Sumário:
I - Não é qualquer lesão que justifica a intromissão na esfera jurídica do requerido com a intimação para se abster de determinada conduta ou com a necessidade de adoptar determinado comportamento ou de sofrer um prejuízo imediato relativamente ao qual não existem garantias de efectiva compensação em casos de injustificado recurso à providência cautelar.
II - Quanto aos prejuízos materiais, o critério deve ser bem mais restrito do que o utilizado quanto à aferição dos danos de natureza física ou moral, uma vez que, em regra, aqueles são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva.
III – Para aferir da “lesão dificilmente reparável”, podemos utilizar um critério subjectivo que atende às possibilidades concretas do requerido para suportar economicamente uma eventual reparação do direito do requerente e um critério objectivo, que reporta a dificuldade da reparação ao tipo de lesão que a situação de perigo pode vir a provocar na esfera jurídica do requerente.
IV - O mero apelo ao alegado tempo que perdurará uma eventual acção a propor não basta para justificar a dificuldade de reparação, pois é concebível o ressarcimento pecuniário.
1 - Relatório.
AA.Lda intentou providência cautelar comum contra BB, requerendo a suspensão do contrato-promessa que a vincula, sem audição da requerida.
Alegou que em 01/10/2024, celebrou com a 1ª Ré um Contrato Promessa de Compra e Venda de um imóvel, pelo preço de € 430.000,00 e em 04/09/2024 pagou a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de reserva, sinal e princípio de pagamento, através de entidade e referência, montante este, que se encontra à guarda da mediadora imobiliária até à conclusão efectiva do negócio.
No âmbito deste contrato Promessa de Compra e Venda, a ora A., com a assinatura do mesmo, pagou a quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros), a título de sinal e princípio de pagamento, mediante transferência bancária, para o IBAN titulado pela parte vendedora. Em 13/10/2024, foi realizada uma reunião no local do imóvel, para a entrega das chaves da fração, o que sucedeu. Foi transmitido pela agente imobiliária à ora A., antes da assinatura do mencionado Contrato Promessa de Compra de Venda, que a A. tinha direito em utilizar a rampa de acesso ao imóvel, facto que, conduziu a que a A., à convicção de que a mencionada rampa que dava acesso ao imóvel faria parte integrante deste. Até porque, perspetivando a ora A., adquirir o imóvel, tinha como intenção fazer do mesmo um armazém, que se subentende que para o efeito, impunha-se a utilização da rampa para carregar e descarregar mercadoria. A ora A., entende ter havido má-fé por parte das RR., na celebração do negócio ao ocultarem elementos essenciais, que permitissem à A., decidir em consciência pela concretização ou não do mesmo.
Mais alegou que, desconhecia haver condomínio constituído e que a promitente vendedora havia solicitado vistoria à Câmara alegando a degradação do imóvel em que a fração se integra, sem que lhe tivesse sido comunicado tal facto, nem que as obras preconizadas pelo Município seriam de € 4 000 000.
Pretende que o contrato-promessa venha a ser anulado por violação por parte das RR., das regras de boa-fé, nos preliminares e na formação do contrato, traduzida na omissão intencional da informação sobre a situação actual da fração, bem assim, quanto aos seus acessos para o que terá proposto ação – cfr. a ação principal.
Para justificar o presente procedimento, em que pede a suspensão do contrato-promessa, alegou que subsequentemente, ao mês de Fevereiro de 2025 estão fixadas outras datas para A. entregar à Primeira R. quantias adicionais.
Conclui que, ao entregar outras quantias à Primeira R., lhe causaria fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito ao ver o negócio declarado anulável.
Foi proferida decisão que indeferiu liminarmente a providência.
Inconformada com esta decisão, a requerente recorreu, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):
«a)O Procedimento Cautelar intentado pelo ora Recorrente foi indeferido liminarmente pelo Tribunal “a quo” por inexistência de alegações quanto a um prejuízo irreparável na esfera da ora Recorrente.
b) O entendimento do Tribunal “a quo” resumiu-se apenas a um facto alegado na Petição Inicial, descorando os demais.
c) No entanto, o que fundamenta o Procedimento Cautelar, consubstancia um conjunto de situações que conduziram a que a ora Recorrente celebrasse um negócio, numa posição de erro na formação da sua vontade, que consequentemente, é suscetível de anulação nos termos dos artigos 247º, 251º e 289º todos do Código Civil.
d) O negócio em questão, respeita à aquisição por parte da ora Recorrente, da fração autónoma designada pela Letra “A”, correspondente à cave e sub-cave, destinada a comércio, sita na Rua ..., com gaveto para a Rua ..., freguesia e concelho de ....
e) A referida fração, encontrava-se a ser promovida, na sua venda, por uma imobiliária (segunda R.), e que aquando da visita à fração, foi transmitido à ora Recorrente, que com a aquisição da dita fração esta tinha o direito à utilização de uma rampa, que embora localizada imediatamente no prédio ao lado, mas que seria esta, também, propriedade da sociedade vendedora, Primeira R., por a mesma dar acesso direto à fração objeto do negócio.
f) A ora Recorrente é uma sociedade comercial que destina a sua atividade à exploração de restaurantes, bares, snack bar, minimercado, comércio e representação de vestuário, acessórios de moda, artigos de retrosaria e calçado, e com a aquisição da referida fração, tinha como objetivo dela fazer armazém.
g) Sendo que, por força desse objetivo, impunha-se a existência de acesso, por viaturas automóveis para que se procedesse a cargas e descargas de mercadorias.
h) Ao ser-lhe concedido o acesso à mencionada rampa, a fração preenchia os pressupostos, para o interesse na aquisição da fração por parte da ora Recorrente.
i) Após a celebração do negócio, entenda-se a assinatura do Contrato Promessa de Compra e Venda, bem como, a entrega da quantia de € 65.000,00 a título de sinal e princípio de pagamento, foi agendada uma reunião para entrega das chaves, onde foi transmitido à ora Recorrente, por parte da promotora de venda, que só teria acesso à rampa durante a execução das obras de adaptação da fração.
j) Também, nesse mesmo dia, foi transmitido à ora Recorrente, por um terceiro (proprietário de diversas frações no prédio), que existia condomínio, e que o sócio da promitente vendedora, na sua pessoa, CC, e em seu nome, havia solicitado à Câmara Municipal de ..., em 28/11/2022, a realização de uma vistoria à fração objeto do contrato, pela existência de um maior incremento do estado de degradação do imóvel.
k) Tendo este, em 21/05/2024, recebido o parecer emitido pela referida Câmara Municipal, que classifica o estado de conservação da fração como “Mau”, resultante de um nível de “anomalias graves”, e que a estrutura da cave e sub-cave se encontra bastante degradada e com falta de manutenção regular, não apresentando por isso, condições de segurança, salubridade e até uma questão de saúde pública, pelo facto dos proprietários não terem diligenciado de modo a garantirem a segurança, salubridade e arranjo estético.
l) A promotora de venda, é casada com o sócio da promitente vendedora, CC, que conhecia a existência deste parecer, e que dolosamente, quis omitir com vista, a que com a concretização da compra e venda da fração, os custos inerentes às obras de reestruturação do edifício e da fração viessem a ser da responsabilidade da ora Recorrente.
m) Da providência cautelar consta os pagamentos a serem feitos pela ora Recorrente a título se reforço de sinal, sendo que o primeiro seria a realizar entre os dias 1 e 8 de Fevereiro de 2025, no valor de € 30.000,00 (trinta mil euros)
n) O Tribunal “a quo”, na decisão que ora se recorre, não atende aos demais factos alegados na Petição Inicial do procedimento cautelar, resumindo a sua decisão ao mencionado reforço de sinal que considera inexistir fundamento para que esse pagamento gerasse um prejuízo irreparável para a ora Recorrente.
o) Ora, salvo o devido respeito, não se poderia estar mais em desacordo com tal entendimento, porquanto, tudo o que se alega na Petição Inicial, são diversos factos que, pelo seu desconhecimento, induziram o ora Recorrente em erro, na declaração da sua vontade negocial, e que, por si só, são suscetíveis de anular o negócio.
p) Tanto mais que, os € 30.000,00 (trinta mil euros) de reforço de sinal a que o Tribuna “a quo” se refere, leva a crer que este não vislumbrou o alcance da questão suscitada.
q) Da cláusula 13º da Petição Inicial e do Contrato de Promessa de Compra e Venda junto à mesma, vêm elencados os sucessivos e regulares pagamentos, que a ora Recorrente teria que liquidar, a título de reforço de sinal e antes da celebração do contrato definitivo.
r) Considerando que a ação principal que sustenta a presente providência cautelar, não terá uma decisão a curto/médio prazo, importa com a presente Providência Cautelar, acautelar não só o não pagamento a efectuar no período de 1 a 8 de Fevereiro de 2025, mas também, as entregas subsequentes que se encontram, minuciosamente, descritas no artigo 13º e no Contrato Promessa de Compra e Venda junto com a Petição Inicial.
s) O Tribunal “a quo”, entende que nada foi alegado quanto a esta questão, para se considerar que estes pagamentos geram um prejuízo irreparável na esfera da ora Recorrente, no entanto, é de conhecimento das Instâncias Judiciais, o uso recorrente de expedientes por sociedades e até por pessoas singulares, para se demitirem das suas responsabilidades financeiras, como é o recurso ao instituto da Insolvência.
t) Ora, sendo a promitente vendedora, uma sociedade comercial sedeada nos EUA, dificilmente se conseguirá apurar a saúde financeira da mesma e, inclusivamente, perder o seu rasto.
u) Mas com efeito ao requerido no Procedimento Cautelar, importa esclarecer, que o prejuízo irreparável na esfera jurídica da ora Recorrente, não se reduz apenas às entregas de quantias monetárias para reforço de sinal.
v) O prejuízo irreparável na esfera jurídica da ora Recorrente, consiste no erro na formação da vontade subjacente à sua declaração negocial, que abrange, não só, os valores monetários a título de reforço de sinal, mas, acima de tudo, a inutilidade da aquisição da fração para o fim a que se destinava, por lhe ser vedado o acesso à rampa.
w) Bem como, a omissão por parte da promitente vendedora do estado de degradação do imóvel, que a mesma tinha conhecimento à data da celebração do negócio, e que dolosamente omitiu.
x) Degradação essa, que implica a realização de obras urgentes e de valor avultado, por se verificar um perigo eminente e até de saúde pública (obras essas que poderão ser realizadas apenas após a concretização definitiva do negócio, se assim a promitente vendedora o entender, considerando toda a má fé já demonstrada), que obrigará, caso não seja suspenso o contrato promessa de compra e venda até decisão final da ação principal, a que a ora Recorrente tenha que dispor, em função da sua permilagem (138,8%) e do valor previsível para a reparação (€ 4.000.000,00), da quantia de cerca de € 555.200,00 (quinhentos e cinquenta e cinco mil e duzentos euros).
y) Assim, somos de entender todos estes factos, que se encontram minuciosamente explanados da Petição Inicial, consubstanciam, claramente, o justo receio de ser gerado um prejuízo irreparável na esfera jurídica da ora Recorrente, não podendo ser cada facto alegado apreciado individualmente.
z) Termos em que, dúvidas não subsistem que, as RR. induziram a ora Recorrente em erro, através de uma conduta artificiosa, omissiva e violadora das regras de boa fé negocial, que conduz a que a ora Recorrente se encontre numa situação de erro aquando da formação da sua vontade, sendo assim o negócio celebrado pelas partes suscetível de anulação, nos termos do artigos 247º, 251º e 289º, todos do Código Civil.
Termos em que, e sempre com o mui Douto suprimento de V. Exas., Venerandos Desembargadores, deve ser concedido provimento ao presente RECURSO, com o que se fará inteira JUSTIÇA.»
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
2 – Objecto do recurso.
Questão a decidir, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões da sua alegação, nos termos do artigo 684.º, n.º 3 do CPC, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso: Saber se se verificam os requisitos do indeferimento liminar do procedimento cautelar comum.
3. Análise do recurso.
A decisão recorrida considerou que, os factos alegados pela requerente não podem subsumir-se ao conceito de lesão dificilmente reparável e por isso, a providência está votada ao insucesso.
A recorrente discorda, argumentando que, alega factualidade bastante para a demonstração "da lesão dificilmente reparável".
Quid juris?
Nos termos do art.º 590.º do CPC, a lei admite o indeferimento liminar da petição inicial nos procedimentos cautelares - à semelhança das acções de que possam depender - "quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente".
E quando é que o pedido é manifestamente improcedente?
“A manifesta improcedência reconduzir-se-á aos casos em que, a tese propugnada pelo autor não tenha possibilidades de ser acolhida, face à lei em vigor e à interpretação que dela façam a doutrina e a jurisprudência”. (Abrantes Geraldes in “Temas da Reforma do Processo Civil”, 2.ª edição, Almedina, página 162)
Há manifesta improcedência quando, perante os factos relatados na petição inicial, se afigura desde logo impossível que o pedido tenha acolhimento.
Foi este o entendimento da decisão recorrida.
E no nosso entender o mesmo é correcto.
Senão vejamos:
Estamos perante um procedimento cautelar comum, (previsto no Artigo 362.º do CPC Âmbito das providências cautelares não especificadas: 1 - Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado. 2 - O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor. 3 - Não são aplicáveis as providências referidas no n.º 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas no capítulo seguinte. 4 - Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado.
Bem como no: Artigo 368.º do CPC Deferimento e substituição da providência
1 - A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.
2 - A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.)
São requisitos (de fundo e de forma) necessários ao decretamento desta providência:
I - Fundado receio;
II - De lesão grave ou dificilmente reparável (ao direito que se pretende fazer valer em acção pendente ou a instaurar);
III - Direito esse a aferir em função da probabilidade séria da respectiva existência;
IV - Desde que o prejuízo resultante de um tal recurso não exceda o dano que, através dele, se pretenda evitar;
V - E não cabimento da possibilidade de recorrer a qualquer outro tipo de providência nominada.
Trata-se de impedir que, durante a pendência de uma acção, a situação de facto se altere, de modo a que, a sentença que vier a ser proferida, se favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se combater o periculum in mora a fim de que a sentença não se torne uma decisão platónica. (vide Antunes Varela in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, página 23)
“O processo cautelar não visa a correcção de situações, mas tão-somente prevenir lesão que venha a ser grave e dificilmente reparável”. (Acórdão da Relação de Évora de 11.06.1987 in BMJ, n.º 368, página 631)
A necessidade da composição provisória inerente ao procedimento cautelar, decorre do prejuízo que a demora na decisão da causa e na composição definitiva provocaria na parte cuja situação jurídica merece ser acautelada ou tutelada e é por isso que, as providências cautelares têm por fim evitar a lesão grave e dificilmente reparável (art.º 381.º, n.º 1 do CPC) proveniente da demora na tutela da situação jurídica ou seja, para obviar ao periculum in mora.
Mas para que haja tutela, o prejuízo tem que ser grave e dificilmente reparável.
“Só lesões graves e dificilmente reparáveis têm a virtualidade de permitir ao Tribunal, mediante iniciativa do interessado, a tomada de uma decisão que o coloque a coberto da previsível lesão”. (Abrantes Geraldes in Temas da Reforma do CPC, volume IV, página 83)
“Quanto aos prejuízos materiais, o critério deve ser bem mais restrito do que o utilizado quanto à aferição dos danos de natureza física ou moral, uma vez que, em regra, aqueles são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva.
Rita Lynce de Faria (in “A função instrumental da tutela cautelar não especificada”, páginas 58 a 64) refere, para o efeito, dois critérios: Um critério subjectivo que atende às possibilidades concretas do requerido para suportar economicamente uma eventual reparação do direito do requerente. E um critério objectivo, que reporta a dificuldade da reparação ao tipo de lesão que a situação de perigo pode vir a provocar na esfera jurídica do requerente. Aquela será dificilmente reparável - ou não - consoante o tipo de reparação de que seja susceptível, necessariamente dependente da natureza do direito lesado.
No caso dos autos, a recorrente alega que, da conjugação dos factos da PI resulta tal requisito, mencionando para o efeito os seguintes argumentos, que passamos a analisar:
-Por um lado, o argumento de que, no contrato, estão previstos sucessivos e regulares pagamentos, a título de reforço de sinal e antes da celebração do contrato definitivo e uma vez que a ação principal que sustenta a presente providência cautelar, não terá uma decisão a curto/médio prazo, impõe-se impedir tais obrigações de pagamento, já que, sendo do conhecimento das Instâncias Judiciais, o uso recorrente de expedientes por sociedades e até por pessoas singulares, para se demitirem das suas responsabilidades financeiras, como é o recurso ao instituto da Insolvência e sendo a promitente vendedora, uma sociedade comercial sedeada nos EUA, dificilmente se conseguirá apurar a saúde financeira da mesma e , inclusivamente, perder o seu rasto gerando um prejuízo irreparável.
- Finalmente, argumenta que o prejuízo irreparável na esfera jurídica da ora Recorrente, consiste no erro na formação da vontade subjacente à sua declaração negocial, que abrange, não só, os valores monetários a título de reforço de sinal, mas, acima de tudo, a inutilidade da aquisição da fração para o fim a que se destinava, por lhe ser vedado o acesso à rampa e a omissão por parte da promitente vendedora do estado de degradação do imóvel, que a mesma tinha conhecimento à data da celebração do negócio, e que dolosamente omitiu, degradação essa, que implica a realização de obras urgentes e de valor avultado, por se verificar um perigo eminente e até de saúde pública (obras essas que poderão ser realizadas apenas após a concretização definitiva do negócio, se assim a promitente vendedora o entender, considerando toda a má fé já demonstrada), que obrigará, caso não seja suspenso o contrato promessa de compra e venda até decisão final da ação principal, a que a ora Recorrente tenha que dispor, em função da sua permilagem (138,8%) e do valor previsível para a reparação (€ 4.000.000,00), da quantia de cerca de € 555.200,00 (quinhentos e cinquenta e cinco mil e duzentos euros).
No nosso entender, o exposto pela recorrente não conduz ao prejuízo grave e dificilmente reparável, que justifique o procedimento cautelar, suspendendo por assim dizer os efeitos do contratualmente estabelecido.
É que estamos no domínio de obrigações entre sociedades, cuja violação poderá dar origem a obrigações de indemnização. No caso, a autora alegou que está obrigada a prestar reforço de sinal de € 30 000 e que isso lhe traz prejuízo.
Ora, este facto não pode ser considerado uma lesão, pois traduz uma mera decorrência do cumprimento do contrato celebrado, enquanto estiver em vigor.
Com efeito, o facto de uma sociedade dispor de € 30 000 ou não dispor dessa quantia e sujeitar-se a possíveis consequências por via de eventual incumprimento, não gera sem mais um dano dificilmente reparável.
Por um lado, são invocados prejuízos materiais, mas não é alegada qualquer impossibilidade de ressarcimento, através da reconstituição natural ou da indemnização correspondente.
Da análise do requerimento inicial, resulta, desde logo, que a requerente não pretende assegurar a efectividade (futura) do seu direito, mas efectivá-lo desde já, ou seja, alcançar já o resultado que alcançaria com a acção principal.
E do alegado não se extrai a dificuldade de reparação.
Desde logo, não se vislumbra por que razão não poderá a requerente vir a ser indemnizada.
Ou seja, considerando um critério subjectivo, verificamos que, nada se mostra alegado quanto à possibilidade ou impossibilidade concreta da requerida suportar economicamente uma eventual reparação do alegado direito violado.
Não basta para o efeito, o receio de uma possível insolvência considerando uma eventualidade decorrente de uma interpretação das tendências do mercado.
Também de acordo com um critério objectivo, chegamos à mesma conclusão, pois nada é alegado quanto à dificuldade da reconstituição da situação anterior ao alegado prejuízo. Trata-se de perdas indemnizáveis em termos pecuniários, pois não há factos concretos que configurem um desvalor diferente do estritamente económico.
Ao contrário do que defende a recorrente, o mero apelo ao alegado tempo que perdurará uma eventual acção a propor não basta para justificar tal dificuldade (o tempo valerá dinheiro).
Em suma:
Não foram alegados factos concretos reveladores de que a demora da acção principal lhe provocaria justo receio de não conseguir a reconstituição da situação anterior ao alegado prejuízo uma indemnização (critério objectivo) ou a satisfação da indemnização subjacente ao alegado prejuízo (critério subjectivo), tal como exige o art.º 362.º, n.º 1 do CPC.
A omissão dessa alegação justifica o indeferimento liminar do requerimento inicial.
Como refere a decisão recorrida, ainda que resultasse provada toda a matéria de facto alegada, não seria possível concluir pela verificação de um dos requisitos previstos no disposto no art.º 362.º do CPC, não podendo assim concluir-se pelo fundado receio de lesão dificilmente reparável, o qual é também pressuposto do decretamento da providência requerida, pelo que sempre seria julgada improcedente.
Desta forma, improcede o recurso.
Sumário:
(…)
4 - Dispositivo.
Pelo exposto acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Évora, 13.03.2019