CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Sumário

Sumário:
1. Do art. 134.º do Código do Trabalho decorre que, em caso de cessação do contrato de trabalho, o trabalhador pode pedir quer as horas que já se transformaram em crédito, quer as que se venceram nos últimos dois anos de execução do contrato e que ainda não se converteram em crédito de horas.
2. Ou seja, o trabalhador tem direito a pedir não apenas as horas de formação não asseguradas pelo empregador até ao termo dos dois anos posteriores ao seu vencimento, que já se transformaram em crédito de horas – art. 132.º n.º 1 do Código do Trabalho – como as horas ainda não proporcionadas e em relação às quais ainda não decorreu esse período de dois anos.

Texto Integral








Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Évora, AA impugnou o despedimento com fundamento disciplinar decidido por Prosegur – Logística e Tratamentos de Valores, Portugal, S.A..
No despacho saneador, foi julgada procedente a questão de invalidade do procedimento disciplinar, e declarada a ilicitude do despedimento.
Interposto recurso desta decisão, esta Relação confirmou-a – em Acórdão de 27.02.2025, proferido no apenso A.
Entretanto, o processo havia prosseguido para julgamento, após o que foi proferida sentença contendo o seguinte dispositivo:
1. Condena-se a ré no pagamento ao autor das seguintes quantias:
a. A quantia de 22.436,29€ (…) a título de indemnização em substituição da reintegração, a que acrescem juros de juros de mora à taxa supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde a data da citação, até ao efectivo e integral pagamento;
b. As retribuições que o autor deixou de auferir desde 12 de Fevereiro de 2024 até ao trânsito em julgado da presente decisão, as quais incluem os proporcionais de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal, vencidos após a referida data, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal anualmente prevista para obrigações civis, vencidos desde a data do respectivo vencimento e vincendos até efectivo e integral pagamento (…), e devendo a mesma, se necessário, ser liquidada em sede de ulterior incidente de liquidação, já que à mesma deverão ser deduzidas:
(i) as importâncias que o trabalhador tenha auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento;
(ii) a retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento; e,
(iii) o subsídio de desemprego atribuído o trabalhador no período em causa, devendo o réu entregar essa quantia ao Instituto da Segurança Social, I.P.”, e
c. A quantia de 23,34€ (…) a título de formação não ministrada referente ao ano de 2024, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde a data da citação e vincendos até efectivo e integral pagamento;
d. A quantia – acrescida de juros de mora vencidos desde a data de vencimento de cada prestação e vincendos até integral pagamento – a liquidar em sede de ulterior incidente de liquidação se necessário, correspondente a:
- 40 horas a título de crédito de horas para formação referentes ao ano de 2019;
- 40 horas a título de crédito de horas para formação referentes ao ano de 2020;
- 40 horas a título de crédito de horas para formação referentes ao ano de 2021;
- 40 horas a título de horas de formação não ministrada referentes ao ano de 2022;
- 40 horas a título de horas de formação não ministrada referentes ao ano de 2023;

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B. Quanto ao mais, julga-se a acção parcialmente improcedente, por parcialmente não provada e, em consequência, absolve a ré do demais contra si peticionado nos autos pelo autor.”

Também da sentença interpôs a Ré recurso, concluindo:
1. A decisão que determinou a invalidade do processo disciplinar e consequente ilicitude do despedimento do A foi já objecto de recurso pendente nessa Relação de Évora, ao abrigo do artº 79-A, nº 1, b) do CPT e com o nº 414/24.0T8EVR-A;
2. Na medida em que discordando a R da condenação de que foi objecto em sede de Sentença, a mesma também decorre da prévia discordância sobre referida ilicitude do despedimento, se considera desde já a mesma impugnada nesta segunda instância, com base nas Alegações e Conclusões que em tal prévio recurso deduzimos e mantemos na íntegra;
3. Para além desta, e independentemente do mérito da mesma, acresce que a R discorda da sua condenação constante da alínea d. da Sentença, no valor pecuniário dos alegados créditos por formação, à razão de 40 horas ano referentes aos anos de 2019 a 2023. E isto porquanto;
4. Os créditos de horas de formação decorrem da conjugação do previsto nos artº 131º,nº 2,132º, nº 1 e nº 6 do CT, ao abrigo dos quais o A peticiona créditos retributivos de 2019 a 2021, e horas de formação não ministradas dos anos de 2022 a 2024, as quais, por via do despedimento, tornaram-se exigíveis ao abrigo do artº 134º do CT.
5. Mas, assim não é de facto, nem poderia ser de direito, porque o que estipula claramente o artº 134º do CT é que, cessando o CT, “o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionada, ou ao crédito de horas de formação de que seja titular à data da cessação” (uma coisa ou outra, não pode é pedir e liquidar as duas);
6. Assim sendo, como de facto e de direito é, nunca procederia o pedido do A baseado na cumulação de valor correspondente a créditos retributivos de 2019 a 2021 e nas horas de formação não ministradas dos anos de 2022 a 2024;
7. Motivo pelos quais não procede a decisão de condenação da R no pagamento de quaisquer créditos ao A decorrentes de alegada ilicitude da sanção disciplinar de despedimento que não se verifica, nem nunca procederia a condenação da Ré no pagamento ao A dos créditos retributivos à razão de 40 horas de formação dos anos de 2019 a 2023.

Não houve resposta.
Nesta Relação, a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu o seu parecer, propondo que ao recurso seja concedido provimento.
A este parecer já o A. respondeu, sustentando a manutenção do julgado.
Cumpre-nos decidir.

A matéria de facto provada foi assim estabelecida na sentença recorrida:
1. Por documento escrito, assinado pelos contratantes, denominado “Contrato de Trabalho a Tempo Parcial”, datado de 22 de Junho de 2007, autor e “Prosegur – Companhia de Segurança, Lda.” acordaram que o primeiro passasse a exercer, a partir de dia 23.06.202007, as funções inerentes à categoria profissional de Vigilante, sob orientação, direcção e fiscalização da ré, em turnos rotativos com a duração máxima de 132horas mensais, mediante o pagamento da retribuição horária de 3,43€.
2. Em 01 de Fevereiro de 2008, autor e “Prosegur – Companhia de Segurança, Lda.” acordaram, por documento escrito, assinado pelos contratantes, denominado “Adenda”, na alteração do acordou descrito em 1., passando o autor a cumprir um horário de 40 horas semanais, que poderia ser por turnos rotativos, mediante o pagamento da retribuição mensal de 612,45€.
3. Em 17 de Junho de 2010, autor e “Prosegur – Companhia de Segurança, Lda.” acordaram, por documento escrito, assinado pelos contratantes, denominado “Adenda”, na alteração do acordou descrito em 1. e 2., passando o autor a exercer as funções correspondentes à categoria profissional de Vigilante de Transporte de Valores, mediante o pagamento da retribuição mensal ilíquida de 943,84€.
4. Por força de alterações societárias (cisão-fusão) no seio do grupo Prosegur, o Autor tem como empregadora desde Março de 2016 a Prosegur – Logística e Transporte de Valores, SA, com a mesma antiguidade, e as referidas categoria profissional e funções de Vigilante de Transporte de Valores.
5. O acordo referido em 1. a 3. foi sucessivamente renovado encontrando-se em execução em 12.02.2024.
6. Em 10.11.2023, a ré notificou o autor da instauração de procedimento disciplinar e da sua imediata suspensão sem perda de retribuição com efeitos imediatos.
7. Em 12.02.2024 a ré comunicou ao autor o seu despedimento sem direito a indemnização ou compensação.
8. Em Fevereiro de 2024 a retribuição base do autor ascendia a 1.348,65€.
9. A ré não prestou formação profissional ao autor.

APLICANDO O DIREITO
Da formação profissional
A discordância da Ré quanto às alíneas a) e b) do dispositivo da sentença recorrida estava dependente da decisão do recurso interposto do despacho saneador, que declarou a invalidade do procedimento disciplinar.
Julgado improcedente o recurso interposto dessa decisão, a Ré não apresenta um argumento autónomo que justifique o afastamento das condenações operadas naquelas alíneas, pelo que nessa parte apenas há a declarar que a sentença recorrida deve ser mantida, tanto mais que ali está em causa a indemnização de antiguidade e os salários de tramitação a que tem direito o trabalho em consequência da ilicitude do seu despedimento – arts. 390.º e 391.º do Código do Trabalho.
Quanto à condenação da alínea d), a Ré argumenta que, face ao disposto no art. 134.º do Código do Trabalho, o trabalhador apenas teria direito à retribuição correspondente ao número anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionada, ou ao crédito de horas de formação de que fosse titular à data da cessação, mas não poderia cumular o valor correspondente a créditos retributivos de 2019 a 2021 e horas de formação não ministradas dos anos de 2022 a 2024.
Decorre do art. 134.º do Código do Trabalho que em caso de cessação do contrato de trabalho, em que haja horas de formação profissional que não tenham sido ministradas pelo empregador, este deve liquidar quer as horas que já se transformaram em crédito, quer as que se venceram nos últimos dois anos de execução do contrato e que ainda não se converteram em crédito de horas.[1]
Nesta Relação de Évora, em Acórdão de 26.05.2022, decidiu-se que “não tendo sido ministrada formação ao trabalhador durante todo o tempo do contrato de trabalho, este tem direito ao pagamento do crédito de horas de formação não ministradas já vencidas, até ao limite de três anos, daquelas cujo crédito que ainda não se venceu e das relativas ao ano da cessação do contrato.”[2]
No mesmo sentido se decidiu na Relação de Coimbra, em Acórdão de 09.11.2022: “Da conjugação dos artº 131º nº 2 e 132º nºs 1 e 6 do CT resulta que as horas de formação se vencem no final de cada ano a que dizem respeito; mas só se transformam ou constituem em crédito de horas passados dois anos a contar da data do vencimento sem que ao trabalhador sejam ministradas ou asseguradas as horas de formação, sendo a partir da data da sua constituição que se conta o prazo de três anos a que alude o nº 6 do artº 132º do CT.”[3]
Ou seja, o trabalhador tem direito a pedir não apenas as horas de formação não asseguradas pelo empregador até ao termo dos dois anos posteriores ao seu vencimento, que já se transformaram em crédito de horas – art. 132.º n.º 1 do Código do Trabalho – como as horas ainda não proporcionadas e em relação às quais ainda não decorreu esse período de dois anos.
Foi isso que o trabalhador fez – quanto aos anos de 2019, 2020 e 2021, a formação não assegurada já se havia transformado em crédito de horas, quanto aos anos de 2022 e 2023 foi pedida e concedida a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação não proporcionadas.
É isso que consta do dispositivo da sentença e se mostra conforme ao disposto nos arts. 131.º n.º 2, 132.º n.º 1 e 134.º do Código do Trabalho, pelo que também nesta parte o recurso não procede.

DECISÃO
Destarte, nega-se provimento ao recurso interposto da sentença, que assim vai confirmada.
Custas pela Ré.

Évora, 13 de Março de 2025

Mário Branco Coelho (relator)
Emília Ramos Costa
João Luís Nunes



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[1] Neste sentido, vide o Acórdão da Relação do Porto de 03.06.2019 (Proc. 1418/18.8T8VNG.P1) e os Acórdãos da Relação de Coimbra de 09.11.2022 (Proc. 3147/19.6T8VIS.C1) e de 13.01.2023 (Proc. 5265/21.1T8CBR.C1), todos publicados em www.dgsi.pt.
[2] Proferido no Proc. 584/20.7T8BJA.E1, publicado em www.dgsi.pt.
[3] Proferido no Proc. 3147/19.6T8VIS.C1, publicado em www.dgsi.pt.