PROVA ILÍCITA
CONFISSÃO
PROVA PLENA
ARRENDAMENTO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

Sumário:
I - Constituirá prova ilícita toda aquela que seja obtida ou produzida, mediante a violação de normas de direito material, que tutelam direitos fundamentais dos cidadãos, ou aquela cuja formação ou produção em si mesma consubstancie um ilícito.

II - O acordo das partes ou admissão por acordo, tanto por falta de contestação (art. 567º, nº 1, do CPC), como pela não impugnação dos factos (art. 574º, nº 2, do CPC), tem sido concebido como uma confissão tácita ou presumida (fita confessio), ainda que distinta da confissão, sendo, no entanto, fonte de prova legal, ao assumir força probatória plena.

III - De harmonia com o disposto no nº 2 do artigo 1069º do CC, na falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não seja imputável ao arrendatário, este pode provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses.

IV - Assumindo o contrato de arrendamento uma natureza de contrato consensual, para cuja formação se torna necessária a entrega do prédio, e assumindo também a natureza de um contrato obrigacional, a disposição de coisa alheia através da locação não é nula nem sequer anulável, sendo antes perfeitamente válida.

V - Com a desocupação material do locado por parte do autor, provocada pela conduta da ré que mudou a fechadura da porta e pôs as coisas do autor na rua, o que ocorreu foi a chamada “revogação real”, modo de cessação do contrato para o qual não é necessária a observância de qualquer forma, e não a resolução do contrato.

Texto Integral

Proc. nº 114/24.1T8ABT.E1

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


I - RELATÓRIO


AA instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, pedindo que esta seja condenada a indemnizá-lo em quantia nunca inferior a 15.450,00 €, a título de danos patrimoniais e morais, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.


Alega, em síntese:


- Celebrou verbalmente com a ré um contrato de arrendamento habitacional, com início a 7 de agosto de 2022, sendo fixada a renda mensal de € 250,00, tendo o autor sempre pago pontualmente a renda.


- A ré entrava e saía do locado quando lhe apetecia, utilizava o frigorífico, e no mês de Outubro de 2023 disse ao autor que tinha de sair do imóvel locado e, no mês seguinte, cortou a água e a luz, obrigando o autor a tomar banho em casa de amigos.


- Em Novembro de 2023 a ré recolheu todos os objetos pessoais do autor e colocou-os fora do locado, sem que aquele estivesse presente, e trocou também a fechadura do locado, impedindo o autor de ter acesso ao mesmo, factos estes que deixaram o autor triste, humilhado, envergonhado e angustiado e com dificuldade em dormir, sentimentos que permanecem ainda hoje, acrescendo o facto de o autor ter de residir numa residencial, tendo despendido de 08.11.2023 a 08.01.2024 a quantia de € 1.200,00, enquanto se estivesse no imóvel locado só pagaria € 750,00.


Regularmente citada, a ré não apresentou contestação.


Foi proferido despacho a considerar confessados os factos articulados pela autora, nos termos do disposto no artigo 567º, nº 1, do CPC.


Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 567º, nº 2, do CPC, pugnando a autora pela procedência da ação.


Seguidamente foi proferida sentença em cujo dispositivo se consignou:


«Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, decide-se:


A) Decretar a resolução com justa causa do contrato de arrendamento celebrado entre o Autor e a Ré, com fundamento no incumprimento contratual definitivo e culposo da Ré.


B) Condenar a Ré a restituir ao Autor, a título de danos patrimoniais e como efeito da resolução do contrato de arrendamento, o montante de €450,00 (quatrocentos e cinquenta euros) que o Réu despendeu em consequência da conduta dolosa da Ré;


C) Condenar a Ré a pagar ao Autor a título de danos não patrimoniais o montante de €4.750,00 (quatro mil, setecentos e cinquenta euros).»


Inconformada, a ré apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que se transcrevem:


«1 - O Recorrido juntou aos autos filmagens realizadas sem o consentimento, ou autorização, da Recorrente, ainda para mais no interior da sua habitação, ou seja, na máxima reserva da sua intimidade privada;


2 - O Tribunal não devia ter admitido nem valorado tal prova, por indiciar a prática de um crime de devassa da vida privada previsto no artigo 192º do Código Penal e de crime de gravações e fotografias ilícitas previsto no artigo 199º do mesmo diploma;


3 - Entende a Recorrente que tal prova é ilícita dado que obtida mediante a violação de normas de direito material, que tutela direitos fundamentais da Recorrente;


4 - De acordo com o disposto no nº 3 do artigo 417º, do CPC, estando em causa o direito à intimidade da vida privada ou familiar, o consentimento do titular do respectivo direito é fundamental em termos de retirar ilicitude ao acto lesivo;


5 - Faltou, no caso concreto, aquilatar se esse meio de prova, ilicitamente obtido, se mostrava justificado e adequado, o que foi omitido;


6 - No caso concreto, as gravações realizadas no interior da habitação da Recorrente, facto esse que é notório pelas roupas que esta traja, sem o seu consentimento, constituiu gravação ilicitamente obtida, porque efectuada de forma não consentida ou autorizada;


7 - Tendo em conta os interesses em causa, o direito à prova do Recorrido não se sobrepõe ao direito à palavra e à reserva da vida privada da Recorrente, pelo que tal gravação não devia ter sido admitida nem valorada;


8 - A recorrente adere ao entendimento vertido no Acórdão desse Venerando Tribunal, proferido no processo 8346/16.0T8STB-B.E1, de acordo com o qual: “Por constituir meio de prova obtido de forma ilícita, não pode ser admitida a junção, em processo civil, de gravações não consentidas de comunicações orais, por telefone ou de viva voz não destinadas ao público, mesmo que sejam dirigidas a quem fez a gravação, sendo igualmente proibido utilizar ou deixar utilizar as ditas gravações”;


9 - Assim, a sentença proferida pelo Tribunal a quo é nula por ter sido valorada prova proibida em processo cível;


10 - No caso concreto inexiste prova escrita quanto ao pagamento da renda e de documento que provasse a existência de contrato de arrendamento;


11 - Conforme defenderam Lebre Freitas e Isabel Alexandre, no Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, 2017, pág. 543-544 “Quando a lei (art. 364 CC) ou as partes (art. 223 CC) exigem documento escrito como forma ou para prova dum negócio jurídico (ou de outro facto jurídico), esse documento não é dispensável, pelo que o silêncio da parte, tal como a declaração expressa de confissão não pode sobrepor-se-lhe (alínea d)”;


12 - O arrendamento verbal em causa é nulo, nos termos dos artigos 220º, 364º e 1069º, nº 2, do Código Civil;


13 - Assim, nesta conformidade, importa anular a sentença recorrida nos termos do art. 662º nº 2 c) do C.P.C., a qual deve ser substituída por decisão que convide o autor a, no prazo de 10 dias, aperfeiçoar a sua petição inicial - completando a causa de pedir alegando a data da celebração do contrato de arrendamento, identificando os contraentes, esclarecendo se houve transmissão do mesmo e o fim do contrato - e a juntar recibos comprovativos do pagamento da renda, ou documento equivalente;


14 - Não foi junto qualquer documento aos autos que comprovasse a propriedade do imóvel em relação à Recorrente;


15 - Nos termos do artigo 567º, nº 1, do CPC, a revelia tem um efeito cominatório semipleno, pelo que estando em causa factos cuja prova exigia documento escrito, devia o Recorrido ter sido convidado a aperfeiçoar a petição;


16 - Caso não se dê provimento ao acima referido, a Recorrente entende que o valor indemnizatório de € 4.750,00, fixado pelo Tribunal a quo, se mostra excessivo e desproporcional, tendo em conta que o mesmo pagava um valor de € 250,00, incluindo água e luz, quando, de acordo com a experiência comum, um arrendamento, já naquela data, não ficava em valor inferior a € 500,00;


17 - A fixação do valor em causa viola os critérios fixados noa artigos 496º, nº 3 e 566º, nº 1, do Código Civil;


18 - No caso concreto considera-se, em primeira mão, que se tratam de incómodos que não justificam indemnização, mas se se entender de modo diferente, deve o montante em causa na decisão ser reduzido para quantia não superior a € 1.000,00;


19 - Mostra-se violado o contido nos artigos supra referidos e no artigo 668º, nº1, al. d) e e), do Código de Processo Civil.»


O autor contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.


Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


II – ÂMBITO DO RECURSO


O objeto do recurso, tal como delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, consubstancia-se em saber:


- se é ilícita a prova gravada junta aos autos pelo autor;


- se inexiste prova do pagamento de rendas e de documento escrito que prove a celebração do contrato de arrendamento;


- se é desproporcional a indemnização atribuída ao autor.


III - FUNDAMENTAÇÃO


OS FACTOS


Na sentença foram dados como provados os seguintes factos:


1. O A. residiu entre os dias 7 de Agosto de 2022 e 8 de Novembro de 2023, no prédio sito na ....


2. A R. era a possuidora de tal prédio, pelo menos, entre as datas supramencionadas.


3. No dia 7 de Agosto de 2022 foi acordado verbalmente entre o A. e a R., o arrendamento do prédio melhor referido em 1).


4. O A. sempre efetuou o pagamento da renda mensal no valor de 250,00 €, o qual incluía as despesas com água e luz.


5. Apesar da insistência do A. em celebrar contrato de arrendamento escrito, não foi celebrado qualquer contrato escrito entre as partes.


6. A R. não entregou qualquer recibo de renda ao A., sendo que este sempre lhe entregou o valor relativo à renda em numerário, por exigência da R.


7. A R. entrava e saía do locado onde residiu o A. quando bem entendia, fazendo uso do frigorífico existente no locado.


8. No mês de Outubro de 2023, a R. disse ao A. que teria de arranjar outro local para residir.


9. No dia 01 de Novembro de 2023, a R. procedeu ao corte da água e da luz do locado, obrigando o A. a tomar banho em casa de amigos e impedindo o A. de ligar qualquer aparelho elétrico.


10. A 08 de Novembro de 2023, e sem que o A. estivesse presente, a R. recolheu todos os pertences do A. e colocou-os fora do locado, tendo também a Ré, no mesmo dia, e sem que o A. estivesse presente, procedido à troca da fechadura do locado, o que deixou o A. sem acesso ao mesmo.


11. O A., em face do comportamento da R., ficou desesperado, profundamente triste, envergonhado e angustiado com tal situação, o que se mantém, atualmente, e lhe causa enorme dificuldade em conseguir dormir.


12. O A., desde então, tem residido na residencial ..., na qual já despendeu a quantia de 1.200,00€, no período de 08 de Novembro de 2023 a 08 de Janeiro de 2024.


Não foram considerados factos não provados.


O DIREITO


Da ilicitude da prova gravada junta aos autos


Defende a recorrente que as gravações realizadas no interior da sua habitação – facto que diz ser notório pelas roupas que traja - sem o seu consentimento, constituiu gravação ilicitamente obtida, porque efetuada de forma não consentida ou autorizada, pelo que, «tendo em conta os interesses em causa, o direito à prova do Recorrido não se sobrepõe ao direito à palavra e à reserva da vida privada da Recorrente, pelo que tal gravação não devia ter sido admitida nem valorada», e conclui dizendo que a sentença é nula por ter sido valorada prova proibida em processo cível.


Segundo Salazar Casanova1, prova ilícita é «aquela que é obtida ou produzida com ofensa de direitos fundamentais; distingue-se da “prova ilegal” porque esta ocorre quando se desrespeitam normas de outra natureza».


Na jurisprudência, lê-se no acórdão da Relação de Lisboa de 15.04.20212: «(…), constituirá prova ilícita toda aquela que seja obtida ou produzida, mediante a violação de normas de direito material, que tutelam direitos fundamentais dos cidadãos, ou aquela cuja formação ou produção em si mesma consubstancie um ilícito».


No caso em apreço, poderia eventualmente questionar-se a licitude das gravações juntas pelo autor com a petição inicial3, para prova da existência do contrato de arrendamento, nas quais se vê a ré a receber dinheiro do autor que, alegadamente, se destinaria ao pagamento das rendas.


Contudo, mesmo a admitir-se que essas gravações constituem meio de prova ilícita, o certo é que a ré não contestou a ação com os efeitos daí decorrentes, ou seja, terem-se considerado confessados os factos articulados pelo autor (art. 567º, nº 1, do CPC), nem tão pouco se opôs à junção de tais gravações.


Assim, ainda que se admitisse poder a ré, em sede recursiva, questionar a ilicitude de tais gravações, certo é que isso não teria nenhuma consequência de ordem prática, pois o facto que tais gravações pretendiam provar – existência do contrato de arrendamento – mostra-se provado pela confissão ficta da ré, assumindo esta, neste caso, uma verdadeira confissão judicial, na qual, aliás, o tribunal a quo fundamentou a decisão de facto4.


Improcede, pois, este segmento recursivo.


Da existência do contrato de arrendamento


Sustenta a ré/recorrente que no caso inexiste prova escrita quanto ao pagamento da renda e de documento que prove a existência de contrato de arrendamento, sendo o arrendamento verbal nulo, não tendo sido junto qualquer documento aos autos que comprove a propriedade do imóvel em relação à recorrente, concluindo esta que «estando em causa factos cuja prova exigia documento escrito, devia o Recorrido ter sido convidado a aperfeiçoar a petição».


Mas não tem razão a recorrente.


De harmonia com o disposto no nº 2 do artigo 1069º do CC, na falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não seja imputável ao arrendatário, este pode provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses.


Ora, em face dos factos apurados, resultantes da confissão ficta da ré, foi demonstrada a existência do contrato de arrendamento, verbalmente celebrado, com os contornos acima referenciados [pontos 3 e 4 dos factos provados], sendo imputável à ré a não redução a escrito do contrato, assim como a não entrega de recibos comprovativos das rendas pagas pelo autor [pontos 5 e 6].


Quanto à questão de não ser a ré proprietária do locado, ainda que assim fosse, o que não está demonstrado, cabe dizer que celebrado um arrendamento por quem não tem legitimidade para o celebrar, o mesmo não deixa de ser válido entre as partes contratantes, podendo apenas ser ineficaz em relação ao proprietário do imóvel.


Neste sentido, refere Manuel Januário da Costa Gomes5 que, “assumindo o contrato de arrendamento uma natureza de contrato consensual, para cuja formação se torna necessária a entrega do prédio, e assumindo também a natureza de um contrato obrigacional, a disposição de coisa alheia através da locação não é nula nem sequer anulável: é antes perfeitamente válida”.


Também Henrique Mesquita6 considera ser legítimo o arrendamento de coisa alheia, com base em dois tópicos argumentativos: a natureza obrigacional do contrato e o regime inscrito no art. 1034.º, nº1, al. a), do CC, referindo que, “(…) se o contrato de locação de coisa alheia pode originar a sujeição do locador aos efeitos do não cumprimento, isso significa inquestionavelmente que se considera válido o contrato. O locador não pode eximir-se ao cumprimento da obrigação de entrega da coisa locada com fundamento em que esta lhe não pertence e responderá pelos danos que causar ao locatário se culposamente a não cumprir”.


Soçobra também este segmento recursivo.


Do quantum indemnizatório


Diz a recorrente que o montante indemnizatório de € 4.750,00, fixado pelo Tribunal a quo, se mostra excessivo e desproporcional, defendendo que no caso se tratam de incómodos que não justificam indemnização, mas a não se entender assim deve aquele montante ser reduzido para quantia não superior a € 1.000,00.


Antes de abordarmos esta concreta questão, importa considerar o que, após longa excursão pelos requisitos da responsabilidade civil, se escreveu na sentença recorrida a respeito dos danos patrimoniais:


«O incumprimento definitivo do contrato celebrado entre A. e R., imputável à Ré, confere à A. o direito de o resolver, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 432º, n.º 1, 799º, n.º 1 e 801º, n.º 2, todos do Código Civil.


A resolução do contrato pode ocorrer quando esteja prevista na lei ou por acordo das partes, tendo a resolução efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, e faz-se por declaração à outra parte, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 289º, n.º 1, 432º, n.º 1, 433º e 436º, n.º 1 e nº 2, todos do Código Civil.


No caso concreto, foi fixado um prazo para o cumprimento da obrigação assumida pela Ré através de citação da Ré pagar a quantia de €450,00 a título de danos patrimoniais, sendo a interpelação através de citação sob pena de não o fazendo, que a obrigação se teria por definitivamente não cumprida, assistindo ao Autor, o direito de resolver o contrato, com justa causa, com base na existência do incumprimento culposo e definitivo imputável à Ré, e exigir desta o ressarcimento dos prejuízos causados, bem como o pedido de restituição das quantias pagas pelo Autor pelo alojamento local em excesso, no valor de €450,00, o que se decide.»


Ora, salvo o devido respeito, em momento algum o autor pediu a resolução do contrato, nem tão pouco no caso há lugar à declaração de resolução do contrato por justa causa, pois com a desocupação material do locado por parte do autor, o que ocorreu foi a chamada “revogação real”, modo de cessação do contrato para o qual não é necessária a observância de qualquer forma7.


Essa revogação, operada pela ré, sem nenhum motivo justificado, constituiu a ré na obrigação de indemnizar o autor pelos prejuízos sofridos, indemnização essa que é, aliás, o único pedido formulado pelo autor.


Definidos estes conceitos, vejamos se é ou não desproporcionada a indemnização de € 4.750,00 pelos danos não patrimoniais, fixada na sentença recorrida.


A obrigação de indemnização neste âmbito decorre do disposto no artigo 496º, nº 1, do CC que estabelece que «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito».


No caso vertente não sofre dúvida que, pela sua gravidade, os danos que o autor sofreu ([ide pontos 9,10 e 11 dos factos provados], merecem ser indemnizados, pelo que há apenas que determinar se é ou não adequado o quantum indemnizatório fixado na sentença a este título.


Dispõe o artigo 496º, nº 4, do CC que «o montante da indemnização será fixado equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º». Isto é, a indemnização por danos não patrimoniais, deve ser fixada de forma equilibrada e ponderada, atendendo em qualquer caso (quer haja dolo ou mera culpa do lesante) ao grau de culpabilidade do ofensor; à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso, como por exemplo, o valor atual da moeda. Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela, «o montante de indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas de criteriosa ponderação da realidade da vida».8


A indemnização por danos não patrimoniais é, mais propriamente, uma verdadeira compensação: segundo a lei, o objetivo que lhe preside é o de proporcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos, e não o de o recolocar “matematicamente” na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido; a reparação dos prejuízos, precisamente porque são de natureza moral (e nessa exata medida, irreparáveis) é uma reparação indireta, comandada por um juízo equitativo que deve atender às circunstâncias referidas no artigo 494º do CC.9


Ora, no caso em análise, com particular relevo para a decisão, há que ter em consideração, nomeadamente, o caráter doloso da conduta da ré - dolo direto, logo intenso -, a ilicitude dessa mesma conduta, traduzida em a ré ter procedido à troca da fechadura do locado e colocado as coisas do autor na rua, o que provocou neste desespero, vergonha e angústia, situação que se mantém ainda hoje, e que causa ao autor dificuldade em conseguir dormir.


Neste contexto, a compensação que é devida ao autor, com base na equidade e que se tem como justa, deve ser fixada como é, em € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), valor atualizado à presente data.


Por conseguinte, procede parcialmente este segmento do recurso.


Sumário:


(…)


IV – DECISÃO


Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, condenam a ré a pagar ao autor a quantia de € 2.500,00 a título de danos não patrimoniais, mantendo-se a condenação na quantia de € 450,00 fixada na sentença a título de danos patrimoniais.


Custas aqui e na 1ª instância a cargo de autor e ré, na proporção do respetivo decaimento.


*


Évora, 13 de março de 2025


Manuel Bargado (Relator)


Sónia Moura


Ana Pessoa


(documento com assinaturas eletrónicas)

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1. Provas ilícitas em processo civil. Sobre a admissibilidade e valoração de meios de prova obtidos pelos

particulares, in Revista Direito e Justiça, vol. XVIII, Tomo I, 2004, p. 101.↩︎

2. Proc. 705/18.0T8CSC-A.L1-2, disponível como os demais adiante citados sem outra indicação, in www.dgsi.pt.↩︎

3. Não de todas, pois dois dos oito ficheiros de vídeo juntos foram gravados no locado e visam demonstrar o corte da luz e da água aí verificado.↩︎

4. O acordo das partes ou admissão por acordo, tanto por falta de contestação (art. 567º, nº 1, do CPC), como pela não impugnação dos factos (art. 574º, nº 2, do CPC), tem sido concebido como uma confissão tácita ou presumida (fita confessio), ainda que distinta da confissão, sendo, no entanto, fonte de prova legal, ao assumir força probatória plena - cfr., inter alia, Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, 1961, p. 703; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 142..↩︎

5. Constituição da relação de arrendamento urbano: sua projecção na pendência e extinção da relação contratual; Almedina, 1980, p. 287.↩︎

6. In RLJ ano 125º, p. 100, nota 1.↩︎

7. Cfr. Acórdão desta Relação de 08.06.2017, proc. 349/16.0T8PTM.E1, in www.dgsi.pt.↩︎

8. Código Civil Anotado, Volume I, 3ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, p. 474.↩︎

9. Cfr. acórdão do STJ de 14.09.2010, proc. 267/06.0TBVCD.P1.S1.↩︎