Sumário (da responsabilidade do relator - art. 663º n.º7 do CPC):
- no contrato de mediação imobiliária, a mediador só tem direito à remuneração se a celebração do negócio visado se puder imputar à actividade por si desenvolvida, em termos de se dizer que esta foi ainda elemento causante daquela celebração.
- o ónus da prova desta conexão causal incumbe à mediadora, que corre assim o risco da insuficiente demonstração de tal relação causal.
Imobot - Mediação Imobiliária, Unipessoal, Lda., intentou a presente acção contra AA e mulher BB, pedindo a condenação dos RR. a pagarem:
- a quantia de EUR 15.682,50€, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal dos juros comerciais, contados desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.
Alegou para tanto, no essencial, que:
- celebrou com os RR. um contrato de mediação imobiliária pelo qual se obrigou a promover a venda de fracção dos RR. (fracção AI), recebendo como comissão 5% do preço da venda.
- como resultado das diligências da A., CC e DD tomaram conhecimento de que a fracção se encontrava à venda, tendo a A. feito com eles duas visitas ao local.
- os RR. celebraram com o Bankinter, SA, uma compra e venda do referido imóvel, e no mesmo acto o imóvel foi objecto de locação financeira imobiliária à sociedade DD - Serviços Médicos, Lda, da qual DD é sócio (com 65% do capital social) e gerente.
- CC e DD usam o imóvel como sua habitação, tendo-se conluiado com os RR. para se furtarem ao pagamento da comissão, a qual é devida.
Os RR. contestaram, impugnando a versão da A.. Em particular, alegaram que:
- a R. não interveio no contrato de mediação.
- não consta a identificação da fracção, pelo que o contrato é nulo (art. 16º da Lei 15/2013).
- estando em causa a venda de património comum, a morada de família, era imperativo exigir a intervenção de ambos os cônjuges.
- os RR. anunciaram a venda online e a A. não interveio nos contactos com EE e DD nem nas negociações realizadas.
Notificada para tanto, a A. pronunciou-se pela inexistência da invocada nulidade, que o R. marido interveio, dentro dos limites dos seus poderes de administração, com a concordância da R. mulher e em proveito comum do casal (art. 1678º/3 e 1691º/1/a)-c) CC), e que a fracção em causa encontra-se suficientemente identificada pela sua morada.
Requereu ainda a ampliação do pedido, derivada de eventual nulidade do contrato ou, subsidiariamente, derivada de enriquecimento sem causa, tendo também invocada o abuso de direito quanto à suscitada nulidade.
Os AA. pronunciaram-se sobre os fundamentos da ampliação, contestando-os.
Dispensada a audiência prévia, efectuou-se o saneamento da causa, indeferiu-se a requerida ampliação do pedido, e procedeu-se à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que absolveu os RR. do pedido.
Desta, interpôs a A. recurso, formulando as seguintes conclusões:
I. Com excepção do vertido em A. dos factos não provados, o Tribunal a quo fez, na globalidade, uma boa apreciação da prova, pecando – é certo – pela sua subsunção à Lei, o que se traduziu, evidentemente, no desacerto da decisão final.
II. A douta Sentença recorrida faz uma errada apreciação da matéria de facto e análise do objecto do litígio, e, consequente, também não efectuou uma aplicação acertada e justa do Direito, verificando-se tanto um erro notório de apreciação de prova como de uma contradição manifesta entre factos provados e factos não provados.
III. Impugna-se a decisão relativa à matéria de facto relativamente ao facto não provado A., devendo considerar-se provado, atentas a prova constante dos autos, ou considerar-se que tal é contraditório com os factos provados.
IV. A douta Sentença recorrida tem uma fundamentação deficiente para dar como não provado o facto não provado A., e a verdade é tanto os restantes factos dados como
provados, como a restante prova, tanto documental como testemunhal, impunham decisão diferente quanto a este facto em particular.
V. Ademais, nenhuma prova foi produzida para a tese dos Réus/Rec.dos, sendo certo inclusive que a parte final do tema de prova 3. não foi dado como provado (que a colaboradora da Mediadora não se apresentou como tal).
VI. O conjunto da prova e, em particular, os factos dados como assentes pelo Tribunal a quo são demonstram, à saciedade, o que o facto dado como não provado (facto A.), está provado, pelo que a decisão é contraditória, já que está dado como provado que:
a) a Mediadora realizou diligências de promoção [9.];
b) a EE e DD agendaram duas visitas ao imóvel, que decorreu com a colaboradora da Mediadora, FF [10.];
c) a mesma EE assinou as Fichas de Visita, onde constava que não tinha tido qualquer conhecimento sobre a oportunidade de comercialização do imóvel antes do mesmo ter sido sugerido pela agência ERA e que realizou as visitas no âmbito de um contrato de mediação imobiliária entre a ERA e o proprietário [11.];
d) a colaboradora FF deu conhecimento àqueles CC e DD das condições, físicas e jurídicas, do imóvel e do negócio, designadamente o preço, e apresentou aos proprietários as propostas de aquisição do imóvel [Testemunha DD - mim. 6.20h a 6.45h e 8.40h a 8.59h].
VII. Não podia, pois, o Tribunal a quo dar como não provado o facto A., pois os restantes factos dados como provados, a prova documental e, ainda, a prova testemunhal impunham decisão diferente quanto a este facto em particular.
VIII. Trata-se, salvo o devido respeito, que um erro notório de apreciação de prova, que impõe a correcção da mesma, bem como de uma contradição manifesta entre factos provados e factos não provados, com a mesma consequência.
IX. Foram violados, nomeadamente, os art.ºs 662º e 607º/3 CPC.
Acresce que,
X. Todos os pontos – de 1. a 4. – dos temas de prova fixados no Despacho Saneador encontram-se, na generalidade, provados: da prova produzida e dos factos dados como provados, apenas a parte final do tema de prova 1 e 4. não se encontra dado como provado, bem como a parte final do tema de prova 3.; todos os demais foram dados como provados.
XI. O Tribunal a quo não deu como provada a última parte do tema de prova 3., i. é, que a colaboradora da autora, FF, não se apresentou como tal.
XII. Daí que se tenha que concluir que a vista ao imóvel pelos Interessados, EE e DD, foi feita no âmbito do Contrato de Mediação Imobiliária dos autos, celebrado entre a aqui Autora/Rec.te, e os Réus/Rec.dos, tendo os mesmos reconhecido que não tinham anterior conhecimento do negócio e sido informados das condições do negócio, nomeadamente preço, que vieram a concretizar, ainda que por interposta pessoa, no caso dos Interessados
XIII. Por tudo isso, impunha-se uma decisão de mérito totalmente oposta, ou seja,
julgar-se a acção procedente por provada, o que só não aconteceu porque o Tribunal a quo se agarrou a factos que em nada relevam para a decisão de mérito: a falta de prova de que foram transmitidas os Réus/Rec.dos informações das diligências de promoção e cópias das Fichas de Visita. O que para a solução de Direito não é relevante, pelo menos essencial.
Sem prescindir:
XIV. A convicção do Tribunal a quo quanto relativamente ao facto não provado A. é alicerçada no depoimento, deveras inquinado, do Réu-marido, que não podia merecer qualquer credibilidade atentas as circunstâncias em que foi prestado: resultou por demais demonstrado que o mesmo ouviu todo os restantes depoimentos e até referiu qualquer
seria o teor do seu depoimento para obviar aos que tinha ouvido.
XV. Como em devido tempo invocou a Autora/Rec.te, tal depoimento é NULO, nos termos dos art.ºs 195º a 208º CPC, tal como se expõe no requerimento na sessão de Julgamento de 12/09/2023.
XVI. O depoimento do Réu-marido, em sede de declarações de parte, viola as formalidades do respectivo depoimento e o princípio da igualdade das partes, pelo que -
como invocado pela Autora/Rec.te em sede e momento oportuno – a sua admissão constituiu um acto nulo, pelo que não podia ser valorado em sede de motivação da decisão de facto.
XVII. Mesmo que assim não se entenda, não resta qualquer dúvida que as Declarações de Parte do Réu-marido – porque sem nenhuma isenção, balizadas pelos depoimentos das testemunhas e já previamente formatadas em determinado sentido – não podia, nem devia, ser valorado pelo Tribunal a quo.
XVIII. Muito mal andou o Tribunal a quo em se deixar influenciar, convencer diríamos, por um depoimento frouxo e nada credível, como foi o do Réu-marido, pactuando, assim, com uma conduta pessoal do mesmo que, atento o teor das mensagens transcritas e juntas aos autos na audiência de Julgamento de 12/9/2023, tem fortes indícios de muito ficar a dever à probidade.
POR OUTRO LADO:
XIX. Da factualidade dada como provada resulta absolutamente claro que a Autora/Rec.te cumpriu escrupulosamente as obrigações a que estava adstrita pelo Contrato de Mediação Imobiliária, sendo que por via e fruto da sua actuação, os Réus/Rec.dos vieram a celebrar o negócio visado.
XX. Foi a Rec.te que angariou Interessados, com quem os Rec.dos vieram, por interposta pessoa e negócio, a concretizar o que se propunham: vender o imóvel
XXI. É, pois, forçoso concluir que a realização do negócio visado pelo contrato de mediação resultou adequadamente da conduta e actividade da Mediadora, aqui Rec.te.
XXII. Foi violado o estatuído na primeira parte do n.º 1 do art.º 19º do regime jurídico da mediação imobiliária consagrado na Lei n.º 15/2013 de 8 de Fevereiro: “A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação (…).” 1.
XXIII. Nos presentes autos, os factos provados permitiram, por si só, concluir, seguramente, a verificação de um nexo de causalidade adequada entre a actividade da Mediadora e o negócio celebrado.
XXIV. Doutrina e jurisprudência convergem no sentido de que, na falta ou insuficiência de estipulações das partes e de normas legais, a remuneração da Mediadora é devida nas circunstâncias que podem ser sintetizadas na seguinte ideia/critério:
A retribuição será ainda devida sempre que a actividade do mediador se apresente como causa adequada do fecho do contrato definitivo; será ainda devida se o fecho do contrato foi alcançado como efeito de intervenção do mediador, se a actuação do mediador tiver contribuído para o êxito final. 2
XXV. Deve, assim, ser dada uma interpretação da norma indicada mais aproximada da realidade vigente nas práticas comerciais e que o legislador pretendeu salvaguardar, procurando fazer coincidir o direito à retribuição com o êxito substantivo da actividade do mediador, obstando a que expedientes “ardilosos” privem o Mediador da justa retribuição.
XXVI. É que a mais significativa e segura jurisprudência vai, exactamente, no sentido de afirmar que o Mediador conserva o direito a exigir a comissão mesmo nas situações em que o Cliente vem, mais tarde, a celebrar o negócio pretendido com um terceiro apresentado pelo Mediador na vigência do contrato de mediação, por se considerar que a conclusão do negócio não se deu sem a contribuição da actividade desenvolvida pelo mediador.
XXVII. Deve entender-se que ficou plenamente demonstrado nos autos pela Autora/Rec.te o nexo causal entre o negócio celebrado pelos Rec.dos e a sua intervenção como Mediadora, pelo que tem direito à comissão nos termos do RJMI – regime jurídico da mediação imobiliária.
Finalizando:
XXVIII. Dúvidas não existem que o Tribunal a quo mal andou, tanto em dar como não provado o facto não provado A., como, independentemente disso, julgar a acção improcedente, ou seja, mal andou na subsunção do direito aos factos.
XXIX. Ficou demonstrada a relação naturalística entre a actividade da Rec.te e a concretização do negócio, sendo que, mesmo em abstracto, tal actividade era adequada a essa mesma concretização.
XXX. Foram, neste particular, violados nomeadamente, os art.ºs 1º, n.ºs 1 e 2, e 19º, n.º 1 do regime jurídico da mediação imobiliária (Lei n.º 15/2013).
A R. respondeu, considerando que a A. repete as alegações nas conclusões o que deveria conduzir à rejeição do recurso por ausência de conclusões. Considerou ainda que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deveria ser rejeitada por não corresponder às exigências legais. No mais, sustentou o acerto da decisão recorrida quer quanto à fixação dos factos provados e não provados, quer quanto à inexistência de nexo causal que sustenta a decisão de mérito.
A primeira objecção à admissão do recurso foi excluída por despacho do relator. A apreciação da segunda, depois de a recorrente se ter pronunciado pela sua não verificação, foi relegada para o acórdão a proferir.
II. O objecto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 635º n.º4 e 639º n.º1 do CPC), «só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa».
Assim, importa:
- avaliar o mérito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
- contida na anterior questão (como sub-questão da avaliação a realizar), apreciar a nulidade de meio de prova (declarações de parte).
- avaliar se os factos apurados permitem considerar que a A. tem direito à remuneração que reclama.
III. Foram considerados provados os seguintes factos [3]:
1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de mediação imobiliária, estando devidamente inscrita e licenciada para o exercício da atividade pela detentora da Licença n.º 7004, emitida pelo IMPIC, I.P.
2. A autora usa na sua atividade comercial, mediante contrato de franquia, a conhecida marca de mediação imobiliária “ERA” e tem estabelecimento comercial um ..., na Rua ..., ..., ....
3. No âmbito da sua atividade comercial, em 31 de maio de 2019 a autora celebrou com o réu um contrato de mediação imobiliária pelo período de 9 meses e no regime não exclusividade.
4. A ré não assinou o referido contrato.
5. Por força de tal contrato de mediação imobiliária, a autora obrigou-se a promover a venda e encontrar interessado na compra do imóvel, propriedade dos réus, correspondente a uma fração autónoma — Fracção “AI” – sita na Rua ..., ..., inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...26º (...) e descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...97 (...)
6. O preço pretendido para o negócio e constante do dito contrato de mediação imobiliária era de 315.000,00€, que foi posteriormente alterado para 290.000€.
7. O imóvel encontra-se identificado pela respetiva morada, constando que se destina a habitação, tem 4 assoalhadas, uma área de 186m2 e que se encontra livre de ónus ou encargos.
8. Acordaram, ainda, as partes que a autora receberia, a título de comissão ou remuneração, a quantia de 5%, acrescida de IVA à taxa legal, calculada sobre o preço pelo qual o negócio fosse efetivamente concretizado, no mínimo de 5.000€, acrescida de IVA à taxa legal.
9. A autora, como Mediadora, encetou as habituais diligências para a angariação de interessados na realização do negócio objeto do contrato de mediação imobiliária (CMI), designadamente publicitando o negócio no sítio da Internet da rede imobiliária “ERA” e na montra do estabelecimento comercial, cruzando informações de possíveis interessados constantes da base de dados da rede imobiliária da franquia “ERA”.
10. Nos dias 31/08/2020 e 01/09/2020, a autora acompanhou, através de colaboradora, a visita ao imóvel por EE e DD, tendo aquela assinado as “Fichas de Visita”.
11. Na assinatura das "Ficha de Visita" que EE assinou em nome do casal, consta que o potencial comprador reconhece que não tinha tido qualquer conhecimento sobre a oportunidade de comercialização deste imóvel antes do mesmo ter sido sugerido pela agência ERA e que realizou esta visita no âmbito de um contrato de mediação imobiliária entre a ERA e o proprietário”, e que “o incumprimento das obrigações ora assumidas implicará o dever de indemnizar a ERA pelos prejuízos causados".
12. Das mesmas "Ficha de Visita" consta, expressamente, que o Proprietário reconhece que não tinha tido qualquer tipo de contacto com este potencial comprador para feito de comercialização deste imóvel antes de o mesmo lhe ter sido apresentado pela Agência ERA. O Proprietário reconhece as obrigações que assumiu através do contrato de mediação imobiliária celebrado com a ERA serão efetivas caso venha a vender ou arrendar o imóvel ao potencial comprador (…), independentemente da data em que a venda ou arrendamento seja concretizada".
13. Nas fichas de visita não consta qualquer assinatura no local destinado à assinatura do proprietário.
14. Os Réus vieram a celebrar com o "BANKINTER, SA" uma escritura de compra e venda do referido imóvel, sito na Rua ..., ...
15. Sendo que, no mesmo ato, o dito imóvel foi objeto de locação financeira imobiliária à Sociedade "DD – SERVIÇOS MÉDICOS, LDA." (NIPC ...)
16. DD e a sua esposa CC, que são casados entre si no regime da comunhão de adquiridos, são titulares de quotas no valor nominal de 3.200€ e 500€, respetivamente, sendo o capital social de 5.000€.
E foram tidos por não provados os seguintes factos:
A. Em resultado das diligências levadas a cabo pela autora, CC e DD tomaram conhecimento que o referido imóvel em causa se encontrava para venda, tendo contactado a autora e pedido o agendamento de visita ao mesmo, tomando, assim, conhecimento das condições, físicas e jurídicas, do imóvel e do negócio, designadamente o preço, através da autora.
B. A autora enviou as “Fichas de Visita” aos réus.
C. Os réus receberam da autora relatórios das diligências de promoção do imóvel, incluindo as cópias das “Ficha de Visita”, tendo sido informados, em concreto, do interesse de EE e DD
IV.1. Pese embora a recorrente comece por imputar à sentença recorrida uma gritante falta de análise crítica da prova e a falta de indicação e especificação dos fundamentos que foram decisivos para formar a convicção do tribunal (quanto a certo facto não provado), a verdade é que não atribui a tal alegado vício qualquer efeito, nada havendo de específico a avaliar. Não deixa de se notar, contudo e adicionalmente, que a afirmação é manifestamente infundada, já que é seguro que a sentença recorrida elencou os meios de prova relevantes para cada facto ou grupo de factos próximos, indicando ainda as razões da sua opção, o que fez de forma particularmente saliente para os factos não provados. Pode discordar-se da avaliação realizada, não pode é sustentar-se a crítica radical imputada.
2. No que à impugnação da decisão sobre a matéria de facto respeita, os recorridos sustentaram que deveria ser rejeitada por incumprimento dos requisitos legais. Tais requisitos constam do art. 640º n.º1 e 2 do CPC, de onde deriva que cabe ao impugnante indicar:
i. os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (art. 640º n.º1 al. a) do CPC),
ii. os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (art. 640º n.º1 al. b) do CPC),
iii. a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (art. 640º n.º1 al. c) do CPC), e
iv. a estar em causa prova gravada, deve indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso (art. 640º n.º2 al. a) do CPC),
constituindo ainda firme orientação jurisprudencial que o primeiro requisito deve ser levado também às conclusões (por decorrência do seu papel delimitador do objecto do recurso), o que já não vale para os restantes requisitos.
No caso, verifica-se que:
- o recorrente indica com clareza que está em causa a al. a) dos factos não provados, indicação esta feita na alegação e nas conclusões (requisito i.).
- indica meios probatórios que deveriam impor (segundo a sua perspectiva) decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. Assim, e abstraindo da menção a factos provados (que não constituem meios de prova), invoca documentos e prova testemunhal, que identifica, e bem assim discute a credibilidade de declarações de parte prestadas (requisito ii.).
- indica a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, ao afirmar que deve tal matéria (in totum) considerar-se provada (requisito iii.).
- invocando prova testemunhal gravada, indica os momentos dos depoimentos que justificariam decisão diversa (em notas de rodapé) (requisito iv.).
Inexiste, pois, razão para rejeitar a impugnação realizada.
3. Quanto ao mérito da impugnação, o facto impugnado analisa-se nas seguintes proposições de facto:
- CC e DD tomaram conhecimento que o imóvel em causa se encontrava para venda em resultado das diligências da A..
- (nessa sequência) contactaram a autora e pediram o agendamento de visita ao imóvel.
- tomaram conhecimento das condições do imóvel e do negócio, designadamente o preço, através da autora.
O recorrente, além de remeter para factos provados, e de discutir o valor, legal e persuasivo, das declarações de parte do R., invoca especialmente os depoimentos das testemunhas DD e CC.
E são estes também os elementos essencialmente considerados pela sentença recorrida, nesta parte (levando em conta ainda as fichas de visita).
Ora, considerando tais depoimentos, deles decorre que EE e DD não tiveram conhecimento que o imóvel em causa estava para venda através da A. (ou de FF, que seria colaboradora da A.) mas antes através de anúncio online. Tal asserção foi igualmente sustentado pelo R., nas suas declarações de parte. E não foi contrariada por outro meio de prova pessoal. O único elemento contrário decorre das fichas de visita, assinadas/rubricadas pela testemunha EE, e das quais consta que o potencial adquirente não tinha qualquer conhecimento sobre a oportunidade de comercialização do imóvel antes de este lhe ter sido sugerido pela ERA. Mas trata-se de afirmação que consta pré-escrita e formatada no final do documento (mas antes do lugar das assinaturas), em termos que não correspondem a uma directa afirmação de quem assina o documento [4]. Não foi, em julgamento, explorada a forma como ocorreu a assinatura da ficha mas, de qualquer modo, a menção formatada em causa não é suficiente para contrariar o sentido unívoco dos depoimentos das referidas testemunhas, depoimentos que, como assinala a sentença recorrida, se mostraram críveis, não sendo detectáveis elementos que revelassem falta de comprometimento com a verdade. O que é extensível às declarações de parte do R., mas sendo certo que, ainda que se desvalorizassem estas declarações de parte, daí não decorria a demonstração dos factos em causa.
4. O exposto vale também, mutatis mutandis, para a proposição seguinte. Com efeito, as testemunhas EE e DD não confirmaram que contactaram a A. e com esta agendaram a visita (ao invés, sustentaram versão incompatível com tal afirmação), e o mesmo foi sustentado pelo R. nas suas declarações parte. Sendo que, nesta parte, inexiste qualquer meio de prova, seja qual for a sua natureza, que contrarie esta versão (sendo certo, de qualquer modo, que a falta de demonstração do primeiro segmento factual sempre impediria que este segundo ocorresse «n(...)a sequência» do primeiro, como a A. alegou).
5. No que toca ao segmento final, a recorrente invoca o depoimento da referida testemunha DD. Este depoimento não atesta, porém, a matéria alegada. Com efeito, esta testemunha afirmou que a referida FF lhes mostrou o local e indicou o preço mas também afirmou que ignorava se aquela FF estava no local como amiga do R. ou em outra qualidade (sendo que aquela FF foi indicada à testemunha pelo R. como sua amiga, o mesmo afirmando a testemunha EE - para além de tal ser também sustentado pelo R. no seu depoimento de parte). Acresce que também a testemunha EE afirmou que na primeira visita (a que fez com o seu marido, DD) a FF não referiu a imobiliária (e que não foi nessa visita que assinou fichas de visita). Ou seja, fica claramente por demonstrar a qualidade assumida pela FF naquela visita, em que comunicou o preço [5] (e, de entre as condições do negócio, apenas o preço a testemunha referiu, mais nenhuma indicando). Acresce que mais nenhum meio de prova se reportou a esta matéria (a generalidade das testemunhas não tinha conhecimentos directos pertinentes). Significa isto que não é possível ter por demonstrada a asserção factual em causa.
6. Quanto à invocação dos temas da prova pela recorrente, o sentido desta invocação não é claro. Com efeito, os temas da prova constituem mera delimitação geral do objecto probatório do litígio, sem relevo, directo ou por si, na decisão final. Assim, os temas da prova balizam ou delimitam o objecto da actividade instrutória (art. 410º do CPC), mas esta actividade incide especificamente sobre os factos alegados (e não genericamente sobre os temas da prova), levando à fixação dos factos provados e não provados. E são depois estes factos, e não aqueles temas da prova, que integram, sustentam e condicionam a decisão final (art. 607º n.º3 e 4 do CPC). Donde que seja irrelevante a argumentação probatória da recorrente dirigida àqueles temas da prova, pois são apenas os factos que relevam.
7. A recorrente invoca a existência de contradição entre factos provados e factos não provados (o que não constitui meio de impugnação da decisão sobre a matéria de facto mas vício da sentença) mas é evidente que tal não ocorre. Aliás, tal contradição, de acordo com a própria alegação da recorrente, prende-se antes com o erro na avaliação da prova documental e testemunhal, e não com verdadeira contradição entre factos.
Invoca, também, um erro notório na apreciação da prova que não tem espaço próprio em processo civil: neste, o erro na apreciação da prova esgota-se no erro do julgamento sobre a matéria de facto, a discutir em sede de impugnação da decisão sobre tal matéria de facto (o erro notório a que a recorrente se dirige é privativo do regime processual penal - v. art. 410º n.º2 al. c) do CPP, regime a que também se dirige o Ac. do TRC que a recorrente invoca).
8. Não pode, assim, proceder a impugnação intentada.
Esta conclusão tornaria inútil a avaliação da nulidade reportada às declarações de parte do R. pois do seu provimento não decorreria qualquer alteração na valoração da prova produzida. Sem embargo, esclarece-se que:
- a nulidade não tem autonomia pois foi praticada por decisão judicial: foi o despacho que autorizou a tomada das declarações de parte que cometeu a suposta ilegalidade. Ora, aquela decisão, ao impor acto indevido (na lógica da alegação da recorrente), contém um erro de julgamento (uma decisão errada face às regras processuais), mas não é nula em si porque a decisão enquanto acto, não constitui «a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva», para os termos do art. 195º n.º1 do CPC [6]. Logo, a ocorrer o vício, seria a própria decisão que seria contra legem e deveria ser impugnada através de recurso autónomo (admissível, nos termos do art. 644º n.º1 al. d) do CPC). Não tendo sido impugnada dessa forma, transitou em julgado aquela decisão, tornando irrelevante eventual vício processual por ela autorizado.
- ainda que assim não fosse (ou seja, ainda que existisse verdadeira nulidade), nota-se que as nulidades processuais não podem ser invocadas no recurso da decisão final, a não ser quando esta decisão final as incorpore, caso em que não se reclama da nulidade mas se impugna, através do recurso, a decisão viciada. Mas não é esse o caso (a sentença recorrida não incorporou a suposta nulidade, prévia e destacada do juízo decisório final). O tribunal de recurso, porque a sua avaliação incide sobre decisões, que são impugnadas, e não sobre actos processuais, só pode apreciar a decisão que o tribunal inferior haja proferido sobre a arguição da nulidade; não pode ocupar-se directamente, e em primeira via, da nulidade cometida (A. dos Reis). Haveria, assim, que invocar a nulidade (reclamação) e impugnar, em recurso, a decisão que a desatendesse (se tal fosse admissível, nos termos do art. 630º n.º2 do CPC, como até seria o caso). Como a recorrente não impugna qualquer decisão mas a produção do meio de prova (que seria nula), pretendendo desta forma discutir autonomamente essa nulidade em sede de recurso (invocando directamente a nulidade nesta sede), tal não seria admissível nesta sede.
- por fim, mesmo do ponto de vista da recorrente e da nulidade que invoca, não se vislumbra que acto imposto por lei foi omitido, ou que acto proibido por lei foi praticado (art. 195º n.º1 do CPC), por faltar de todo a indicação do suporte legal da invocada nulidade (ou a indicação do trâmite violado ou omitido). A invocação dos art. 195º a 208º do CPC, ou seja de todo o regime da nulidade processual, é obviamente expediente gratuito e inconsequente, por nada concretizar. Além disso, a nulidade processual, definida no citado art. 195º n.º1 do CPC, não encontra em tal artigo a sua definição integral, pois tal norma supõe ainda outra norma processual que preveja o acto omitido ou proíba o acto praticado É esta norma que a recorrente omite, e não se vislumbra onde a encontrar. Por outro lado, e ainda que se admita que podem ocorrer invalidades processuais por violação de princípios materiais, não basta a genérica invocação do princípio da igualdade para o sustentar. Não indicando a recorrente como ou em que medida foi tal princípio violada, não existiria vício a avaliar.
Donde nunca poder valer a invocação da nulidade.
9. Entre as partes foi acordado que a recorrente se obrigava a promover a venda e encontrar interessado na compra de imóvel dos RR. (sem exclusividade) - facto 5.
A qualificação deste acordo como contrato de mediação imobiliária foi aceite pelas partes sem controvérsia (tanto que a própria qualificação jurídica foi levada aos factos provados) e mostra-se ajustada - por, partindo dos art. 2º e 16º da Lei 15/2013, de 08.02, corresponder, em termos singelos, às notas marcantes de tal contrato, que supõe que uma das partes (o mediador) procure em nome dos seus clientes destinatários/interessados para a realização de negócios com certas finalidades [7]. Em particular, foi excluída no caso a exclusividade da mediadora, o que condiciona a avaliação.
10. A questão controvertida coloca-se apenas no plano do direito da recorrente à remuneração acordada.
A remuneração do mediador constitui a contrapartida pela sua prestação, analisando-se esta na busca de interessados na aquisição do imóvel dos RR. [8]. Porém, por expressa imposição legal, tal direito só surge, no caso vertente (em que inexiste convenção de exclusividade ou contrato-promessa), com «a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação» (art. 19º n.º1 da Lei 15/2013). Assim, pese embora este resultado final (a venda do imóvel, no caso) se situe fora do âmbito da intervenção do mediador (desde logo porque este resultado depende da vontade de terceiros), a sua efectivação constitui condição do nascimento do direito à remuneração.
A lei estabelece, assim, uma ligação entre o exercício da mediação e a celebração do negócio que desencadeia a remuneração (supondo que o interessado não deve ter que pagar a comissão se a actividade do mediador for indiferente para o negócio concretizado). Pelo que a remuneração passa a depender, também, do reflexo da actividade de mediação na celebração do negócio, o que postula a existência de um nexo de continuidade e determinação entre aqueles dois pólos (a actividade e o negócio alcançado). Donde se exigir, em situações como a vertente e para que o direito à remuneração nasça, que entre a actividade do mediador e aquele resultado exterior ocorra uma ligação causal. Trata-se, na verdade, de asserção pacífica, cuja realidade as partes não discutem [9].
11. Já se mostra menos segura a exacta delimitação deste nexo causal e em consequência tem sido afirmado com grande variabilidade e amplitude. Em termos gerais, exige-se que a prestação do mediador seja uma condição efectiva ou uma causa adequada [10] da celebração do negócio, surgindo este como uma consequência própria daquela actividade. Mas também se aceita que, para tanto, basta que o mediador tenha contribuído, embora de forma relevante, para aquela celebração, mesmo que tal contribuição não seja a condição única ou, por vezes, nem sequer surja como condição decisiva ou determinante [11], admitindo-se ainda que possa ter uma intervenção apenas parcelar ou incompleta (v.g. sem acompanhar a situação até ao fim) [12]. De forma particular, sustenta-se também que a relação determinante entre o mediador e a celebração deveria ser definida a partir de uma ligação psicológica entre a actividade do mediador e a vontade de o terceiro concluir o negócio [13].
Tudo passa, pois, pelo estabelecimento de uma conexão de sentido entre a actividade e o negócio concluído, em termos de se poder dizer que este se filia naquela, constituindo ainda um seu desenvolvimento ou efeito, sem necessidade de aquela actividade colocar condições adicionais (e por isso que ainda que sem exclusividade ou até peso determinante). O que se justifica também pelo facto de a prestação do mediador não ter, em regra, um conteúdo mínimo: basta que seja eficaz. Este requisito causal tem, negativamente, o efeito de excluir o relevo automático de qualquer intervenção da mediadora, de recusar valor a uma qualquer colaboração ou contributo: este tem que ter uma eficácia adicional, tem que se relacionar com o resultado de modo que este seja ainda ou também produto adequado daquele contributo, que este tenha de algum modo impulsionado o resultado final.
Sendo que na avaliação final, ou ao menos em situações de dúvida, poderá ter significado próprio a referida «ligação psicológica entre a actividade do mediador e a vontade de o terceiro concluir um contrato com o comitente», pois esta poderá constituir uma forma final de aferir se o contributo do mediador foi relevante em termos causais, já que tal ainda sucederá se a actividade daquele produziu efeitos na vontade de contratar do terceiro e assim na celebração do negócio [14].
Naturalmente, constituindo esta relação causal um elemento constitutivo do direito do mediador (pois o direito depende, como referido, de uma conexão entre a actividade e o negócio celebrado), caberá ao mediador a sua prova (art. 342º n.º1 do CC), ao menos nas situações, como a presente, em que existe um contrato de mediação «simples» ou «aberto» (sem estipulação de exclusividade) [15].
12. No caso, e atendendo aos factos provados, apenas se demonstram duas circunstâncias que relacionam a recorrente com a posterior celebração do negócio e que podem assim relevar em sede de avaliação causal.
Assim, apura-se que:
i. a recorrente acompanhou EE e DD em duas visitas ao imóvel, e
ii. nessas visitas aquela EE assinou fichas de visitas nas quais consta menção a que «o potencial comprador reconhece que não tinha tido qualquer conhecimento sobre a oportunidade de comercialização deste imóvel antes do mesmo ter sido sugerido pela agência ERA e que realizou esta visita no âmbito de um contrato de mediação imobiliária entre a ERA e o proprietário».
13. Pese embora o negócio celebrado com o interessado (venda) não envolva aquelas pessoas (EE e DD), elas têm ligação com a estrutura negocial criada a final, dada a sua relação com o destinatário final do imóvel (a sociedade locadora) [16] e a forma de aquisição do bem (a aquisição é pré-ordenada à locação). Justificando-se assim que se comece por avaliar o pressuposto causal em função da intervenção de tais pessoas (sendo que só se existir este nexo se justificará avaliar então a sua ligação com as formas contratuais usadas na alienação).
14. No que à segunda circunstância factual concerne, o facto descrito corresponde, na verdade, à reprodução do teor de um documento. O que tem dois efeitos. De um lado, a descrição factual reduz-se aos termos do próprio documento reproduzido: significa apenas, deste ponto de vista, que existe certo documento, assinado por certa pessoa, e no qual constam certas menções. De outro lado, e enquanto reprodução do documento, aquela menção no elenco de factos provados terá o significado factual que se possa atribuir ao próprio documento ou que dele se possa retirar.
Está em causa menção constante de documento particular, assinado pela EE (a autoria da assinatura consta dos factos provados, superando a impugnação dos RR. [17]), pelo que, estabelecida a genuinidade do documento, ficaram plenamente provadas as declarações atribuídas a quem assina o documento (art. 374º n.º1 e 376º n.º1 do CC), o que vale quer para as declarações de vontade quer para as declarações de ciência [18]. Mas esta prova da declaração de ciência não equivale à prova dos factos contidos em tal declaração, pois a prova da declaração não inclui a prova da sua exactidão. Como refere T. Beleza, a força probatória do documento «não tem qualquer repercussão (...) na veracidade da declaração documentada» [19]. Assim, a existência da declaração, demonstrada, nada diz sobre a realidade dos factos contidos na declaração, pois estes situam-se fora e para além da declaração, não servindo aquela para os demonstrar.
Quanto a tais factos (contidos na declaração), cumpre distinguir. Assim, o documento terá valor probatório acrescido desses factos se tais factos forem contrários ao interesse do declarante (art. 376º n.º2 do CC). Trata-se de manifestação do regime da confissão [20], o que importa que este valor probatório acrescido só exista quando a declaração seja feita pela parte (ou seu antecedente) desfavorecida pelo facto e parte esta contra quem é apresentado o documento [21]. Não é isso que ocorre no caso, em que a declaração é feita por terceiro, estranho à posição dos RR., e terceiro cujas declarações não vinculam os RR. [22]. Aliás, mesmo do ponto de vista da posição da autora da declaração (que assim assumiu o seu teor), os factos contidos na declaração de ciência não lhe são desfavoráveis (são-lhe indiferentes), nunca valendo também neste sentido o regime referido. Deste modo, não pode valer aquela declaração como demonstração plena do facto contido na afirmação: de que, antes da sugestão da ERA, não tinha a subscritora conhecimento da comercialização do imóvel.
Poderia então valer o documento como meio de prova livremente valorável (quanto ao facto contido na declaração), mas o momento próprio para essa utilização seria na discussão sobre a demonstração dos factos, sede na qual foi o documento foi atendido e desvalorizado (mormente quanto à menção em causa), tendo sido considerada não provada a matéria factual a que a declaração se dirigia.
Assim, e em termos conclusivos, vê-se que, estando em causa declaração de ciência (reportada a factos), sem especial valor probatório (dada a sua autoria), a mera reprodução da declaração nos factos provados não equivale à demonstração do facto contido na declaração. De outra banda, a reprodução do teor do documento também não pode permitir transferir a discussão sobre o facto contido na declaração documentada para esta sede (de aplicação do direito aos factos) por razões metodológicas e materiais. Com efeito, o valor probatório simples do documento analisou-se quando se discutiu o facto concreto alegado pela recorrente (e que corresponde ao facto contido na declaração documentada), sendo esse o momento próprio para o efeito, pelo que a mera reprodução do documento (da declaração documentada) nada acrescenta. E, tendo sido formada decisão sobre o facto alegado que corresponde ao facto contido na declaração documentada, excluindo-o (e decisão, aliás, reapreciada e renovada nesta instância, e em sentido claramente contrário ao alegado), não pode essa decisão ser contornada através da renovação da discussão a partir da mera declaração documentada em sede de aplicação do direito aos fatos. Tal constituiria uma anomalia valorativa e funcional. Mas ainda que assim não fosse, haveria, naturalmente, que reconhecer que a mera declaração em causa não constituía, no contexto do caso, forma bastante para reconhecer o facto contido na declaração. Assim, o teor do descrito em 11 dos factos provados, valendo como mera reprodução do teor de documento, é irrelevante na discussão em causa [23].
15. Resta assim avaliar, para efeitos de aferição do nexo causal, o que consta em 10 dos factos provados: a existência de duas visitas realizadas ao imóvel pela recorrente.
A referida exigência de um nexo causal entre a actividade da mediadora leva contida em si, no quadro acima definido, ao menos a ideia de influência, no sentido de que a actividade do mediador tem que ter uma certa projecção desencadeadora da realização da venda ou um certo efeito na decisão de comprar.
Ora, o que se verifica é que tais visitas surgem desenquadradas, mormente por desligadas dos factos principais alegados pela recorrente e que melhor caracterizavam o seu papel na apresentação do imóvel aos subsequentes adquirentes (em sentido amplo), factos estes que se não provaram (al. a) dos factos não provados). E surgem também isoladas, por desligadas de outros dados relevantes (por exemplo, em que momento do procedimento que culminou nos negócios finais as visitas se inserem, que circunstâncias as rodeiam, que impacto tiveram, se tiveram carácter único ou inserido num programa de visitas mais amplo). Tudo tornando-as ambíguas e dúbias, impedindo que delas se retire um contributo preciso ou uma influência segura na realização dos negócios posteriores (onde é determinante a presença de DD e a sua ligação a EE). Em rigor, permanece ignorado o seu impacto, influência ou efeitos nos visitantes e no negócio celebrado: da referida intervenção da recorrente não se retira qualquer reflexo perceptível na celebração do negócio ou na formação da decisão de negociar (das meras visitas não se retira a afirmação da «adesão» dos interessados, por força de tais visitas, ao negócio proposto). Fica deste modo por perceber qual o significado dessas visitas na concretização do negócio e assim, e na falta de outros elementos, permanece por demonstrar o contributo causal da recorrente (sendo esta situação em que o relevo das visitas na decisão de contratar dos «visitantes», não revelado, poderia ter um significado específico).
Assim, fica por revelar um dos pressupostos do direito reclamado pela AA., impedindo a afirmação de tal direito.
16. Esta conclusão prejudica a avaliação do significado dos negócios finais realizados (também porque, no limite, seria sempre uma questão de causalidade, de imputação daqueles negócios, embora à luz dos seus contornos e dos sujeitos que neles intervêm, à actividade da mediadora).
17. Decaindo, suporta a recorrente as custas do recurso (art. 527º n.º1 e 2 do CPC).
V. Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pela recorrente.
Notifique-se.
Sumário (da responsabilidade do relator - art. 663º n.º7 do CPC):
(…)
Datado e assinado electronicamente.
Redigido sem apelo ao Acordo Ortográfico (ressalvando-se os elementos reproduzidos a partir de peças processuais, nos quais se manteve a redacção original).
_______________________________________
1. Corresponde, grosso modo, ao art.º 18º, n.º 1 do revogado regime da mediação imobiliária consagrado no Dec.-Lei n.º 211/2004: “A remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.”↩︎
2. Ac. TRC, 17-01-2012, , in dgsi.pt [proc.º 486/10.5T2OBR.C1]↩︎
3. Em reprodução literal.↩︎
4. O documento não tem especial força probatória, como se explicita a seguir.↩︎
5. Curiosamente, ou sintomaticamente, o próprio mandatário da A., na pergunta que colocou àquele DD, reportou-se à FF como sendo «representante do proprietário».↩︎
6. Sobre a questão, v. M. Teixeira de Sousa, "Dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se". de 30.01.2023, no Blog do IPPC online, ou Paulo Ramos de Faria e Nuno de Lemos Jorge, As outras nulidades da sentença cível, Julgar online, Setembro de 2024, pág. 6 e ss..↩︎
7. São estes os elementos básicos adiantados por Mafalda Miranda Barbosa, em Entre a aleatoriedade e a condicionalidade: reflexões a propósito do direito à remuneração do mediador imobiliário, pág. 1251 (in 3w.revistadedireitocomercial.com).↩︎
8. A natureza da situação do mediador é duplamente discutida: de um lado, discute-se se está em causa verdadeira obrigação ou apenas um encargo ou ónus (no caso, os termos dos factos sugerem a existência de verdadeira obrigação); de outro lado, e aceitando-se a existência de verdadeira obrigação, discute-se ainda se a prestação corresponde a uma obrigação de meios ou de resultado. Nenhuma destas questões tem, porém, relevo próprio no caso.↩︎
9. V., por todos, Acs. do STJ de 23.04.2024 proc. 1697/22.6T8PRT.P1.S1, de 11.07.2019, proc. 28079/15.3T8LSB.L1.S1 ou de 17.06.2021 proc. 8373/19.5T8LSB.L1.S1 (todos em 3w.dgsi.pt).↩︎
10. Embora não estritamente no sentido da causalidade adequada.↩︎
11. Naturalmente, o carácter decisivo/determinante (ou não) constitui qualificação plurissignificativa. Quer-se dizer que o contributo do mediador não tem que ser o momento que, já por si, justifica o negócio.↩︎
12. Sobre as várias percepções deste nexo causal, v., por todos, Fernando Baptista Oliveira, Manual da Mediação Imobiliária, Almedina 2023, pág. 136 e ss., ou Ac. do TRL de 22.02.2022, proc. 1020/19.7T8CSC.L1-7 (em 3w.dgsi.pt).↩︎
13. Maria de Fátima Ribeiro, em O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração, pág. 243, in 3w.revistadedireitocomercial.com.↩︎
14. Na fórmula de Maria de Fátima Ribeiro, loc. cit., mas com a ressalva de que esta Autora usa a formulação como critério geral.↩︎
15. Sobre esta atribuição do ónus da prova, incontroversa, v. Fernando Baptista de Oliveira, ob. cit., pág. 268, Maria de Fátima Ribeiro, ob. cit., pág. 227 nota 31 e 246, Carlos Lacerda Barata, Contrato de Mediação, in Estudos do Instituto de Direito do Consumo, Vol. I, Almedina 2002, pág. 207, ou Ac. do TRE de 25.01.2023, proc. 540/20.5T8SSB.E1 (em 3w.dgsi.pt).↩︎
16. Mais que a qualidade de sócio, relevaria a qualidade de gerente de Rui Carvalho, alegada e demonstrada (na PI e com documento então junto), embora não descrita nos factos provados (o aditamento, ainda possível nesta sede, não se mostra contudo justificado, por razões inerentes ao sentido final da decisão).↩︎
17. Foi, assim, seguido o entendimento, não impugnado no recurso e dominante na jurisprudência, que considera que essa demonstração não tem que passar necessariamente pelo incidente do art. 444º/445º do CPC.↩︎
18. V. L. de Freitas, A Acção Declarativa Comum, Gestlegal 2023, pág. 283.↩︎
19. Comentário ao CC, Parte geral, UCP Editora 2023, pág. 1043.↩︎
20. Assim, L. de Freitas, A falsidade no direito probatório, Almedina 2013, pág. 43.↩︎
21. E teria ainda que ser a declaração, além de inequívoca, feita à parte que beneficia da confissão (art. 357º n.º1 e 358º n.º2 do CC).↩︎
22. Deixando de valer então o fundamento da força probatória da confissão, extensível ao regime do art. 376º n.º2 do CC), fundamento este assente na ideia de que, segundo as regras da experiência, ninguém afirma um facto contrário ao seu interesse se ele não for verdadeiro.↩︎
23. Isto também revela que tal facto em nada colide com o descrito em A dos factos não provados.↩︎