrido, à revelia da cliente, contra os interesses da cliente e violando os normativos internos e a lei, fabricou e certificou, repete-se, fabricou, e certificou o Questionário do Perfil de Investidor da cliente, fabricou, repete-se, fabricou, a Ata da Reunião com a cliente, documentos que, obviamente, não foram assinados pela cliente.


26. O Recorrido, à revelia da cliente, subscreveu em seu nome um produto totalmente desadequado ao perfil da cliente e, com a sua conduta, fez a cliente perder a confiança na Recorrente.


27. O Recorrido violou, assim, os Manuais de Procedimentos n.º 1/2022, Código PS.99 -


Comercialização e Gestão de Seguros de Capitalização e Unit-Linked e n.º 13/2019 (V4), Código PS.99 - Gestão do Cliente Investidor, em vigor na Ré à data da subscrição.


28. Como violou também o Código de Conduta da Caixa (Ordem de Serviço n.9 17/2020-v2, Código EO.20, emitida em 2020.04.16).


29. O Recorrido violou, ainda, o disposto nos artigos 126.º, n.º 1 do Código do Trabalho


ao actuar sem uso da boa-fé que lhe era exigida.


30. Violou também os deveres de respeito, zelo e diligência, obediência e lealdade ao seu


empregador, afrontando de forma muito grave o disposto no artigo 128.º, n.º 1, alíneas a), c), e) e f) do Código do Trabalho.


31. A conduta do trabalhador, provada nestes autos, fez perder a confiança em que assentava a sua relação de trabalho, consubstanciando um comportamento que pela sua culpa, gravidade e consequências, tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, constituindo justa causa de despedimento, de harmonia com o disposto nos nºs 1 e 2, alíneas a), d) e e), e n.º 3, do artigo 351.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro


32. Deve a presente Apelação proceder, revogando-se a douta sentença recorrida, in totum, e absolvendo-se a Recorrente de todos os pedidos contra si formulados.


33. Decidindo como decidiu, a douta sentença recorrida violou, designadamente, o disposto nos artigos 126.º, n.º 1, 128.º, n.º 1, alíneas a), c), e) e f) e 351.º, todos do Código do Trabalho, e, ainda, o disposto nos artigos 487.º, n.º 2, e 796.º, ambos do Código Civil.


Termos em que deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida nos termos supra expostos e absolvendo-se a Recorrente de todos os pedidos».


Contra-alegou o autor/recorrido, a pugnar pela improcedência do recurso.


Admitido o recurso na 1.ª instância – como de apelação, com subida imediata e efeito suspensivo, atenta a caução prestada – e subidos os autos a esta Relação, neles a exma. procuradora-geral adjunta emitiu douto parecer, que não foi objeto de resposta, em que que se pronunciou pela improcedência do recurso.


Elaborado projeto de acórdão e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – Objeto do recurso


Sabido como é que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso colocam-se à apreciação deste tribunal duas questões essenciais:


1. saber se existe fundamento para a pretendida alteração da matéria de facto;


2. saber se existe justa causa de despedimento, com as consequências daí decorrentes;


III – Factos


A) A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:


1.- Em 28.06.2023, a Comissão Executiva da Caixa Geral de Depósitos, S.A., tendo tomado conhecimento do conteúdo do Relatório de Auditoria Interna n.º 0001-02-2023-050, de 22.06.2023 (Proc. nº 102/2022 - DAI), elaborado pela DAI – Direção de Auditoria Interna da Caixa Geral de Depósitos, S.A, bem como do conteúdo da Proposta da Direção da DAI - Direção de Auditoria Interna, deliberou a instauração de processo disciplinar, com intenção de despedimento, ao trabalhador AA, ora Autor, bem como decidiu a nomeação do Instrutor do processo disciplinar em causa.


2.- A Nota de Culpa foi deduzida em 10.07.2023, tendo sido rececionada em mão pelo Autor no dia 18.07.2023 por correio registado (registo CTT n.º RG903222165PT), acompanhada de comunicação com intenção de despedimento.


3.- No dia 17.07.2023, foi entregue, em mão, na Comissão de Trabalhadores da CGD, duplicado da Nota de Culpa deduzida no âmbito do processo disciplinar, bem como cópia da carta entregue ao trabalhador, ora Autor, (que acompanhou a nota de culpa).


4.- Em 01.08.2022, o Autor, por via do seu Ilustre Mandatário, solicitou, atendendo à extensão e complexidade do processo, a prorrogação do prazo de resposta à nota de culpa, por 10 dias úteis, pedido este que foi deferido pelo instrutor do processo disciplinar, em 02.08.2023.


5.- Em 22.08.2023, o Autor, por via do seu Ilustre Mandatário, apresentou resposta à nota de culpa por correio registado (registo CTT n.º RH890200353PT), tendo requerido a inquirição de 4 testemunhas, bem como a junção aos autos de documentação.


6.- Em 14.09.2022, foram tomadas declarações a 3 testemunhas arroladas na resposta à nota de culpa.


7.- Em 22.9.2022, foram tomadas declarações a uma 1 testemunha arrolada na resposta à nota de culpa.


8.- O Autor (AA) foi admitido na Caixa Geral de Depósitos, S.A., em ........1991, tinha o n.º de funcionário ..., e detinha à data de elaboração da nota de culpa a categoria profissional de "Assistente Comercial", exercendo funções na Agência de ... da Ré, local onde se encontrava colocado à data dos factos.


9.- Em 09.11.2022, a Cliente CC (n.º ...), através de uma carta entregue na Agência de ... (0819), apresentou uma reclamação, invocando ter existido um débito indevido na sua conta à ordem, no valor de € 20.000,00, realizado pela companhia de Seguros Fidelidade.


10.- A Reclamante alegou o seguinte:


“Venho por este meio pedir explicações, sobre a situação da minha conta bancária:


• Recebi a 31/10/2022 um envelope com 23 folhas (Fidelidade – Avisos do n.º ... ao n.º ...);


• Recebi também a 31/10/2022 o extrato da minha conta, onde fiquei em estado de choque, sem conseguir dormir nas noites seguintes só a pensar no saldo da minha conta;


• Este extrato indica um débito de € 20.000,00 da Fidelidade Companhia;


De que maneira este débito está na minha conta? Sabendo que eu nunca assinei nenhum contrato nem dei autorização para este débito.


Peço para que o montante de € 20.000,00 seja de imediato creditado na minha conta.


Peço também para que tomem nota que sou contra todas as propostas que possam vir da vossa parte”.


11.- No seguimento da reclamação apresentada em 09.11.2022, a Cliente DD regressou à Agência de ..., em 29.11.2022, formalizando nesta data uma nova reclamação, alegando, em suma, que:


“Venho confirmar por escrito o que já disse oralmente (ao Sr. AA + 2 Empregados) no dia 09/11/2022 quando lhe entreguei uma carta.


Repito mais uma vez que nunca pedi, nem assinei nenhum contrato Proteção Vital 65+ n.º apólice .... Recuso esta proposta, que nunca fui de acordo.


Também no dia 09/11/2022 recebi das mãos do Sr. AA vários documentos: Proposta de Seguro Investimento Ibéria 5 anos Julho 2022, FATCA2, Declaração de Avaliação de Carácter Apropriado, Autorização de Débito Direto, Informação Contratual, Dados da reunião (que nunca existiu), resultado do Questionário (que nunca respondi) e Pedido de resgate.


O Sr. AA insistiu para eu assinar todos estes documentos.


Recuso-me a assinar porque não concordo e a minha confiança foi muito afetada.


Peço a regularização da minha conta de imediato, antes do fim de novembro”.


12.- As aludidas reclamações foram registadas, em 29.11.2022, com o n.º ... na Plataforma de Processos Operacionais (PPO), tendo sido reencaminhadas em 30.11.2022 à Direção de Auditoria Interna (DAI) da Ré para apreciação.


13.- A Cliente CC (n.º ...), à data das reclamações com 90 anos de idade, é a única titular da conta à ordem n.º ....


14.- As reclamações que apresentou incidiam sobre a subscrição do seguro Proteção Vital 65+ (apólice n.º ...), efetuada em 15.12.2020, e sobre a subscrição do seguro financeiro Investimento Ibéria 5 anos Julho 2022 (apólice n.º ...), efetuada em 26.07.2022, no montante de € 20.000,00.


15.- As referidas subscrições foram processadas pelo Autor AA (n.º ...), Assistente Comercial, colocado na Agência de ....


16.- O Autor possui a certificação de "Mediador de Seguro" válida, tendo realizado também todas as formações de atualização sobre o referido tema.


17.- No que se refere à subscrição do seguro Proteção Vital 65+, a apólice n.º ... foi iniciada em 15.12.2020, data em que a conta à ordem n.0819.055866.730 foi debitada pelo valor de € 5.120,99, permanecendo em vigor à data da emissão do relatório.


18.- Em relação ao seguro financeiro Investimento Ibéria 5 anos Julho de 2022, embora tenha sido subscrito em 26.07.2022, de acordo com as informações pré-contratuais, a apólice n.º ... iniciou-se em 05.09.2022, data em que a conta à ordem n.º 0819.055866.730 foi debitada pelo valor de € 20.000,00, e manteve-se em vigor até 13.01.2023, tendo o capital inicialmente subscrito (€ 20.000,00) sido creditado na aludida conta à ordem em 17.01.2023.


19.- Na reclamação apresentada, relativa à subscrição do seguro financeiro Investimento Ibéria 5 anos Julho de 2022, foi alegado pela Cliente que apenas teve conhecimento da aludida subscrição em 31.10.2022, data em que recebeu o extrato referente ao mês de setembro de 2022.


20.- A Reclamante é titular de uma conta extrato, sem serviço Caixadirecta, com um cartão de débito ativo5 e, no período compreendido entre 05.09.2022 e 09.11.2022, não efetuou movimentos bancários nem consultas ao saldo da conta.


21.- O extrato global que a Reclamante alude foi emitido em 07.10.2022.


22.- O Seguro Proteção Vital 65+ é um seguro de vida que se destina a Clientes particulares, residentes em Portugal, com idade igual ou superior a 65 anos, garantindo, nas suas coberturas base, por via de um contrato vitalício, a cobertura de Organização, Despesas e Assistência ao Serviço de Funeral, podendo ainda integrar outras coberturas de forma opcional, o que no caso em concreto não aconteceu, uma vez que a apólice foi emitida apenas com a cobertura base.


23.- O prémio pago, no caso da cobertura base, tem uma periodicidade única e é calculado de acordo com a tarifa do Segurador (Fidelidade) em vigor na data início da cobertura, tendo em conta a idade da pessoa segura e os capitais seguros na data início de cada cobertura, bem como as correspondentes taxas de atualização anual dos capitais seguros, nas datas de aniversário do contrato, definidas para efeitos de tarifação.


24.- A apólice de seguro é de aceitação automática (sem qualquer análise de risco), pelo que o contrato teve início em 15.12.2020, data da emissão da respetiva apólice.


25.- No caso de resgate da Cobertura principal a apólice cessa, havendo lugar ao pagamento de 50% da Provisão Matemática da respetiva cobertura (à data do resgate). Tal como acontece nos demais seguros com prazo superior a 6 meses, o Tomador poderá cessar o seguro nos primeiros 30 dias após a data da Apólice.


26.- No que se refere à subscrição do Seguro Proteção Vital 65+ efetuada em 15.12.2020, estão assinados pela Cliente os seguintes documentos:


• Proposta de Seguro;


• Formulário FATCA6;


• Instrução de Pagamento;


• Autorização de débito direto SEPA7;


• Informações pré-contratuais - Folha de atividade de mediação de Seguros.


27.- A assinatura que consta nos referidos documentos é visável, sendo conforme à que consta na Ficha de Assinaturas da conta à ordem n.º 0819.055866.730, titulada pela Cliente CC.


28.- Não foi localizada a Ata de Reunião com a Cliente, documento obrigatório nos termos da Lei n.º 35/2018 (que transpôs a Diretiva de Mercados e Instrumentos Financeiros II) que alargou a obrigação de registo e arquivo das informações e esclarecimentos prestados a Clientes relativos a outros Produtos e Serviços comercializados pelas Instituições de Crédito (a par do que já acontecia para os Instrumentos Financeiros), conforme notícia publicada em 01.08.2018 no Somos Caixa.


29.- Por email de 02.01.2023, o Autor declarou não ter efetuado a ata da reunião.


30.- A Cliente EE tinha conhecimento do seguro Proteção Vital 65+, tendo assinado, pelo seu próprio punho, a documentação associada à referida subscrição (apólice n.º ...).


31.- Relativamente aos 23 avisos/recibos de prémio, emitidos em 12.10.2022 e rececionados pela Cliente em 31.10.2022, verificou-se que, de acordo com a notícia publicada em 27.10.2022 no Somos Caixa10 tal emissão deveu-se a um erro ocorrido nos sistemas da Fidelidade, pelo que a Fidelidade procedeu à anulação dos recibos em causa, tendo remetido aos Clientes uma carta a informar o sucedido.


32.- O Investimento Ibéria 5 Anos Julho 2022 (ICAE) é um seguro de Vida Individual da Fidelidade, ligado a fundos de investimento, com prazo fixo de 5 anos e 1 dia e prémio único, com valor mínimo de € 2.500,00. Constitui um produto financeiro complexo em que o risco do investimento é assumido na totalidade pelo Tomador do Seguro e não existe garantia de capital nem de rendimento. Todavia, existe um potencial de valorização acumulada da Unidade de Conta de 6,25%, líquida de comissões e bruta de tributação, à qual corresponde uma TAEB12 de 1,22% (TANB13 de 1,25%).


33.- Trata-se de um produto que não é adequado a investidores sem conhecimentos nem experiência em matéria de investimentos, bem como a Clientes com um perfil de risco "Prudente". De acordo com os procedimentos publicados em 22.07.2022 no Somos Caixa14, a subscrição do produto Investimento Ibéria 5 anos Julho 2022 exige a realização de teste de adequação, sendo obrigatória a existência de questionário de perfil de investidor válido, com menos de 5 anos, antes de prosseguir com a subscrição, avaliando-se desta forma a adequação do produto aos conhecimentos e experiência do Cliente, por forma a garantir que o produto é comercializado a Clientes pertencentes ao mercado alvo.


34.- Conforme previsto nas informações pré-contratuais, em qualquer momento de vigência do contrato é possível efetuar o resgate total ou parcial, com um mínimo de € 1.000,00, sujeito a uma comissão de resgate de 1% sobre o valor resgatado. No caso de resgate parcial, a apólice terá que ficar com um saldo remanescente no mínimo de € 1.000,00. O Tomador do Seguro que seja pessoa singular dispõe de um prazo de 30 dias, a contar da data da receção da apólice, para resolver o contrato sem necessidade de invocar justa causa. Caso a resolução do contrato seja efetuada ao abrigo do Direito de Livre Resolução, o Segurador (Fidelidade) tem direito ao reembolso dos custos de desinvestimento que comprovadamente tiver suportado.


35.- Em 26.07.2022, embora a Cliente DD tenha estado presente na Agência de ... pelas 10:09h, tendo sido atendida pelo Autor, a subscrição em análise foi efetuada em momento posterior, tendo os documentos de suporte à emissão da apólice n.º ... sido certificados às 16:49h.


36.- Relativamente à documentação contratual associada à apólice n...., em concreto, a Proposta de Seguro, o Formulário FATCA, a Declaração de Avaliação do Carácter Apropriado Produtos de Investimento com base em Seguros, a Autorização de Débito SEPA, as Informações pré-contratuais - Folha de atividade de mediação de Seguros e a Ata da Reunião, os referidos documentos não se encontram assinados pela Reclamante.


37.- De acordo com a informação transmitida pelo Órgão de Gerência da Agência de ... da Ré e que consta no processo de reclamação n...., é reconhecido que estamos perante uma subscrição irregular e indicado que o Autor "fez a subscrição com base apenas no compromisso da Cliente em passar na semana seguinte para assinar os documentos", o que não se verificou.


38.- Apesar da referida documentação não estar assinada pela Tomadora do Seguro, a conta à ordem n.º ..., titulada pela Reclamante, foi debitada em 05.09.2022, pelo montante de € 20.000,00, valor correspondente à entrega inicial, e única, da apólice n.º ....


39.- No que se refere ao Questionário Perfil do Investidor, registado em 26.07.2022 pelo Autor, embora a totalidade das questões esteja respondida e tenha resulta na atribuição de um perfil de investidor "Prudente", tal como a documentação associada à subscrição do Seguro Financeiro Investimento Ibéria 5 anos Julho 2022, o referido documento não se encontra assinado pela Reclamante, tendo sido também certificado em momento posterior à presença da Cliente na Agência de ... (16:47h) da Ré.


40.- Analisado o jornal eletrónico do Autor, referente ao dia 26.07.2022, verifica-se que o atendimento à Reclamante terá ocorrido no período compreendido entre as 10:07h e as 10:19h e, durante esse período, o Autor não efetuou qualquer acesso à transação da Plataforma de Seguros da Fidelidade (PSEG01), onde são certificadas as apólices de seguros financeiros.


41.- No período compreendido entre as 10:19h e as 10:53h, o Autor não consultou qualquer transação no seu terminal, sendo que nesse período as funções de tesouraria estavam também a ser asseguradas pela trabalhadora da Ré, FF (n.º 45897.9), Assistente Comercial na Agência de ....


42.- Somente às 16:40h é que o Autor efetuou uma tentativa, sem sucesso, de subscrição do Seguro Financeiro em análise (transação PSEG01). Com efeito, uma vez que a Reclamante não tinha o perfil de investidor carregado e tal é condição para a realização do teste de adequação, não foi possível prosseguir com a subscrição.


43.- Com o intuito de assegurar a subscrição do aludido Seguro Financeiro, sem a presença da Cliente e, portanto, sem a sua participação, o Autor respondeu ao Questionário do Perfil de Investidor da Cliente (do qual resultou um Perfil "Prudente"), certificou-o (às 16:47h) e, minutos depois (às 16:49h), efetuou a subscrição do Seguro Financeiro.


44.- Os Manuais de Procedimentos n.º 1/2022, Código PS.99 - Comercialização e Gestão de Seguros de Capitalização e Unit-Linked e n.º 13/2019 (V4), Código PS.99 - Gestão do Cliente Investidor, em vigor na Ré à data da subscrição, obrigavam a que o Autor, para a subscrição em análise, recolhesse a assinatura da cliente nos documentos associados ao contrato, prestasse a informação pré-contratual e contratual obrigatória, realizasse com rigor o Teste de Adequação do Carácter Apropriado, não respondendo, ele próprio, a esse.


45.- Ao agir como descrito o Autor incumpriu com os procedimentos definidos nos Manuais de Procedimentos n.º 1/2022, Código PS.99 - Comercialização e Gestão de Seguros de Capitalização e Unit-Linked e n.º 13/2019 (V4), Código PS.99 - Gestão do Cliente Investidor, em vigor à data da subscrição, designadamente porque o Autor não recolheu a assinatura da Cliente nos documentos associados ao contrato, nem realizou com rigor o Teste de Adequação do Carácter Apropriado, uma vez que foi o próprio que respondeu ao QPI.


46.- A Ré tem por Condições Gerais de Abertura de Conta e Prestação de Serviços, que a "movimentação a débito da conta apenas poderá ser feita pelos respetivos titulares ou por pessoa por estes autorizada".


47.- O Código de Conduta da Caixa (Ordem de Serviço n.9 17/2020-v2, Código EO.20, emitida em 2020.04.16), aplica-se a todos os trabalhadores devendo o comportamento destes pautar-se pelos valores indicados no artigo 6.º, designadamente, entre outros, pelos da confiança, transparência, integridade, profissionalismo, responsabilidade e cultura de risco e rigor, bem como devem agir com competência e diligência nos termos impostos pelo artigo 13.º, e com consideração dos interesses dos Clientes, nos termos do artigo 15.º, conforme resulta de fls. 261, 262 e 263 do PD, para cujo conteúdo se remete e aqui se considera reproduzido.


48.- O Autor subscreveu o Seguro sem garantir que tal era do interesse da cliente.


49.- O Autor tem 54 anos de idade, encontrava-se vinculado à CGD por Contrato Individual de Trabalho desde ........1991, sem registo de processos disciplinares, e entre 2017 e 2021 apresentou notações de desempenho positivas ("Dentro da Expectativa", na componente de "Competências", e "Dentro do Esperado" na componente de "Objetivos")


50.- Decorrente da situação, em 20.12.2022, a Direção de Gestão de Risco (DGR) da Ré registou o evento de risco operacional n.º 748164, com uma perda potencial global no valor de € 448,6420:


Valor em 20.12.2022: € 19.748,85.


• €20.000,00-€ 19.748,85 = €251,15;


• € 19.748,85*1%= € 197,49 (comissão de resgate: proveito fidelidade);


• € 251,15+€ 197,49= €448,64.


51.- Atendendo que a apólice nº ... foi emitida sem a assinatura da Reclamante, em 29.12.2022 a Agência de ... da Ré solicitou à Fidelidade que procedesse à anulação da subscrição do Seguro Financeiro Investimento Ibéria 5 Anos Julho 2022, pedido efetuado através do SIP n.° 22BVE3175671.


52.- A Fidelidade creditou a conta à ordem da reclamante pelo valor de €20.000,00, valor correspondente à entrega inicial e única, não tendo sido aplicada qualquer comissão pelo resgate antecipado da referida apólice.


53.- Nessa sequência, em 26.04.2023, foi atualizado em conformidade o evento de risco operacional.


54.- Embora em 17.01.2023 a Fidelidade tenha procedido à devolução do montante subscrito, tendo creditado a conta à ordem da Cliente pelo montante de € 20.000,00, deverá ser providenciado o pagamento de juros indemnizatórios, correspondente ao período decorrido entre o débito irregular da entrega inicial e única (05.09.2022) e a respetiva devolução (17.01.2023), no montante total de € 297,78.


55.- Ao agir como descrito o Autor violou os deveres profissionais a que está obrigado, nomeadamente os de obediência, zelo e diligência e ainda o disposto no Código de Conduta da Caixa (Ordem de Serviço n.9 17/2020-v2, Código EO.20, emitida em 2020.04.16), nomeadamente o disposto no artigo 6.2 (Valores), alíneas a), c), d), e), g) e h), no artigo 13º (Competência e Diligência), alíneas b), c), d) e e) e no artigo 15º (Consideração dos Interesses dos Clientes), n.º 1, n.º 2 e n.º3.


56.- O Autor ao subscrever o Seguro Financeiro Investimento Ibéria 5 anos Julho 2022 sem garantir que tal era do interesse da Cliente e ao substituir-se à Reclamante na resposta à totalidade das questões do Questionário do Perfil de Investidor, para além de incumprir com os procedimentos definidos nos Manuais de Procedimentos n.º 1/2022, Código PS.99 - Comercialização e Gestão de Seguros de Capitalização e Unit-Linked e n.º 13/2019 (V4), Código PS.99 - Gestão do Cliente Investidor, bem como no n.º1 da Cláusula 24º das Condições Gerais de Abertura de Conta e Prestação de Serviços, violou os deveres profissionais a que está obrigado, nomeadamente os de obediência, zelo e diligência, e ainda o disposto no Código de Conduta da Caixa (OS n.º 17/2020, Código EO.20, de 2020.04.16), nomeadamente o disposto no artigo 6.º (Valores), alíneas a), c), d), e), g) e h), no artigo 13.º (Competência e Diligência), alíneas b), c), d) e e), e no artigo15.º (Consideração dos Interesses dos Clientes), n.º 1, n.º 2 e n.º3.


57.- O Seguro Financeiro Investimento Ibéria 5 anos Julho 2022 não era do interesse da Reclamante.


58.- O comportamento do Autor colocou em causa a confiança da cliente na Ré.


59.- Por decisão datada de 21.12.2023, a Comissão Executiva da Ré decidiu aplicar ao Autor a sanção disciplinar de despedimento sem indemnização ou compensação, tendo a comunicação de despedimento sido expedida no dia 22.12.2023, por carta registada com aviso de receção (registo CTT n.º RG903534763PT), tendo a mesma comunicação sido rececionada pelo Autor em 27.12.2023.


60.- A Ré outorgou com o Autor, em 09.01.2024, ou seja, já após o despedimento do Autor, o documento designado por “Sucedâneo do Subsídio de Desemprego”.


61.- Neste contexto, a Ré atribuiu ao Autor uma prestação mensal de 1.273,15 €, durante um máximo de 28 meses.


62.- Quantia mensal que, com efeitos reportados a 28.12.2023, a Ré começará (começou) a pagar ao Autor a partir do dia 26.02.2024.


63.- Ocorria, com o conhecimento e não oposição das chefias do Autor e de outros colegas, a subscrição de Seguros, com inserção em sistema informático, tendo por base a manifestação de vontade verbal dos clientes, com o compromisso de assinatura posterior dos documentos, em momento temporalmente próximo à subscrição informática, não superior ao prazo para a revogação do seguro (este facto é alterado infra).


64.- No início de novembro de 2022, antes da Cliente apresentar as reclamações na agência da CGD de ..., o Autor contactou-a telefonicamente.


65.- O Autor sempre respeitou e teve boas relações com o seus colegas e superiores hierárquicos e velou pela melhoria da produtividade.


B) A 1.ª instância deu como não provada a seguinte factualidade:


a.- A Cliente DD, em 26.07.2022, dia em que se deslocou à Agência de ... para fazer um levantamento de € 1.000,00, não declarou perante o Autor que pretendia subscrever o Seguro Financeiro Investimento Ibéria 5 anos Julho 2022 (apólice n.º ...), após o Autor lhe ter sugerido a subscrição daquele produto.


b.- A Cliente DD nunca autorizou a subscrição do Seguro Financeiro Investimento Ibéria 5 anos Julho 2022, apólice n.º ..., tendo apenas conhecimento da mesma em 31.10.2022, data em que recebeu o extrato global referente ao mês de setembro de 2022.


c.- O Autor e os restantes trabalhadores com funções idênticas às suas são fortemente instruídos para subscreverem o Seguro em apreço nos moldes em que o fez.


d.- O Autor agiu em cumprimento das instruções das suas chefias.


e.- É habitual no seio da Ré, a inserção de subscrição de contratos em sistema informático, antes da assinatura dos respetivos documentos pelos clientes aderentes, mas apenas o indicado em 63).


f.- É frequente a subscrição de contratos de natureza idêntica à do seguro em apreço, mediante meros contactos telefónicos com o cliente, no pressuposto de a respetiva assinatura ser realizada a posteriori.


g.- O facto de o Autor apenas ter efetuado a subscrição da apólice às 16h49 do dia 26.07.2022, algumas horas depois do atendimento da cliente, deveu-se à circunstância de ter tido, nesse mesmo dia, de efetuar inúmeras outras tarefas, incluindo as funções de tesouraria e as ligadas às máquinas eletrónicas, o que explica que não tenham ocorrido outros atendimentos na parte da manhã do dia em causa, bem como o facto de o Autor não ter acedido à transação da Plataforma de Seguros Fidelidade (PSEGO01), durante o atendimento da cliente.


h.- Uma vez que a cliente não regressou à agência para proceder à assinatura dos documentos, o Autor foi efetuando várias tentativas de contacto com a mesma, para conclusão das formalidades inerentes à subscrição do seguro em causa, sem que a cliente lhe respondesse.


i.- Aquando do atendimento da Cliente, pelo Autor, que veio a culminar com a subscrição do seguro, a mesma foi esclarecida por aquele em relação a todos os termos dessa subscrição, e inquirida quanto ao tipo e prazos dos investimentos que costuma fazer, sobre o seu património financeiro e sobre os seus conhecimentos em aplicações financeiras.


j.- O Questionário Perfil do Investidor, foi elaborado tendo por base todas as informações que a cliente prestou ao Autor aquando do atendimento, em 26.07.2022.


k.- Em 26.07.2022, a Cliente confirmou pretender subscrever o Seguro em causa.


l.- Nessa ocasião o Autor disse à cliente que a subscrição do seguro em causa implicava a assinatura da Proposta de Seguro, a Declaração de Avaliação de Caráter Apropriado, Autorização de Débito Direto, Informação Contratual, Dados da Reunião e o Questionário.


m.- Porém, dizendo a cliente ao Autor que tinha de se ausentar para apanhar um transporte, solicitou-lhe que concretizasse a subscrição, informando-o de que, na terça-feira da semana posterior ao dia do atendimento, se deslocaria à agência, para assinar os documentos inerentes a tal subscrição.


IV. Fundamentação


1. Da impugnação da matéria de facto


1.1. Como resulta das conclusões das alegações de recurso, a recorrente impugna o facto que foi dado como provado sob o n.º 63 e os factos dados como não provados sob as alíneas a) e b).


E indica a resposta que, no seu entender, deve ser dada a tais factos (não provado aquele e provados estes), bem como a prova (testemunhal) em que funda a pretendida alteração da matéria de facto.


Entende-se, por isso, que se mostra cumprido o ónus que a lei impõe quanto à impugnação da matéria de facto (cfr. artigo 640.º do Código de Processo Civil), pelo que nada obsta ao seu conhecimento.


1.2. Quanto ao facto provado sob o n.º 63


Recorde-se que este facto é do seguinte teor:


«Ocorria, com o conhecimento e não oposição das chefias do Autor e de outros colegas, a subscrição de Seguros, com inserção em sistema informático, tendo por base a manifestação de vontade verbal dos clientes, com o compromisso de assinatura posterior dos documentos, em momento temporalmente próximo à subscrição informática, não superior ao prazo para a revogação do seguro».


A 1.ª instância motivou a resposta a este facto:


«As testemunhas GG, HH e II, os dois primeiros, em situação de pré-reforma, desde, respetivamente, 2022 e 2020, e a segunda, na reforma, todos ex-trabalhadores da Ré, com conhecimento direto e isenção, relataram factos que impuseram que fosse dado como provado o referido em 63). Também o depoimento da colega do Autor, a testemunha JJ, convergiu com o daqueles, embora não admitindo a verificação do facilitismo de forma tão ampla».


A recorrente rebela-se contra tal conclusão, argumentando, ao fim e ao resto, que as testemunhas não têm conhecimento direto dos factos, já que umas se encontram na pré-reforma desde 2020 e 2022 e outra na situação de reforma, não tendo qualquer relação com a agência de ... (a recorrente alude a ..., mas trata-se de manifesto lapso) à data dos factos.


Vejamos.


Consigna-se que se procedeu à audição dos referidos depoimentos, assim como da testemunha KK, gerente da agência da ré em ... à data dos factos.


O facto reporta-se especificamente à situação concreta na Agência da ré de ..., ao se referir que [o]corria, com o conhecimento e não oposição das chefias do Autor e de outros colegas”.


A testemunha LL afirmou ter trabalhado para a ré desde 1996 até 2022, encontrando-se atualmente na pré-reforma, e que situava em ... a última agência da ré em que trabalhou, como coordenadora.


Esclareceu também que nunca trabalhou na agência de ... nem nunca trabalhou com o autor.


Mais afirmou, de forma genérica, que devido, por exemplo, a “constrangimentos informáticos”, com conhecimento da gerência e do diretor comercial, o cliente podia assinar a subscrição (de produtos financeiros) apenas no dia seguinte.


Retira-se também do seu depoimento que, no caso, tendo o documento (de subscrição do produto) sido preenchido em julho de 2022, sem conter a assinatura da cliente, até novembro seguinte – data em que foi detetada a situação (devido a reclamação da cliente) – a gerência da agência teria que ter conhecimento dessa situação.


Por sua vez, a testemunha HH afirmou ter trabalhado para a ré até 2022, altura em que se reformou, e que foi gerente da agência de ... durante 14 anos, tendo aí deixado de trabalhar em 2018.


Referiu, entre o mais, que quando trabalhava na ré e um produto era subscrito mas não era assinada pelo cliente, a gerência tinha que ter conhecimento e assinar o documento


Todavia, atenta a data em que a testemunha deixou de trabalhar na agência, não tem conhecimento direto dos factos, centrando o seu depoimento sobretudo nas qualidades profissionais do autor.


Já MM afirmou encontrar-se na situação de pré-reforma desde 2020, sendo que a última agência da ré em que trabalhou foi em ..., como subgerente.


A testemunha fez uma descrição com algum pormenor sobre como se processava a subscrição de produtos financeiros, esclarecendo que excecionalmente podia não ser recolhida a assinatura do cliente no próprio momento de subscrição: e isto acontecia, por exemplo, quando a subscrição do produto era feita “fora do sistema” da ré (por exemplo no sistema da Seguradora Fidelidade), nomeadamente por dificuldades informáticas.


Mas para que tal acontecesse – enfatizou a testemunha – era necessário que houvesse algum conhecimento e confiança (subentende-se na agência) em relação ao cliente e, não sendo o documento assinado por este no momento do preenchimento, no próprio dia ou nos dias seguintes procuravam recolher a assinatura do cliente, e se tal não fosse possível era pedida a anulação da subscrição do produto.


A testemunha acrescentou ainda que até 2020 (altura em que deixou de trabalhar na ré) o “fecho da sessão” do dia era assinado pelo trabalhador (que tinha elaborado o documento) e também pela gerência (da agência), pelo que esta tinha conhecimento de qualquer situação de falta de assinatura do documento de subscrição pelo cliente: no entanto, de acordo com a testemunha, “pensa” que após aquela data já não será assim e que a gerência já não assina o “jornal eletrónico” de cada trabalhador, intuindo-se daí que, no caso, a gerência poderia não ter conhecimento de falta de assinatura do documento de subscrição por parte da cliente.


A testemunha NN, trabalhadora da ré, “administrativa”, a prestar serviço na agência de ... à data dos factos, com eventual relevância declarou que quando subscrevem um produto mas não recolhem logo a assinatura do cliente, devem pedir autorização à gerência para tal procedimento, e que a gerência não tem, necessariamente, conhecimento de produto subscrito que não foi assinado pelo cliente, até porque há muitos documentos que não vão à gerência.


Finalmente, sobre esta factualidade, a testemunha KK, gerente da agência da ré de ... desde 2 de janeiro de 2020, declarou, em suma, que a subscrição do produto em causa não carece da assinatura da gerência, e que “não é suposto os colaboradores fazerem uma subscrição sem a assinatura do cliente”.


Acrescentou que já aconteceu, em situações muito pontuais e com autorização da gerência, uma subscrição ser feita sem assinatura, mas com a condição do cliente ir lá ainda no próprio dia ou num dos dias seguintes assinar (intuindo-se que se tal não acontecer é anulada a subscrição).


Por fim, afirmou nunca ter tido qualquer outra reclamação acerca do trabalho do autor e continuar a ter confiança nele “na tesouraria e máquinas” (Caixas ATM).


Ora, pese embora as primeiras três testemunhas não terem conhecimento direto dos factos, o que resulta da conjugação de todos eles é que, excecionalmente, tratando-se de um cliente conhecido na agência, podia ocorrer a subscrição de um seguro financeiro, com inserção no sistema informático, tendo por base a manifestação verbal do cliente, mas com o compromisso deste, em momento posterior – no próprio dia ou os dias posteriores, mas sempre no prazo que permitisse a revogação do seguro sem qualquer custo – proceder à assinatura dos documentos.


É certo que a testemunha OO referiu que para que tal pudesse ocorrer era necessário obter autorização (intui-se que expressa) da gerência em cada caso.


Da análise global dos depoimentos não ficámos com essa convicção: estão em causa, por um lado, situações em que os clientes eram conhecidos na agência e, por isso, neles se depositava alguma confiança tendo em conta a subscrição do produto; por outro, por circunstâncias várias (por exemplo, dificuldades com o sistema informático, designadamente com ligação aos produtos da seguradora Fidelidade, escassez de tempo, etc.) e em situações pontuais não era possível recolher as assinaturas do cliente no momento da subscrição; nessas situações, ainda que não houvesse uma autorização prévia da gerência para esse procedimento, quando dele tinham conhecimento à posteriori não manifestavam a sua oposição.


Aliás, só assim se compreende que esse procedimento tenha funcionado, sem que se dê nota de qualquer problema, ficando o mesmo regularizado com as posteriores assinaturas do respetivo cliente.


Sucede que, no caso, não terá havido a devida diligência do autor (porventura até por esquecimento da necessidade de regularizar a situação) no sentido de, em prazo até à possibilidade de revogação da subscrição, obter as assinaturas da cliente ou então proceder a essa revogação.


Neste sentido, julga poder afirmar-se que o procedimento efetuado era com o conhecimento, ainda que à posteriori, e sem oposição da chefia do autor.


Assim, o facto n.º 63 passará a ter a seguinte redação:


«Excecionalmente, tratando-se de um cliente conhecido na agência, podia ocorrer, com conhecimento, ainda que à posteriori, e sem oposição da chefia do autor, a subscrição de um seguro financeiro, com inserção no sistema informático, tendo por base a manifestação verbal do cliente, mas com o compromisso deste, em momento posterior – no próprio dia ou nos dias seguintes, mas sempre dentro do prazo que permitisse a revogação do seguro sem qualquer custo – proceder à assinatura dos documentos».


1.3. Quanto aos factos não provados sob as alíneas a) e b)


Atente-se que os mesmos têm a seguinte redação:


« a.- A Cliente DD, em 26.07.2022, dia em que se deslocou à Agência de ... para fazer um levantamento de € 1.000,00, não declarou perante o Autor que pretendia subscrever o Seguro Financeiro Investimento Ibéria 5 anos Julho 2022 (apólice n.º ...), após o Autor lhe ter sugerido a subscrição daquele produto.


b.- A Cliente DD nunca autorizou a subscrição do Seguro Financeiro Investimento Ibéria 5 anos Julho 2022, apólice n.º ..., tendo apenas conhecimento da mesma em 31.10.2022, data em que recebeu o extrato global referente ao mês de setembro de 2022.»


Na sentença recorrida justificou-se assim a resposta, de “não provado” a tais factos:


«O Autor defende que a cliente lhe deu autorização e esta afirmou o inverso, tanto em julgamento, como perante as testemunhas PP (por contacto telefónico), JJ, OO e QQ. Também os documentos a fls. 7 e 9 do PD atestam essa posição da cliente. Contudo, a testemunha RR, bancário da Ré e que esteve em ... até 2023, declarou que, numa ocasião, quando ia à tesouraria entregar um cheque para a caixa comprar, viu que o Autor estava no seu posto de atendimento, com uma senhora mais nova e outra mais velha. A mais velha não dizia nada e a mais nova estava muito exaltada. Em cerca de 2 a 4 minutos, apercebeu-se que a mais nova reclamava de uns recibos da Fidelidade de um fundo de funeral já pagos e estavam a enganar a Senhora. O colega explicava que era um erro da Fidelidade já resolvido. Também falavam de um contrato Ibéria e a mais nova dizia que não deixava a senhora mais velha assinar. Não ouviu que o Autor não vendeu o produto, mas apenas ouviu a mais nova dizer que como o outro produto correu mal e a senhora mais velha foi enganada, não assinava. O Autor dizia que a senhora mais velha esteve com ele e que na altura não foi oportuno a mesma assinar. Depois tentou contactá-la várias vezes e ela não veio. A Senhora mais nova dizia que a senhora mais velha não assinava nada e que queria reclamar. Esta versão dos factos são de molde a criar a dúvida que a cliente nunca deu ao Autor autorização para a subscrição, sendo relevante salientar que perante o Autor a Cliente nunca afirmou que não lhe deu autorização, limitando-se a estar calada. É certo que as testemunhas JJ, OO e QQ, em julgamento afirmaram que foi a cliente quem lhes disse que não deu autorização. Contudo, não deixa de ter relevo o facto de a cliente confirmar que o Autor a contactou depois de receber os recibos da Fidelidade e antes de fazer a reclamação. E se o Autor assim agiu, é possível que o mesmo acreditasse que a Cliente lhe deu autorização para a subscrição, e como tal estava a contactá-la para que a mesma fosse à agência para assinar os documentos. De outra forma, não se compreende porque razão telefonaria à cliente, depois desta já poder saber que a conta tinha sido debitada pelo montante de € 20.000,00, já que o extrato tinha sido emitido em 07/10/2022 e o débito ocorrido em 05/09/2022 (fls. 396 e 397).


É certo que a Cliente SS, ouvida em julgamento, afirmou que nunca deu autorização ao Autor. Contudo, esta sua posição, por si só, não logrou o convencimento do tribunal, visto que a mesma autorizou e subscreveu o produto Seguro Proteção Vital 65+, contrariamente ao que veio afirmar nas suas reclamações a fls. 7 e 9 do PD. Ora, se a Cliente, com respeito a tal seguro, se permitiu afirmar que não o autorizou, apesar deste estar em vigor desde 15.12.2020, afigura-se que a sua palavra, não pode bastar para a convicção segura do tribunal.


Esta posição, associada ao facto de a Cliente confirmar um telefonema do Autor, depois de receber os avisos da Fidelidade e antes de fazer a reclamação, não esclarecendo qualquer razão justificativa e compreensível para tal ter ocorrido, a par do depoimento da testemunha RR, impôs que se concluísse que não foi produzida prova bastante que permitisse ao Tribunal dar como provado o referido em a) e b), cujo ónus da prova cabia à Ré.


Importa também salientar que as colegas do Autor, as testemunhas JJ, OO e QQ, afirmaram em julgamento que a sua convicção foi a de que a Cliente tinha dado autorização ao Autor, mas depois arrependeu-se, não tendo o Autor obtido ganho próprio com o sucedido e demonstrado sempre ser um bom profissional. A posição destas testemunhas apresentou-se relevante pois estiveram com o Autor e com a cliente, aquando da reclamação, tendo-se apercebido, da reação daqueles de um perante o outro, o que não deixa de ser um elemento também a considerar no adensar da dúvida quanto ao efetivamente ocorrido».


A recorrente entende que os factos em causa devem ser dados como provados, arrimando-se, essencialmente, no depoimento de EE (“cliente”) e de KK, gerente da agência da ré em ....


É incontroverso que a referida testemunha EE negou que tenha dado autorização (verbal, não estando em causa que não a deu por escrito) para subscrever o produto.


Concretamente, a testemunha afirmou que foi à tesouraria da agência levantar € 1.000,00 e que o autor lhe “falou na Fidelidade”, e para aplicar € 20.000,00, mas que lhe respondeu que não queria, não tendo manifestado qualquer interesse em subscrever o produto.


Por sua vez, a posição do autor ao longo do processo é de que lhe foi dada verbalmente essa autorização; como afirmou a testemunha KK, que ouviu cada uma das referidas pessoas quando procurou apurar os factos, é a “palavra de um contra o outro”.


Esta testemunha também afirmou que nessa altura, em novembro de 2022, aquando da reclamação da cliente, esta lhe disse que não tinha dado qualquer autorização para subscrever o produto; por sua vez, o autor afirmou-lhe que subscreveu o produto na base da confiança, porque a cliente lhe disse que passava lá na semana seguinte, no dia de mercado (julga-se que, por este motivo, seria o dia que se deslocaria a ...), para assinar.


Acrescentou a testemunha que o autor não tinha qualquer benefício financeiro com a subscrição do produto (segundo foi referido por outras testemunhas por já ter atingido o limite de bónus, e que daí apenas poderia advir alguma vantagem, em termos de “produtividade” com subscrição de produtos financeiros, para a agência) e que embora a cliente fosse pessoa com cerca de 90 anos de idade e bastante lúcida, lhe pareceu não ter muita literacia financeira, concluindo a testemunha que a cliente quando lhe foi apresentado o produto não teve coragem para o recusar e, por isso, o autorizou, mas depois arrependeu-se, e daí não ter ido assinar os documentos e a subsequente reclamação que apresentou.


Deve dizer-se que não deixa de surpreender que sendo facto notório que num país com uma população com pouca literacia financeira – isso mesmo é afirmado, aqui e ali, com frequência, maxime nos media – se apresentem e se subscrevam produtos financeiros complexos aos clientes que se dirigem à tesouraria de uma agência, essencialmente para depositar ou levantar dinheiro.


No caso é consensual que a cliente foi atendida pelo autor durante cerca de 10-12 minutos, tempo durante o qual ele terá efetuado o procedimento para levantamento e entrega de € 1.000,00 à cliente, bem como apresentação de um produto financeiro complexo, sem capital garantido (porém, conforme resulta de fls. 492, numa escala de 1 a 7, o produto em causa encontrava-se classificado num nível de risco 2, portanto bastante baixo), a uma pessoa com cerca de 90 anos de idade e com pouca literacia financeira (note-se que o produto que havia subscrito anteriormente era bem diferente, destinava-se assegurar a organização, despesas e assistência ao serviço de funeral).


Afigura-se que a informação a prestar impunha que o fosse num espaço e atendimento mais personalizado, permitindo que o cliente esclarecesse eventuais dúvidas e ponderadamente pudesse decidir, e não a um balcão de tesouraria, que está vocacionado para atendimentos de assuntos mais céleres e, até por isso, com o cliente em pé.


Porventura por isso, como resulta da matéria de facto, nesse período limitado de tempo o autor nem sequer acedeu ao sistema informático da Fidelidade, só tendo subscrito o produto mais tarde, já quando a agência se encontrava encerrada ao público.


É neste contexto – com necessidade de apresentação célere de um produto financeiro complexo e de uma resposta também célere – que, dentro das regras de normalidade e experiência comum, seja de admitir que possa ter havido uma precipitada manifestação de vontade por parte da cliente, ou até errada interpretação dessa vontade por quem a atendeu (o autor): isto é, a cliente, perante o período limitado de tempo e forma como lhe foi apresentado o produto poderá ter dado uma resposta positiva de subscrição, de que depois se veio a arrepender; ou então, o trabalhador da ré, autor na ação, nessa breve apresentação e conversa com a sua interlocutora/cliente interpretou que esta tinha manifestado concordância com a subscrição, o que não correspondia à vontade daquela.


Importa também ponderar, a este propósito, como bem se assinalou na motivação da 1.ª instância, que a cliente também negava ter autorizado a subscrição de um produto anterior (Seguro Proteção Vital 65+) e veio-se a apurar que efetivamente tinha autorizado o mesmo.


De resto, o que perpassa dos autos é que o autor e a referida EE já se conheciam: a testemunha OO referiu que o autor era uma pessoa muito conhecida, afirmando mesmo que “as pessoas têm muita consideração pelo AA” (autor) e, depreendendo-se, sendo pessoa de confiança da cliente.


Ora, em face destes elementos probatórios, entende-se que bem andou a sentença recorrida em dar como não provados os factos em causa, ou, dito de outra forma, entende-se que a prova produzida não “impõe”, no dizer da lei [artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil], resposta diversa à referida matéria de facto daquela que foi dada pela 1.ª instância.


1.4. Em conclusão, quanto à impugnação da matéria de facto:


(i) o facto n.º 63 passa a ter a seguinte redação:


«Excecionalmente, tratando-se de um cliente conhecido na agência, podia ocorrer, com conhecimento, ainda que à posteriori, e sem oposição da chefia do autor, a subscrição de um seguro financeiro, com inserção no sistema informático, tendo por base a manifestação verbal do cliente, mas com o compromisso deste, em momento posterior – no próprio dia ou nos dias seguintes, mas sempre dentro do prazo que permitisse a revogação do seguro sem qualquer custo – proceder à assinatura dos documentos».


(ii) mantêm-se os factos dados como não provados sob as alíneas a) e b).


2. da (i)licitude do despedimento


A sentença recorrida decidiu inexistir justa causa para o despedimento e, consequentemente, declarou o mesmo ilícito.


Para tanto sustentou, em síntese, que o autor/recorrido incumpriu os seus deveres laborais, mas que tal só foi possível face à organização da ré/recorrente, pelo que a gravidade e consequências do comportamento daquele não justificam a aplicação da sanção mais grave.


A recorrente rebela-se contra tal entendimento, sustentando, ao fim e ao resto, que o comportamento do recorrido foi extremamente grave, incompatível com o exercício da atividade bancária e provocando uma quebra absoluta na confiança que a recorrente nele depositava.


Por sua vez, o recorrido, bem como a exma. procuradora-geral adjunta no seu douto parecer, aplaudem a decisão recorrida.


Vejamos.


A sentença recorrida fez já adequadas e suficientes considerações em torno da noção de justa causa de despedimento, pelo que nos dispensamos repetir as mesmas.


Diremos apenas, tendo em vista o caso em apreço, que se verifica impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a empregadora e o trabalhador, suscetível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.


Como assinala a propósito Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 22.ª Edição, 2023, Almedina, pág. 695), «(…) a cessação do contrato, imputada a falta disciplinar, só é legítima quando tal falta gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória. Na sua essência, a justa causa consiste exactamente nessa situação de inviabilidade do vínculo, a determinar em concreto (arts. 351º/3 e 357º/4), através do balanço dos interesses atrás referido. (…) Para além dessa apreciação em termos relativos, há que encarar a situação sob o ponto de vista do grau de culpa[] e da gravidade das consequências da conduta do trabalhador, colocando-se o julgador na posição de um bonus pater familiae ou de um “empregador razoável” que depara com essa conduta e seus efeitos».


Relacionado com tal entendimento/conclusão, escreve o mesmo autor (pág. 670), que a garantia da segurança do emprego, que se encontra no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, «(…) só pode significar que a segurança do emprego é apontada como um valor fundamental para a ordem jurídica e, portanto, como uma referência necessária e transversal para a produção, interpretação e aplicação das normas que podem contender com o funcionamento do mercado de trabalho (onde o emprego se cria e se destrói) – ou seja, uma referência necessária e primordial para o legislador ordinário, para os tribunais e para a administração pública».


No dizer do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-02-2008 (disponível em www.dgsi.pt, sob doc. 07S3906), «[a] aferição da não exigibilidade para o empregador da manutenção da relação de trabalho, deve, aquando da colocação do problema em termos contenciosos, ser perspectivada pelo tribunal com recurso a diversos tópicos e com o devido balanceamento entre os interesses na manutenção do trabalho, que decorre até do postulado constitucional ínsito no art. 53.º do Diploma Básico, e da entidade empregadora, o grau de lesão de interesses do empregador (que não deverão ser só de carácter patrimonial) no quadro da gestão da empresa (o que inculca também um apuramento, se possível, da prática disciplinar do empregador, em termos de se aquilatar também da proporcionalidade da medida sancionatória imposta, principalmente num prisma de um tanto quanto possível tratamento sancionatório igualitário), o carácter das relações entre esta e o trabalhador e as circunstâncias concretas – quer depoentes a favor do infractor, quer as depoentes em seu desfavor – que rodearam o comportamento infraccional».


No caso em apreço, é incontroverso que o autor subscreveu o produto financeiro Ibéria 5 anos julho de 2022 sem a assinatura da cliente nos documentos necessários (incluindo o perfil do investidor); assim é que tendo atendido a cliente pelas 10.09h do dia 26-07-2022, a subscrição foi feita em momento posterior, tendo os documentos de suporte à emissão sido certificados pelas 16.49h desse dia, tratando-se, pois, de uma subscrição irregular (cfr. factos n.ºs 35 a 37).


Ao assim proceder, e subscrever o seguro sem garantir que tal era do interesse da cliente, substituindo-se a esta na resposta ao questionário do perfil do investidor, o autor violou o manual de procedimentos de comercialização e gestão de seguros de capitalização, o código de conduta da ré, bem como os deveres profissionais ínsitos no Código do Trabalho, nomeadamente os deveres de obediência, zelo e diligência (cfr. factos n.ºs 48, 56 e 57 e artigo 128.º, n.º 1, alíneas c), e) e h) e n.º 2).


Trata-se de uma conduta grave, tanto mais que provocou a necessidade de resgate do produto, com custos para a empregadora (embora pouco significativos).


Porém, pergunta-se: tal conduta tornou “imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”?


A nossa resposta, embora não isenta de dúvidas, é negativa.


Expliquemos porquê.


Decorre do disposto nos artigos 328.º, n.º 1, e 330.º, n.º 1, ambos do Código do Trabalho, que o despedimento sem indemnização ou compensação surge como a “ultima ratio”, apenas aplicável às situações de impossibilidade de subsistência da relação de trabalho.


A ponderação da proporcionalidade à gravidade da infração e à culpa do infrator permite determinar a razoabilidade da decisão perante os interesses em litígio.


Não pode deixar de ter-se presente que no âmbito das relações de trabalho é de primordial importância a existência de uma relação de confiança.


É certo que essa relação de confiança é ainda mais acentuada no sector bancário, tendo em conta a natureza da atividade exercida, em que os trabalhadores lidam constantemente com avultadas quantias.


Por isso se coloca em relação a esses trabalhadores uma maior exigência e acuidade no cumprimento do contrato, impondo-se-lhes uma conduta transparente, leal, idónea, de boa fé, designadamente respeitando as ordens e orientações do empregador.


Como se acentuou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-02-2011 (Proc. n.º 1214/06.5TTPRT.P1.S1), «(…) a actividade prestada pelos trabalhadores bancários, em especial, é essencialmente baseada na confiança e na lealdade pelo que o mais pequeno desvio de conduta se repercute na quebra irremediável da confiança pressuposta na relação laboral, independentemente das consequências mais ou menos gravosas em termos patrimoniais que desse desvio possam ter resultado, podendo a violação destes deveres acarretar prejuízos avultados para o bom nome, imagem e credibilidade que uma instituição bancária tem que possuir, como depositária e gestora das poupanças dos respectivos associados e clientes.


Aliás, para a perda de confiança nos trabalhadores bancários nem é exigível, sequer, que seja ocasionado à entidade patronal um prejuízo efectivo, bastando que pelo trabalhador seja criada uma situação potencialmente geradora do perigo dessa ocorrência (…)»


Ou, como se escreveu no acórdão do mesmo tribunal de 08-01-2013 (Proc. n.º 447/10.4TTVNF.P1.S1), «[e]xige-se aos trabalhadores bancários uma postura de inequívoca transparência, insuspeita lealdade de cooperação, idoneidade e boa fé na execução das suas funções, respeitando escrupulosamente as regras do contrato (as decorrentes da Lei geral e, particularmente, as constantes das normas internas que disciplinam a sua intervenção profissional).».


A questão que então se coloca consiste, pois, em saber se tais comportamentos foram suscetíveis de colocar em crise a relação de confiança entre as partes.


Atente-se que para que se verifique a perda de confiança do empregador no trabalhador não é necessário que se ocorra um prejuízo efetivo (que no caso até existiu, embora pouco significativo, como resulta da matéria de facto), bastando que seja criada uma situação potencialmente geradora dessa ocorrência.


No dizer de Júlio Gomes (Direito do Trabalho, Vol. I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, p. 951), e quanto às consequências da conduta do trabalhador, «estas deverão consistir num prejuízo grave para o empregador, embora tal prejuízo não seja necessariamente de ordem patrimonial. Com efeito, as consequências perniciosas podem consistir em minar a autoridade do empregador (ou do superior hierárquico), lesar a imagem da empresa ou num dano por assim dizer “organizacional”. Referimo-nos, com isto, ao que vulgarmente se refere pela perda de confiança no trabalhador».


No caso, está em causa um trabalhador com a categoria profissional de “assistente comercial” que, com o resulta da matéria de facto, exercia as suas funções principais no serviço de atendimento de tesouraria da agência da ré, em ....


Ora, como já se referiu a propósito da impugnação da matéria de facto, não deixa de surpreender que a ré permita que um trabalhador em funções numa tesouraria aí desempenhe essas funções específicas, como depósitos e levantamentos e, em simultâneo, proceda à apresentação de produtos financeiros complexos aos clientes e, casos estes aceitem, à subscrição dos mesmos.


A necessidade de informação detalhada sobre a matéria aos clientes, o esclarecimento de dúvidas, a ponderação dos mesmos sobre os produtos que lhes são apresentados, etc., não parecem compatibilizar-se com um atendimento célere, num balcão com um fim específico – tesouraria – onde, como é das regras da experiência comum, surgem constantemente clientes para atender.


Por isso, ressalvado o devido respeito por diferente entendimento, julga-se que o atendimento nestas circunstâncias é suscetível de poder gerar défice de informação aos clientes e deficiência e incompletude na subscrição dos produtos.


É certo que o autor possuía a certificação de “mediador de seguros” válida (n.º 16.); contudo, neste contexto, afigura-se humanamente difícil a um trabalhador, num período de 10-12 minutos proceder à operação de levantamento e entrega de € 1.000,00 a uma cliente (com cerca de 90 anos de idade e que embora lúcida tinha pouco conhecimento referentes a investimentos em seguros financeiros) e ainda informá-la detalhadamente sobre a subscrição de um produto complexo e proceder de forma regular a essa subscrição.


Isto tendo em conta que se tratava de um produto não adequado a clientes sem conhecimento nem experiência em matéria de investimentos e que a cliente tinha cerca de 90 anos de idade…!


Afigura-se que uma mais adequada organização da ré nesta matéria justificaria que um trabalhador em funções na tesouraria não pudesse, em simultâneo, proceder à subscrição (incluindo, naturalmente, a informação) do seguro em causa.


Porventura demonstrativo dessa dificuldade de conciliação está o facto de o trabalhador ter atendido a cliente pelas 10.09h do dia 26-07-2022, mas só pelas 16.49h desse mesmo dia (presume-se já fora do horário de atendimento ao público) terem sido certificados os documentos de suporte à emissão da apólice.


E também pelo mesmo motivo não é de afastar a circunstância de, excecionalmente, tratando-se de um cliente conhecido na agência, poder ocorrer a subscrição do seguro, com inserção no sistema informático, apenas com base na declaração verbal do cliente, com o compromisso de, posteriormente, dentro do prazo que permitia a revogação do seguro, proceder à assinatura dos documentos (n.º 63).


Neste concreto circunstancialismo em que o autor procedeu à subscrição do produto, entende-se que a sua culpa se encontra diminuída.


Acresce que tinha cerca de 31 anos de antiguidade na ré, não tinha antecedentes disciplinares – o que significa que se tratou de um ato isolado –, sempre respeitou e teve boas relações com os seus colegas e superiores hierárquicos e zelou pela melhoria da produtividade, e no início de novembro de 2022, antes da cliente apresentar a reclamação, contactou-a telefonicamente, intui-se que com o objetivo de regularizar a subscrição com as assinaturas da cliente (n.ºs 8, 64 e 65).


Finalmente, mas não menos relevante, importa ainda ponderar que se é certo que, como se disse, em relação aos trabalhadores do setor bancário trabalhadores existe maior exigência e acuidade no cumprimento do contrato, impondo-se-lhes uma conduta transparente, leal e idónea, não o é menos que no caso o que está em causa é, no essencial, a violação do dever de zelo e diligência por parte do trabalhador, num ato isolado, e não propriamente a violação do dever de lealdade.


Dito de outro modo, e apontando para a solução: embora a conduta do trabalhador seja censurável e assuma relevância disciplinar, sobretudo por violação dos deveres de zelo e diligência – consubstanciados essencialmente na incúria ao não procurar revogar a subscrição do seguro no prazo previsto sem custos, ou então nesse mesmo prazo suprir a irregularidade da subscrição, obtendo as assinaturas da cliente –, no concreto circunstancialismo em que se verificou não se afigura que tal violação seja suficiente para preencher a justa causa de despedimento (vide, numa situação em que estavam em causa apenas esses deveres, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-12-2014, proc. n.º 723/12.1TTMTS.P1.S1).


Nesta sequência, reafirma-se em jeito de conclusão, embora a conduta do trabalhador seja censurável, a mesma não justifica a aplicação da sanção disciplinar mais gravosa de despedimento, pelo que este tem-se por ilícito [cfr. artigo 381.º b), do Código do Trabalho].


Improcedem, pois, as conclusões das alegações de recurso da empregadora/recorrente.


3. Vencida no recurso, a ré/recorrente deverá suportar o pagamento das custas respetivas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).


Isto tendo em conta que a ligeira alteração da matéria de facto não interfere com a decisão final.


V – Decisão


Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em:


1. alterar o facto provado sob o n.º 63, nos termos referidos supra;


2. em tudo o mais, negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.


Custas pela ré/recorrente.


Évora, 13 de março de 2025


João Luís Nunes (relator)


Mário Branco Coelho


Paula do Paço

1. Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Mário Branco Coelho (2) Paula do Paço.↩︎