DISPENSA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
Sumário

Sumário (da responsabilidade do relator - art. 663º n.º7 do CPC):
- notificada a parte para, em certo prazo, se pronunciar acerca da possibilidade de dispensar a realização da audiência prévia e sobre o mérito do pedido, não fica por isso impedida de juntar ainda documentos ao processo, nos termos do art. 423º n.º2 do CPC.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

I. BGV Versicherung, AG intentou a presente acção contra Ageas Portugal - Companhia de Seguros, SA., pedindo a condenação da R. no pagamento de 54.850,23 euros, valor correspondente àquele que foi pago pela A. a seu segurado em virtude de acidente por cuja produção era responsável segurado da R..


Afirmou, na PI, protestar juntar aos autos os documentos n.º 1, 3, 4, 6, 11 e 12.


A R. contestou, tendo invocado a prescrição e impugnado o valor de documentos juntos, tendo manifestado reservar-se o direito de impugnar os documentos que a A. protestou juntar.


A A. respondeu quanto aos termos da prescrição.


Foram então proferidos os seguintes despachos:


«A autora não procedeu à junção dos documentos nºs 1, 3, 4, 6, 11 e 12 que protestou apresentar, pelo que nada haverá a determinar- art.º 423.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.


*


Contraditório acerca do mérito da causa


Atendendo a que não são impugnados os pagamentos realizados pela autora, mas apenas invocada pela ré a exceção perentória de prescrição e a inexigibilidade do montante indicado no art.º 54.º da petição inicial (a referência ao art.º 53.º tratar-se-á de lapso), o Tribunal entende que os autos reúnem elementos para que se conheça do mérito do pedido.


Em causa encontra-se a sub-rogação legal da autora em relação a pagamentos realizados na Alemanha ao segurado, pelo que se aplica no art.º 86.º da Lei Federal sobre Contratos de Seguro, segundo a qual “Se o tomador do seguro tiver direito a um pedido de indemnização contra um terceiro, este pedido é transferido para a seguradora se esta compensar pelo dano. A transferência não pode ser invocada em prejuízo do tomador do seguro”.


Segundo, ainda, o art.º 19.º do Regulamento (CE) n.º 864/2007, de44 11.01. “Se, por força de uma obrigação extracontratual, uma pessoa («o credor»), tiver direitos relativamente a outra pessoa («o devedor»), e um terceiro tiver a obrigação de satisfazer o direito do credor, ou tiver efetivamente satisfeito o credor em cumprimento dessa obrigação, a lei que rege esta obrigação do terceiro determina se e em que medida este pode exercer os direitos do credor contra o devedor, segundo a lei que rege as suas relações”.


Assim, sem embargo das partes entenderem ser de realizar a audiência prévia, caso em que devem indicar datas para o efeito às segundas, terças e quintas-feiras- realizando-se a diligência presencialmente- notifique as mesmas para, querendo e em 10 dias, se pronunciarem acerca do mérito do pedido e da dispensa da realização da diligência – art.º 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.»


Nessa sequência, em 18.11.2024, a A., afirmando preliminarmente, que não se opunha à dispensa de realização da audiência prévia, juntou ao processo os documentos n.º 3, 4, 6, 11 e 12 que protestara juntar, nos termos do n.º 2 do art. 423º do CPC, protestando juntar o documento nº1 em 10 dias. Pronunciou-se ainda sobre o mérito do pedido.


Na mesma data a R., afirmando estar de acordo com a dispensa da audiência prévia, pronunciou-se sobre o mérito da acção.


Após, a R. veio deduzir oposição à junção daqueles documentos, sustentando, no essencial, que com a prolação do despacho que notificou as partes para se pronunciarem acerca do mérito do pedido e sobre a dispensa da realização da diligência audiência prévia, «foi encerrada a instrução da causa e a discussão da matéria de facto. Se a A. pretendia mantê-las tinha que ter suscitado isso em audiência prévia.


Depois de encerrada a instrução da causa e a discussão da matéria de facto e de terem ambas as partes sido notificadas para se pronunciarem, querendo, acerca do mérito do pedido não é admitida a junção de documentos. Por outro lado,


3 - A A confessa que tinha já os documentos em seu poder quando, tardiamente, em 10-7-2024 iniciou a acção pela apresentação da petição inicial em 10-7-2024, pelo que a agora quase 5 meses depois pretendida tardia admissão da junção de 5 documentos não é justificada.».


A A. juntou depois novo documento (comprovativo de apólice de seguro do veículo acidentado), protestando juntar tradução.


A R. opôs-se também a esta junção pelos motivos constantes do anterior requerimento.


Foi depois proferido o seguinte despacho:


«A Autora veio requerer a junção aos autos dos documentos n.º 3, 4, 6, 11 e 12 que protestou juntar com a petição inicial e as respetivas traduções, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 423.º do Código de Processo Civil, protestando juntar o documento nº1 em 10 dias.


A Ré opôs-se ao requerido por entender que a junção é extemporânea.


Apreciando.


Do art.º 423.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, extrai-se a regra de que, não sendo juntos com o respetivo articulado, a parte poderá apresentar documentos no hiato de vinte dias precedentes da data de julgamento, sendo condenada em multa, exceto se provar que não os pôde oferecer com o articulado.


No caso, os motivos da não junção apenas à Autora são imputáveis, não resultando comprovada impossibilidade de os oferecer antes (até pela data em que foram elaborados).


Porém, não se encontrando designada data para julgamento (que não se realizará), é admissível a junção, condenando-se a Autora no pagamento de 1 (uma) U.C..


Junta a tradução em falta, abra conclusão- art.º 134.º, n.º1 do Código de Processo Civil.


Notifique.».


Deste despacho foi interposto recurso pela R., remetendo para os termos do seu requerimento de oposição e formulando as seguintes conclusões:


1ª - Com o douto despacho de 5-11-2024 foi encerrada a instrução da causa e a discussão da matéria de facto, que não prosseguiram (arts. 593º e 595º).


2ª - Apenas se a causa, após audiência prévia, seguisse para instrução e julgamento poderiam os documentos ainda ser juntos.


3ª - Não pode haver junção de documentos depois de a apelante ter alegado de direito.


4ª - Resulta claro dos termos do douto despacho transitado de 5-11-2024 que a causa seria julgada sem os documentos tendo sido nesse exacto pressuposto que a R alegou de direito.


5ª - Depois de encerrada a instrução da causa e a discussão da matéria de facto e de terem ambas as partes sido notificadas para se pronunciarem, querendo acerca do mérito do pedido não é admitida a junção dos documentos na petição inicial protestados juntar.


6ª - A junção desses documentos não é admitida no momento em que o foi pelo douto despacho de 2-12-2024, ora apelado e este viola o disposto nos arts. 432º, 593º e 595º do CPC, devendo ser revogado.


A A. respondeu, suscitando objecções ao recebimento do recurso (falta de indicação do efeito do recurso e falta de indicação do sentido com que as normas invocadas deveriam valer) e pronunciando-se pela improcedência das razões invocadas pela R..


A primeira objecção foi sanada e a segunda desatendida.


II. O objecto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 635º n.º4 e 639º n.º1 do CPC), «só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa».


Assim, importa avaliar a admissibilidade da junção de documentos pela recorrida.


III. Os factos relevantes, na avaliação a realizar, têm natureza exclusivamente processual, mostrando-se descritos no relatório elaborado (a partir dos dados documentados do próprio processo).


IV.1. A disciplina básica da junção de documentos pelas partes consta do art. 423º do CPC, de onde derivam três regras:


i. os documentos devem ser apresentados com o articulado em que são alegados os factos a que respeitam (n.º1).


ii. podem ser depois apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final (com condenação em multa, salvo demonstração de inviabilidade da junção prévia) (n.º2).


iii. podem ser apresentados mesmo após aquele momento mas apenas se se revelarem (objectiva ou subjectivamente) supervenientes ou forem justificados por ocorrência posterior (n.º3).


Releva também, em geral, o regime do art. 598º do CPC [1], o qual é, contudo, inaplicável no caso (dada a tramitação adoptada). O regime dos art. 411º ou 607º n.º1 do CPC não releva especificamente (por dizerem respeito à actividade do tribunal e não das partes, a quem não aproveitam directamente). Assim, a questão haveria que ser essencialmente debatida no quadro daquele art. 423º do CPC.


O que o despacho recorrido fez, estribando-se na segunda regra referida, e com propriedade, no sentido de que respeitou o sentido literal e preceptivo da norma, aplicando-a a situação que se mostra compreendida na sua hipótese. Deste ponto de vista, não se vê razão para censurar o despacho recorrido.


2. A recorrente, para contrariar esta solução, invoca dois argumentos, afirmando que:


- o despacho que notificou as partes (para se pronunciarem sobre a dispensa da audiência prévia e para alegarem) encerrou a instrução da causa e a discussão da matéria de facto (pelo que a junção só seria admissível se a acção, após a audiência prévia, prosseguisse para julgamento).


- não pode haver junção de documentos depois de a recorrente ter alegado de direito (sendo que considerou que, como decorria do despacho em causa, a causa seria julgada sem os documentos apresentados, tendo sido nesse exacto pressuposto que alegou).


Ambos os argumentos apresentam uma fragilidade básica: nenhum deles encontra suporte directo ou imediato nas normas processuais invocadas pela recorrente (ou em outras).


O art. 432º do CPC respeita ao documento em poder de terceiro, nada tendo a ver com a situação. Poderia existir aqui um lapso, querendo a recorrente reportar-se ao art. 423º do CPC, mas esta norma, ao menos no seu sentido literal, não só não suporta a sua posição como, ao invés, a contraria (como já referido).


Quanto aos art. 593º e 595º do CPC, regulam a dispensa da audiência prévia e os termos do despacho saneador, neles não se encontrando qualquer intervenção regulativa de onde resultem as prescrições que a recorrente sustenta.


Em particular, destas normas resulta que:


- o conhecimento do mérito da causa pode ocorrer no despacho saneador (art. 591º n.º1 al. b) e 595º n.º2 al. b) do CPC), caso em que este equivale a uma sentença (art. 595º n.º3 do CPC, que apenas clarifica o que já derivaria do art. 152º n.º2 do CPC).


- pese embora a realização da audiência prévia seja tida por obrigatória quando se vise conhecer o mérito da causa, atenta a articulação dos art. 591º n.º1 al. b) e 593º n.º1 do CPC (imposição acentuada quando o conhecimento do mérito seja integral, não prosseguindo a acção), no caso, no uso de poderes de adequação formal (art. 547º do CPC) e com adesão das partes, foi dispensada a sua realização.


- prevendo a lei processual este conhecimento antecipado do mérito, e impondo a necessária audição das partes antes daquele conhecimento, não estabeleceu regra específica que adaptasse o regime da junção de documentos a essa situação.


- o que tende a confortar a ideia da tendencial aplicabilidade daquele art. 423º do CPC, permanecendo, por recta articulação normativa, a junção de documentos sujeita ao regime geral.


Assim, desta regulação ampla não decorre a solução restritiva da recorrente (dela não decorrem razões legais que excluam a regra que deriva do regime do art. 423º do CPC). E contra a solução da recorrente depõem várias razões, algumas gerais, outras particulares (atinentes aos contornos do caso). Assim:


- aquele juízo judicial (visando o conhecimento antecipado do mérito) não é antecipável pelas partes [2], que por isso dele têm ser avisados (donde o disposto no art. 591º n.º2, 1ª parte, do CPC), sendo também, nessa sequência, para assim poderem discutir a causa. O que desde logo significa que antes desse aviso (da notificação da intenção judicial, acompanhada da indicação da possibilidade de alegarem [3]) as partes não tinham possibilidade de saber que a faculdade de juntarem documentos ao processo iria ser encurtada (dado já não se ir realizar a audiência de julgamento), nem por isso pode servir aquela notificação para, de forma surpreendente e final, eliminar, sem pré-aviso, um direito da parte (a juntar documentos, nos termos do art. 423ºdo CPC [4]) que, até à notificação, aquela parte não tinha forma de saber que ia ser eliminado.


- a comunicação daquele juízo (não antecipável pela parte) pode justamente provocar a necessidade de a parte juntar documento relevante que, por várias razões e contando com uma dilação ainda relevante (por inexistir julgamento agendado), ainda não juntara, mas que pretendia, legitimamente, ainda juntar, no quadro do art. 423º n.º2 do CPC. Fazer precludir o direito com uma notificação com a qual não podia seguramente contar, ou com base na antecipação do conhecimento do mérito, conhecimento para o qual o documento pode ser decisivo, constitui uma solução sem suporte legal, contrária à teleologia da norma e violadora da ideia do processo equitativo.


- a parte pode também discutir a própria decisão de antecipação do conhecimento do mérito, defendendo a necessidade de produção de mais provas. E o próprio documento a juntar pode, legitimamente, servir para fazer valer essa ideia, de que a antecipação do conhecimento do mérito da causa não é ajustada, devendo haver lugar a produção adicional de prova.


- esta circunstância, e bem assim o facto de o juízo de conhecimento antecipado do mérito não ser vinculativo para o juiz, o qual pode, perante as posições das partes ou segundo melhor ponderação, considerar que não estão ainda reunidas as condições para conhecer o mérito da causa (v. art. 591º n.º2, 2ª parte, do CPC), também depõe contra a fixação de um limite à apresentação da prova documental por mero efeito do despacho referido (ou da sua notificação).


- o facto de, no caso, a notificação visar, em simultâneo, também facultar às partes a possibilidade de se oporem à dispensa da audiência prévia [5] significa que, em rigor, a dispensa da audiência prévia não era sequer um facto certo ou consumado, não servindo também por isso aquela notificação para marcar o momento final da produção de prova documental: não podia a notificação servir para impedir acto (junção de documento) que dependia de outro acto (dispensa da audiência preliminar) ainda não assente.


- ninguém sustenta que a notificação das partes para a audiência prévia, com a indicação das finalidades (e assim com a indicação do previsível conhecimento do mérito da causa), envolve a extinção do direito a apresentar prova documental. Não se vê porque haveria a notificação que anuncia a possibilidade da dispensa daquela audiência (e concomitantemente convida as partes a alegarem) haveria de ter esse efeito.


- estas razões depõem, também, contra uma interpretação analógica do art. 423º n.º2 do CPC, substituindo a referência à audiência de julgamento pela referência à audiência prévia, para se ter a parte por obrigada a juntar o documento com certa antecedência em relação a esta, pois revelam a falta de homologia entre a situação da parte perante a audiência prévia (mesmo quando nela se vá conhecer o mérito da causa) e perante a audiência de julgamento, e mesmo as diferenças essenciais que separam esses dois momentos processuais. Nota-se, em especial, que a audiência de julgamento pressupõe uma estabilização dos meios de prova que no momento da audiência prévia ainda não existe nem é exigida. O máximo que se pode dizer é que o juízo de conhecimento antecipado do mérito supõe a suficiência das provas (sobretudo documentais) juntas [6], mas não que esse juízo de antecipação (anterior ao julgamento de mérito) tenha que provocar o impedimento de junção de nova prova documental, ao arrepio do regime geral. Interpretação analógica que deveria ser excluída também, ou primacialmente, por não ocorrer em rigor uma lacuna de regulamentação, nem uma exigência de regulamentação específica.


- inexiste, na acção declarativa, um verdadeiro «encerramento da instrução», entendido como um momento autonomamente prescrito como sendo impeditivo do oferecimento e produção posterior de mais meios de prova.


- ocorre, porém e com relevo na produção da prova, um encerramento da discussão, o qual funciona como momento final (tendencialmente inultrapassável [7]) da produção de prova e, em particular, da junção de documentos (mesmo no quadro excepcional do art. 423º n.º3 do CPC), encerramento este medido, na audiência de julgamento, pelo termo das alegações das partes (tudo derivado do disposto nos art. 425º e 604º n.º3 al. e), e ainda lateralmente do art. 611º, do CPC).


- seria esta ideia (encerramento da discussão) que estaria subjacente à afirmação da recorrente de que não poderia haver a junção de documentos depois de ela ter alegado. Este argumento corresponde à função intrínseca das alegações (pronúncia final da parte, mormente a partir da prova disponível). No entanto, a situação vertente não se ajusta à linearidade da situação existente em julgamento, impedindo uma aplicação irrestrita desta ideia. Isto porque, como referido, os termos da tramitação impõem que a parte contrária deva poder juntar documentos na sequência da notificação realizada (sendo que a notificação, com a concessão de prazo, implica que a recorrida não possa sequer antecipar quando serão juntas as alegações pela parte contrária, ou sequer se serão juntas - quer por a recorrida poder abdicar de as juntar, quer por poder insistir apenas na realização da audiência prévia). Também assim porquanto, como se não realiza a audiência prévia (que permitia uma ordenação clara dos actos), fica difusa a sequência de actos possíveis no prazo concedido (ou em prazo supletivo). Ainda assim porque, em rigor e face aos contornos do caso, a questão se mostra invertida: não seria a apresentação das alegações, dados os referidos contornos práticos da situação (e a necessidade de permitir à parte, confrontada com a antecipação do julgamento, ainda poder juntar a prova documental pertinente), que poderiam precludir a apresentação de documento, mas esta apresentação que poderia justificar a alteração das alegações - notando-se, em especial, que, face ao documento, sempre teria a parte a possibilidade legal de exercer o contraditório (art. 3º n.º3 do CPC, e contraditoriedade esta de que a notificação imposta pelo art. 427º do CPC é instrumental [8]). E, em concreto e mesmo adoptando a posição da recorrente, porquanto a generalidade dos documentos foi apresentada antes de a recorrente apresentar as suas alegações (estas deram entrada no dia 18 de Novembro, pelas 20.39 hrs., enquanto a generalidade dos documentos deram entrada pelas 16.38 hrs. do mesmo dia), pelo que, em rigor, nem ocorreria o esgotamento da possibilidade de junção que a recorrente invoca (é certo que o momento da junção impede que sejam os documentos considerados nas alegações da recorrente mas trata-se, como referido, de efeito permitido pela tramitação adoptada, e efeito que não pode ser eliminado com o sacrifício do direito a juntar documentos: o remédio seria, como se disse, outro). Quanto ao documento posterior àquelas «alegações», também se nota que ele respeita a facto essencial (descrito no elenco de factos provados da sentença que veio a ser proferida) e cuja junção o tribunal sempre poderia determinar. Ao caucionar a sua junção, ainda que apelando ao regime do art. 423º n.º2 do CPC, o tribunal reconheceu o mérito ou valor do documento, não sendo, neste contexto, justificada a sua exclusão, mesmo valendo a tese da recorrente (sublinhe-se que a junção permite ao tribunal superar, tendencialmente, a indagação sobre o regime de forma do contrato de seguro, em princípio determinado pela lei alemã [9]).


Acresce, no caso, que a recorrente nunca indica em que medida os novos documentos condicionavam a sua posição, sendo que, nas suas alegações, nunca discute prova documental (nem, em rigor, qualquer facto), limitando-se a discutir a prescrição, para a qual os documentos juntos são irrelevantes. Documentos, aliás, que se associam essencialmente a factos (relacionados com a propriedade e seguro da viatura acidentada, com os termos do acidente ou com comunicações entre seguradoras) que a recorrente nem sequer impugnou.


Sendo certo que, para situações extremadas, sempre se poderia convocar a boa fé processual, com os inerentes deveres de cooperação e lealdade, mas não se vê que, no caso, tenha sido aquela boa fé posta em causa (mormente atendendo às justificações que a recorrida foi apresentando) - de qualquer modo, seria esta questão que relevaria da má fé processual, e não da admissibilidade da junção do documento.


3. Assim, improcede o recurso.


4. Decaindo no recurso, suporta a recorrente as respectivas custas (art. 527º n.º1 do CPC).


V. Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.


Custas pela recorrente.


Notifique-se.


Sumário (da responsabilidade do relator - art. 663º n.º7 do CPC):


(…)

Datado e assinado electronicamente.

Redigido sem apelo ao Acordo Ortográfico (ressalvando-se os elementos reproduzidos a partir de peças processuais, nos quais se manteve a redacção original).


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1. Quando se aceite que também vale para a prova documental.↩︎

2. No sentido de que não corresponde a acto processual necessário, dependendo antes de avaliação casuística e não vinculada do juiz, e que por isso surge como acto eventual, com que a parte não tem que contar (e ainda que possa eventualmente antecipar essa possibilidade, também não tem que adequar a sua actuação a uma mera possibilidade, a acto futuro e meramente eventual).↩︎

3. A recorrente considera que é o próprio despacho que produz o efeito de «encerrar a instrução». Parece que, mesmo na sua perspectiva, seria mais rigoroso atender à notificação do despacho às partes. De qualquer modo, o que se diz quanto à notificação vale, e por maioria de razão, para o próprio despacho (que antes de notificado constitui um facto ignorado pelas partes).↩︎

4. Ou até nos termos do art. 598º n.º1 do CPC, antecipando a previsível realização de audiência prévia.↩︎

5. O despacho até sugere que bastaria a oposição de uma das partes para se passar à realização da audiência prévia.↩︎

6. A antecipação do conhecimento do mérito assenta na desnecessidade de mais provas, como deriva do art. 595º n.º1 al. b) do CPC (e resulta da lógica da decisão de mérito).↩︎

7. Embora subsista a hipótese residual dos art. 651º e 680º do CPC.↩︎

8. Embora o âmbito deste contraditório seja, na verdade, controvertido.↩︎

9. Entre nós discute-se se o contrato de seguro está sujeito a forma ad probationem.↩︎