1- A regra geral da declaração negocial é a de que o silêncio só vale como declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção (art. 218º do CC);
2- A falta de resposta a um email, não constitui aceitação dos preços constantes do mesmo, se na situação concreta nenhuma lei lhe atribui esse valor positivo, inexistindo também qualquer convenção entre as partes para tal resposta positiva de aceitação, igualmente não se detectando nenhum uso que atribua tal valor;
3- De outra parte, dentro das regras da perfeição da declaração negocial não se alcança que pudesse haver dispensa da declaração de aceitação, nos termos do art. 234º, do CC, que prevê tal dispensa atenta a proposta, natureza ou circunstâncias do negócio ou os usos, pois só se verificando estes requisitos, é que se pode ter o contrato por concluído se e logo que a conduta do destinatário da proposta mostrar a intenção de aceitar a proposta;
4- Isso não acontece no caso dos autos, se não se vislumbrar quaisquer usos, se, também, a dispensa de aceitação não se mostrar em harmonia com a proposta, pois nela se diz o contrário: Ficamos a aguardar a vossa aceitação ou contraproposta, e também não se deduz qualquer dispensa de aceitação da natureza ou circunstâncias da proposta contratual, pois a proposta tem preços completamente díspares ao que a R. pagava até aí, muito mais elevados, pelo que a desproporção do preçário, torna evidente que era necessária uma aceitação do dito preçário, expressa ou tácita, e não uma dispensa;
5- A declaração negocial tácita só se dá quando se deduz de factos apurados que, com toda a probabilidade, a revelam; deve verificar-se aquele grau de probabilidade que basta na prática para as pessoas sensatas tomarem as suas decisões, prevalecendo aqui um critério prático, social;
6- Se a recorrente R. envia email à recorrida A. solicita a esta que lhe envie o valor pretendido, e assim que esteja na posse desse valor, e uma vez feita a sua análise, proceder-se-á à transferência, o que se evidencia é que a R. depois de análise não fez transferência nenhuma para a A., deixando correr a acção, claro indicador que não aceitou tacitamente os valores reclamados pela A.
(Sumário elaborado pelo Relator)
I – Relatório
1. A..., Lda, com sede no ..., intentou procedimento de injunção, contra B..., Lda, com sede no ..., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 7.436,66 € acrescida de juros de mora vencidos, no valor de 160,69 €, e vincendos até efectivo e integral pagamento, mais 200 € referentes a despesas suportadas para cobrança do presente crédito, nomeadamente honorários do mandatário.
Para tanto, alegou que no exercício da atividade a que se dedica, nos meses de Março e Abril de 2023, prestou à R. os serviços informáticos constantes das 6 facturas que identifica, que a R. não pagou.
A R. deduziu oposição, alegando, em suma, que o legal representante da A. AA e o actual legal representante da R. BB celebraram acordo para que os serviços de utilização, pela R., de determinados servidores e domínios, que alojam a informação dos produtos/plataformas desenvolvidos, fossem pagos pela R. à A. por determinada quantia, 1047,68 € e 275,52 €, respectivamente, o que sucedeu até ao final de 2022. Sucedeu que, tendo o sobredito CC sido destituído da gerência da R. em 1.2.2023, no dia seguinte, o mesmo enviou ao DD um email comunicando-lhe as cotações dos serviços a prestar à R. para os meses de Fevereiro de 2023 de seguintes. Destas resulta que pelos serviços do MEDVET, pelos quais a A. cobrava 31 € mensais, passou a cobrar 939,72 €, pelos serviços da “B...”, pelos quais a A cobrava 19,99 € mensais, passou a cobrar 1.123,11 € e pelos serviços do PEMV pelos quais a A. cobrava 31 € mensais, passou a cobrar 1.660,50 €. Através do envio do e-mail acima referido a A. alterou, unilateralmente as condições do contrato acertadas verbalmente entre as partes, e cumpridas por ambas até ao final de 2022, para os serviços que presta, alteração que não aceitou
Convidada a responder, a A. alegou, em síntese, que a R. recebeu as facturas dos autos e delas não reclamou, assim como recebeu o e-mail com as novas cotações e também destas não reclamou, sendo certo que poderia não ter aceite as mesmas ou podia ter suspendido o serviço. Acrescenta, que a R., depois de notificada para a injunção, alertou para o facto de haver uma duplicação de facturas no requerimento injuntivo, pedido a sua rectificação e a comunicação do valor em dívida, para posterior pagamento, uma vez mais não impugnando ou reclamando das facturas.
*
A final foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou a R. a pagar à A. a quantia de 7.436,66 €, acrescida de juros de mora vencidos, no valor de 160,69 €, e vincendos desde a instauração do procedimento até integral pagamento, absolvendo-se a R. do demais peticionado.
*
2. A R. recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Os serviços informáticos descritos no ponto 2 da matéria provada, não foram prestados, pelo que essa matéria não pode ser dada por provada
2. Os serviços não foram prestados, razão pela qual o recorrente não liquidou as facturas dos autos
3. Os serviços não foram prestados porque, desde o dia 01 de Fevereiro de 2023 que o recorrente deixou de ter acesso aos servidores, aos backups e às plataformas que criou e desenvolveu
4. O legal representante da sociedade recorrente é o mentor e criador destas plataformas, sendo as mesmas propriedade da sociedade recorrente
5. O recorrido apenas tratava a parte informática das plataformas
6. Pelo que não pode ser dado por provado o ponto 5 da matéria de facto provada
7. No dia 1 de Fevereiro de 2023 o legal representante da recorrida , após ter sido destituído da gerência da sociedade recorrente, alterou no site das plataformas CROA, Cheque Veterinário OMV, Officinas Objectos Improváveis, HSRCongress, Vsfportugal a titularidade desses mesmos instrumentos que estavam referidas como sendo propriedade de B... ou “Powered by B...” passaram a figurar no site das plataformas “powered by CROA” e “powered by OWO”, sendo que este texto contém hiperligação que deixou de remeter para o site B....PT passando a remeter ou para o site A....pt ou para owo.pt.
8. Também as plataformas da direcção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), a MEDVET e a PEMV deixaram de estar sob o controlo da B..., ora recorrente, para passar a estar sob o controlo da recorrida,
mesmo depois de lhe ter sido solicitado pela cliente DGAV a devolução do acesso à B..., aos servidores, aos backups e às plataformas
9. O recorrido apropriou-se das mencionadas plataformas, alterando palavras passe e redireccionando os links de acesso das mesma para a sociedade recorrida
10. O acesso nunca foi entregue pelo legal representante da recorrida à recorrente
11. Os serviços subjacentes às facturas não foram prestados, uma vez que a recorrente deixou de ter acesso a todas as suas ferramentas de trabalho – que são as plataformas das quais deixou de ter acesso por quem as controlada informaticamente – o ora recorrido
12. A recorrida cobra à recorrente o alojamento dos servidores e plataformas, das quais lhe vedou o acesso nos meses que constam das facturas (bem como nos meses subsequentes) – o que não lhe assiste
Razão
13. Ainda que os serviços tivessem sido prestados, que não foram, a ora recorrente não aceitou a alteração dos valores apostos nessas facturas.
14. A falta de resposta ao email, não constitui aceitação do teor do mesmo, uma vez que o silencio não vale como declaração negocial.
15. No caso dos autos, o silencio consubstanciado na falta de resposta ao email, dadas as circunstâncias de tempo e lugar em que o mesmo é enviado – no mesmo dia em que é destituído da gerência da recorrente, com preços nunca antes praticados, em mais do quadruplo ou quíntuplo dos valores que até ali eram praticados, a vontade real do recorrente foi, como não poderia deixar de ser, a de não aceitação de qualquer valor proposto no email recebido
16. A conclusão do Tribunal de que a falta de resposta ao email vale como aceitação do mesmo viola o disposto nos artigos 217.º e 218.º do Código Civil
17. Tendo em conta as circunstancias de tempo - envio no dia em que o representante da recorrida é destituído por justa causa da gerência da B... e no mesmo dia em que veda o acesso às plataformas, com
alteração de passwords - em que o email com alteração de valores foi enviado, nunca poderia a falta de resposta ser de aceitação
18. Pelo que deve ser dado por provado que o recorrente não aceitou a alteração de preços,
Termos em que, sempre com o douto suprimento do V. Ex,as., deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se o sentença recorrida, com as legais consequências, tudo como é de inteira e liminar JUSTIÇA
3. A A. contra-alegou, concluindo que:
1 - Veio a Recorrente interpor recurso da sentença proferida, nos presentes autos, em 23/10/2024, pretendendo a Recorrente que o Tribunal ad quem confira destaque às suas perguntas, às respostas às suas perguntas, o que não logrou em primeira instância.
2 - Os factos realçados pela Recorrente inserem-se num julgamento como um todo e não podem ser analisados da forma desgarrada, como a Recorrente pretende, realçando as perguntas e respostas que mais lhe convém e por si feitas, sendo que os depoimentos testemunhais estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, mediante o qual o julgador aprecia livremente as provas, decidindo com sua prudente
convicção.
3 - A jurisprudência tem sido, praticamente, unânime sobre alegações de matéria de facto, considerando que “os depoimentos testemunhais, que a ora Recorrente pretende que sejam agora valorados diversamente do que o foram pela Senhora Juiz a quo, de molde a levarem à alteração da matéria de facto, são, consabidamente, elementos de prova a apreciar livremente pelo tribunal”– vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04/02/2014 acessível on-line, como infra se indicará.
4 - É do entendimento consensual que o “Tribunal ad quem pode alterar a matéria de facto fixada dentro do respeito pelo princípio da livre apreciação das provas, atribuído ao julgador em 1.ª instância e dentro do restrito papel da Relação, em sede de reapreciação da matéria de facto, aos casos excecionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a
decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto” – o que, de todo, não indicia estar aqui em causa.
5 - Os depoimentos testemunhais, que a ora Recorrente pretende que sejam agora valorados diversamente do que o foram pelo Tribunal a quo, de molde a levarem à alteração da matéria de facto, são, elementos de prova a apreciar livremente pelo tribunal.
6 - A Jurisprudência mais recente, no Acórdão no Tribunal da Relação de Lisboa, de 06/07/2023 refere que “A prova tem por função a demonstração da realidade dos factos (cfr. artigo 341.º do Código Civil), e para esse efeito, o que releva e é exigível, no âmbito da prova sujeita à livre apreciação do julgador, é que o juiz forme a sua convicção assente na certeza relativa do facto, devendo existir um alto grau de probabilidade da sua verificação” publicado online in:https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/c63ae02c450dc67e802 589f2003344b5?OpenDocument.
7 - Se o julgador da primeira instância entendeu valorar diferentemente da ora Recorrente tais depoimentos, entende a Recorrida, e entende a jurisprudência dominante, que não deve o tribunal ad quem pôr em causa, a convicção daquele, livremente formada.
8 - A Recorrente pretende que o tribunal a quo tivesse valorizado de forma diferente as declarações do seu legal representante e a prova testemunhal que apresentou, esquecendo ou fazendo esquecer, a prova documental que consta nos autos a fls. não só o e-mail de comunicação de novos preços, pela aqui Recorrida, datado de 02/02/2023 e junto aos autos a 07/02/2024 (como doc. n.º 1), bem como, o documento
datado de 29/07/2023, junto, pela aqui Recorrida, aos autos logo em 17/11/2023, onde o sócio-gerente da Recorrente refere de forma clara em email “assim que esteja na posse desse valor e uma vez feita a sua análise, proceder-se-á transferência”.
9 - A Recorrente pretende fazer provar que não lhe foram prestados serviços nos meses Fevereiro e Março de 2023 mas admite em email do seu sócio gerente proceder à transferência dos valores correspondentes a esse serviços.
10 - Nas suas declarações do sócio EE, testemunha da Recorrente, a 31/01/2024, foi pelo mesmo posto em causa que “desde 1 de Fevereiro de 2023, Autora tivesse prestado mais qualquer serviço à Ré”, sendo que após, tal testemunho, foi pela aqui Recorrida, ali Autora, junta prova documental, em 05/02/2024 (documentos n.º 12 a n.º 15) provando que a Recorrida prestou diversos serviços à Recorrente até Julho de 2023!
11 - O legal representante da Recorrente, DD, nas suas declarações, de 31/01/2024, ao minuto 19.13 refere “é por este motivo que o e-mail enviado com a cotação não teve resposta. As cotações nunca foram aceites”, pelo que, confirma a recepção do email com as novas cotações, confirma a sua não resposta como indicação de que essa “não resposta” seria uma “não aceitação”, o que não deixa de ser bizarro!
12 - O sócio gerente da Recorrente, não só aceitou tacitamente, como escreve em email de 29/07/2023, enviado ao gerente da aqui Recorrida, como já explicado supra, o seguinte teor “Nesse caso, no seguimento do processo de injunção que a A... colocou à B... peço se sejam revistas as seguintes situações, tendo em vista a rápida solução desta questão: Mês de Abril: repetição da factura A22023/0012 -e, no ponto 5 do processo de injunção, notar que o valor de 1660,50€ também se encontra repetido; Estas situações alteram os valores em dívida reclamados, pelo que solicito a vossa análise e, posterior, envio do valor pretendido. Assim que esteja na posse desse valor, e uma vez feita a sua análise, proceder-se-á à transferência. Cumprimentos.”
13 - A Recorrente, pasme-se, solicitava a retificação, pois verificou um “valor pretendido” e depois do desconto da valor da fatura repetida “na posse desse valor, procederia à transferência”, mas agora a Recorrente vem dizer agora que nunca aceitou tais faturas!
14 - O sócio gerente da Recorrente DD nas suas declarações de parte, a 31 de Janeiro de 2024, confirma que a propriedade de todas as plataformas eram da Recorrida e não da Recorrente, que parece elementar mas que em sede de alegações é tentado ser colocado em causa, confirmando ainda que a abordagem ao sócio gerente da Recorrida foi precisamente porque a mesma tinha know-who e as plataformas que permitiriam desenvolver a Recorrente, veja-se as declarações ao minuto 8.53 do seu depoimento de 31/01/2024.
15 - A Recorrente pretende que se dei-a como não provado que “era através da Autora que eram desenvolvidas as plataformas, tais como servidores, domínios, marcas registadas emails, etc” mas é seu próprio sócio-gerente em declarações que o afirma.
16 - Deve-se manter como provado o ponto 2.º e 5..º da douta sentença: 2 - “no exercício da sua activade, nos meses de Fevereiro e Março de 2023, a A prestou serviços à R os serviços informáticos descritos nos seguintes (...) 5 - No âmbito desse acordo, era através da Autora que eram desenvolvidas as plataformas, tais como servidores, domínios, marcas registadas emails, etc”
17 - Deve-se manter como não provado seguinte facto: c)A R. não aceitou a alteração de preços proposta no email referido em 12.
Nestes termos e nos mais de Direito e ainda com o douto suprimento de V. Ex.as, deve proceder o presente recurso improceder, mantendo-se a douta sentença recorrida, tudo como é de elementar J U S T I Ç A.
II - Factos Provados
1) a A dedica-se à concepção e desenvolvimento de serviços informáticos, à consultoria em sistemas de informação empresariais, concepção e desenvolvimento de programas informáticos (softwares): outras actividades relacionadas com as tecnologias de informação;
2) no exercício da sua actividade, nos meses de Fevereiro e Março de 2023, a A prestou à R os serviços informáticos descritos nas seguintes:
A22023/0008, emitida a 06/03/23, vencida a 21/03/23, valor de € 1123,11;
A22023/0019, emitida a 06/03/23, vencida a 21/03/23, valor de € 1660,50;
A22023/0010, emitida a 06/03/23, vencida a 21/03/23, valor de € 939,72;
A22023/0012, emitida a 05/04/23, vencida a 20/04/23, valor de € 1123,11;
A22023/0013, emitida a 05/04/23, vencida a 20/04/23, valor de €1660,50;
A22023/0014, emitida a 05/04/23, vencida a 20/04/23, valor de € 939,72
3) em 2016, o legal representante da A AA e o actual legal representante da R BB, celebraram um acordo nos termos do qual combinaram desenvolver plataformas informáticas a implementar na área da Medicina-Veterinária;
4) tendo em vista a posterior constituição, entre ambos, de uma sociedade para a exploração económica das mesmas;
5) no âmbito desse acordo, era através da A que eram desenvolvidas as plataformas, tais como tais como servidores, domínios, marcas registadas, emails, etc.;
6) em 01.04.2019, em cumprimento do referido em 4), o legal representante da A AA e o legal representante da R BB constituíram a R;
7) desde o início de 2016/início de 2017 que os servidores que alojavam a informação e os domínios das plataformas desenvolvidas no âmbito do acordo referido em 3), nomeadamente a CROA e o CHEQUE VETERINARIO estavam a ser adquiridos pela A à C... (empresa que vende o alojamento de servidores on line);
8) quando a R foi constituída, a A facturou-lhe o valor dos serviços de utilização desses servidores e domínios, relativos ao período em que a B... ainda não estava constituída, quantia que esta pagou;
9) após a constituição da R, tais serviços – utilização, pela R, dos servidores que alojam a informação dos seus referidos produtos, bem como, de outros que, entretanto, desenvolveu - continuaram a ser prestados através da A, mediante o pagamento de uma quantia pela R, o que sucedeu até ao final de 2022;
10) nessa altura, o legal representante da A AA e o legal representante da R BB acordaram que, pela utilização dos servidores e dos domínios dos produtos da R, a A cobraria semestralmente a quantia de 1047,68€ e 275,52€;
11) em 01.02.2023, reuniu a Assembleia Geral da R, tendo sido deliberado destituir, com justa causa, da gerência da sociedade o CC;
12) em 02.02.2023, DD recebe um email de AA, onde se lê “as cotações e os respectivos serviços que propomos prestar a V. Exas. e conforme descrição aí constante, para os meses de Fevereiro de 2023 de seguintes (…). Ficamos a aguardar a vossa aceitação ou contraproposta (…);
13) ao qual a R não respondeu;
*
Factos não provados:
(…)
c) A R não aceitou a alteração de preços proposta no e-mail referido em 12).
*
II – Do Direito
1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.
Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.
- Alteração da matéria de facto.
- Condenação da R. a pagar à autora a quantia reclamada a título de capital, acrescida de juros moratórios.
2. A R. impugna a decisão da matéria de facto, relativamente aos factos provados 2) e 5), que pretende passem a não provados, e c) dos factos não provados, que pretende passe a provado, com base nas suas declarações de parte e depoimento da testemunha EE (cfr. conclusões de recurso 1. a 12. e 18.).
Na motivação da decisão da matéria de facto exarou-se que:
“Para decidir quanto à matéria de facto em causa nestes autos, o Tribunal atendeu, essencialmente, à posição assumida pelas partes, ao teor dos documentos pelas mesmas trazidos aos autos.
Com efeito, e cotejadas declarações das partes e os depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, conclui-se que as primeiras se limitaram a corroborar os factos acima referidos e outros, atinentes à relação que havia entre o legal representante da A e o legal represente da R enquanto durou a parceria celebrado entre ambos, criada em 2016 e no âmbito da qual a R foi constituída, tendo ainda versado sobre a cessação de tal parceria e sobre o facto de os serviços prestados pela A terem deixado de ser prestados a partir de determinada altura – matéria esta que não foi alegada em sede de oposição; já ao nível da prova testemunhal, a da A, no essencial, afirmou o constante da retq.º de injunção – que, em rigor, não foi impugado (uma vez que a R, no essencial, se limita a defender que a A procedeu a uma alteração unilateral dos preços que vinha cobrando à R, como retaliação pelo facto de o legal representante da A ter sido destituído da gerência da R), enquanto que as da R puseram a tónica no facto de os valores cobrados pela A nas facturas dos autos serem muito acima dos valores cobrados no mercado para os serviços em causa e, ainda, no facto de os serviços não terem sido prestados, facto que, um e outro, não foram alegados pela R, em sede de oposição.
Isto dito, temos que factualidade supra dada como provada resultou do acordo das partes, porquanto, em rigor, não foi controvertida, …; a do ponto 2) se mostra sustentada pelo teor das facturas juntas aos autos também em 11.09.2023; …
Nesta conformidade, e passando à factualidade dada como não provada, a mesma resultou da total ausência de prova no seu sentido, uma vez que não constam dos autos documentos que a suportem, nem a mesma foi afirmada por qualquer testemunha, sendo de referir, quanto à da al.ª c), que pelo legal representante da R foi admitido o constante do ponto 13) dos Factos Provados, ou seja, que a R não respondeu ao e-mail mencionado na al.ª em apreço.”.
Para sustentar a sua impugnação, alega a apelante que os serviços informáticos descritos no ponto 2. da matéria provada, não foram prestados, razão pela qual o recorrente não liquidou as facturas dos autos, porque, desde o dia 1.2.2023 o recorrente deixou de ter acesso aos servidores, aos backups e às plataformas que criou e desenvolveu. O recorrido apenas tratava a parte informática das plataformas, tendo-se apropriado das mesmas, pelo que não pode ser dado por provado o ponto 5. da matéria de facto provada. Deve ser dado por provado que o recorrente não aceitou a alteração de preços, face á falta de resposta ao email de 2.2.2023.
Para fundamentar as respostas pretendidas invocou a prova que referimos, transcrevendo os textos que considera relevantes, e que por facilidade de justificação do que vamos decidir, vamos reproduzir.
Pode ouvir-se, entre o mais, nas declarações prestada no dia 31/01/2024, pelo legal representante da recorrente:
Minuto 1.09
Em 2014 fui desenvolvendo um conjunto de ideias de negócio, que em traços gerais consistia na criação de uma plataforma informática que gerisse internamente todos os processos inerentes a um canil municipal
Minuto 1.48
Em 2016 através de um amigo comum fui ter com o AA no sentido de lhe apresentar o meu projecto, uma vez que era necessário alguém com conhecimento na área da tecnologia e desenvolvimento de software
Minuto 6.15
Depois de ter saído o decreto lei que validava as ideias que eu vinha trabalhando, por sugestão de um amigo em comum, indicou me o AA,
Minuto 7.15
O AA tinha experiencia na área da tecnologia e gestão de software
Minuto 7.17
Apresentadas as ideias, nas quais ele acreditou, demos início a uma colaboração para a concretização deste projecto
Minuto 11.11
Foi a B... que desde o princípio facturou as plataformas
Minuto 12.17
A A... era intermediária da B... neste processo
Minuto 12.52
Por todo o ano de 2022, que foi o ano em que tivemos mais plataformas em produção e portanto em que os custos foram maiores , a B... pagou à A... por esse serviço de subcontratação cerca de 2370,00€, pelo ano todo
Minuto 17.00
No dia 1 de Fevereiro, o AA alegou que as plataformas não pertenciam à B... mas á A....
Alterou no site das plataformas a propriedade das mesmas, onde dizia powerd by B... passou a estar powerd by A...
Minuto 17.28
As plataformas Croa e Cheque Veterinário foi-nos cortado o acesso de imediato a partir do dia 1
Minuto 17.44
Ficámos impedidos de prestar apoio e assistência técnica aos colegas que usavam as plataformas
Minuto 18.14
Recebo um email do AA da A... no qual ele apresenta as cotações para os novos serviços do ano de 2023, com um montante global de 3722€/mês, o que representa um total de 44.660€ / ano, quando por todo o ano de 2022, por mais serviços a B... pagou à A...2370€ por ano
Minuto 18.50
Estamos a falar de valores absurdos, estamos a falar de valores de 2.000 % acima daqueles que foram pagos em 2022
Minuto 19.13
É por este motivo que o email enviado com a cotação não teve resposta
As cotações nunca foram aceites
Minuto 19.42
Nunca de fez uso contabilístico na B... das facturas
*
Pode ouvir-se, entre o mais, no depoimento prestado pela testemunha EE que:
Minuto 3.40
Aquando da destituição do AA em 1 de Fevereiro de 2022, puco tempo depois a B... acabou por ficar sem os seus instrumentos de trabalho, tais como o cheque veterinário, o Croa, a prescrição electrónica medico veterinária, o Medvet
Minuto 4.12
Deixou de ser possível desenvolver o trabalho normal da empresa
Minuto 4.30
Deixei de ter acesso ao meu email pessoal e á plataforma de gestão da empresa
Deixei de ter ferramentas para trabalhar
Minuto 4.38
Perguntado quem lhes vedou o acesso, responde:
Foi o Senhor AA
Minuto 6.39
A B... pagava à A... cerca de 2000 e poucos euros por ano
Minuto 7.24
Perguntado se sabe o que justifica este aumento de valores, responde:
A base é a destituição de AA da gerência da B..., com justa causa
Minuto 8.15
Perguntado se os serviços foram prestados, responde:
Não, porque nós estávamos impedidos de utilizar as ferramentas que nos estavam a facturar
Minuto 8.29
Além de não termos acesso às nossas contas de utilizador, nunca tivemos acesso ao servidor
Minuto 8.43
Basicamente estamos a pagar por um bem que não usufruíamos
Minuta 9.12
Perguntado se até hoje o AA é quem controla as plataformas, responde:
Sim, todas
Minuta 9.19
A B... não tem controlo nem acesso
Minuto 14.20
Perguntado se a B... não poderia contratar com outro fornecedor, responde:
Imagine que o Senhor Dr. aliga uma casa e tem lá as suas mobílias e todas as suas coisas, de repente sobem-lhe a renda, pagava 200 e de repente paga 3000 e o senhorio diz lhe que é 3000, se não quer pode ir procurar essa casa, mas dentro daquela casa ainda estavam as suas posses, o seu mobiliárias e as suas, e de repente o senhor Dr. vê negado o seu acesso, aquilo que é património seu, como pode dizer –me que tenho possibilidade de procurar outro fornecedor
Minuto15.58
Perguntado se não utilizaram os serviços, responde:
Não, porque o acesso foi-nos negado
Minuto 24.51
Perguntado o que aconteceu à facturação da B... a partir de Fevereiro de 2023, responde:
Desapareceu
Minuto 25
Perguntado o que aconteceu aos funcionários, responde:
Desapareceram
*
2.1. Ora, esta matéria, relativamente à invocada não prestação de serviços desde o dia 1.2.2023, e por consequência, na óptica da recorrente, a nenhuma obrigação de pagamento das indicadas 6 facturas, como reclamado pela A., não foi alegada na contestação, o que devia ter acontecido, pois era aí que a defesa da R. devia ter ocorrido (art. 573º, nº 1, do NCPC), tratando-se como era o caso de factualidade essencial para dirimir o litígio dos autos.
Veja-se, na realidade, o que a R. alegou em tal peça, que agora transcrevemos:
“38. No dia 02 de Fevereiro, DD recebe um email de AA, onde se lê “as cotações e os respectivos serviços que propomos prestar a V. Exas. e conforme descrição aí constante, para os meses de Fevereiro de 2023 de seguintes”, conforme documento que se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos - doc 4
39. Ao enviar este email, a sociedade requerida pretendeu alterar e alterou, unilateralmente, as condições do contrato acertadas verbalmente entre as partes e cumpridas por ambas até ao final de 2022, para os serviços de intermediação que presta à B....
40. Assim, desde Março de 2023, a A..., ora requerente, cobrou pelos serviços de intermediaçao que presta à B..., sem ter havido qualquer alteração dos mesmos, nem do valor pelo qual os adquire à C..., a quantia total de 3722,33€ por mês (o que equivale a 44667,96€ anuais) pelo alojamento em servidores do MEDVET e da PEMV, dominios, serviços de email e plataforma de gestão interna da B..., respectivamente 939,00€, 1660,00€ e 1123, 00€ - tudo conforme se atesta pelas facturas dadas à injunção.
41. Quando os valores cobrados e aceites pelas partes eram valores muito inferiores (cf doc 1)
Senão vejamos:
42. As facturas constantes da injunção:
• factura A2202330010 com o valor mensal de 939,72€, correspondente aos serviços da MEDVET, tinha valor mensal de 31,00€ (CF doc 2)
• factura A220233008 com o valor mensal de 1123,11€, correspondente aos serviços da B..., tinha valor mensal de 19,99€ (CF doc 2)
• factura A2202330019 com o valor mensal de 1660,50€, correspondente aos serviços da PEMV, tinha valor mensal de 31,00€ (CF doc 2)
• factura A2202330012 com o valor mensal de 1123,11€, correspondente aos serviços da B... tinha valor mensal de 19,99€ (CF doc 2) – Esta factura está repetida no requerimento de injunção,
• factura A2202330014 com o valor mensal de 939,72€, correspondente aos serviços da MEDVET, tinha valor mensal de 31,00€ (CF doc 2)
• factura A2202330013 com o valor mensal de 1660,50€, correspondente aos serviços da PEMV, tinha valor mensal de 31,00€ (CF doc 2)
43. A ora requerente nunca aceitou esta alteração unilateral do contrato levada a cabo pela requerente
44. Pelo que as facturas identificadas no requerimento de injunção não são devidas, nem nunca foram aceites pela sociedade requerida.
45. Os valores constantes nas facturas da presente injunção são desproporcionais uma vez que o serviço prestado à sociedade requerida é o mesmo desde finais de 2016 e os valores de aquisição à C... também,
46. A sociedade requerida não aceitou as facturas, não aceita a alteração unilateral do contrato verbal celebrado entre as partes, nem tão pouco a existência de qualquer outro contrato.”.
Como se vê, a R. cingiu a sua contestação apenas aos preços que a A. queria praticar ou praticou, mas não á inexistência de serviços informáticos a partir da apontada data. De maneira que a aludida matéria agora trazida aos autos e em recurso, por ser nova e exorbitar da defesa apresentada pela R., na sua contestação, não podia ser objecto de prova, nem as declarações de parte e depoimento testemunhal podem ser aproveitados, positiva ou negativamente, para serem base suficiente e conveniente para impugnação do aludido facto provado 2.
Não procede, pois, a dita impugnação quanto a tal facto.
2.2. Idêntico juízo se pode fazer quanto ao facto provado 5. Em tal peça processual a R. alegou o que agora transcrevemos:
“20. Desde o inicio (finais de 2016, inicio de 2017) que os servidores que alojavam a informação e os domínios do CROA e posteriormente do CHEQUE VETERINARIO estavam, (porque ainda não existia viabilidade financeira para a constituição da B...), a ser adquiridos pela A... à C... (empresa que vende o alojamento de servidores on line)
21. Serviços esses que eram depois revendidos pela A... à B..., funcionando a sociedade requerente como intermediária – comprava os serviços à C... e revendia-os à B...
22. Quando a B... foi constituída, a A... facturou a esta o valor pelos serviços de utilização desses servidores e domínios, relativos ao período em que a B... ainda não estava constituída, quantia que esta pagou. Tudo conforme se pode ver dos documentos que se juntam e se dá, aqui, como integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos. – Facturas da A... à B... pela utilização dos referidos servidores e domínios ao longo dos anos) - Doc 2
23. Após a constituição da B... em 2019, não existindo naquela altura qualquer motivo para alterar o modus operandi, a A... manteve-se a prestar esse serviço intermediário, à B....
24. Isto é, a A... adquiria os servidores à C... e revendendia-os à B...,
25. Assim, a sociedade A..., Ldª, ora requerente enquanto intermediária, permitia a utilização à B..., ora requerida, mediante o pagamento de uma quantia, dos servidores que alojam a informação dos seus referidos produtos, bem como, de outros que entretanto desenvolveu, nomeadamente:
CROA, CHEQUE VETERINÁRIO, B..., OWO Gestão Veterinária, PEMV, MEDVET, CRO Mail Server
e, ainda, a utilização dos domínios que utiliza:
- B....pt
- croa.pt
- cro.pt
- chequeveterinario.pt
- owo.pt
26. Esta revenda dos servidores pela A... à B..., tem vindo a ser paga ao longo do tempo pela B... com a periodicidade que lhe era solicitada pela sociedade requerida – normalmente semestral (Cf doc 2)
27. O serviço de intermediação entre a sociedade requerente e a sociedade requerida foi verbalmente combinado pelas partes, e era facturado de acordo com valores que AA garantia a DD, serem abaixo do valor de mercado.
28. Atento o facto de DD não saber dos valores de mercado de tais serviços, a sociedade requerente debitava semestralmente pela utilização dos servidores e dos domínios dos produtos da B..., a quantia de 1047,68€ e 275,52€, respectivamente, totalizando 1323,20€ por semestre – o que perfaz a quantia mensal global de cerca de 220,5€
29. Este valor era aceite pelas partes e pago pela B..., à sociedade requerente.
30. Apesar do valor de mercado actual por utiização desses serviços ser de 548,04€ por igual período de utilização – mas, como se disse, o valor facturado pela A... à B... era aceite por esta.
31. Tal como era aceite pela B... o contrato verbal de intermediação estabelecido entre esta e a sociedade requerente …”.
Ora esta alegação, mais a dos pontos 39. e 40. da mesma contestação, anteriormente transcritos, confirmam a correcção da resposta do tribunal a quo ao aludido facto 5. Daí que o tribunal a quo tenha exarado na sua motivação supra transcrita que “Isto dito, temos que factualidade supra dada como provada resultou do acordo das partes, porquanto, em rigor, não foi controvertida” – a excepção a este acordo das partes, mencionado pelo tribunal a quo, verificou-se apenas quanto aos factos 2., 11. e 12., pois aqui também assentou em prova documental.
De modo que a mencionada prova por declarações de parte e testemunhal ser marginal e inócua em relação ao dito facto provado 5., para demonstrar que o mesmo devia merecer uma resposta de não provado.
Improcede, por isso, a dita impugnação quanto a tal facto.
2.3. No respeitante ao facto não provado e pretendida passagem a provado, só sabemos que a R. não respondeu ao email da A. (factos 12. e 13.). O que o representante legal da mesma confirmou, nas suas declarações de parte.
Se a R. não aceitou a alteração de preços, como afirma, não logrou provar ter emitido declaração expressa, por palavras, escrito ou qualquer outro meio de manifestação da vontade (art. 217º, nº 1, do CC). E também não emitiu declaração negocial tácita, pois inexistem factos apurados que com toda a probabilidade a revelam (mesmo preceito).
Portanto, a impugnação a este facto não merece deferimento.
3. Na sentença recorrida escreveu-se que:
“Alegou a A, como causa de pedir, nesta acção, que, no exercício da atividade a que se decida, nos meses de Março e Abril de 2023, prestou à R os informáticos os constantes das facturas que identifica, no valor total de € 8.167,44, que a R não pagou.
Atento o disposto no art.º 342º do Código Civil, incumbia à A fazer prova desses factos - constitutivos de um contrato prestação de serviços -, por forma a obter o efeito jurídico pretendido - a condenação da R, no caso, no pagamento do respectivo preço.
E, da análise dos elementos constantes dos autos, resulta que a A logrou fazê-lo, porquanto provou ficou que, no exercício da sua atividade, nos meses de Fevereiro e Março de 2023, a A prestou à R os serviços informáticos descritos nas facturas identificadas no ponto 2).
Já no que concerne ao alegado pela R, a verdade é que, em rigor, se limitou a alegar que desde a constituição da R e até final de 2022 vigou um acordo entre as partes nos termos do qual a A lhe prestou os serviços dos autos mediante o pagamento da quantia de 1047,68€ e 275,52€, acordo que a A, em 02.02.2023, pretendeu alterar, e alterou, unilateralmente no que toca ao preço dos serviços, em retaliação do facto de o legal representante da A ter sido destituído da gerência da R, alteração essa que não aceitou.
No entanto, quanto a esta falta de aceitação nada provou, tendo até apurado que a R não respondeu ao e-mail da A com a proposta dos novos preços a praticar, permitindo que a A continuasse a prestar os seus serviços como fazia até então.
Assim, e aqui chegados, há que subsumir os factos alegados e demonstrados pela A ao Direito.
Destes resulta que A e R celebraram contrato de prestação de serviços, cujos termos, em matéria de preço, foram alterados a partir de Fevereiro de 2023 – cfr. proposta da A constante do e-mail referido no ponto12) dos Factos provados e ausência de resposta da R ao mesmo -, sendo, porém, que esta não pagou o preço dos mesmos, devido por força do disposto no art.º 1.154.º do Código Civil.
Dispõe o art.º 406.º, n.º 1 do Código Civil, que os contratos devem ser pontualmente cumpridos, devendo pois a prestação debitória ser realizada de acordo com o estipulado, abrangendo assim o tempo, o lugar e o modo da prestação (A. Varela, Dto. das Obrigações, 2.º ed., 2.º-13; Castro Mendes, Dto Civil, Teoria Geral, 1979, 3.º-54), ideia reforçada pelo disposto no art.º 762.º, n.º 1 do mesmo Diploma.
E incumbe ao devedor alegar e provar que o incumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua - art.º 799.º do C. Civil.
Ora, no caso em apreço, a R incumpriu a obrigação a que estava adstrita por força daquele contrato de prestação de serviços – no caso, a obrigação de pagamento do preço -, pelo que se tornou responsável pelo prejuízo que causou à A (art.º 798.º do C. Civil), pelo que deve a mesma ser condenada no pagamento do montante em dívida, no valor total de € 7.436,66.”.
A R. discorda, pelos motivos constantes das suas conclusões de recurso (as 13. a 17.). E cremos que com razão.
Na verdade, a falta de resposta ao email, não constitui aceitação dos preços constantes do mesmo, uma vez que a regra geral da declaração negocial é a de que o silêncio só vale como declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção (art. 218º do CC). E na nossa situação concreta nenhuma lei lhe atribui esse valor positivo. Inexistindo também qualquer convenção entre as partes para tal resposta positiva de aceitação. Igualmente não se detectando nenhum uso que atribua tal valor.
De outra parte, dentro das regras da perfeição da declaração negocial não se alcança que pudesse haver dispensa da declaração de aceitação, nos termos do art. 234º, do CC, que prevê tal dispensa atenta a proposta, natureza ou circunstâncias do negócio ou os usos. E só se verificando estes requisitos, é que se pode ter o contrato por concluído se e logo que a conduta do destinatário da proposta mostrar a intenção de aceitar a proposta.
Ora, no nosso caso isso também não acontece.
Os usos não os vislumbramos. Também a dispensa de aceitação não se mostra em harmonia com a proposta. Nesta até se diz o contrário (facto 12.): Ficamos a aguardar a vossa aceitação ou contraproposta. E também não se deduz qualquer dispensa de aceitação da natureza ou circunstâncias da proposta contratual, o inverso é que pode ser concluído, pois a proposta tem preços completamente díspares ao que a R. pagava até aí, muito mais elevados, como se vê do confronto dos factos provados 2) e 10). Isto é, dada a desproporção do preçário, torna-se evidente que era necessária uma aceitação do mesmo, expressa ou tácita, e não uma dispensa.
Assim, a A. não tem direito a cobrar os valores referidos no facto 2), relativamente aos meses de Março e Abril de 2023. Tendo prestado o serviço tem direito a receber o valor do mesmo, mas através de outro meio, que não através da presente acção.
A recorrida refuta esta conclusão, tendo em conta o email datado de 20.7.2023 (que juntou aos autos). Nele, o sócio-gerente da recorrente refere “…, no seguimento do processo de injunção que a A... colocou à B... peço se sejam revistas as seguintes situações, tendo em vista a rápida solução desta questão: Mês de Abril: repetição da factura A22023/0012 e, no ponto 5 do processo de injunção, notar que o valor de 1660,50€ também se encontra repetido; Estas situações alteram os valores em dívida reclamados, pelo que solicito a vossa análise e, posterior, envio do valor pretendido. Assim que esteja na posse desse valor, e uma vez feita a sua análise, proceder-se-á à transferência.”. O que, para a recorrida implica aceitação tácita. Pode parecer, mas não é.
Como antes se mencionou, a declaração negocial tácita só se dá quando se deduz de factos apurados que, com toda a probabilidade, a revelam.
Como explica Antunes Varela (em CC Anotado, Vol. I, 3ª Ed., nota 2. ao referido art. 217º, pág.208), não se deve pôr de parte, como formas possíveis de manifestação tácita da vontade, os casos susceptíveis de duas interpretações. O que deve é verificar-se aquele grau de probabilidade que basta na prática para as pessoas sensatas tomarem as suas decisões. Prevalece aqui, pois, um critério prático, social, e não rigorosamente lógico ou formal.
Este email foi enviado pela R. à A. logo após a citação da R. em 10.7.2023. Pode apenas significar que a R. podia estar a pensar ser melhor pôr fim ao litígio, ponderados os factores da imprevisibilidade do resultado final do mesmo, nada mais. Mas o texto, indicia que ele é meramente exploratório: na verdade a R. solicita à A. que lhe envie o valor pretendido, e assim que esteja na posse desse valor, e uma vez feita a sua análise, proceder-se-á à transferência. Ora, o que se evidencia é que a R. depois de análise não fez transferência nenhuma para a A., deixando correr a acção, claro indicador que não aceitou tacitamente os valores reclamados pela A.
Desta sorte, a acção improcede.
4. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC): (…).
IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, assim se revogando a decisão recorrida, indo a R. absolvida do pedido.
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Custas pela A.
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Coimbra, 11.3.2025
Moreira do Carmo
Fonte Ramos
Vítor Amaral