PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE MENORES
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
CONFIANÇA A INSTITUIÇÃO COM VISTA A FUTURA ADOÇÃO
Sumário

Sumário:
I. Todas as medidas de promoção e proteção devem ser aplicadas tendo em conta o superior interesse das crianças.
II. A aplicação da medida de confiança com vista à adoção (artigo 35.º, alínea g) da LPCJP) pressupõe que se encontrem seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 1978.º do Código Civil, nomeadamente, se os pais, por ação ou omissão, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança.
III. Encontra-se evidenciado esse quadro quando os progenitores, apesar das várias oportunidades que tiveram, revelam falta de aptidão para exercer uma parentalidade responsável, sendo incapazes de cuidar e proteger os filhos, colocando-os, ao invés, em situação de perigo para a sua saúde e bem estar.

Texto Integral

Processo n.º 508/13.8TBABT-G.E1 (Apelação em Separado)

Tribunal recorrido: TJ Comarca de ..., Juízo de Família e Menores de ...

Apelante: AA

Apelado: BB




Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de ÉVORA

I – RELATÓRIO

Ação


Promoção e proteção.


Crianças


CC, nascido em ...-...-2015 (atualmente com 9 anos).


DD, nascido em ...-...-2019 (atualmente com 5 anos)


Encontram-se acolhidos no Lar EE em ..., na sequência de aplicação de medida provisória de promoção e proteção de acolhimento residencial, pelo período de três meses, proferida em 15-11-2024.


Progenitores


BB


AA


Debate Judicial


Realizado com a presença de juízes sociais.


Foi realizada prova.


Acórdão


Proferido em 30-01-2025, com a seguinte parte dispositiva:


«3.1.- Pelo exposto, delibera o Tribunal substituir as medidas de promoção e protecção aplicadas, em benefício das crianças DD e de CC, nascidos na ... e ...) e de ..., concelho de ..., respectivamente, em .../.../2019 e em .../.../2015, filhos de BB e de AA, medidas estas que eram as medidas de apoio junto do pai, BB, no caso da criança CC, pelo prazo de seis meses, com vigilância e supervisão do CAFAP e da Segurança Social, e da medida de apoio junto da mãe, AA, no caso da criança DD, pelo prazo de seis meses, igualmente com vigilância e supervisão do CAFAP e da Segurança Social;


3.2.-Aplicando o Tribunal, em benefício de ambas as crianças, a medida de confiança, com vista à adopção de ambas as crianças, à Casa de Acolhimento denominada de «Lar EE », sita em ..., devendo a Casa de Acolhimento dar execução à medida ora aplicada em benefício de ambas as crianças,


3.3.- Esta medida dura até ser decretada a adopção e não está sujeita a revisão ( artº 62º-A nº 1 da LPCJP ).


3.4.- Nos termos do disposto no artº 62º-A nºs 3 a 5 da LPCJP, nomeia-se curadora provisória das crianças, a Ex.ma Sra. Dra. EE, directora técnica da casa de acolhimento.


3.5.- Atenta a medida aplicada, em conformidade com o disposto no artº 62º-A nº 6 da LPCJP, não há lugar a visitas por parte da família natural, ficando os pais das crianças inibidos das responsabilidades parentais, nos termos do disposto no artº 1978º-A do C.C.


3.6.- Sem custas ( artº 4º nº 1, al. a) do R.C.P. ).


3.7.- Registe, notifique e comunique à casa de acolhimento onde as crianças se encontram, bem como à EMAT local e ao CAFAP.»

Recurso

Apelou a progenitora, pugnando pela revogação do acórdão, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:


«1 - Entende a Recorrente que a decisão de adopção, proferida no âmbito do acórdão agora em recurso, não se encontra devidamente fundamentada, nomeadamente no que a si diz respeito;


2 – O Meritíssimo juiz do tribunal a quo não avaliou os vários esforços que a recorrente encetou para que os filhos ficassem junto de si, nem as medidas que tomou, nomeadamente na busca de ajuda médica para o filho DD que estava confiado à mãe e na impotência pela falta de ajuda das instituições que tinham a “obrigação” de a ajudar, atestadas pelos vários requerimentos juntos aos autos, tanto pela Patrona nomeada como pela própria Recorrente, na qual essa posição sempre foi expressa;


3 – No que à Recorrente respeita, consta do douto Acórdão que “Não resulta que os progenitores sejam totalmente inaptos para o exercício da parentalidade, o que resulta é que eles, por si só, sem a ajuda de terceiras pessoas, não conseguem exercer essa mesma parentalidade”.


4 - E ainda, na alínea AZ) dos factos provados: “AA tem capacidade para o exercício da parentalidade, pois racionalmente consegue identificar práticas educativas adequadas, embora não disponha de maturidade e estabilidade emocional suficiente para as aplicar, sem ajuda, no dia a dia.” (Sublinhado nosso);


5 – Por outro lado, na alínea AM) dos factos provados, consta que “A mãe das crianças abandonou, voluntariamente, o acompanhamento psicológico a que ainda se submeteu, por entender que estava bem de saúde e que não precisava de acompanhamento psicológico.” (Sublinhado nosso);


6 – Contudo, o Meritíssimo juiz do tribunal a quo não teve em consideração que, em sede de debate, a AA, ora Recorrente, confrontada pelo mesmo, sobre a necessidade de voltar a ter acompanhamento psicológico, referiu estar disponível para esse efeito;


7 – Posição essa manifestada pela Recorrente e demonstrativa de que aceitava a ajuda para adquirir mais competências a fim de manter os filhos CC e DD junto de si, o que não foi valorado pelo tribunal a quo;


8 – Entendendo a Recorrente que existem vínculos entre a mãe e os filhos, CC e DD, que não se encontram seriamente comprometidos e que não foram tidos em consideração, não se tendo verificado uma ruptura definitiva do vínculo afectivo;


9 - Por outro lado, não é pelo facto de os menores serem entregues para adopção que se vai pôr fim à institucionalização, pois nada garante que seja fácil encaminhar rapidamente para adopção;


10 - De modo que, a medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção só deverá ser adoptada quando esteja afastada a possibilidade de retorno da criança ou do jovem à sua família natural (princípio da prevalência da família biológica, expresso no art. 4º, g), da LPCJP) e não puder salvaguardar-se a continuidade das ligações afectivas, o que, entende a Recorrente, não se verifica neste caso concreto;


11 – Devendo o douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo deve ser revogado, e que a medida de promoção e proteção aplicada seja substituída por outra que, tendo sempre em conta o superior interessa das crianças, tenha igualmente em conta o acima referenciado;


12 – Mostram-se violados, entre outros, os artigos 1978º, do Código Civil; 36º, nº 5 e 67º, nº 1, da CRP.»

Resposta ao recurso

O progenitor e o Ministério Público responderam ao recurso, pugnando no mesmo sentido, ou seja, pela confirmação do acórdão recorrido.


II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO


A 1.ª instância fundamentou a decisão com base na seguinte matéria de facto:


FACTOS PROVADOS


«A)- DD, nasceu em .../.../2019, na União das freguesias de ... ) e de ..., do concelho de ..., sendo filho de BB e de AA.


B)- CC, nasceu em .../.../2015, na União das freguesia de ... ) e de ..., concelho de ..., sendo filho de BB e de AA.


C)- Cada uma das crianças, praticamente desde o nascimento, foi referenciada pela CPCJ, como estando numa situação de perigo.


D)- Por decisão transitada em julgado, proferida em 11/2/2021, nos termos do disposto nos arts. 3º nº 2, als. b) e f); 35º nº 1, al. f); 49º; 50º; 51º e 91º e 92º da LPCJP, foi aplicada, pelo prazo de três meses, em benefício da criança DD, a medida cautelar, em procedimento de urgência, de acolhimento residencial em estabelecimento a referenciar de imediato na rede da Segurança Social.


E)- O mesmo sucedeu com a criança CC, ao qual, por sentença transitada em julgado, proferida em 11/2/2021, nos termos do disposto nos arts. 3º nº 2, als. b) e f); 35º nº 1, al. f); 49º; 50º; 51º e 91º e 92º da LPCJP, foi aplicada, pelo prazo de três meses, em seu benefício, a medida provisória de acolhimento residencial em estabelecimento a referenciar de imediato na rede da Segurança Social.


F)- Por Acórdão transitado em julgado, proferido nos presentes autos em 24/3/2022, o Tribunal deliberou substituir a medida de promoção e protecção aplicada, a título provisório, em benefício das duas crianças supra identificadas, e que era a medida de acolhimento residencial no « ...» da ..., pela medida de acolhimento residencial, pelo prazo de um ano, na referida instituição.


G)- Foi, igualmente, deliberado, pelo Tribunal, nesse Acórdão, que o projecto de vida das crianças, seria o regresso, à sua família natural, no prazo de um ano, se, entretanto, a mãe, ou o pai, ou ambos, adquirissem condições de parentalidade positiva; sendo que, para o efeito, deveriam ambos os pais, acompanhados dos respectivos companheiros, ser acompanhados pelo CAFAP, devendo os pais seguir as orientações, sugestões e recomendações que o CAFAP lhes determinasse e, ainda, os pais, com o seu consentimento, deveriam ser seguidos por psicólogo, com vista à construção da parentalidade positiva e aquisição de maturidade e estabilidade emocional suficiente, com vista a aplicarem as práticas educativas adequadas, no dia- a-dia das crianças.


H)- Por Acórdão transitado em julgado, proferido nos presentes autos em .../.../2023, o Tribunal deliberou :


- substituir a medida de promoção e protecção aplicada, a favor das crianças DD e de CC, nascidos na ... e ... ) e de ..., concelho de ..., respectivamente, em .../.../2019 e em .../.../2015, filhos de BB e de AA, na ocasião acolhidos no « Centro de Acolhimento Temporário ...", da Associação ... », com efeitos reportados ao final do ano lectivo 2022/2023 e, em consequência, aplicar :


a)- à criança CC, a medida de apoio junto do pai, BB, pelo prazo de seis meses, com vigilância e supervisão do CAFAP e da Segurança Social, os quais continuariam a transmitir, ao pai, conceitos sobre o exercício da parentalidade, devendo no dia-a-dia, verificar se ele punha em prática esses mesmos conceitos;


b)- à criança DD, a medida de apoio junto da mãe AA, pelo prazo de seis meses, com vigilância e supervisão do CAFAP e da Segurança Social, os quais continuariam a transmitir, à mãe, conceitos sobre o exercício da parentalidade, devendo, no dia-a-dia, verificar se ela punha em prática esses mesmos conceitos.


- mais foi deliberado, pelo Acórdão de 25/5/2023, que o DD passaria, quinzenalmente, o fim de semana com o pai, na companhia do CC e que o CC passaria, quinzenalmente, o fim de semana com a mãe, na companhia do DD, para que, num dos fins de semana, o CC e o DD passassem juntos o fim de semana com o pai e, no outro fim de semana, o CC e o DD passassem juntos o fim de semana com a mãe e assim sucessivamente, sendo que qualquer um dos pais seria o encarregado de educação da criança que teria ao seu cuidado, incumbindo, quer ao BB, quer à AA, providenciar pela matrícula, em estabelecimento de ensino adequado a cada uma das crianças, no ano lectivo 2023/2024, podendo ter, para o efeito, a ajuda ou a orientação do CAFAP e da Segurança Social.


I)- Por decisão proferida nos presentes autos em 15/11/2024, o Tribunal determinou a substituição das medidas de promoção e protecção aplicadas em benefício das crianças DD e CC ( de apoio junto da mãe, no caso do DD, e de apoio junto do pai, no caso do CC ) e, aplicou, a título provisório, pelo prazo de três meses, a medida de acolhimento residencial, em benefício de ambas as crianças, em estabelecimento a referenciar pela Segurança Social, enquanto se procedesse à definição do encaminhamento subsequente das crianças.


J)- Actualmente, ambas as crianças encontram-se acolhidas no Lar EE, em ....


K)- A AA tem, ainda, os seguintes filhos :


- FF, nascida em .../.../2005, filha de GG;


- HH, nascido em .../.../2009, filho de GG;


- os gémeos II e JJ, nascidos em .../.../2022, filhos de KK, actual companheiro da AA.


L)- AA nasceu em .../.../1989. É solteira.


M)- Actualmente, encontra-se desempregada.


N)- Reside com um companheiro, que trabalha como motorista de pesados e com os filhos gémeos de ambos, II e JJ.


O)- BB nasceu em .../.../1979. É solteiro.


P)- Trabalha como mecânico de automóveis e reside com uma companheira. Não têm filhos em comum.


Q)- FF beneficiou da medida de promoção e protecção de acolhimento residencial, aplicada no âmbito do Processo de Promoção e Protecção apenso com o nº 508/13.8...-B, a qual cessou, por decisão proferida em 7/7/2023, em face da maioridade da jovem e dela não ter solicitado a continuidade da medida, para além da maioridade, encontrando-se, actualmente, a FF autonomizada, não residindo com os pais.


R)- HH beneficia da medida de promoção e protecção de acolhimento residencial, aplicada no âmbito do Processo de Promoção e Protecção apenso com o nº 508/13.8...-B, a qual tem sido prorrogada ao longo do tempo, sendo que, por decisão proferida nesse apenso em 14/12/2024, foi determinado que o HH beneficiasse da medida de promoção e protecção de acolhimento residencial no Centro de Acolhimento da ..., em ..., local onde, actualmente, o mesmo se encontra.


S)- Os gémeos II e JJ, beneficiam da medida de promoção e protecção de apoio junto da mãe, aplicada no âmbito do Processo de Promoção e Protecção apenso com o nº 508/13.8...-F e que, também, já foi prorrogada.


T)- em relação a estes gémeos, não existiu acordo para a última prorrogação da medida, tendo o M.P. apresentado alegações no sentido de serem as crianças confiadas a instituição com vista a futura adopção, encontrando-se os autos a seguir os seus trâmites, com vista à realização de debate judicial.


U)- Corre termos, no D.I.A.P. de ..., um inquérito criminal, com o nº 146/24.0..., em que se investiga a prática de crime de violência doméstica, sendo arguida, a ora progenitora AA.


V)- No dia 1/11/2024, DD foi observado, no Serviço de Urgência da Unidade Local de Saúde do ..., tendo o Sr. médico observado, no corpo da criança, equimoses na região lombar/bacia, à direita e 1/3 inferior e anterior da perna direita, encontrando-se os factos em investigação criminal.


W)- No dia 7/11/2024, DD foi observado pelo Sr. perito médico-legal, sendo que a criança apresentava as seguintes lesões : no abdómen, duas equimoses amareladas dispersas pela transição entre a metade direita da região lombar e a face lateral direita do abdómen, ocupando uma área medindo 4,2 cm x 2 cm; no membro inferior direito, equimose amarelada e arroxeada, interessando o terço distal das faces anterior e lateral da perna, medindo 2,3 cm x 2 cm; as lesões atrás referidas terão resultado de traumatismo de natureza contundente, encontrando-se os factos em investigação criminal.


X)- No dia 12/5/2024, a criança CC deu entrada, no Serviço de Urgência hospitalar, por erupções cutâneas dispersas pelo corpo, com prurido ( que surgiram no dia anterior ), por mordedura de pulga no tronco e membros.


Y)- Mais se queixava a criança de dores em região da coluna dorsal e havia presença de nódoas negras no braço direito.


Z)- Tinha, também, dor à palpação da região dorsal, sem sinais inflamatórios locais, bem como hematoma, em regressão, no braço direito.


AA)- Após, foi a criança CC sujeita a perícia médico legal, tendo o Sr. perito médico observado, no membro superior direito da criança, 3 equimoses arroxeadas, com áreas de pele sã entre ambas, interessando o terço proximal da face anterior do braço e a região deltóide, ocupando uma área medindo 5,5 cm x 2 cm ( sugestivas de dedos ), sendo que estas lesões terão resultado de traumatismo de natureza contundente, encontrando-se os factos em investigação criminal.


AB)- Após ter sido proferido o Acórdão aludido na al. H) dos factos provados e as crianças terem ido residir com os progenitores ( o DD foi residir com a mãe e o CC, foi residir com o pai ), as crianças começaram a regredir, quer em termos de saúde mental, quer em termos de comportamento, quer em termos de regras a que estavam sujeitos, cuidados prestados e educação.


AC)- A criança DD, em casa da mãe, mordia e agredia os irmãos, encontrando-se a ser acompanhado em Pedopsiquiatria no Hospital Distrital de ....


AD)- A criança CC tem acompanhamento psicológico, pedo-psiquiátrico e de terapia da fala. Toma medicamentação. Tem dificuldades de aprendizagem e prefere um ensino mais prático, a um ensino puramente teórico.


AE)- O comportamento das crianças DD e CC, piorou, desde que foram residir com os progenitores, após o Acórdão aludido na al. H) dos factos provados, tendo ambas as crianças se tornado mais instáveis e agressivas.


AF)- A criança CC, antes da decisão proferida em 15/11/2024, frequentava, em termos escolares, uma instituição ( o ... ), a qual não era a adequada para a educação e situação pessoal da criança, tendo sido transmitida, ao pai da criança, pelo ..., que o CC deveria frequentar o ensino regular, sendo que nem o pai, nem a mãe, retiraram a criança da instituição de ensino que a mesma frequentava.


AG)- O ... acompanhou estas crianças e as respectivas famílias biológicas, ao longo de sete anos de intervenção, tendo a equipa considerado que não existiam condições para inverter a situação de perigo em que as crianças se encontravam com os respectivos progenitores.


AH)- Não existe potencial e motivação para a mudança, por parte dos progenitores.


AI)- A mãe não aceitou as orientações do serviço do CAFAP, não compareceu, muitas vezes, quando era convocada e tomava decisões que serviam os seus próprios interesses e não os interesses dos filhos.


AJ)- Ao longo destes anos, o CAFAP não conseguiu referir um aspecto ou objetivo que tenha sido possível trabalhar com a mãe.


AK)- O pai das crianças admitiu, ao CAFAP, que não tinha capacidade para cuidar dos filhos, considerando que deveria ser aplicada medida de acolhimento residencial.


AL)- Em sede de debate judicial, o mesmo até nem se importou que as crianças fossem encaminhadas para a adopção.


AM)- A mãe das crianças abandonou, voluntariamente, o acompanhamento psicológico a que ainda se submeteu, por entender que estava bem de saúde e que não precisava de acompanhamento psicológico.


AN)- Os pais das crianças nunca conseguiram explicar as situações de facto indicadas nas als. V), W), X), Y), Z) e AA) dos factos provados, não apresentando qualquer razão para as crianças apresentarem aquelas lesões corporais.


AO)- Actualmente, os pais não se conseguem opor às situações de perigo existentes para a segurança, a saúde, a educação e a formação das crianças.


AP)- Os pais das crianças dão-se mal entre si, o que ainda mais contribuiu para o descontrolo da situação das crianças.


AQ)- Durante o tempo em que viveram juntos, eram frequentes as discussões entre a AA e o BB, o que muito contribuiu para o insucesso da intervenção social.


AR)- A mãe das crianças considera-se uma pessoa auto-suficiente, sobrevalorizando as suas competências e minimizando as exigências parentais. Não gosta muito que se metam na sua vida e entende que não precisa de acompanhamento psicológico, tanto assim que frequentou, durante muito pouco tempo, as consultas de psicologia da Dra. LL.


AS)- Pelo menos desde o primeiro acolhimento do CC e do DD, que a Segurança Social nunca foi contactada por qualquer elemento das famílias alargadas, quer materna, quer paterna.


AT)- Em momentos anteriores do processo destas crianças e dos seus irmãos mais velhos, os avós maternos e os avós paternos foram avaliados pela Segurança Social, não apresentando condições para acolher os netos, pela idade, saúde precária e dificuldades em se organizar a si mesmos.


AU)- Apenas os senhores identificados como padrinhos de CC, se mostraram disponíveis para acolher as crianças, não se constituindo os mesmos como alternativa ao acolhimento residencial das crianças.


AV)- AA não manifesta sintomas psicopatológicos claros, mas tem tendências para alguma instabilidade emocional e necessidade de controlo do que a rodeia.


AW)- Apresenta discurso com algumas contradições e incoerências, grande dificuldade em assumir as suas próprias fragilidades e clara tendência para a atribuição exterior da culpa.


AX)- AA tem tendência para os estilos parentais autoritários e autorizantes.


AY)- Esforça-se por encontrar um elevado controlo sobre os filhos, sendo que, em algumas situações, entende que o pode fazer de forma mais autoritária, impondo a obediência de forma rígida e pouco tolerante e, noutras situações, tenta impor esse controlo de forma mais afectuosa e compreensiva, tentando respeitar a opinião, o raciocínio e a autoridade dos filhos.


AZ)- AA pode ter capacidade para o exercício da parentalidade, pois racionalmente consegue identificar práticas educativas adequadas, embora não disponha de maturidade e estabilidade emocional suficiente para as aplicar, sem ajuda, no dia-a-dia.


BA)- Em termos de competências parentais, precisa de apoio e supervisão de figuras estáveis, sendo que recusou esse mesmo apoio, por parte do CAFAP e da Segurança Social, não tendo posto em prática, assumidamente, as orientações que recebeu, porque as considerou desajustadas.


BB)- O pai das crianças não revela sintomas psicopatológicos, mas demonstra alguma insegurança e baixa auto-confiança, sendo influenciado pelo contexto e relações que estabelece, desde logo por aquilo que diz a sua companheira.


BC)- Quanto ao exercício da parentalidade, o pai das crianças oscila entre entre os estilos parentais autoritários e autorizantes.


BD)- O mesmo não apresenta, neste momento, psicopatologia que permita a realização de um diagnóstico psiquiátrico, englobável numa das classificações internacionais de doenças.


BE)- Em termos de competências parentais, o pai das crianças também precisava de apoio e supervisão de figuras estáveis, não se tendo revelado que a sua actual companheira tenha condições pessoais para lhe proporcionar essa ajuda.


BF)- Para além disso, também não pôs em prática as orientações que recebeu por parte do CAFAP e da Segurança Social.»


FACTOS NÃO PROVADOS


«A)- Que, quando se encontrava em casa com os dois filhos CC e DD, a AA passasse muito do tempo a dormir ou ao telemóvel.


B)- Que a AA não cozinhasse e mandasse o CC comer chocolates e outros doces.


C)- Que, no início de 2021, a mãe de AA tivesse mandado couves e outros víveres para que a filha os cozinhasse, mas esta deixou-os estragar.


D)- Que, entre 2020 e o início de 2021, a AA e o BB tivessem, durante algum tempo um cão no apartamento, o qual sujava toda a casa com os dejetos, que ainda se podiam ver na varanda em Janeiro de 2021.


E)- Que o CC urinasse na cama e, por isso, o colchão estivesse estragado e cheirasse a urina.


F)- Que o CC dormisse, num sofá, na sala, e que também as respetivas almofadas se encontrassem já estragadas, devido à urina, podendo ver-se, por vezes, na varanda a secar.


G)- Que houvesse na casa montes de roupa por cima das camas, não se distinguindo se estava lavada ou suja.


H)- Que fosse frequente, desde que habitavam aquela casa, que a AA saísse de casa, subindo a um salão de cabeleireira no 2º andar para tomar café, deixando as crianças sozinhas em casa.


I)- Que as crianças, quando voltaram a residir, com os pais, após ter sido proferido o Acórdão aludido na al. H) dos factos provados, tivessem tido um bom relacionamento com os adultos e com outras crianças e que cumprissem, com regularidade, regras e rotinas.


J)- Que os pais das crianças tenham posto em prática os conselhos e os ensinamentos que lhes foram sendo transmitidos, quer pelo CAFAP, quer pela Segurança Social.


K)- Que os pais das crianças tenham criado um ambiente sadio, sem discussões e brigas, no qual as crianças pudessem viver.


L)- Que, actualmente, existam laços afectivos fortes entre os pais e as crianças.»


III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1. O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), consubstancia-se nas seguintes questões:

- 1.ª Questão: Se o acórdão padece de falta de fundamentação;

- 2.ª Questão: Se deve ser revogada e substituída por outra, a medida de confiança a instituição com vista à adoção das crianças.

2. 1.ª Questão: Se o acórdão padece de falta de fundamentação


Alega a Apelante que a decisão proferida «não se encontra devidamente fundamentada» por o tribunal recorrido não ter considerado os esforços que fez para que os filhos ficassem consigo, nem as medidas que tomou, nomeadamente na busca de ajuda médica para o filho apesar da falta de ajuda das instituições que a deviam ajudar.


Vejamos.


A falta de fundamentação (de facto ou de direito) de uma decisão judicial é um vício formal específico que a lei reconduz à nulidade do ato decisório, como decorre do artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, em consonância, aliás, com o consagrado na CRP e na lei ordinária (artigo 205.º, n.º 1, da CPR, artigos 154.º, n.º 1 e 607.º, n.º 4, do CPC).


Porém, o conhecimento desta nulidade carece de ser arguida, pois não é de conhecimento oficioso.


No caso em apreço, é preclaro que a Apelante não arguiu a nulidade do acórdão recorrido, pois, para além de nem sequer aludir, expressa ou implicitamente, ao referido vício formal, limita-se a invocar de forma genérica e conclusiva que há falta de fundamentação remetendo para a falta de consideração de factos por parte do tribunal.


Na verdade, tal alegação a ser consequente significaria que a Apelante entende que existe algum vício ao nível da ponderação de factualidade relevante para a decisão a tomar. O que, naturalmente, não se enquadra na falta de fundamentação do ato, mas antes na impugnação da decisão de facto por omissão de factos relevantes para a decisão proferida (cfr. artigo 640.º do CPC).


Ora, também a Apelante não impugnou a decisão de facto, nem sequer esboça que o pretenda fazer.


Como bem se pode ver do alegado após a invocação da falta de fundamentação, quando se reporta a factos dados como provados (cfr. Conclusões 3 a 7), o que daí resulta é um inconformismo com o decidido, ou seja, o que, na verdade, está em causa é saber se a decisão tomada no acórdão recorrido corresponde a uma decisão acertada em termos de salvaguardar o superior interesse destas crianças. O que é uma questão de mérito a analisar infra.


Nestes termos, improcede a 1.ª questão.

3. 2.ª Questão: Se deve ser revogada e substituída por outra, a medida de confiança a instituição com vista à adoção das crianças.


A ponderação a fazer tem como pressuposto a decisão de facto inscrita no acórdão recorrido, importando, agora, analisar os parâmetros jurídicos dessa aferição e acerto do que foi decidido, ou seja, se os factos apurados exigem, em termos de salvaguarda do superior interesses destas crianças, a aplicação da medida de confiança a instituição com vista à adoção dos mesmos.


Estipula o artigo 36.º, n.ºs 5 e 6, da CRP, que os pais têm o direito e o dever de educar e manter os filhos, não podendo estes deles ser separados, exceto quando os pais não cumprirem para com eles os seus deveres fundamentais, o que apenas pode ser decidido mediante decisão judicial e sempre na perspetiva da salvaguarda do supremo interesse dos filhos, princípio que baliza a intervenção dos tribunais e se afirma como verdadeira razão de ser do direito das crianças e jovens.


Paralelamente, a CRP impõe ao Estado determinados deveres. Como decorre dos artigos 68.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1 e 2, da CRP, o Estado protege os progenitores na realização da sua insubstituível ação em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, protegendo, igualmente, as crianças com vista ao seu desenvolvimento integral e no âmbito de um ambiente familiar normal.


O Código Civil, por sua vez, determina no artigo 1878.º que compete aos pais, no interesse dos filhos, designadamente, velar pela saúde e educação destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação.


As medidas que impeçam os progenitores de dar cumprimento aos poderes-deveres (poderes funcionais) conferidos pela lei, estão sujeitas a princípios orientadores e encontram-se submetidos ao critério de necessidade, adequação e proporcionalidade, só se justificando quando haja violação de deveres fundamentais por parte dos progenitores. A medida de promoção e proteção que confia a criança/jovem a terceiros com vista à adoção e que se traduz numa separação entre pais e filhos, é a medida mais gravosa, constituindo a ultima ratio das medidas previstas.


De acordo com o disposto no artigo 34.º da LPCJP, as medidas de promoção dos direitos e de proteção das crianças e dos jovens em perigo visam três objetivos fundamentais na ótica do interesse das crianças e dos jovens:


-Afastar o perigo em que se encontrem;


-Proporcionar-lhes segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral;


-Assegurar a sua recuperação física e psicológica quando forem vítimas de exploração ou de abuso.


As medidas concretas para atingir tais fins encontram-se consignadas no artigo 35.º, da LPCJP, e reconduzem-se a dois tipos de intervenção: no meio natural de vida e de colocação (acolhimento familiar ou institucional, até à mais radical das alterações, que é a confiança das crianças ou dos jovens a pessoa selecionada para a adoção ou a uma instituição com vista a futura adoção).


Constitui princípio orientador de intervenção neste âmbito o da prevalência da família (cfr. alínea g) do artigo 4.º, da LPCJP), pelo que deve ser dada prevalência às medidas que integrem a criança na sua família ou que promovam a sua adoção.


A primazia vai, assim, para as medidas que não envolvam o afastamento da criança dos pais ou da família em detrimento das que se consubstanciam na colocação familiar ou institucional.


Deste modo, e sempre que seja possível, deve proceder-se à proteção da criança no seu seio familiar; caso tal não seja realizável, há que optar pela medida que promova a adoção da criança já que esta solução será a que mais se aproxima da família natural e melhor potencia o processo de socialização e desenvolvimento da criança.


Todas as crianças têm o direito fundamental de poderem crescer no seio de uma família (natural ou substitutiva), pelo que o direito e dever dos pais à educação e manutenção dos filhos, direito constitucionalmente previsto, não corresponde a um direito subjetivo dos pais, mas a um poder funcional fundamentalmente dirigido no interesse dos filhos, que cede perante o interesse superior da criança e do jovem em concreto (princípio basilar e estruturante de aplicação das medidas).


A Convenção Sobre os Direitos da Criança, aprovada em Nova Iorque em 20/11/1989 (aprovada por Portugal e publicada no D.R., I série, de 12/09/1990), estabelece que todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança (artigo 3.º, n.º 1.).


Nos termos do nº 1 do artigo 9.º da Convenção, a criança não será separada dos seus pais contra a vontade destes, a menos que a separação se mostre necessária, «no interesse superior da criança». A negligência e os maus-tratos, por exemplo, podem tornar necessária a separação.


Nos termos do artigo 20.º da Convenção, também em nome do superior interesse das crianças, prevê o afastamento das crianças do seu ambiente familiar, reconhecendo-lhes o direito a proteção alternativa, que pode incluir a adoção, reiterando o artigo 21.º da Convenção que o interesse superior da criança será a consideração primordial no domínio da adoção.


A aplicação da medida de confiança a instituição com vista à adoção (artigo 35.º, alínea g) da LPCJP) pressupõe que se encontrem seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação, mercê da verificação objetiva das situações que enuncia, destacando-se com relevo para a situação dos autos:


«(…)


d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança;


(…)


2 - Na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança.


3 - Considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças.


(…).»


Na apreciação da situação de perigo aludida no preceito suscetível de determinar a aplicação de uma medida de promoção e proteção deve atender-se ao conjunto de medidas que sejam suscetíveis de concretização efetiva, atentos os meios e recursos disponíveis no momento e no local em que são aplicadas, levando sempre em conta que se visa a eficácia da intervenção, sob pena do efeito útil não ser alcançado, comprometendo assim o interesse da criança/jovem.


Os princípios que norteiam a escolha e aplicação das medidas de promoção e proteção consagrados no artigo 4.º da LPCJP são, antes de mais, o da exequibilidade da medida em cada caso concreto, sendo sempre de atender em particular:


- Ao princípio da prevalência da família [artigo 4.º, alínea h)], privilegiando-se a integração da criança na família, acompanhada de apoio que traduza um efetivo trabalho com o agregado familiar, desde que se mantenham os vínculos afetivos próprios da filiação e estes não se encontrem seriamente comprometidos, só assim se justificando o investimento na família biológica.


Se os vínculos afetivos se encontrarem seriamente comprometidos e se verifique algumas das situações elencadas no artigo 1978.º do Código Civil, o princípio da prevalência da família aponta para a implementação de medidas que promovam a adoção da criança.


- Ao princípio da atualidade e proporcionalidade [artigo 4.º, alínea e)], que determina que a intervenção e o trabalho a desenvolver com a família deve ser apenas a necessária e adequada à situação da criança e da família, interferindo na vida dos mesmos somente na medida do que for estritamente necessário.


- Ao princípio da responsabilidade parental [artigo 4.º, alínea e)], que determina que a intervenção deve ser processada de modo a que os pais assumam os deveres para com os filhos.


- Ao princípio da audição obrigatória e participação [artigo 4.º, alínea j)], que determina que no processo de decisão deve haver efetiva participação de todos os intervenientes (pais, representantes legais, pessoa que tenha a guarda de facto e crianças).


Finalmente, cumpre assinalar que os vínculos afetivos a que se reporta a lei (cfr. 4.º, alínea g), da LPCJP, que consagra o primado da continuidade das relações psicológicas profundas) são os «os próprios da filiação», ou seja, estão em causa as relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o saudável e harmónico desenvolvimento da criança.


Não basta, pois, que exista uma relação afetiva entre pais e filhos; é necessário que esta assuma a natureza de verdadeira relação pai/mãe-filho(a), assumindo-se o progenitor como pai ou mãe, e sendo reconhecido e sentido pelo filho(a) como verdadeira figura paterna/materna.


No caso em apreço, consta da fundamentação do acórdão recorrido para justificar a aplicação, aos dois irmãos, da medida de confiança com vista à adoção, o seguinte:


«Regressando ao caso dos autos, estamos perante duas crianças que se encontram em Casa de Acolhimento, à espera da definição de um projecto de vida para as mesmas.


Dos factos provados resulta que ambos os progenitores não dispõem de aptidão para assumir plenamente o papel que, por natureza, lhes cabe – o papel de cuidadores das crianças, relevando os progenitores falta de capacidade, para assumir plenamente o papel de pais, ou de cuidadores das crianças.


Com efeito, quando foi proferido o Acórdão aludido na al. H) dos factos provados, o Tribunal ainda tinha fundadas esperanças de que, ambos os progenitores, colocados na situação de terem a última oportunidade de evidenciar que poderiam exercer uma parentalidade positiva, cumprissem e colocassem em prática as orientações do CAFAP e da Segurança Social, podendo, assim, as crianças regressar, de forma definitiva, ao meio natural de origem, ou seja, à sua família biológica.


No entanto, a situação correu mal. Colocadas ao cuidado dos progenitores, as crianças começaram a regredir, quer em termos de saúde mental, quer em termos de comportamento, quer em termos de regras a que estavam sujeitos, cuidados prestados e educação.


Tornaram-se mais instáveis e agressivos.


A criança DD, em casa da mãe, mordia e agredia os irmãos, encontrando-se a ser acompanhado em Pedopsiquiatria no Hospital Distrital de ....


A criança CC tem acompanhamento psicológico, pedo-psiquiátrico e de terapia da fala.


Para além disso, foram observadas, em contexto hospitalar e médico-legal, apresentando lesões corporais que nem os pais sabem explicar, nem adiantaram qualquer hipótese para essas mesmas lesões.


O CC frequentava uma escola que não era adaptada à sua situação e, avisado para o retirar da escola, o pai nada fez, assim como a mãe.


Assim sendo, e porque nenhum dos progenitores acatou as orientações fornecidas pelo CAFAP e pela Segurança Social, com vista à aquisição de competências parentais, nem a mãe quis acompanhamento psicológico, tendo abandonado voluntariamente aquele a que ainda se chegou a submeter, verifica-se que foram esgotados todos os recursos disponíveis na comunidade para dotar os pais das competências mínimas para o exercício da parentalidade.


Encontram-se, por isso, comprometidos, de forma séria, os vínculos próprios da filiação, para os efeitos do nº 1 do artº 1978º do C.C.


Assim, em benefício das crianças CC e DD, a única solução que se afigura como sendo justa e sensata e que satisfaz o melhor interesse das crianças, com vista a ingressarem numa família, à qual têm direito, é a aplicação, no caso concreto, da medida de confiança à Casa de Acolhimento onde se encontram, com vista a futura adopção ( artº 35º nº 1, al. g); 38º-A e 62º-A da LPCJP ).


Por isso, e ao abrigo do disposto no artº 62º nº 3, al. b) da LPCJP, determina-se a substituição da medida de apoio das crianças junto dos pais, conforme decisão aludida na al. H) dos factos provados deste Acórdão, pela medida de confiança à Casa de Acolhimento onde as crianças se encontram, com vista à adopção de ambas as crianças.»


Não podemos estar mais de acordo com a interpretação que o tribunal fez dos factos provados.


Os mesmos revelam total incúria dos progenitores e, sobretudo, uma total incapacidade para assumirem as responsabilidades parentais de forma adulta e consequente em prol do bem estar dos filhos. Aceitar a continuação deste status quo é eternizar, com prejuízo grave e, porventura, de forma irreversível, o direito destas crianças terem a possibilidade de se desenvolverem e crescerem num ambiente saudável. Devem, por isso ser protegidas e resguardadas da continuação de vivências e convívios com os progenitores, pois, e desde sempre, nunca foram construtivos nem gratificantes para estes meninos.


O que está em causa é, sem dúvida alguma, dar a estas crianças uma derradeira oportunidade de crescerem saudáveis e felizes. Não é possível aceitar que as crianças podem continuar à espera que os progenitores consigam cuidar delas como é seu dever (o pai, assume que não). Ou que as vão proteger como não o conseguiram fazer até agora.


A fase das tentativas e erros chegou ao fim. O tempo dos adultos, esgotou-se!


Por tudo isto, a alegação da Recorrente quando refere que não foi tido em conta que está disponível para voltar a ter acompanhamento psicológico, aceitando a intervenção institucional para cuidar e manter os filhos juntos de si, não pode ser atendido, porque nada garante, bem pelo contrário atendendo ao historial dos autos, que cumpra, ou sequer, que consiga cumprir o que promete.


Veja-se que essa oportunidade já lhe foi concedida repetidamente. E o resultado foi absolutamente inaceitável para o bem estar das crianças. Aquando da prolação do acórdão de 25-05-2023 tudo foi delineado e feito para dar uma oportunidade aos progenitores para cuidarem dos filhos, ainda que sempre apoiados e ajudados por terceiros e pelas instituições de apoio na área de família e menores. E o que se verificou, e que levou à revogação do decidido em 15-11-2024, o que determinou, mais uma vez, a aplicação de uma medida de acolhimento residencial, foi a constatação da incapacidade destes pais exercerem uma parentalidade responsável. O comportamento das crianças regrediu de forma significativa revelando que a medida aplicada era insustentável em termos de defesa do bem estar deste meninos. Ademais, é incompreensível e inaceitável que as crianças evidenciam lesões corporais sem se saber a origem das mesmas.


Os factos apurados são de tal forma graves que evidenciam, objetivamente e sem apelo nem agravo, que se encontram comprometidos de forma séria os vínculos próprios da filiação, para os efeitos do artigo 1978.º, n.º 1, do CC.


Nesta situação, deve ceder o princípio da prevalência da família natural em prol do princípio do superior interesse das crianças (artigos 4.º, alíneas h) e a), primeira parte, 35.º, n.º 1, alínea g), 38-º-A e 62.º-A, todos da LPCJP), pelo que se impõe a confirmação da medida de confiança das crianças, com vista à adoção.


Improcede, pois, a apelação.


IV- DECISÃO


Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam o acórdão recorrido.


Sem custas (artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do RCP, sem prejuízo do n.º 7 do mesmo normativo).


Évora, 13-03-2025


Maria Adelaide Domingos (Relatora)


Susana Cabral (1.ª Adjunta)


Ricardo Miranda Peixoto (2.º Adjunto)