COMODATO
PACTO DE OPÇÃO
FORMALIDADES AD SUBSTANTIAM
ABUSO DE DIREITO
Sumário

Sumário do Acórdão
(Da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663º, nº 7, do CPC)
1. O contrato de comodato é o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir, tendo como requisitos essenciais a temporalidade, a gratuitidade e a obrigação de restituição da coisa comodatada;
2. O contrato/pacto de opção é uma convenção que tem como efeito atribuir um direito potestativo à formação de um outro contrato (o contrato optativo).
3. O contrato de opção que respeite a compra de coisa imóvel tem de revestir a forma exigida para o contrato cuja formação se trate, constituindo tal exigência uma formalidade ad substantiam.
4. Em face do circunstancialismo fáctico concreto demonstrado nos autos a invocação pelo Apelado da nulidade por inobservância de forma especial do contrato de opção não configura actuação em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.

Texto Integral

Proc. nº 1194/22.0T8EVR.E1

Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre


Juízo Central Cível e Criminal de Portalegre


Apelante: Clube de Tiro de Sousel


Apelada: Município de Sousel


***


Acordam os Juízes na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte:


I – RELATÓRIO


1. CLUBE DE TIRO DE SOUSEL instaurou a presente ação declarativa condenatória, com processo comum contra o MUNICÍPIO DE SOUSEL, pessoa coletiva de direito público, pedindo o seguinte:


- que fosse “proferida sentença que substitua a declaração negocial do Réu, declarando que vende ao Autor o prédio urbano em propriedade total sem andares nem divisões, de utilização independente, sito no Poço do Vieira, Sousel, inscrito, na matriz predial urbana da freguesia de Sousel, concelho de Sousel, sob o artigo nº1514 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sousel, sob a descrição 1696, pelo valor declarado no pacto de opção, operando-se a transmissão para o Autor da propriedade do referido imóvel”;


- e que fosse “proferida sentença que substitua a declaração negocial do Réu, declarando que vende ao Autor o prédio rústico, denominado Olival ao poço dos Vieiras, sito no Poço do Vieira, Sousel, inscrito, na matriz predial rustica da freguesia de Sousel, concelho de Sousel, sob o artigo 87, secção M e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sousel sob a descrição 1696, pelo valor declarado no pacto de opção, operando-se a transmissão para o Autor da propriedade do referido imóvel”.


Para o efeito o Autor alegou, em síntese, ser o Réu o atual proprietário do prédio cuja parte urbana lhe foi entregue, em 2004, através de contrato de arrendamento outorgado pelos anteriores proprietários desse prédio, acrescentando que em Novembro de 2011 tal prédio foi adquirido pelo Réu, o qual passou a ocupar a posição contratual de senhorio, tendo a aquisição do prédio pelo Réu o “propósito de o manter afeto à atividade e aos fins estatutários do Autor e de o transmitir a este no futuro”, porque este já havia “ponderado a aquisição do referido prédio, não possuindo, porém, todavia, capacidade financeira para suportar o valor da aquisição do prédio juntamente com os custos relativos às inúmeras obras de conservação urgentes de que o prédio urbano carecia” razão, pela qual, atendendo à natureza do objeto e à atividade do Autor, o negócio serviria o interesse associativo e coletivo do concelho.


Mais alegou que, dado o referido interesse, aquele prédio seria mantido na posse e afeto à atividade do Autor, mediante um contrato de comodato, com a possibilidade e garantia de o prédio ser adquirido por si no futuro, desse modo se salvaguardando os investimentos feitos por si no prédio.


Esclareceu ainda que o dito contrato de comodato foi celebrado em Fevereiro de 2013, pelo período de 20 anos, contendo o mesmo uma cláusula com a seguinte redacção:


“após ter decorrido 1/5 de tempo previsto no comodato, pode o segundo outorgante exercer opção de compra do imóvel ora comodatado pelo valor pago pela Câmara Municipal de Sousel no momento da aquisição, acrescido da taxa de inflação entretanto ocorrida em cada um dos anos até ao ano imediatamente anterior à opção de compra”.


Rematou a sua alegação dizendo que decorrido o aludido prazo de 4 anos, remeteu ao Réu, em Novembro de 2021, uma missiva na qual lhe comunicou o exercício do direito de opção, solicitando o cálculo do valor a pagar para a aquisição, tendo o Réu respondido através de um ofício recusando a celebração do contrato de compra e venda, por entender suscitarem-se “reservas” quanto ao direito de opção reconhecido em sede contratual.


O Réu contestou a acção, arguindo a exceção da incompetência absoluta dos tribunais judiciais em razão da matéria, considerando ser materialmente competente para apreciar e decidir a causa os tribunais administrativos e fiscais, suscitou a nulidade do contrato de comodato, alegando ser ilegal a cláusula de opção de compra nele inserida.


O Autor respondeu às excepções pugnando pela sua improcedência e invocou o abuso de direito por parte do Autor na modalidade de venire contra factum proprium.


O Réu respondeu pugnando pela improcedência do invocado abuso de direito


Por despacho de 29/12/2022, a primeira instância julgou improcedente a exceção


dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria dos tribunais da jurisdição


comum, que o réu havia invocado e procedente a excepção dilatória de incompetência relativa de competência em razão do território considerando competente o Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre.


Inconformado, o Réu interpôs recurso de apelação da decisão sobre a incompetência absoluta, tendo essa decisão sido confirmada por acórdão de 12/07/2023 proferido por este Tribunal da Relação de Évora e subsequentemente por acórdão de 31/01/2024 prolatado pelo Supremo Tribunal de Justiça para onde ainda recorreu de revista o Réu do aludido acórdão proferido neste Tribunal da Relação de Évora.


Os autos baixaram ao Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre onde foi proferido despacho saneador-sentença em 06/06/2024 constando do respectivo dispositivo o seguinte:


“VI – DECISÃO


Nos termos acima exposto, o Tribunal julga a presente acção totalmente improcedente e, em consequência decide:


a) Declarar a nulidade da cláusula quinta, aposta no contrato celebrado entre o autor Clube de Tiro de Sousel e o réu Município de Sousel, em 17 de Fevereiro de 2013, nos termos do disposto no art. 220.º do C.C.


b) Absolver o réu dos pedidos formulados pelo autor.


Custas da acção a cargo do autor.”


*


Irresignado com o resultado da sentença proferida veio o Autor apresentar requerimento de recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Évora, o qual mereceu resposta da parte contrária, na qual a mesma pugnou pela improcedência do aludido recurso.


O recurso em apreço foi admitido no Tribunal recorrido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.


Tendo os autos subido a este Tribunal Superior foi proferido despacho pelo relator convidando o Recorrente a aperfeiçoar o segmento de conclusões recursivas designadamente sintetizando as mesmas, a que o mesmo anuiu apresentando as seguintes conclusões aperfeiçoadas.


CONCLUSÕES

A. A. O presente recurso tem como objeto a decisão do Tribunal a quo que decidiu julgar improcedente a ação, declarando a nulidade da cláusula quinta do contrato de comodato celebrado entre as partes em 17 de Fevereiro de 2013 e julgando improcedente o abuso de direito do recorrido quanto à inovação da nulidade da referida cláusula.

A. B. Com o presente recurso, o ora recorrente pretende impugnar a decisão de mérito, contrariando a solução jurídica e a aplicação do direito aos factos, realizada pelo douto Tribunal a quo.

C. Entendeu o douto tribunal a quo que o pacto de opção que corresponde à dita cláusula quinta do contrato era nulo, por inobservância da forma legalmente prescrita.

D. O pacto de opção ou contrato de opção não se encontra previsto na nossa Lei enquanto contrato tipo, sendo, por isso, um contrato atípico.

E. A regra geral do direito civil Português é a liberdade de forma, isto é, a validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a Lei o exigir (Art.º219.º do Código Civil).

F. A regra da consensualidade ou do formalismo vale para os contratos típicos, não se encontrando na Lei civil qualquer norma especifica que regule a forma que devem observar os contratos atípicos.

G. Não obstante a atipicidade do contrato de opção, é entendimento da doutrina que, ainda assim, estes devem observar exigências de forma quando os seus efeitos constituam direitos sobre bens imóveis (Art.º80.º nº1 do Código do Notariado e Art.º875.º do Código Civil).

H. Salvo o devido respeito, a cláusula optativa aposta no contrato de comodado identificado nos autos não constitui qualquer direito sobre o imóvel comodato, pelo que jamais se lhe aplicaria qualquer exigência de forma.

I. Embora estando em causa um bem imóvel, nenhum direito real se constituiu sobre o mesmo, o que apenas sucederá quando for celebrada a escritura publica do contrato optativo.

J. Efetivamente, a pré-existente vinculação do concedente não satisfaz, por si só, a indispensável formalização/concretização do contrato de compra e venda do imóvel, com a inerente transmissão de propriedade (entrega do bem e pagamento do preço), sendo a aceitação do beneficiário insuficiente, nestas condições, à perfeição do negócio.

A. K. Através do contrato opção não se constituiu qualquer direito real, pelo que não se encontra este sujeito a qualquer forma especial por aplicação do Art.º 875.º do Código Civil e Art.º80.º nº1 do Código do Notariado.

L. Será, pois, inexigível a observância de forma especial para um contrato com o argumento da sua perfeição, quando os efeitos apenas se produzem tão só e apenas com a formalização do contrato optativo que se celebrará posteriormente.

M. A tese sufragada mostra-se reforçada pela necessidade do recurso à execução especifica (Art.º830.º do Código Civil) para se obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do vinculado à venda.

N. Acaso se considerasse o contrato de opção concluído – com o exercício do direito potestativo por parte do beneficiário – nada haveria a suprir por parte do Tribunal, pois não estaríamos perante o incumprimento do contrato de opção, mas sim do contrato optativo, havendo de se exigir a entrega da coisa por intermédio de um meio judicial próprio.

O. No caso do incumprimento do concedente (vinculado à venda) haverá sempre a necessidade de suprir judicialmente a declaração negocial deste ou, melhor dizendo, a forma legal para emissão da sua declaração.

P. A exigência da intervenção judicial para concretização do negócio em caso de incumprimento por parte do faltoso vinculado à venda demonstra claramente que os efeitos do negócio apenas de alcançam com o contrato optativo e não com o contrato opção.

Q. Acresce, ainda, que o contrato de opção é uma figura próxima de outros contratos típicos, nomeadamente da promessa unilateral (Art.º410.º do Código Civil) para os quais a lei não exige que seja celebrado por escritura publica ou documento particular autenticado.

R. Sendo a promessa unilateral uma figura afim do contrato de opção, tipificada na Lei, com um regime essencialmente idêntico e em relação à qual a Lei apenas exige forma escrita, carece de sentido que se exija ao contrato de opção a observância de outra forma legal reforçada.

A. S. O douto Tribunal a quo decidiu mal, declarando a nulidade da clausula de opção por inobservância da forma legalmente prescrita, violando, assim, o disposto nos Art.º 219.º, 220.º, 875.º e 879.º do Código Civil).

T. Também decidiu mal o douto Tribunal a quo julgando improcedente a alegação do abuso de direito quanto à invocação da nulidade da cláusula de opção por parte do recorrente.

U. Considerou o douto tribunal a quo que o recorrido prossegue interesses públicos e de proteção dos direitos dos cidadãos, sendo a atribuição da sua presidência sujeita a eleições democráticas periódicas, conducentes a eventuais transições da titularidade e, nesse contexto, competia ao recorrente diligenciar pela formalização do pacto de opção através da forma legalmente prescrita.

V. A tese do douto Tribunal a quo quanto às transições da sua presidência militaria a favor da tese do abuso de direito, pois o contrato e a respetiva cláusula não terão deixado de ser analisados por diferentes titulares que mantiveram a situação intacta, reforçando a confiança na sua legalidade e cumprimento.

W. De entre as vertentes do abuso do direito destaca-se a denominada «venire contra factum proprium», a qual se inscreve no contexto da violação do princípio da confiança, que sucede quando uma parte adota uma conduta inconciliável com as expectativas adquiridas pela contraparte, em função do modo como antes atuara.

X. O recorrido adquiriu os prédios identificados nos autos, tendo posteriormente negociado e celebrado um contrato de comodato com o recorrente, no qual estabeleceram uma cláusula de opção de compra dos imóveis após o decurso de 1/5 do tempo previsto no contrato, garantindo ao recorrente a possibilidade de este ser proprietário dos prédios se assim o entendesse.

Y. O recorrido adquirira os prédios com o objetivo de os destinar à atividade do recorrente, o que reforçou a confiança de que o recorrido iria honrar a cláusula de opção de compra e garantir que o recorrente seria o proprietário dos prédios.

Z. Consequentemente, o recorrente, de boa-fé e confiante que poderia adquirir os prédios comodatados, realizou diversas obras de requalificação e conservação dos prédios, a realização das quais tinha subjacente a legitima expectativa de ser proprietário, pois se assim não fosse jamais as teria realizado.


AA. Ora, invocando o recorrido a nulidade da cláusula de opção de compra defraudou a confiança de que iria cumprir o contrato e a expectativa do recorrente de que iria ser proprietário dos prédios e, que, por via de tal confiança, realizara um investimento avultado nos mesmos.

A. BB. A cláusula de opção aposta no contrato era uma consequência natural e óbvia da aquisição do imóvel por parte do recorrido, o qual visava a satisfação de interesses públicos reconhecidos à atividade do recorrente, pelo que a invocação da nulidade da cláusula de opção constitui uma nítida e grave violação do princípio da confiança.

CC. O recorrido agiu em abuso de direito ao invocar a nulidade da cláusula de opção, pelo que estava impedido de exercer o direito invocar quaisquer nulidades ou irregularidades.

DD. Pelo exposto, decidindo como decidiu, o douto tribunal a quo violou o disposto no Art.º334.º do Código Civil.


Termos em que, nos melhores de Direito e com o sempre Mui douto suprimento de V.Ex.cias, deve ser dado provimento ao presente recurso em conformidade com o exposto nas precedentes conclusões, com legais consequências e, assim, se fará uma vez mais serena e inteira justiça.”

a. *


O Réu não respondeu ao aperfeiçoamento das conclusões do recurso.


*


O recurso foi correctamente recebido, nada havendo a alterar quanto
à sua admissão para este Tribunal Superior.


*


Correram Vistos.


*


II – OBJECTO DO RECURSO


Nos termos do disposto no artigo 635º, nº 4, conjugado com o artigo 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), , o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que as questões a apreciar neste recurso respeitam a reapreciação de mérito e traduzem-se nos seguintes pontos:


1-Nulidade do contrato celebrado pelas partes em 17/02/2013, por inobservância de forma legalmente exigida;


2-Abuso de direito, no tocante à invocação da nulidade da referida cláusula pelo Apelado.


*


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO


Decorre da sentença recorrida o seguinte no tocante ao segmento atinente à matéria de facto:


1. Por via da ap. 2004 de 30-11-2011, encontra-se registada a aquisição a favor do réu, por compra, da propriedade do prédio misto, composto por um prédio urbano em propriedade total sem andares nem divisões de utilização independente e um prédio rustico, denominados Olival ao poço dos Vieiras, sitos do Poço dos Vieiras, Sousel, inscritos, respetivamente, na matriz predial urbana da freguesia de Sousel, concelho de Sousel, sob o artigo nº..14 e na matriz predial rustica da freguesia de Sousel, concelho Sousel, sob o artigo ..87, secção M, e descritos na Conservatória do Registo Predial de Sousel sob a descrição ..96.


2. O Réu, na qualidade de comodante e primeiro outorgante, e o autor, na qualidade de comodatário e segundo outorgante, subscreveram o documento denominado de «Contrato de Comodato», datado de 17 de Fevereiro de 2013.


3. Do referido documento, consta o n.º 1 da cláusula quarta, que apresenta a seguinte redacção:


«O presente contrato tem o seu início na data da sua assinatura e terá a duração de 20 anos (vinte anos), contados a partir da data de assinatura deste.»


4. Do referido documento, consta a cláusula quinta que apresenta a seguinte redacção:


«Após ter ocorrido 1/5 do tempo previsto para o comodato, pode o segundo outorgante exercer opção de compra do imóvel ora comodatado pelo valor pago pela Câmara Municipal de Sousel no momento da aquisição, acrescido da taxa de inflação entretanto ocorrida em cada um dos anos e até ao ano imediatamente anterior à opção de compra.»


4. Em 17 de Novembro de 2021, o autor remeteu ao réu uma carta registada com aviso de receção, comunicando o seguinte:


«Vem o Clube de Tiro de Sousel informar que em reunião de direção de doze de Setembro do ano de 201, decidiu por unanimidade, conforme lavrado em ata deste clube, exercer o direito de opção de compra conforme previsto na cláusula quinta do contrato de comodato celebrado entre este clube e o município de Sousel em 17/02/2013. (…)


Agradecemos que sejam calculados os valores a pagar pela aquisição dos prédios de acordo de acordo com a cláusula quinta, bem assim como articulação para o processo de transferência de proprietário.»


5. Através do ofício n.º 3129, de 13-05-2022, o réu comunicou ao autor o seguinte:


«Face ao anteriormente exposto, vem o parecer jurídico emitido concluir que a cláusula quinta do contrato de comodato contende com os princípios da salvaguarda do interesse público, que deve nortear a atuação da Câmara Municipal de Sousel, não se vislumbrando qualquer razão motivada por esse interesse público que justifique a opção de compra mencionada, atendendo também contra o princípio da imparcialidade, que impõe que a Administração Pública atue de forma isenta e equidistante relativamente aos interesses que que estejam em confronto devendo prosseguir apenas o interesse público e abster-se e ter em conta outros interesses, seja de quem e de que natureza forem, motivo pelo qual não poderemos aceitar o acionamento da cláusula quinta do contrato.»


*


IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


Aqui chegados impõe-se desde já deixar claro que não resulta minimamente das conclusões recursivas aperfeiçoadas delineadas pelo Apelante o propósito de impugnar a decisão relativa à matéria de facto provada discriminada no despacho saneador-sentença recorrido, o que, a suceder, sempre implicaria o adequado cumprimento dos ónus, primário e secundário, de obrigatória especificação previstos no artigo 640.º, do CPC, razão pela qual entendemos como consolidada, para efeitos de reapreciação das questões levantadas no recurso, a dita decisão atinente à matéria de facto.


Isto disto prossigamos então.


1-Nulidade do contrato celebrado pelas partes em 17/02/2013, por inobservância de forma legalmente exigida;


Sustenta o Apelante nas respectivas conclusões aperfeiçoadas que o Tribunal recorrido decidiu erradamente ao declarar a nulidade da cláusula de opção por inobservância da forma legalmente prescrita, violando, desse modo, o disposto nos artigos 219.º, 220.º, 875.º e 879.º, todos do Código Civil (doravante apenas CC), entendendo que a mencionada cláusula não constitui qualquer direito sobre o imóvel comodatado, não se tendo, assim, constituído sobre este último qualquer direito real, o que somente acontecerá quando for celebrada a escritura pública do contrato optativo, pelo que o contrato de opção não se encontra sujeito a qualquer forma especial por aplicação do artigo 875.º do CC e do artigo 80.º, n.º 1, do Código do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 207/95 de 14/08 (doravante apenas CN).


Na resposta ao recurso o Apelado entende que respeitando o “pacto de opção” de compra em apreço nos autos à transmissão de um imóvel deve o mesmo revestir a forma de escritura pública ou documento particular autenticado, o que não sucedeu no caso em apreço uma vez que aquele, ou a cláusula que o consubstancia, consta apenas de documento particular, o que determina a respectiva nulidade por falta de forma em face do que consta previsto no n.º 1 do artigo 80.º do CN.


Compulsando a matéria de facto considerada como provada nos autos e designadamente os factos vertidos sob os pontos 2. a 4. percebemos que o contrato denominado pelas Partes de “Contrato de Comodato” outorgado em 17 de Fevereiro de 2013 entre o ora Apelante e o ora Apelado não se revestiu de nenhuma forma especial, constando de mero documento particular assinado pelas Partes.


Percebemos igualmente ter sido aposta no dito contrato uma cláusula (cláusula quarta, n.º 1), estabelecendo em 20 anos, a contar da subscrição do mesmo, a respectiva duração e bem assim uma outra cláusula especial (cláusula quinta), que previu expressamente que decorrido 1/5 do tempo previsto para o comodato (ou seja 4 anos), poderia a Apelante “exercer a opção de compra do imóvel comodatado”, o que a Apelante veio a comunicar por carta registada com aviso de recepção remetida ao Apelado em 17 de Novembro de 2021.


Estipula o artigo 875.º do CC que:


“Sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado.”


Como sabemos esta norma não prevê uma mera formalidade “ad probationem”, ou seja uma formalidade necessária apenas para a prova do acto, antes estipulando uma formalidade ad substantiam, isto é para a validade substancial do acto, o que significa que a validade do contrato ali prevenido depende da outorga do mesmo se ter revestido de escritura pública, ou de ter sido celebrado por meio de documento particular autenticado.


A Apelante refere-se ao disposto no n.º 1 do artigo 80.º do CN.


Com efeito esse preceito chegou a conter a seguinte norma:


1 - Celebram-se, em geral, por escritura pública, os actos que importem reconhecimento, constituição, aquisição, modificação, divisão ou extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão sobre coisas imóveis.”


Sucede que tal norma foi expressamente revogada pelo Dec. Lei nº 116/2008 de 04/07, que alterou o CN, o qual entrou em vigor muito antes da outorga do contrato celebrado entre Apelante e Apelado.


Voltaremos infra a aludir a este ponto.


Aqui chegados vejamos qual a fundamentação carreada para a sentença recorrida pelo Tribunal recorrido no tocante à questão que vimos abordando:


[…]


Revertendo ao caso em concreto, afigura-se meridiano, tendo em conta a factualidade dada como assente, bem como o próprio enquadramento jurídico atribuído pelas partes, que nos encontramos perante um pacto ou contrato de opção de compra e venda de imóvel – cfr. ponto 4) da matéria assente.


Esta figura, de cariz instrumental, traduz-se na emissão de uma declaração negocial, traduzida na vontade expressa em vender o imóvel, ficando a outra parte titular do respectivo direito potestativo de celebração do contrato optativo, sem necessidade de outra declaração negocial – veja-se sobre esta matéria ANTUNES VARELA in Das Obrigações em Geral, Vol. I, 5.ª edição, Almedina, p. 291.


Por outro lado, sendo um contrato atípico, importa descortinar qual o regime aplicável, designadamente no que à forma legal diz respeito, tendo em conta o seu conteúdo e afinidade com contratos afins (neste sentido, veja-se o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23-09-2021, processo n.º 55/19.4T8VNG.P1, disponível in www.dgsi).


Ora, tendo em conta o conteúdo da declaração negocial em causa, emitida pelo réu, que, como já se viu, se traduz na vontade de transmitir a propriedade de um imóvel mediante o recebimento de um preço, ficando o acto translativo apenas dependente da aceitação da autora, conclui o Tribunal pelo recurso ao regime legal do contrato de compra e venda.


Até porque, tendo em conta a perfeição da declaração negocial em análise, bem como o objecto da relação jurídica que esta integra – direito de propriedade sobre imóvel - importa sobremaneira acautelar as razões subjacentes às exigências da forma legal, nomeadamente, conforme já tivemos o ensejo de referir, a ponderação das partes, bem como a tutela da publicidade e segurança jurídica.


Chegados aqui, uma vez que o pacto de opção se encontra exarado em documento particular, forçoso será de concluir pela inobservância da forma legalmente prescrita.


Neste sentido, vejam-se os doutos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 08-06-2021, processo n.º 15687/18.0T8PRT.P1, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19-12-2019, processo n.º 9778/18.4T8LSB.L1-6, disponíveis in www.dgsi.pt, cujo excerto (deste último aresto) se transcreve:


«Ora, tratando de contrato de opção, a segunda questão que se coloca é a de saber se esse contrato de opção está sujeito a exigências de forma.


Pois bem, como é sabido, a regra geral do direito civil português é a liberdade de forma: a validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir (artº 219º do CC). Ou seja, regra geral, os contratos formam-se por efeito de mero consenso das partes, mas a lei pode exigir, para a respectiva validade, determinado formalismo.


A regra da consensualidade ou a imposição de formalismo, vale, em princípio, para os contratos típicos, ou seja, aqueles contratos expressamente previstos na lei. No entanto, quanto aos chamados contratos atípicos não se encontra na lei civil qualquer norma específica que regule a forma que devem observar.


Ora, o contrato de opção é um contrato atípico e, por isso, importa determinar se deve ou não observar uma forma especial, melhor dizendo, se pode concluir-se que, não obstante a sua atipicidade, ainda assim existem exigências de forma que deva observar.


Pois bem, sobre a questão, recorrendo á lição de Pedro Pais de Vasconcelos: “Para além das exigências legais de forma estatuídas a propósito de tipos contratuais, existem também na lei exigências de forma estatuídas a propósito do conteúdo e efeitos dos contratos e que se aplicam para além dos tipos contratuais. É o caso, por exemplo, do nº 1 do artº 80º do Código do Notariado, que determina a obrigatoriedade de escritura pública para todos e quaisquer contratos que importem reconhecimento, constituição, aquisição, modificação, divisão ou extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou de servidão sobre coisas imóveis. (…) As exigências legais de forma, como estas, são aplicáveis a todos os contratos, sejam eles de que tipo forem e sejam eles típicos ou atípicos. Assim, devem ser celebrados por escritura pública todos os contratos atípicos com eficácia real que tenham por objecto imóveis.” (Cf. Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Típicos, 2ª edição, 2009, pág. 463, sublinhado nosso).


Portanto, o contrato de opção relativo a compra de bem imóvel deve revestir a forma exigida para o contrato cuja formação se trate. (Tiago Soares da Fonseca, Do Contrato de Opção…, cit., pág. 59).


Assim, no caso dos autos, temos de concluir que o contrato de opção alegado teria que ser celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado conforme decorre do artº 875º do CC e do artº 80º do Código do Notariado.


Cabe notar que a exigência de escritura pública ou de documento particular autenticado constitui uma exigência de forma ad substanciam, enquadrável no n.º 1, do art. 364.º do C.C., não sendo, pois, substituível por confissão expressa, judicial ou extrajudicial (cfr. n.º 2 do art. 364.º e 391.º, n.º 1, ambos do C.C.).”


Impõe-se aprofundar um pouco mais o estudo da questão com o intuito de, a final e perante a análise de todos os dados fácticos fornecidos pelos autos, podermos concluir pelo acerto ou desacerto da solução a que chegou o Tribunal recorrido no caso concreto.


Lendo as alegações e o segmento das conclusões aperfeiçoadas atinentes ao recurso do Apelante percebemos que o mesmo defende, além do mais, que a opção de compra surge consubstanciada numa cláusula inserida no âmbito de um contrato de comodato de imóvel.


Efectivamente o contrato outorgado entre as Partes em 17/02/2013 recebeu a denominação de “Contrato de Comodato”.


Todavia, como se sabe, a denominação atribuída a um contrato não se mostra só por si determinante, sendo necessário analisar de forma sistemática o clausulado para se concluir se o respctivo conteúdo corresponde, ou não, ao rótulo que lhe foi colocado.


Em face do exposto, prossigamos, então, um pouco mais, na análise desta questão objecto do recurso.


Dispõe o artigo 1129.º do CC sobre a noção de comodato nos seguintes termos:


“Comodato é o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir”.


Este contrato encontra-se tipificado nas normas contidas nos artigos 1129.º a 1141.º do CC, nada constando quanto à forma de que o contrato de comodato se deva revestir, ainda que tenha como objecto uma coisa imóvel.


Importa, ainda, relembrar que a norma que esteve prevista no n.º 1 do artigo 80.º do CN foi objecto de revogação expressa pelo artigo 34.º, d), do Dec-Lei n.º 116/2008 de 04/07 (cuja redacção actualizada foi conferida pelo Dec.Lei n.º 99/2010, de 02/09), sendo certo, porém, que no artigo 22.º desse mesmo diploma legal epigrafado “Forma dos actos” passou a prever-se o seguinte:


“Sem prejuízo do disposto em lei especial, só são válidos se forem celebrados por escritura pública ou documento particular autenticado os seguintes actos:

a. Os actos que importem reconhecimento, constituição, aquisição, modificação, divisão ou extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão sobre coisas imóveis.”


[…]


Por seu turno, decorre da norma plasmada no artigo 36.º ainda do identificado diploma legal, o seguinte:


[…]


“3- Entram igualmente em vigor no dia 1 de Janeiro de 2009 as disposições do presente decreto-lei que permitem e regulam a realização, por documento particular autenticado, dos actos que importem reconhecimento, constituição, aquisição, modificação, divisão ou extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão sobre coisas imóveis ou outros equivalentes, incluindo:


[…]

c. O artigo 8.º na parte em que altera os artigos 62.º e 80.º do Código do Notariado:

[…]

f) Os artigos 22.º a 25.º”

Debrucemo-nos agora um pouco sobre os requisitos do contrato de comodato.

Diz-nos Carlos Ferreira de Almeida (“Contratos III”, 3.ª edição, 2019, Almedina, pág. 61-64), que:

“A jurisprudência tem repetidamente afirmado como traços característicos do comodato a gratuitidade, a temporalidade e a obrigação de restituir.”

[…]

Da interpretação do contrato pode resultar que o uso esteja delimitado por um fim, mais ou menos determinado.

[…]

O uso atribuído pelo comodato é, por natureza, temporário. O tempo de duração pode ser fixado diretamente no contrato.

[…]

Na definição de comodato, a lei portuguesa vigente começa por lhe atribuir a natureza de contrato gratuito (no que contrasta com a locação), mas não adita, como na doação, qualquer referência ao espírito de liberalidade […] Ninguém contesta que o comodato desempenha uma função social de liberalidade, geralmente motivada por altruísmo, mas compatível com outras motivações, incluindo vantagens indiretas para o comodante.

[…]

O comodato confere ao comodatário o direito de uso do objeto […].

Este direito de uso não tem natureza real, porque não é oponível erga omnes (assim se distinguindo do usufruto) […].

O direito do comodatário tem conteúdo mais fraco do que o direito do locatário. Mas o seu limiar mínimo há de colocar-se no âmbito da juridicidade acima da simples tolerância ou da obsequiosidade”

Relendo a matéria de facto considerada como provada no despacho saneador-sentença percebemos, desde logo através do conteúdo do respectivo ponto 2., que ficou assente a outorga entre Apelante e Apelado do contrato datado de 17 de Fevereiro de 2013, donde resulta que apesar dos pontos 3. e 4. da aludida matéria de facto apenas se referirem a duas das cláusulas insertas nesse contrato é de considerar como assente o restante conteúdo, com a redacção que consta do documento denominado “Contrato de Comodato” junto aos autos com a petição inicial como “Documento 6”.

Ora, se podemos aceitar que da redacção conferida à cláusula terceira se extrai a finalidade do acordo estabelecido entre as Partes e da cláusula quarta os requisitos da temporalidade e obrigação de restituir por parte do segundo outorgante, já do teor da cláusula quinta devemos concluir que decorrido 1/5 do tempo previsto no n.º 1 da cláusula quarta, ou seja a partir de 18/02/2017, inclusive, o requisito da gratuitidade deixou de se verificar atento o reconhecimento pelo ora Apelado do direito à opção de compra do imóvel objecto do contrato expressamente previsto a favor do ora Apelante, o qual revela o requisito da onerosidade, não sendo tal passível de subsumir a qualquer das situações previstas expressamente nas várias alíneas do artigo 1135.º do CC.

Na verdade, a partir daquele momento o contrato outorgado em 17/02/2013 não pode mais qualificar-se como um contrato gratuito uma vez que a possibilidade prevista do exercício da opção de compra implica a venda do prédio objecto do contrato outorgado em 17/02/2013 daí resultando vantagens patrimoniais para ambas as Partes contratantes.

Como tal, sublinha-se, após 18/02/2017 o contrato em apreço deixou de poder qualificar-se como contrato de comodato, mas antes como contrato, ou pacto, de opção.

Seguindo o entendimento de Ana Prata (in “O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil”, 2.ª edição, reimpressão, pág. 395) podemos dizer que “o contrato de opção é uma convenção em que as partes acordam logo o conteúdo essencial de um outro contrato, a cuja celebração futura uma delas fica desde logo sujeita, permanecendo a contraparte com o direito potestativo de desencadear a conclusão desse contrato mediante declaração de vontade unilateral”.

Atentando no teor da “Cláusula Quinta” do contrato outorgado em 17/02/2013 dúvidas não temos que Apelante e Apelado convencionaram entre si um contrato de opção de compra de coisa imóvel, constando inequivocamente dela o valor (preço), a pagar pelo optante.

Poderia aqui e agora equacionar-se, ainda, a possibilidade de considerar como inicialmente invalida, por contrariar o requisito da gratuitidade, a aludida cláusula quinta e dessa forma considerar mantida a qualificação como comodato do contrato celebrado em 17/02/2013 mesmo posteriormente à data de 18/02/2017.

Porém, atendendo a que tal questão não foi abordada na sentença recorrida, nem constitui objecto específico deste recurso, pois apesar de ter sido invocada em sede de contestação pelo ora Apelado não foi suscitada no presente recurso qualquer nulidade por omissão de pronúncia quanto a tal matéria, entendemos não ser de desenvolver mais a mesma.

Aqui chegados impõe-se, então, prosseguir a análise sublinhando que o documento datado e assinado pelas Partes em 17/02/2013 releva neste momento como um contrato de opção de compra de coisa imóvel por parte do Apelante ao Apelado, contrato esse considerado unanimemente por doutrina e jurisprudência como contrato atípico.

Na conformidade acabada de expor será que o mesmo deveria revestir-se de forma especial para garantir a sua validade, isto é, será que a inclusão da mencionada cláusula quinta, com a redacção que lhe foi dada, exigia a forma de escritura pública ou, no mínimo, que tivesse sido exarado em documento particular autenticado?

É inquestionável que o contrato optativo, no caso de compra e venda de imóvel, só é válido se for celebrado por escritura pública, ou mediante documento particular autenticado (vide o artigo 875.º do CC).

No despacho saneador-sentença recorrido o Tribunal a quo considerou que seria de aplicar ao contrato atípico de opção de compra de bem imóvel em causa nos autos esse regime e fundamentou a sua posição com excertos doutrinários e jurisprudenciais, nos termos acima transcritos.

Sem embargo, aprofundemos ainda um pouco mais o conceito de contrato de opção para retirarmos depois as devidas ilações sobre a forma que deverá revestir o contrato descrito no caso em apreço

Diz-nos o Prof. Calvão da Silva (“Sinal e Contrato-Promessa”, 14.ª edição, Almedina, pág 22), o seguinte:

“O pacto de opção é um contrato – e nisto se distingue da proposta irrevogável – tal como a promessa unilateral, sendo, todavia, diverso o mecanismo de realização do direito ao contrato emergente de ambos:

na segunda, fonte de uma obrigação de contratar, tem de haver nova declaração contratual de ambas as partes para que o contrato definitivo se conclua – direito de crédito, portanto, o do promissário, já que exige a cooperação ou colaboração do promitente; no primeiro, para a conclusão do contrato é suficiente a manifestação de vontade do beneficiário: se este aceita, exercendo o seu direito potestativo, o contrato aperfeiçoa-se, inelutavelmente, sem necessidade de nova declaração da contraparte”. (Itálico nosso).

Na mesma senda diz Carlos Ferreira de Almeida (“Contratos I”, 6ª edição, Reimpressão, 2020, Almedina, pág. 165), que:

“Contrato de opção é o contrato […], que tem por efeito, a atribuição de um direito potestativo à formação de um outro contrato (contrato optativo).”

E acrescenta (pág.166):

“As posições jurídicas em que, por efeito do contrato de opção, são investidos o sujeito e o titular do direito de opção são homólogas daquelas em que, por efeito de proposta (irrevogável), ficam investidos o proponente e o destinatário da proposta. O contrato de opção deve assim […], revestir-se da forma adequada ao contrato optativo e fazer a descrição deste em termos suficientemente completos e precisos.

Por sua vez, o exercício do direito de opção dá lugar à formação do contrato optativo, desde que a declaração dirigida à outra parte seja, tal como a aceitação de uma proposta contratual, conforme, tempestiva e emitida pela forma adequada.

[…]

Na relação entre contrato de opção e contrato optativo, o primeiro é o contrato preliminar e o segundo é o contrato definitivo. […] A sua formação não exige novas declarações contratuais, bastando-se com uma declaração unilateral posterior que, em conjunto com o contrato preliminar de opção dá lugar ao contrato definitivo.” (Itálico nosso).

Chamamos, ainda, à colação a posição, convergente com as que acabámos de destacar, de Tiago Soares da Fonseca que define o contrato de opção como “convenção mediante a qual uma das partes (concedente) emite a favor da outra (optante) uma declaração negocial que se consubstancia numa proposta contratual irrevogável referida a um certo contrato (principal), fazendo nascer, nesta última, o direito potestativo de decidir unilateralmente sobre a conclusão do mesmo (in “Do Contrato de Opção – Esboço de uma Teoria Geral”, Editora Lex, 2001, pág. 21).

Na mesma obra (pág. 59), defende o autor em apreço que “o contrato de opção relativo a compra de bem imóvel deve revestir a forma exigida para o contrato cuja formação se trate”. (Itálico nosso).

Aqui chegados percebemos o acerto da solução a que chegou o Tribunal a quo no despacho saneador-sentença recorrido.

Na verdade, respeitando o contrato de opção em apreço à compra e venda de um bem imóvel a validade do mesmo dependia, por força da previsão do artigo 875.º do CC, de ter sido outorgado por escritura pública, ou, pelo menos, mediante documento particular autenticado, não se mostrando suficiente o simples documento particular assinado pelos outorgantes.

Mas mesmo que alguma dúvida possa existir relativamente à aplicabilidade desse normativo ao contrato de opção, por este último se inserir nos chamados contratos atípicos, sempre seria de convocar a previsão do artigo 22.º do Dec.Lei n.º 116/2008 de 04/07, (na redacção do Dec.Lei n.º 99/2010 de 02/09 já acima mencionado) e que passamos a recordar:

“Sem prejuízo do disposto em lei especial, só são válidos se forem celebrados por escritura pública ou documento particular autenticado os seguintes actos:

b. Os actos que importem reconhecimento, constituição, aquisição, modificação, divisão ou extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão sobre coisas imóveis.”


Na verdade, atendendo ao que supra já se expendeu sobre a noção do contrato de opção e designadamente o relativo à compra de coisa imóvel não temos dúvidas de que o mesmo terá que se subsumir à previsão do artigo 22.º, alínea b) supra mencionado, por estar em causa um acto que importa a aquisição do direito de propriedade sobre coisa imóvel, devendo salientar-se que a utilização nessa norma da expressão “actos” permite extrapolar, por ser mais abrangente, o âmbito dos contratos, podendo mesmo abarcar a declaração unilateral posterior à outorga do contrato preliminar de opção que origina o contrato definitivo.


Nesta senda importa ainda acrescentar que de acordo com o que resultou provado no despacho saneador-sentença recorrido sob o ponto 4 atinente à missiva enviada pelo Apelante ao Apelado em 17/11/2021, que consubstanciou a aludida declaração unilateral subsequente à convenção de opção, a mesma tão pouco se traduziu na forma especial de escritura, ou documento particular autenticado, mas antes em simples carta enviada ao Apelado, sob registo, com aviso de recepção.


Nos termos acabados de expor devemos concluir que o contrato de opção em causa nos autos teria que ter sido celebrado por escritura pública, ou por documento particular autenticado, sendo que tal exigência constitui uma exigência de forma ad substanciam, enquadrável no n.º 1 do artigo 364.º do CC, não podendo substituir-se por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, conforme decorre “a contrario” do n.º 2 de tal preceito legal e bem assim do n.º 1 do artigo 391.º, ambos do CC.

Na esteira do que ora acabamos de concluir salientamos, entre outros, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 19/12/2019, no Proc.º n.º 9778/18.4T8LSB.L1-6, bem como o, ainda mais recente, acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 08/06/2021 no processo n.º 15687/18.0T8PRT.P1.

No primeiro dos arestos identificados consta em nota sumativa que:

“1-O contrato de opção é um contrato instrumental, pelo qual uma das partes (concedente) emite a favor da outra (optante) uma declaração negocial que se consubstancia numa proposta contratual irrevogável referida a um certo contrato principal, fazendo nascer para o optante, o direito potestativo de decidir unilateralmente sobre a conclusão desse contrato.
2-Embora seja um contrato atípico, se por ele se visar a transmissão de direito de propriedade sobre imóvel, aplicam-se-lhe quanto à sua constituição, as exigências legais de forma estatuídas a propósito dos tipos contratuais de transmissão da propriedade de imóveis, devendo, por isso, ser celebrado por escritura pública ou documento particular autenticado.
3- A exigência de escritura pública ou de documento particular autenticado para a constituição do contrato de opção relativo à venda de imóvel constitui uma exigência de forma ad substantiam e, por isso, não é possível prová-lo por meio de testemunhas nem por confissão judicial provocada (depoimento de parte).”

Já no segundo destacamos, igualmente da respectiva nota sumativa, o seguinte:

I - O contrato de opção relativo a compra de bem imóvel deve revestir a forma exigida para o contrato cuja formação se trate. Melhor explicitando, o contrato de opção em apreço teria que ser celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado conforme decorre do disposto nos artigos 875º do CC e 80º do Código do Notariado.

Destarte, improcedem as conclusões recursivas no tocante à primeira questão objecto do recurso.


2 - Abuso de direito.


Sustentou, ainda, o Apelante nas conclusões recursivas ter o Apelado incorrido em abuso de direito ao invocar a nulidade da cláusula de opção “na forma de venire contra factum proprium, a qual se inscreve no contexto da violação do principio da confiança” entendendo que o mesmo estava “impedido de exercer o direito de invocar quaisquer nulidades ou irregularidades”.


Na resposta ao recurso o Apelado pugnou pela improcedência desta invocada questão.


O abuso de direito prende-se com a ilegitimidade no exercício de direitos e conhece previsão no artigo 334º, do CC, epigrafado precisamente “Abuso do direito“, onde se estatui o seguinte:


“É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.“


Perante a previsão da aludida norma entende-se que a essência do principio do abuso de direito pode ser precisada ou através do recurso a uma teoria subjectiva, que coloca a tónica na intenção do agente, ou objectiva, que se debruça sobre o alcance objectivo do comportamento do agente, ou ainda através de fórmulas intermédias que procuram combinar um critério com o outro.


A redacção do artigo 334º do CC aceitou a concepção objectiva do abuso de direito não sendo necessário que o agente tenha consciência da contrariedade do seu acto à boa fé, aos bons costumes, ou ao fim social ou económico do direito exercido, bastando que tal acto revele essa contrariedade, mas num contexto de abuso nítido, dado que o titular do direito tem de ter excedido manifestamente os limites impostos ao seu exercício (neste sentido Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 12ª edição, Almedina, 2018, págs. 84 a 86 ).


A boa fé revela-se, antes demais, como princípio geral de direito, sendo que numa perspectiva jurídico-positiva exprime-se através de cláusulas gerais, traduzindo o apelo que o legislador faz directamente a tal principio na regulamentação de certos domínios, existindo no direito obrigacional outras como por exemplo os bons costumes. Tais cláusulas gerais, a par dos conceitos indeterminados, destinam-se a conferir ao julgador uma generosa margem de liberdade de apreciação em cada caso concreto.


De todo o modo agir segundo os ditames da boa fé pressupõe que os membros de uma comunidade jurídica adoptem uma “linha de correcção e probidade tanto na constituição de relações entre eles como no desempenho das relações constituídas[…], na virtude de manter a palavra e a confiança de cada uma das partes, proceder honesta e lealmente, segundo uma consciência razoável, para com a outra parte, interessando as valorações do círculo social considerado, que determinam expectativas dos sujeitos jurídicos “ (obra citada, pág. 122-123).


Já no que tange ao conceito dos “bons costumes“ , tratando-se igualmente de clausula geral a preencher casuisticamente através do labor jurisprudencial, sempre será de entende-lo como um “conjunto de regras de convivência, de práticas de vida, que, num dado ambiente e em certo momento, as pessoas honestas e correctas aceitam comummente“ ( idem , pág. 88) , pelo que o exercício de um direito será contrário aos mesmos quando tiver laivos de imoralidade ou de violação das normas básicas impostas pelo decoro social.


No que concerne ao último conceito determinativo da legitimidade ou ilegitimidade do exercício de um direito atinente precisamente ao “fim social ou económico“ deve salientar-se que se prende com a função instrumental própria que cada direito possui, a qual justifica a sua atribuição ao titular e define o seu exercício.


A propósito do exposto veja-se pelo seu interesse, entre outros, o acórdão do STJ de 19/10/2005 (in Acórdãos Doutrinais, 531º - 549).


Verificando-se abuso de direito e uma vez que a norma constante do artigo 334º do CC apenas alude a ilegitimidade do exercício abusivo de direito compete ao juiz determinar casuisticamente as consequências sancionatórias que derivam de tal acto abusivo, podendo sancionar-se, “[…] por um lado, com a nulidade, a anulabilidade, a inoponibilidade ou a resolubilidade, nos termos gerais, do próprio acto ou negócio abusivo e por outro lado, com o restabelecimento de actos ou negócios conexionados, recusando-se a acção de anulação, concedendo-se a excepção de dolo[…]“ ( ibidem pág. 90 ).


A doutrina e a jurisprudência têm distinguido no âmbito do abuso de direito algumas modalidades típicas de manifestação do mesmo.


Acompanhando a lição de António Meneses Cordeiro (“Litigância de má fé abuso do direito de ação e culpa “in agendo”, 3.ª edição, 2016, Almedina), poderemos distinguir cinco modalidades de revelação de actos abusivos organizados em torno das locuções venire contra factum proprium, inalegabilidade, suppressio, tu quoque e desequilíbrio.


De forma muito sucinta encontramos desequilíbrio no exercício de posições jurídicas apto a revelar actuação contrária à boa-fé no caso de “exercício danoso e inútil; dolo agit qui petit quod statim redditurus est” (exigir o que de seguida terá que se restituir ) “e desproporção grave entre o beneficio do titular exercente e o sacrifício por ele imposto a outrem.


Em todas estas hipóteses, poderemos considerar que o titular, exercendo embora um direito formal, fá-lo em moldes que atentam contra valores fundamentais do sistema, com relevo para a materialidade subjacente” (obra citada, pág. 118).


Por sua vez o abuso de direito revela-se através da modalidade Tu quoque (“também tu!”), nos casos em que alguém na sequência de violar uma norma pretende “prevalecer-se da situação jurídica daí decorrente; ou exercer a posição jurídica violada pelo próprio; ou exigir a outrem o acatamento da situação já violada.” (idem pág. 116).


Estamos perante abuso de direito na modalidade da “Supressio” (supressão), quando “uma posição jurídica que não tenha sido exercida, em certas circunstâncias e por certo lapso de tempo, não mais possa sê-lo por, de outro modo, se contrariar a boa-fé.” (ibidem pág. 112).


Constituindo uma forma de tutela do beneficiário confiante na inação do agente a supressio abrange as situações de “um não exercício prolongado; uma situação de confiança, daí derivada; uma justificação para essa confiança; um investimento de confiança; a imputação da confiança ao não-exercente.” (Obra citada pág. 114)


Já no tocante à inalegabilidade a mesma traduz “a situação de pessoa que, por exigências do sistema, não se possa prevalecer da nulidade de um negócio jurídico causado por vício de forma.” (idem pág.110).


Resta-nos aludir à modalidade do venire contra factum proprium, (vir, ou agir, contra seus próprios actos), que no caso concreto demanda análise mais aturada uma vez que é baseado nela que o Apelante em sede de recurso entende existir abuso de direito por parte do Apelado.


Assim, continuando a seguir a lição de António Meneses Cordeiro na obra acima identificada somos esclarecidos que “Estruturalmente, o venire postula duas condutas da mesma pessoa, lícitas entre si, mas diferidas no tempo. Só que a primeira – o factum proprium – é contraditada pela segunda – o venire. O óbice que justificaria a intervenção do sistema residiria na relação de oposição que, entre ambas, se possa verificar.” (pág.106)


Acrescentando o mencionado Autor (pág. 106-107):


“O venire só é proibido em circunstâncias especiais. Para as explicar surgiram duas grandes fundamentações dogmáticas:


- doutrinas da confiança […];


- doutrinas negociais. […]


Para as doutrinas da confiança, o venire seria proibido quando viesse defrontar inadmissivelmente uma situação de confiança legítima gerada pelo factum proprium[...]


Prevalecem hoje as doutrinas da confiança, […]


[…] o princípio da confiança surge como uma mediação entre a boa-fé e o caso concreto. Ele exige que as pessoas sejam protegidas quando, em termos justificados, tenham sido levadas a acreditar na manutenção de um certo estado de coisas.


E concluindo o identificado Autor que (pág. 107-108):


“A tutela da confiança, embora convincente, só pode operar, na falta de preceitos jurídicos, quando se mostrem reunidos especiais pressupostos”.


[…]


Na base da doutrina e com significativa consagração jurisprudencial, a tutela da confiança, apoiada na boa-fé, ocorre perante quatro proposições […]


1.ª Uma situação de confiança conforme com o sistema e traduzida na boa-fé subjetiva e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a lesar posições alheias;


2.ª Uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objetivos capazes de, em abstrato, provocar uma crença plausível;


3.ª Um investimento de confiança consistente em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efectivo de atividades jurídicas sobre a crença consubstanciada;


4.ª A impugnação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela proteção dada ao confiante: […]”


Concordamos com a destrinça e tipificação apresentadas acima, que, aliás, têm conhecido amparo jurisprudencial nos nossos Tribunais Superiores.


Aqui chegados, vejamos de que forma a sentença recorrida apreciou a questão do invocado abuso de direito:


“[…]


Transportando o enquadramento supra recenseado para o caso a decidir, decorre da factualidade assente que: (i) autor e réu acordaram em celebrar o referido contrato através de documento particular, sem que resulte dos autos qualquer motivo subjacente a tal opção; (ii) o réu opôs-se à realização da escritura volvidos 3 meses da comunicação do autor – cfr. pontos 4) e 5).


Por outro lado, não será despiciendo referir que o réu município prossegue interesses públicos e da protecção dos direitos dos cidadãos, sendo a atribuição da sua presidência sujeita a eleições democráticas periódicas, conducentes a eventuais transições da sua titularidade.


Pelo que, face a este contexto e às exigências de forma supra enunciadas, competia ao autor diligenciar pela formalização do pacto em crise através da forma legalmente prescrita.


Note-se, além disso, que o autor alega a circunstância de ter realizado «diversas obras de requalificação e conservação dos prédios, nas quais despendeu 95.139,51». Salvo o devido respeito, esta circunstância não oblitera o que acima foi dito, reforçando apenas o dever de diligência do autor nesta matéria.


O mesmo se diga quanto ao alegado pelo autor relativamente à finalidade da aquisição do imóvel por parte do réu (que constituiria, grosso modo, uma forma de antecipação de fundos / financiamento para aquisição daquele imóvel), tendo em conta o valor do negócio em causa, bem como o facto de o réu ser pessoa colectiva territorial, com acrescidas exigências de transparência e segurança jurídica.


Destarte, do litígio em apreço não se detecta uma situação nítida de abuso de direito por parte do réu, na modalidade de «dolus praeteritus» ou «venire contra factum proprium» em termos susceptíveis de neutralização do vício de forma consignado – cfr. art. 334.º do C.C. Visto que, apenas se poderá lançar mão do instituto do abuso do direito em situações limite que afrontam manifestamente a boa fé.”


Afigura-se que perante os elementos fácticos carreados aos autos é de considerar acertada a apreciação efectuada pelo Tribunal a quo, a qual acabou de se deixar reproduzida supra no tocante aos seus aspectos essenciais, devendo sublinhar-se o rigor que deve presidir sempre à análise da figura do abuso de direito em cada caso concreto e bem assim o carácter de excepcionalidade subjacente ao reconhecimento do mesmo, apenas em situações limite que excedam manifestamente os ditames da boa-fé.


Na conformidade exposta entende-se não ter a conduta do Apelante sido suficientemente demonstrativa dos requisitos exigidos para a aplicação do instituto do abuso de direito, improcedendo, como tal, também as conclusões recursivas no tocante a esta última questão objecto do recurso do Apelante, o que implica a total improcedência do mesmo.


*


V- DECISÃO


Termos em que, face a todo o exposto, acordam os Juízes desta 1ª Secção Cível em negar provimento ao presente recurso de apelação interposto pelo Apelante Clube de Tiro de Sousel decidindo-se o seguinte:


1-Confirmar o despacho saneador-sentença recorrido;


2-Fixar custas a cargo do Apelante (artigo 527º, nº 1 e 2, do CPC).


*


Notifique.


*


ÉVORA, 13 de MARÇO de 2025


(José António Moita-Relator)


(Ana Pessoa - 1.ª Adjunta)


(Maria Adelaide Domingos – 2.ª Adjunta)