ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA NO TRABALHO
LEGITIMIDADE PASSIVA
REPRESENTAÇÃO
EMPREITADA
EMPREITEIRO
SUBEMPREITADA
DONO DA OBRA
Sumário

Sumário:
1. Para os fins do art. 18.º n.º 1 da LAT, o conceito de representante abrange não apenas as pessoas titulares de poderes representativos da empregadora, mas também quem no local de trabalho exerça o poder de direcção, como um empreiteiro, um subempreiteiro ou uma empresa utilizadora de mão-de-obra.
2. A dona da obra não pode ser considerada, para os termos dessa norma, como representante da empreiteira que contratou para realizar determinada obra, e muito menos quando não está alegado que por algum modo exercesse o poder de direcção em relação ao sinistrado, em representação da sua empregadora.

Texto Integral









Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Portalegre, foi participado acidente de trabalho ocorrido em 21.03.2022, que vitimou mortalmente AA, falecido no estado de solteiro, não vivendo em união de facto e não tendo descendentes.
Na tentativa de conciliação não foi possível o acordo, pois a Seguradora invocou a actuação culposa, quer da entidade empregadora, quer da dona da obra.
Pelo que a mãe do sinistrato, BB, propôs a competente petição inicial, pedindo o pagamento das prestações agravadas emergentes do acidente, contra:
1.ª ASNUFIL – Indústria Metalomecânica, Lda., na qualidade de empregadora do sinistrado;
2.ª AGEAS PORTUGAL – Companhia de Seguros, S.A., para quem a empregadora havia transferido a responsabilidade infortunística;
3.ª EDP – Gestão da Produção Energia, S.A., na qualidade de dona da obra onde ocorreu o acidente; e,
4.ª CC, trabalhador da 1.ª Ré e chefe de equipa, que definiu a organização e progressão dos trabalhos.
Quanto à 3.ª Ré, a sua demanda é assim justificada na petição inicial:
· foi celebrado um contrato entre a 1.ª e a 3.ª Rés, nos termos do qual a 1.ª iria proceder à manutenção de várias comportas, entre elas uma sita na Barragem do Fratel, pertencente à 3.ª Ré;
· nessa sequência, a 1.ª Ré deu início à intervenção nessa barragem, para realização dos trabalhos contratados;
· para o efeito foi utilizado um bailéu, preso por correntes a um guincho pertencente à 3.ª Ré;
· em consequência de deficiências no funcionamento desse guincho, resultante da sua falta de manutenção pela 3.ª Ré, ocorreu a ruptura de um elo das correntes, originando a queda do bailéu onde o sinistrado se encontrava a trabalhar.
Na sua contestação, a 3.ª Ré alegou a sua ilegitimidade passiva, por ser apenas a dona da obra e não a entidade patronal do sinistrado.
No saneador, a excepção de ilegitimidade passiva da 3.ª Ré foi julgada procedente, sendo esta absolvida da instância.

Inconformada, a Ré Seguradora recorre e conclui:
1. A recorrente não se conforma com o douto despacho saneador, na parte em que absolve a Ré EDP – Gestão de Produção de Energia, S.A, da instância, pois entende que esta é parte legitima para contra si prosseguir os presentes autos;
2. Justifica-se a demanda de todas as entidades que figuram nos autos do lado passivo, visto que se discute a sua actuação culposa, por falta de observância das regras de segurança, como causadora do acidente de trabalho que vitimou mortalmente o sinistrado, nos termos do disposto nos Artºs 18º e 79º nº 3 da lei 98/2009 de 4/9.
3. Conforme vem alegado nos articulados das partes, não só os trabalhos se desenvolviam nas instalações da Ré EDP, como foi esta que facultou os meios para a sua execução, nomeadamente o bailéu acoplado ao guincho do pórtico da barragem, cuja queda foi causal do dano morte.
4. Nos termos do REGIME JURÍDICO DA PROMOÇÃO DA SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO, aprovado pela lei 102/2009, no seu artº 16º, era à Ré EDP que cabia assegurar as condições de segurança em obra, nomeadamente o regular e seguro funcionamento dos equipamentos, o que não fez.
5. Assim, embora sendo terceira e ao contrário do que entendeu o douto tribunal a quo, a Ré EDP ao determinar o modo de execução da actividade e fornecer as ferramentas de trabalho, actua como “representante” da entidade patronal, pois exerce o poder de autoridade sobre o trabalhador, enquadrando-se na previsão do nº 1 do Artº 18º da LAT, o que legitima a sua intervenção representante da entidade patronal;
6. Salvo o devido respeito por diferente entendimento, o que o douto tribunal poderia, era questionar se há factualidade que permite co-responsabilizar a Ré EDP, porém tal imporia uma decisão de mérito, para o que os autos carecem ainda de elementos!
7. Assim, este terceiro, a Ré EDP, não é na verdade uma entidade estranha, é antes parte da relação jurídica laboral existente entre o trabalhador e o sinistrado, enquadrando-se no nº 1 do Artº 18º da LAT e podendo ser responsabilizada nos termos da infortunística laboral, o que lhe confere legitimidade para intervir nos autos e para ser responsabilizado pela reparação do acidente de trabalho.
8. Ao decidir pela absolvição da instancia da Ré EDP – Gestão e Produção de Energia, S.A., que é parte da relação material controvertida tal como configurada pelo Autor, o douto Tribunal a quo interpretou indevidamente os Artºs 30º Código de Processo Civil ex vi Artº 1º CPT e o 18º nº 1 da LAT e deve ser substituído por douto Acórdão que julgue aquela Ré parte legítima para contra si seguir a acção.

A resposta da 3.ª Ré EDP sustenta a manutenção do julgado.
Nesta Relação, a Digna Magistrada do Ministério Público proferiu parecer no sentido da manutenção do julgado.
Cumpre-nos decidir.
Os factos a atender na decisão do recurso são os contantes do relatório.

APLICANDO O DIREITO
No entender da Recorrente, a demanda da Ré EDP justificar-se-ia por ter determinado o modo de execução da actividade e fornecido as ferramentas de trabalho (pelo menos o guincho), actuando como representante da entidade patronal e assim se enquadrando na previsão do art. 18.º n.º 1 da LAT, o que legitimaria a sua intervenção na causa.
A questão relevante para a decisão do recurso será, pois, determinar se esta Ré, na sua qualidade de dona da obra, pode ser considerada representante da entidade patronal do sinistrado.
Os factos alegados nos autos foram acima sumariados, mas genericamente pode afirmar-se que a EDP, 3.ª Ré, era a dona da obra e de pelo menos um dos equipamentos utilizados nos trabalhos, e a 1.ª Ré a empreiteira que esta contratou para realizar a obra pretendida.
A propósito da norma em discussão, Luís Azevedo Mendes escreveu que “…o conceito de representante do empregador inclui quer uma entidade por ele contratada (por exemplo, um empreiteiro ou um subempreiteiro), quer uma empresa utilizadora de mão-de-obra, no caso do empregador ser uma empresa de trabalho temporário ou no caso de cedência ocasional de trabalhadores, por exemplo.”[1]
Face aos termos da norma, o conceito de representante abrange não apenas as pessoas titulares de poderes representativos da empregadora, mas também quem no local de trabalho exerça o poder de direcção, como um empreiteiro, um subempreiteiro ou uma empresa utilizadora de mão-de-obra.[2]
Sucede que os factos alegados nos autos não permitem concluir que a Ré EDP agisse como representante da empregadora do sinistrado, ou que em relação ao mesmo exercesse por algum modo o poder de direcção, em representação daquela.
Com efeito, está apenas alegado que a Ré EDP era a dona da obra e que encarregou a empregadora do sinistrado de realizar certos trabalhos, no decurso dos quais ocorreu o acidente, quando estava a ser utilizado um equipamento pertencente à dona da obra (o guincho).
Perante estas alegações, não é possível concluir que à Ré EDP tivessem sido conferidos poderes de direcção do sinistrado, em representação da sua empregadora, e não se pode concluir que a dona da obra seja representante da sua empreiteira, mesmo quando é utilizado no decurso da obra um equipamento de trabalho pertencente à primeira.
De resto, já se decidiu nesta Relação de Évora – em Acórdão de 30.03.2023 (Proc. 955/21.1T8LRA-A.E1), publicado na página da DGSI – “numa acção especial de acidente de trabalho, em que são demandadas, com fundamento na responsabilidade prevista no artigo 18.º da LAT, a empregadora do sinistrado, a seguradora para a qual estava transferida a responsabilidade por acidentes de trabalho, a empreiteira da obra e o dono da obra, sem que face à relação jurídico material delineada na petição inicial, as duas últimas tivessem actuado como representantes do empregador, no local de trabalho, no momento em que sucedeu o acidente, há que concluir pela ilegitimidade passiva destas rés.”
É esta conclusão que retomamos, o que determina o insucesso do recurso.

DECISÃO
Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pela Recorrente.

Évora, 13 de Março de 2025

Mário Branco Coelho (relator)
João Luís Nunes
Paula do Paço





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[1] In “Apontamentos em torno do artigo 18º da LAT de 2009: Entre a clarificação e a inovação da efectividade da reparação dos acidentes de trabalho”, publicado no Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 88-89, 2011, CEJ, pág. 129.
[2] Neste sentido, os Acórdãos da Relação do Porto de 17.02.2021 (Proc. 6652/18.8T8VNG-A.P1) e da Relação de Coimbra de 08.09.2021 (Proc. 1979/16.6T8LRA.C1), publicados em www.dgsi.pt.