REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
UNIÃO EUROPEIA
DINAMARCA
DECISÃO ADMINISTRATIVA
DIVÓRCIO
Sumário

Sumário:
I. Tanto no âmbito do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de novembro, vigente à data dos factos, como no âmbito do Regulamento (UE) n.º 1111/2019, de 25 de junho, actualmente em vigor, a Dinamarca não participou na sua aprovação e declarou expressamente não ficar a eles vinculada nem sujeita à sua aplicação (considerandos 31 e 96, respectivamente), significando isto que as decisões proferidas nesse país, apesar de se tratar de Estado-Membro da União Europeia, não são reconhecidas nos outros Estados-Membros sem quaisquer formalidades.

II. Em consequência, no caso concreto em apreciação, a decisão proferida na Dinamarca que decretou o divórcio dos Requerentes necessita de ser revista e confirmada para ter eficácia em Portugal, através do processo especial de revisão de sentenças estrangeiras, nos termos do disposto nos artigos 978.º e ss., do CPC, por isso, os Requerentes têm interesse processual ou interesse em agir.

III. Considerando que o direito vigente na Dinamarca atribui competência à administração estadual para a dissolução do casamento, por divórcio, a requerimento de ambos os cônjuges, a decisão ali proferida pelo Governo Civil deve ser equiparada a uma decisão sobre direitos privados, abrangida pela previsão do art. 978.º do Código de Processo Civil, por isso, é suscetível de revisão e confirmação para produzir efeitos em Portugal.

Texto Integral

*

*

Processo n.º 3/25.2YREVR

(1.ª Secção Cível)

Relator: Filipe César Osório

1.ª Adjunta: Susana Ferrão da Costa Cabral

2.º Adjunto: Ricardo Manuel Neto Miranda Peixoto

*


*


ACORDÃO NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


*


I. RELATÓRIO


Processo Especial de Revisão de Sentença Estrangeira


Requerentes – AA, natural da freguesia de ..., concelho de ..., portadora do cartão de cidadão n.º ..., válido até .../.../2031 e emitido pela República Portuguesa, C.F. nº ..., residente em ..., e BB, natural de ..., portador do passaporte n.º ..., emitido em ........2023 e válido até ........2033 pelas Autoridades Competentes da Dinamarca, residente em ....


*


Objecto do litígio – Revisão e confirmação de sentença proferida pelo Governo Civil da Dinamarca que decretou o divórcio dos Requerentes para que a mesma possa produzir em Portugal todos os seus efeitos legais.


Suscitada pelo Ministério Público a excepção dilatória inominada de falta de interesse em agir com fundamento essencialmente na circunstância da Dinamarca fazer parte da União Europeia e a sobredita decisão ter sido proferida no âmbito da vigência do Regulamento(CE) n.º 2201/2003, de 27 de novembro, cujo art. 21.º, n.º 1, dispõe que as decisões proferidas num Estado-Membro são reconhecidas nos outros Estados-Membros, sem quaisquer formalidades, e que, em particular, sem prejuízo do disposto no n.º 3, do mesmo preceito, não é exigível nenhuma formalidade para a atualização dos registos do estado civil de um Estado-Membro com base numa decisão de divórcio, separação ou anulação do casamento, proferida noutro Estado-Membro e da qual já não caiba recurso, segundo a legislação desse Estado-Membro.


Cumprido o contraditório, os Requerentes pugnaram pela improcedência da excepção dilatória invocada, alegando essencialmente que a Dinamarca não participa na aprovação do Regulamento em causa e por isso não fica vinculada nem sujeita à sua aplicação por isso têm interesse em agir na presente acção para reconhecimento da decisão que decretou o divórcio.


*


Saneamento:


– O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, do território e da hierarquia.


– Requerente e Requerido são dotados de personalidade e capacidade judiciárias, de legitimidade ad causam.


– Não há vícios de patrocínio.


*


– Da invocada excepção dilatória inominada de falta de interesse em agir:


A figura do interesse processual tem tido um percurso conturbado na dogmática portuguesa, não obstante atualmente a sua configuração como pressuposto processual seja maioritária na doutrina e unívoca nos Tribunais Superiores. Com efeito, para Castro Mendes1 e Rui Pinto2 não é um pressuposto processual, para Manuel de Andrade3 seria apenas uma condição de acção, mas o entendimento dominante é, o de que o interesse na demanda é um pressuposto processual, resultando a carência de tutela judicial na inadmissibilidade da ação deduzida. Na Itália o interesse em agir vem expressamente previsto no art. 100.º do Codice di Procedura Civile, enquanto pressuposto processual relativo à necessidade de tutela jurisdicional4.


Em Portugal, o interesse processual (rectius, a falta dele) não consta do rol das exceções dilatórias (art. 577.º) nem, a despeito da sua configuração como pressuposto processual relativo às partes, é expressamente referido no Título III do CPC. No entanto, é apodítico que o catálogo do art. 577.º é meramente exemplificativo (“entre outras”), não contendo uma enumeração exaustiva das condições de admissibilidade da instância cível. Por outro lado, a proibição de ações inúteis aparenta ser um afloramento – uma concretização a fortiori, se se quiser – da regra da proibição de atos inúteis (art. 130.º): se se proíbe a prática de atos inúteis, por maioria de razão se haverá de proibir ações que, mesmo julgadas procedentes, não são aptas a despoletar qualquer vantagem objetivamente apreciável para o seu autor5.


“O interesse processual consiste na necessidade de usar o processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção. Chamam-lhe os autores italianos interesse em agir e dá-lhe a doutrina germânica, com maior propriedade, o nome de necessidade de tutela judiciária (Rechtsshutzbedürfnis). O autor tem interesse processual, quando a situação de carência, em que se encontre, necessite da intervenção dos tribunais”6.


Na jurisprudência tem sido pacífico o reconhecimento deste pressuposto processual, não obstante a falta de consagração expressa no Código de Processo Civil. A título exemplificativo, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/11/2013 (Ana Azeredo Coelho, proc. n.º 1303/12.7 TVLSB.L2-67), onde se sumariou o seguinte:


I) O interesse em agir enquanto pressuposto processual em causa deve ser analisado à luz dos princípios constitucionais do acesso ao direito e à justiça, quanto à sua consagração e quanto à sua limitação.


II) O acesso ao direito e à justiça implica uma visão necessariamente restrita do interesse processual enquanto implica o direito de expor as suas pretensões em sede judicial e de obter apreciação e decisão sobre elas.


III) O mesmo princípio impõe, dada a natureza escassa dos recursos, a delimitação de tal direito pela necessidade de mobilização dos órgãos jurisdicionais já que a mobilização acrítica e sem interesse constitui um desvio de recursos que os fará faltar a quem deles necessita.


IV) O interesse em agir consiste na necessidade e utilidade da demanda considerado o sistema jurídico aplicável às pretensões invocadas e a sua verificação basta-se com a necessidade razoável do recurso à acção judicial.


Nesta sequência, a falta de interesse em agir ou a falta de interesse processual configura um pressuposto processual e como tal uma excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso, cuja sanção, consoante os casos, é o indeferimento liminar ou a absolvição da instância (cfr. artigos 278.º, n.º 1, al. e), 576.º, n.º 2, 577.º e 590.º, do CPC).


E o referido regime é de igual modo aplicável aos processos especiais, como o caso do processo especial de revisão de sentenças estrangeiras (cfr. artigos 978.º, e ss., do CPC), por força do disposto no art. 549.º, n.º 1, do CPC.


Ora, no caso concreto em apreciação os Requerentes pretendem a revisão de decisão do Governo Civil de ..., Dinamarca, proferida em 27 de Abril de 2016, já transitada em julgado, em que foi decretado o divórcio e, assim, dissolvido o casamento que haviam celebrado os Requerentes AA e BB no dia ... de ... de 1986, na Dinamarca, encontrando-se o casamento registado na Conservatória do Registo Civil de ..., sob o Assento nº ...62, do ano de 2016.


Nos termos do disposto no art. 978.º, n.º 1, do Código de Processo Civil Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada.


A Dinamarca faz parte da União Europeia e a decisão de que se pretende a revisão foi proferida no âmbito da vigência do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de novembro (relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental), cujo art. 21.º, n.º 1, dispõe que as decisões proferidas num Estado-Membro são reconhecidas nos outros Estados-Membros, sem quaisquer formalidades, e que, em particular, sem prejuízo do disposto no n.º 3, do mesmo preceito, não é exigível nenhuma formalidade para a atualização dos registos do estado civil de um Estado-Membro com base numa decisão de divórcio, separação ou anulação do casamento, proferida noutro Estado-Membro e da qual já não caiba recurso, segundo a legislação desse Estado-Membro.


Nesta perspectiva, por força da aplicação da norma, em princípio, a decisão proferida na Dinamarca, desnecessitaria de ser revista para ser reconhecida em qualquer outro Estado-Membro e, assim, ocorreria a invocada falta de interesse em agir.


Em situação semelhante se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 18/05/2022 (Tomé de Carvalho, proc. n.º 55/22.7YREVR, www.dgsi.pt8) As sentenças proferidas pelo Supremo Tribunal do Reino Unido em momento anterior ao do BREXIT são reconhecidas nos outros Estados-Membros sem quaisquer formalidades e uma decisão proferida num Estado-Membro que aí tenha força executória pode ser executada noutro Estado-Membro sem que seja necessária qualquer declaração de executoriedade, tal como resulta da letra dos artigos 36.º e 39.º do Regulamento 1215/12.


E de igual modo se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/11/2022 (Ana de Azeredo Coelho, proc. n.º 2884/22.2YRLSB-6, www.dgsi.pt), onde se sumariou o seguinte:


I) As decisões de tribunais do Reino Unido proferidas em data anterior a 1 de Janeiro de 2021 são reconhecidas nos Estados Membros da União sem formalidades.


II) Pedida a revisão de decisão anterior a essa data, verifica-se a excepção dilatória inominada de falta de interesse em agir.


Contudo, no caso concreto em apreciação, tratando-se da Dinamarca constata-se que este país não aprovou o regulamento em causa.


Com efeito, no considerando 31 do referido Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de novembro, consta o seguinte:


«(31) A Dinamarca, nos termos dos artigos 1.º e 2.º do protocolo relativo à posição da Dinamarca anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado que institui a Comunidade Europeia, não participa na aprovação do presente regulamento e, por conseguinte, não lhe fica vinculada nem sujeita à sua aplicação.».


E o mesmo acontece actualmente, já no âmbito da vigência do Regulamento (UE) n.º 1111/2019, de 25 de junho (relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de crianças), que revogou o Regulamento (CE) n.º 2201/2003 e que no seu considerando 96 consta o seguinte:


«(96) Nos termos dos artigos 1.º e 2.º do Protocolo n.º 22 relativo à posição da Dinamarca, anexo ao TUE e ao TFUE, a Dinamarca não participa na adoção do presente regulamento e não fica a ele vinculada nem sujeita à sua aplicação.”


Deste modo, tanto no âmbito do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de novembro, vigente à data dos factos, como no âmbito do Regulamento (UE) n.º 1111/2019, de 25 de junho, actualmente em vigor, a Dinamarca não participou na sua aprovação e declarou expressamente não ficar a eles vinculada nem sujeita à sua aplicação (considerandos 31 e 96, respectivamente), significando isto que as decisões proferidas nesse país, apesar de se tratar de Estado-Membro da União Europeia, não são reconhecidas nos outros Estados-Membros sem quaisquer formalidades.


Em consequência disso, no caso concreto em apreciação, a decisão proferida na Dinamarca que decretou o divórcio dos Requerentes necessita de ser revista e confirmada para ter eficácia em Portugal, através do processo especial de revisão de sentenças estrangeiras, nos termos do disposto nos artigos 978.º e ss., do CPC, por isso, os Requerentes têm interesse processual ou interesse em agir.


Improcedendo assim a invocada verificação da excepção dilatória de falta de interesse em agir.


*


– Inexistem nulidades, questões prévias ou outras excepções de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.


*


Questão a decidir – Saber se estão verificados os pressupostos para confirmar e rever a sentença de divórcio proferida na Dinamarca.

*

II. FUNDAMENTAÇÃO


A. FACTOS PROVADOS:


Resultam provados os seguintes factos:

1. Requerente e o Requerido casaram um com o outro, no regime da comunhão de adquiridos, na Câmara Municipal de ..., Dinamarca, no dia ... de ... de 1986, sem convenção antenupcial .

2. Encontrando-se o casamento registado na Conservatória do Registo Civil de ..., sob o Assento nº ...62, do ano de 2016.

3. Por decisão do Governo Civil de ..., Dinamarca, proferida em 27 de Abril de 2016, já transitada em julgado, foi decretado o divórcio e dissolvido o casamento que haviam celebrado os Requerentes AA.

*

B. FACTOS NÃO PROVADOS


Não existem.


*


C. MOTIVAÇÃO


Os factos provados acima descritos resultaram do teor objectivo dos seguintes documentos, que fazem prova plena dos mesmos:


- Assento de Casamento n.º ...62 do ano de 2016, na Conservatória do Registo Civil de ... (doc. 1);


- Certidão de Divórcio e respectiva tradução para a língua portuguesa (doc. n.º 2).

*

D. ENQUADRAMENTO JURÍDICO


A única questão jurídica que importa dilucidar é a da verificação dos requisitos legais de que depende a revisão e confirmação da sentença estrangeira apresentada.


O sistema português de revisão de sentenças estrangeiras assenta no sistema de delibação, isto é, de revisão meramente formal, o que significa que o Tribunal, em princípio, se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma, não conhecendo do fundo ou mérito da causa. Desde que o Tribunal nacional se certifique de que tem perante si uma verdadeira sentença estrangeira, deve reconhecer-lhe os efeitos típicos das decisões judiciais – cfr. José Alberto dos Reis, Processos Especiais, volume II – Reimpressão, 1982, pág. 141; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2011 (Paulo Sá, processo n.º 987/10.5YRLSB.S1 em www.dgsi.pt).


O art. 980.º, do C.P.C., estabelece os requisitos necessários para a confirmação de sentença estrangeira, e que são os seguintes:


– Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença, nem sobre a inteligência da decisão;


– Que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida;


– Que provenha do Tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos Tribunais portugueses;


– Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a Tribunal português, excepto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição;


– Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do país do Tribunal de origem e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;


– Que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios de ordem pública internacional do Estado Português.


No caso dos autos, não se suscitam dúvidas sobre a autenticidade dos documentos apresentados, nem sobre a compatibilidade da decisão com os princípios vigentes na ordem jurídica interna, verificando-se deste modo os requisitos previstos nas alíneas a) a f) do art.º 980.º supra enunciado.


Na Dinamarca é atribuída competência ao Governo Civil (administração estadual) para a dissolução do casamento, por divórcio, a requerimento de ambos os cônjuges, nos termos do disposto no art. 37.º, da Lei 1818 de 23/12/20159, vigente à data dos factos.


Nesta sequência, segundo o direito interno da Dinamarca, é admissível a dissolução do casamento, a requerimento de ambos os cônjuges, dirigido à administração estadual.


No caso concreto em apreciação, é precisamente essa a realidade retratada nos documentos juntos aos autos pelos Requerentes, não se suscitando dúvidas quanto à sua autenticidade, nem sobre a inteligência do seu conteúdo.


No Acórdão da Relação de Lisboa de 27.01.2022 (Jorge Leal, proc. n.º 2674/21.0YRLSB-2), referiu-se que “a circunstância de a autoridade administrativa não emitir uma vontade de produção de efeitos jurídicos de regulação do interesse privado em questão não retira ao acto em causa a natureza de decisão, para os efeitos da pretendida revisão. O que releva é que essa intervenção constitua requisito e fonte da produção dos desejados efeitos jurídicos no ordenamento jurídico estrangeiro, o que se pretende que ocorra também no ordenamento jurídico português.”.


Por sua vez, o controlo feito pelo Governo Civil da verificação dos requisitos de que depende o divórcio por mútuo consentimento, de acordo com aquele regime, consubstancia a intervenção de uma entidade administrativa que cauciona o acto de divórcio, ao qual são atribuídos efeitos pela ordem jurídica dinamarquesa.


A certidão de divórcio, à luz das apontadas normas, controlável pelo Governo Civil e por este assinada deve ser equiparada à decisão jurisdicional:


A este propósito se decidiu em situação semelhante, em caso atinente ao direito brasileiro, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/07/2022 (Ferreira Lopes, processo n.º 2201/21.9YRLSB-A.S1-7.ª Secção, Sumários do STJ) considerou o seguinte “A escritura pública, prevista no art. 733.º do CPC brasileiro, através da qual se pode realizar o divórcio consensual dos cônjuges, com fundamento em separação de facto por mais de dois anos, previsto no art. 1580.º, parágrafo 2.º, do CC Brasileiro, consubstancia uma decisão administrativa que deve ser equiparada a uma decisão sobre direitos privados, abrangida pela previsão do art. 978.º do CPC, carecendo, por isso, de revisão para produzir efeitos em Portugal”.


Acresce que a decisão estrangeira objecto de apreciação já transitou em julgado e do procedimento em causa não consta qualquer elemento donde se possa retirar a existência de uma situação de litispendência ou de caso julgado, com fundamento em causa afecta a um Tribunal português, nem que não tenham sido cumpridos os princípios do contraditório e da igualdade das partes.


De igual modo, nada nos permite concluir que a decisão, cuja confirmação é pretendida, provenha de entidade cuja competência tenha sido provocada em fraude à lei.


De notar também que a matéria sobre a qual a decisão versa não é da exclusiva competência dos Tribunais portugueses – cfr. art. 63.º, do CPC.


Sublinhando-se que não foi posta em causa a ordem pública internacional do Estado português, conclui-se pela verificação de todos os pressupostos necessários para que a decisão que decretou o divórcio entre os requerentes, possa ter eficácia em Portugal, ao abrigo do disposto no art. 980.º, do CPC.


Em síntese – Considerando que o direito vigente na Dinamarca atribui competência à administração estadual para a dissolução do casamento, por divórcio, a requerimento de ambos os cônjuges, a decisão ali proferida pelo Governo Civil deve ser equiparada a uma decisão sobre direitos privados, abrangida pela previsão do art. 978.º do Código de Processo Civil, por isso, é suscetível de revisão e confirmação para produzir efeitos em Portugal.

*

III. DISPOSITIVO


Nos termos e fundamentos expostos,


- Acordam os Juízes na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar a presente acção totalmente procedente e, em consequência,


- Conceder a revisão da decisão proferida pelo Governo Civil de ..., Dinamarca, em 27 de Abril de 2016, já transitada em julgado, que decretou o divórcio e dissolveu o casamento que haviam celebrado os Requerentes AA, que assim se confirma.


- Valor da causa: €30.000,01 (artigos 296.º e 303.º, n.º 1, do CPC, e 44.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto).


- Custas pelos requerentes.


- Registe e notifique.


- Após trânsito, cumpra o disposto nos artigos 7.º, n.º 2 e 78.º, n.º 1 e 2 do Código de Registo Civil.

*

Évora, data e assinatura certificadas

Relator: Filipe César Osório

1.ª Adjunta: Susana Ferrão da Costa Cabral

2.º Adjunto: Ricardo Manuel Neto Miranda Peixoto

1. CASTRO MENDES, João de, Direito Processual Civil, Vol. II, cit., pp. 232 e ss., citado por Bessa de Melo, Daniel, O interesse em agir no processo cível. Em especial, nas ações de simples apreciação, Julgar Online, dezembro de 2021, pág. 5.↩︎

2. PINTO, Rui, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, pp. 119-120 e 128 e ss., citado por Bessa de Melo, Daniel, O interesse em agir no processo cível. Em especial, nas ações de simples apreciação, Julgar Online, dezembro de 2021, pág. 5.↩︎

3. ANDRADE, Manuel de, Noções Elementares de Processo Civil, reimp., Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pág. 82, citado por Bessa de Melo, Daniel, O interesse em agir no processo cível. Em especial, nas ações de simples apreciação, Julgar Online, dezembro de 2021, pág. 5.↩︎

4. Bessa de Melo, Daniel, O interesse em agir no processo cível. Em especial, nas ações de simples apreciação, Julgar Online, dezembro de 2021, pág. 5.↩︎

5. Bessa de Melo, Daniel, ob cit., pág. 6.↩︎

6. ANTUNES VARELA, João de Matos, BEZERRA, J. Miguel, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1985, pág. 179-180.↩︎

7. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/7aa9f0e2cea6519780257c51003319f6↩︎

8. https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/50ee9f417255e87080258859002f79fd?OpenDocument↩︎

9. https://www.retsinformation.dk/eli/lta/2018/54↩︎