SERVIDÃO PREDIAL
EXTINÇÃO
REQUISITOS
MUDANÇA DE SERVIDÃO
Sumário

I - Constituindo uma servidão predial um encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente, como refere o art. 1543.º do Código Civil, o que se traduz numa limitação do direito de propriedade do prédio serviente em benefício do prédio dominante, e considerando o conteúdo do direito de propriedade, de gozo pelo proprietário de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, como dispõe o art. 1305.º do diploma legal referido, o encargo que a servidão constitui não deve subsistir, nas situações em que esse benefício se revele desnecessário.
II - Para que uma servidão seja extinta, por desnecessidade, nos termos do disposto no nº 2, do art. 1569.º do Código Civil, exige-se que tenha existido uma alteração superveniente relativa ao prédio dominante, e que, em resultado dessa alteração, a servidão deixe de ter, para o prédio dominante, qualquer utilidade, por existirem alternativas com comodidade semelhante.
III - A desnecessidade deve ser apreciada em termos objetivos, ou seja, abstraindo da situação pessoal do proprietário do prédio dominante.
IV - Nos termos do disposto no art. 1568.º do CC, exige-se a verificação de dois requisitos para que a mudança de servidão, a pedido do proprietário do prédio dominante, possa ocorrer: vantagem para o prédio dominante e não prejuízo para o prédio serviente, sendo que a vantagem deve revestir natureza real, no sentido de consistir numa utilidade objetiva do prédio, e não num interesse pessoal do proprietário do prédio dominante. Já quanto ao prejuízo deve tratar-se de um prejuízo relevante, não cabendo no conceito um mero incómodo, devendo conciliar-se os interesses de ambos os prédios.
V - Não se verificam os aludidos requisitos para a mudança de servidão, quando a alegada vantagem para o prédio dominante consistiria na redução de alguns metros no percurso da servidão, ao passo que no que diz respeito ao prejuízo para o prédio serviente, esse prejuízo existe efetivamente, quando a servidão mudada, a ser exercida pelo local pretendido, passaria bem mais próximo da habitação existente no prédio serviente, o que, necessariamente causaria prejuízo, desde logo, face à maior devassa da privacidade dos proprietários.

(Sumário da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Apelação 948/21.9T8LOU.P1







Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:


I – RELATÓRIO

AA e marido BB intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra CC e marido DD, pedindo a declaração de extinção por desnecessidade do direito de servidão de passagem constituído por usucapião e reconhecido pela sentença proferida no âmbito do processo ..., que correu termos pelo ... do Juízo Central Cível de Penafiel do Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este, que onera prédio dos autores a favor de prédio da ré.
Alegaram, para o efeito, a desnecessidade atual da manutenção do caminho de servidão reconhecido em sentença, devido à existência de um outro caminho que permitiria à ré aceder ao seu prédio, invocando o disposto no art. 1569.º, nº 2, do Código Civil.

Os Réus contestaram a ação, começando por arguir a exceção de caso julgado, e impugnaram a factualidade alegada pelos autores, para além de deduzirem reconvenção através da qual, invocando o disposto no art. 1568.º do Código Civil, peticionaram a alteração do leito do caminho de servidão de que beneficia o prédio que detêm, de modo a reduzir o seu comprimento, diminuindo assim também o custo da sua manutenção, argumentando também existirem vantagens para os autores com esta mudança.

Os autores responderam, concluindo pela improcedência da exceção e da reconvenção apresentadas pelos réus.

Requerida, pelos autores, a intervenção de EE e mulher FF, bem como de GG, como assistentes nos autos, porquanto seriam estes os proprietários dos prédios por onde passaria o caminho cuja presença os autores querem ver como justificativa da extinção da servidão de passagem que onera o seu prédio, visando-se o pleno efeito de uma sentença que aceitasse a sua pretensão, foi a mesma admitida como intervenção principal passiva.

Proferido despacho saneador, foi julgada improcedente a exceção de caso julgado.
Foi, ainda, admitida a reconvenção e fixado o objeto do litígio e os temas de prova.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedentes a ação e a reconvenção, delas absolvendo os réus e os autores, respetivamente.

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Não se conformando com o assim decidido, vieram os Autores interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, formulando as seguintes conclusões:
“I - Os recorrentes estão seriamente convencidos que realizaram de forma categórica a prova da desnecessidade da servidão de passagem que onera o seu prédio e beneficia o prédio da recorrida esposa, uma vez que demonstraram que este prédio além da servidão de passagem constituída por usucapião que se quer ver extinta, beneficia de uma servidão de passagem constituída por destinação de pai de família.
II - Ao prédio dominante, estão afetas duas servidões de passagem que a sua titular pode utilizar e através delas fica ligado diretamente a duas vias públicas (Estrada ... e Rua ...), sendo que o prédio dominante, não tem necessidade da segunda servidão ou seja da constituída por usucapião e que onera o prédio dos Recorrentes.
III - Perante a existência do caminho referido no ponto 10 e 11, não se deu a devida atenção aos interesses do prédio serviente (prédio dos Recorrentes) que está onerado com uma servidão de passagem a favor do prédio dos recorridos (prédio dominante) sem que este, tenha verdadeira e efetiva necessidade da mesma, uma vez que a necessidade - ou melhor dito a conveniência - é da sua atual proprietária.
IV - No presente recurso os Recorrentes entendem que diante da prova produzida a matéria de facto dada como provada deve ser complementada e/ou ampliada.
V- Assim além dos factos a que se reportam os pontos 10 e 11 da matéria assente, devem ser dados como provados em complemento e ampliação do ali referido o seguinte:
1. A faixa de terreno descrita nos pontos 10 e 11, é o caminho ancestral, que com início na via pública denominada atualmente Rua ..., servia todos os prédios que atravessava incluindo o prédio da R. esposa identificado no ponto 5 da matéria de facto dada como provada, onde terminava.
2. Todos os prédios que esse caminho atravessava até ao prédio da R. esposa identificado no ponto 5 da matéria de facto assente pertenceram à família da R. quando todos integravam a mesma quinta no tempo dos visavôs.
3. A faixa de terreno descrita em 10 e 11 sempre foi o caminho utilizado pelos pais da R. esposa quando necessitavam de se deslocar ao prédio identificado em 5, para o cultivo do mesmo, quer a pé, quer com qualquer veículo, fosse carrinho de mão, veículo de tração animal ou mesmo trator.
4. Após a R. esposa casar, foi viver para o lugar ... no lado oposto da mesma freguesia relativamente ao local onde residia a sua mãe e ao local de situação do prédio dominante e em virtude desse facto a R. começou a utilizar um carreiro que atravessava o prédio dos AA. quando se deslocava a pé, a casa da mãe, e ao prédio identificado em 5.
5. Após o prédio identificado em 5, lhe ter sido adjudicado na partilha por óbito dos pais, a R. fez do carreiro que existia no prédio dos AA., também o local de passagem na ligação deste prédio à via pública, a pé e de trator para o cultivo do mesmo.
6. O caminho referido em 10 e 11 manteve-se aberto ao trânsito de pessoas e veículos até há cerca de 2 ou 3 anos, podendo servir-se pelo mesmo todos os prédios que o bordejavam, incluindo o prédio identificado em 5.
7. O caminho referido em 10 e 11, permite o acesso da via pública denominada Rua ... ao prédio da R. identificado em 5 quer a pessoas quer a veículos automóveis para fins agrícolas.
8. Há cerca de 2 ou 3 anos, mas em momento posterior à entrada da ação em juízo, a R. colocou um portão na entrada do caminho, na zona de intercessão com a Rua ... que se visualiza nas fotografias 19 e 20 do auto de inspeção judicial ao local e uma outra vizinha, familiar da R., colocou no leito do mesmo a grade que se visualiza nas fotografias 17 e 18 do mesmo auto.
VI - Fundamentam os recorrentes o complemento e ampliação no depoimento das testemunhas, HH que depôs na audiência de julgamento do dia 13-12-2023, e que se encontra gravado no sistema digital com início às 14:49 e fim as 15:29, II, cujo depoimento se encontra gravado na sessão da audiência de julgamento do dia 13 -12-2023 com início às 11:58 e fim às 13:03 e JJ cujo depoimento se encontra gravado na sessão da audiência de julgamento do dia 29-01-2024 com inicio às 10:28 e fim às 11:36 e no próprio depoimento da R. esposa.
VII - A testemunha HH declarou do minuto 1:20 ao minuto 1:49 que reside na Rua ..., da freguesia ... é vizinho de AA. e RR. e é ainda familiar dos últimos (primos da sua mulher). Disse conhecer o campo da Ré que tem uma vinha (prédio dominante). Para esse campo, entrava-se na casa e ia-se pelo tal caminho para o campo, passava-se por debaixo de uma ramada para o campo (caminho referido nos pontos 10 e 11 dos factos provados). Não tinha outro caminho. Foi sempre assim (cf. suas declarações ao minuto 4:42 a minuto 5:08). No campo os pais da R. cultivavam centeio e milho. Para tirar o milho (leia-se fazer a colheita) passavam por debaixo da ramada. Faziam-no a pé, carro de bois e mesmo com trator ainda no tempo da mãe. A eira era à beira da casa (cf. declarações do minuto 6:06 ao minuto 7:22). O caminho em causa atravessava terreno da mesma família. Aquilo era uma quinta da família (cf. suas declarações ao minuto 17:54 a 18:02). Os portões foram colocados ao mesmo tempo, há cerca de 2 ou 3 anos (cf. declarações ao minuto 19:41 a minuto 20:06).
VIII - A testemunha II quando confrontado com as fotografias de folhas 20 e seguintes descreveu o caminho do campo da R. esposa (prédio dominante) como sendo o que tem início junto à casa da mãe da Ré, quebrava e seguia por debaixo de uma ramada até entrar no campo da R. Esse caminho servia outras pessoas. No local onde quebrava querendo referir-se à curva, existia um tanque que referiu não saber a quem pertencia (cf. declarações que resultam da gravação do minuto 10:33 ao minuto 12:13). Disse que no campo atualmente da R., no tempo dos pais desta, se cultivava milho e centeio (cf. suas declarações ao minuto 15:24 a 15:38). Que colocaram lá duas cancelas há cerca de 2 anos.
Uma que a testemunha refere que viu. A outra ouviu falar da sua colocação, mas não viu (cf gravação das suas declarações do minuto 17:30 o minuto 18:27). Referiu ainda que o KK (titular de um dos prédios que bordeja o caminho) passava por esse caminho que tem as cancelas (cf. declarações do minuto 12:42 a 13:11).
IX - A testemunha JJ, referiu que nasceu, em 1963, na casa que fica ao lado do palheiro e que é na atualidade propriedade da R., casou com 31 anos, ficou sem pai aos 8 anos e sempre ajudou a mãe no cultivo do campo (hoje o prédio rústico da R. e o dominante relativamente ao prédio da A.), mesmo após o seu casamento. Disse expressamente que o caminho do campo era o que se iniciava junto à Rua ... (entre a casa da mãe e o palheiro) e era o caminho de todos os campos querendo referir todos os campos que o bordejavam, (atente-se as suas declarações ao minuto 6:46 a 7:40 combinadas com as declarações do minuto 19:05 a 19: 20:02 e 20:23 a 21:35).
X - Do depoimento de parte da R. esposa, que se encontra gravado na sessão da audiência de julgamento do dia 13-12-2023 com início às 10:49 e fim às 11:56, é possível concluir (depois de fugir a uma resposta concreta sobre a questão de há quanto tempo tinha colocado o portão?) que colocou o portão depois da ação ter sido apresentada em juízo, embora o tivesse encomendado em momento anterior, (veja-se as suas declarações do minuto 14:14 ao minuto 15:00; do minuto 17:51 ao minuto 17:59 e do minuto 18:00 ao minuto 18:37 e ainda a propósito do palheiro que a quinta onde se integrava o campo e o palheiro era dos visavôs, (com resulta do seu depoimento do minuto 25:09 ao minuto 23:59).
XI - Dos concretos meios de prova cuja transcrição parcial se efetuou, complementados com os restantes meios de prova, em especial fotos que resultam do auto de inspeção judicial ao local, fotografias de satélite da plataforma google earth juntas aos autos com os articulados, fotocópias das escrituras, parece-nos que se impõe dar como provados, além do que resulta da douta sentença recorrida os factos que resultam dos pontos 1 a 8 da conclusão V e assim a matéria de facto provada globalmente considerada deve passar a ser a seguinte:
1. Encontra-se registada a favor dos autores a aquisição do prédio rústico composto de terreno de cultura e pastagem, denominado Campo ... e ..., com a área de 12.000 m2, sito no lugar ..., freguesia ... do concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...43-... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...53 da freguesia ..., pela apresentação ...32 de 2013/07/31.
2. O prédio veio à posse dos autores por o terem adquirido a LL e MM (respetivamente pai e mãe da autora esposa) através de contrato de compra e venda formalizado em processo de casa pronta, na Conservatória do Registo Predial de ..., no dia 31 de julho de 2013.
3. Há mais de 15, 20 anos que os autores, por si e antecessores, que sobre o referido terreno praticam atos de verdadeiros proprietários e extraem todas as utilidades que o mesmo lhes pode proporcionar tais como proceder ao seu cultivo, com o consequente amanho da terra, e subsequente colheita dos frutos, procedem ao corte de matos e lenhas, proceder ao abate de árvores, fazendo-as suas ou vendendo-as, movimentam terras, procedem a escavações, e à exploração de água para rega, etc.
4. Todos os descritos atos de posse dos autores e ante possuidores, durante mais e 15 ou 20 anos, sobre o identificado prédio, sempre foram praticados à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, de forma ininterrupta, porque dia a dia e ano a ano e sempre na convicção do exercício de poderes sobre a coisa que lhes pertence e de que não estão a lesar ou prejudicar interesse ou direito alheio.
5. A ré esposa é dona e legítima possuidora do prédio rústico composto de terreno e cultura, atualmente a vinha, com a área registada de 8.560 m2 do lugar ..., freguesia ... do concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...74-... e inscrito na respetiva matriz predial rústica no artigo ...50.
6. A ré esposa adquiriu o descrito prédio por escritura de habilitação e partilha outorgada em 13 de outubro de 2005, no extinto cartório público ..., a folhas 63 do Livro ...02.
7. O prédio da ré goza do direito de servidão de passagem sobre o prédio dos autores.
8. O direito de servidão de passagem que onera o prédio dos autores e beneficia o prédio da ré mulher foi-lhe reconhecido por sentença, transitada em julgado, proferida na ação que correu termos com o n.° ... do ... do Juízo Central Cível de Penafiel do Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este.
9. Na referida sentença, o tribunal condenou os ora autores a reconhecerem que em benefício do prédio da ré esposa se encontrava constituída por usucapião uma servidão predial de passagem permanente, ou seja, ao longo de todo o ano, a pé, através de veículos de tração motora e animal, a onerar o prédio dos autores acima identificado em 1, através de um caminho em terra batida, coteada, com a largura de três metros e comprimento de cerca de 155 metros.
10. Existe uma outra faixa de terreno com vegetação que se dirige ao prédio referido em 5# com a largura variável, mas em certos locais inferior a 3 metros, com um local com a largura de 2,2 metros e outro com a largura de 2,25 metros, e o comprimento de cerca de 170 metros, que tem início junto à via pública denominada atualmente Rua ... e termina no prédio da ré esposa, na confrontação sul próximo do vértice do ângulo formado pelo lado nascente.
11. Este caminho é bordejado em parte do seu percurso por muro e por esteios de pedra e arames, além de que em parte do seu percurso é encimado por ramada.
12. A faixa de terreno descrita nos pontos 10 e 11, é o caminho ancestral, que com início na via pública denominada atualmente Rua ..., servia todos os prédios que atravessava incluindo o prédio da R. esposa identificado no ponto 5 da matéria de dada como provada, onde terminava.
13. Todos os prédios que esse caminho atravessava até ao prédio da R. esposa identificado no ponto 5 da matéria de facto assente pertenceram à família da R. quando todos integravam a mesma quinta no tempo dos visavôs.
14. A faixa de terreno descrita em 10 e 11 sempre foi o caminho utilizado pelos pais da R. esposa quando necessitavam de se deslocar ao prédio identificado em 5, para o cultivo do mesmo, quer a pé, quer com qualquer veículo, fosse carrinho de mão, veículo de tração animal ou mesmo trator.
15. Após a R. esposa casar, foi viver para o lugar da ... no lado oposto da mesma freguesia relativamente ao local onde residia a sua mãe e ao local de situação do prédio dominante e em virtude desse facto a R. começou a utilizar um carreiro que atravessava o prédio dos AA. quando se deslocava a pé, a casa da mãe, e ao prédio identificado
16. Após o prédio identificado em 5, lhe ter sido adjudicado na partilha por óbito dos pais, a R. fez do carreiro que existia no prédio dos AA., também o local de passagem na ligação deste prédio à via pública, a pé e de trator para o cultivo do mesmo.
17. O caminho referido em 10 e 11 manteve-se aberto ao trânsito de pessoas e veículos até há cerca de 2 ou 3 anos, podendo servir-se pelo mesmo todos os prédios que o bordejavam, incluindo o prédio identificado em 5.
18. O caminho referido em 10 e 11, permite o acesso da via pública denominada Rua ... ao prédio da R. identificado em 5 quer a pessoas quer a veículos automóveis para fins agrícolas.
19. Há cerca de 2 ou 3 anos, mas em momento posterior à entrada da ação em juízo, a R. colocou um portão na entrada do caminho, na zona de intercessão com a Rua ... que se visualiza nas fotografias 19 e 20 do auto de inspeção judicial ao local e uma outra vizinha, familiar da R., colocou no leito do mesmo a grade que se visualiza nas fotografias 17 e 18 do mesmo auto.
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(Do novo caminho proposto pelos réus)
20. O prédio dos RR dista em linha reta desde a sua extrema Sudeste até à Estrada ... cerca de 50 metros (conforme linha azul na fotografia junta a fls. 119).
21. A servidão reconhecida pelo tribunal representa um percurso aproximado de 106 metros desde a Estrada ... até ao terreno dos réus (conforme linha vermelha na fotografia junta a fls. 119).
22. Os autores obtiveram o licenciamento para a construção de uma moradia no prédio referido em 1.
XII - Deve manter-se como não provado:
A. Que a largura da faixa de terreno aludida em 10 é de cerca de 3 metros ao longo de toda a sua extensão e que esta se encontra desprovida de vegetação.
XIII - Considerando-se a aceitação da ampliação da matéria de facto dada como assente, temos por certo que a servidão de passagem que onera o prédio dos AA. identificado no ponto 1 dos factos provados em benefício do prédio da R. esposa identificado no ponto 5 dos mesmos factos, se mostra desnecessária ao prédio dominante.
XIV - Os factos demonstram que o caminho de servidão identificado nos pontos 10 e 11 sempre ao longo de dezenas de anos satisfez e satisfaz em pleno as necessidades do prédio dominante na ligação à via pública, para a respetivo cultivo, quer fosse de pessoas a pé, quer fosse de veículos de tração animal ou mesmo de tração mecânica (que anota-se nunca sofreu alteração quanto à natureza de prédio rústico destinado à agricultura) e que esse mesmo caminho, apesar de nalguns pontos ter uma largura inferior a 3 metros, permite o trânsito de pessoas e veículos até ao prédio dominante sem qualquer obstáculo ou constrangimento.
XV - A única coisa que o caminho ancestral referido nos pontos 10 e 11 da matéria de facto provada não satisfaz é a conveniência da R. esposa, pois, pelo caminho que onera o prédio dos Recorrentes percorre um percurso inferior desde a sua residência até chegar ao prédio dominante.
XVI - Não cremos que a simples conveniência da titular do prédio dominante possa ter a tutela do direito, mormente em manter a oneração do prédio serviente quando está objetivamente afastada a necessidade da servidão constituída por usucapião que onera o prédio dos recorrentes.
XVII – A R. esposa ciente da desnecessidade da servidão de passagem cuja extinção foi peticionada ao Tribunal a quo nos presentes autos, curou, ajudada por terceira pessoa de tapar o leito do caminho ancestral, com o portão que colocou na entrada do mesmo junto à via pública (Rua ...) e grade fixa na continuidade do seu leito, como o demonstram as fotografias 17 e 18 do auto de inspeção na tentativa de demonstrar o desuso do caminho ancestral e a correspondente extinção da servidão de passagem constituída por destinação de anterior proprietário.
XVIII - O estratagema construído pela R., por si só, além de demonstrar a existência do caminho ancestral que beneficiava o seu prédio, demonstra a dispensabilidade do caminho que onera o prédio dos AA. em benefício do prédio da R. pois de outro modo não teria esta construído o ardil e consequentemente a objetividade da desnecessidade tem que se impor ao julgador no justo equilíbrio dos interesses em conflito ou seja do prédio serviente a ver-se livre do ónus que suporta injustificadamente e o interesse do prédio dominante que ao perder a servidão que se pretende ver extinta por desnecessidade, não fica prejudicado uma vez que mantém o serviço de passagem, de que sempre beneficiou, como o demonstra a matéria de facto provada ou que deve resultar provada nos termos supra defendidos.
XIX - Face a tudo o exposto e sempre com o devido respeito entende-se que o Tribunal a quo ao não considerar provados os factos acima referidos e ao não considerar a desnecessidade da servidão que onera o prédio dos Recorrentes em benefício do prédio da Recorrida e constituída por usucapião, violou por erro de interpretação e aplicação o preceituado no artigo 342°, 1569° n°2 e artigos 607° n°s 4 e 5 do C.P.C.
Nestes termos e nos melhores de direito deve proceder a presente apelação, e alterada a matéria de facto, declarando-se a final extinta a servidão de passagem nos termos peticionados, com o que se fará Justiça.”

Os réus/recorridos, por sua vez, vieram apresentar as suas contra-alegações e alegações de recurso subordinado da parte da sentença que lhes foi desfavorável, apresentando as seguintes conclusões:
“I- Pese embora não tenha sido esse o entendimento do tribunal recorrido a presente ação e consequentemente o recurso o direito que a autora pretende fazer valer na presente ação e consequentemente no recurso a existir encontra-se precludido pela sentença do processo ... PNF, com efeito,
II- Ainda que se provasse que réus tivessem também servidão de passagem sobre a faixa de terreno referida no artigo 10º matéria provada, que passa por terrenos de terceiros além dos RR e que a mesma tivesse para os RR os mesmos cómodos da reconhecida aos RR na ação ... e nada disso que se provou, já aquando da contestação daquela ação pelos AA a questão da alegada desnecessidade se punha, porque no próprio dizer dos AA, aquela servidão era muito anterior à deferida aos RR naquela ação.
III- não se reconhecem servidões desnecessária ou inúteis que é coisa é alheia ao conceito de direita servidão enquanto direito real
IV- De todo o modo ao contrário do que alegam os apelantes, sem adesão à realidade, a faixa de terreno referida no artigo 10º dos fatos provados não oferece desde logo os mesmos cómodos do daquela ação - quer porque mais estreita. quer porque mais longa e muito mais distante da residência dos RR, na Rua ..., ..., ..., ..., que fica a nascente do prédio referido no artigo 5º dos fatos provados o qual por sua vez, fica a nascente da faixa de terreno referida no artigo 10 dos fatos provados – como demonstrado na matéria provada, documentado e ilustrado nas fotografias áreas, para além de não se ter produzido prova sequer se os RR gozavam de direito de servidão de passagem sobre a faixa de terreno referida no facto provado 10º para acesso ao prédio referido no fato provado 5º .
V- se alguma vez o seu prédio gozou dessa servidão a mesma estava ativa e não se extinguiu nomeadamente pelo não uso, até pelo facto dos RR explorarem o prédio referido no numero 5º dos factos provados desde os anos 80, vivendo já na Rua ..., não se justificando que fizessem uso da faixa de terreno referida no fato provado 10º, atendendo que o prédio referido no artigo 5º está situado entre a entrada do caminho referido nos fatos 7º e 8º (Estrada ...) e a via publica onde desemboca a faixa de terreno referida no facto 10º (Rua ...).
VI- De todo o modo como se decidiu e bem na decisão recorrida o caminho referido nos factos 7º e 8º é mais curto e mais largo que a faixa de terreno referida no artigo 10º
VII- Constitui facto notório que as exigências da agricultura moderna, impõe larguras na ordem dos 3 a 3,5 metros para a passagem de máquinas agrícolas, pelo que as necessidades de largura dos últimos 30 ou 40 anos evoluíram em relação à agricultura dos anos anteriores em que a agricultura se fazia sem recurso a máquinas agrícolas, de forma manual.
VIII- Mesmo considerando irrelevante a morada dos RR para efeitos da avaliação da necessidade, como se parece defender no acórdão do STJ de 16/03/2011 citado na decisão recorrida, as alterações ocorridas no prédio dominante, com o desenvolvimento do uso de maquinas agrícolas nos últimos quarenta anos impõem a avaliação da servidão referida nos fatos 7º e 8º, como necessária por contraponto à faixa de terreno referida no artigo 10º, sobre a qual ainda que os RR tivessem direito de servidão e não têm, não a substituía e por isso a denegação da desnecessidade pretendida pelos AA recorrentes
IX- A pretensão dos AA recorrentes que além dos fatos 10º e 11º se desse como provado os fatos que enumeram sob os números 1º a 7º das páginas 4 e 5 das suas alegações de recurso, não tem razão de ser conforme resulta das alegações e conclusões anteriores e não tem sustentação mínima muito menos bastante na prova produzida e invocada.
X- O facto que diz ser circunstancial com o número 8º da pagina 5 das conclusões de recurso dos AA, não alegado ainda que a título de facto superveniente nada abona para tese do seu recurso ou modificação da decisão recorrida, antes pelo contrario, não havendo ainda assim razão de ser para a sua afirmação.
XI- A colocação pela ré de um portão na entrada do seu prédio urbano onde desemboca a faixa de terreno referida no artigo 10º junto à Rua ..., constitui o uso pela ré do direito de vedação de um prédio distinto do referido no artigo 5º e dele separado por prédios de terceiros.
XII- A colocação por terceiro, de uma grade na faixa de terreno referida no fato 10 da decisão recorrida, na parte onde a mesma desembocava no prédio urbano da ré referida na conclusão anterior constitui igualmente o exercício do direito de vedação por parte daquela e a manifestação pela mesma do não reconhecimento de direito de servidão à ré sobre a faixa de terreno referida no facto 10 para acesso ao prédio referido no facto 5 da aliás douta sentença, seja pelo não uso, seja por desnecessidade, seja porque não existisse
XIII- Todas as testemunhas quer da autora quer da ré confirmam nos respetivos depoimentos a existência do caminho da mata, que era precisamente o caminho referido no artigo 6º e 7º, para acesso quer ao prédio referido no artigo 5º e até para o transporte de produtos agrícolas e leite da zona a nascente da Estrada ..., para a própria casa de habitação da mãe da ré e que é o prédio urbano suprarreferido na alegação 12º (Rua ...)
XIV- Sobre o não uso pelos réus e pelos seus antecessores do caminho referido nos factos 7º a 8º para a exploração do prédio referido no facto 5º, de modo a concluir-se que os RR gozavam de servidão de passagem sobre a faixa de terreno referida no facto 10º, para a exploração agrícola do prédio referido no fato 5 º nenhuma das testemunhas o afirma.
XV- A faixa referida no facto 10º podia ser usada para a mera circulação entre o prédio referido no facto 5 e a casa de habitação da mãe da ré, mas já não para o seu lavradio e transporte de sementes e colheita, nomeadamente atentas as suas dimensões
XVI- Não têm assim os apelantes qualquer razão para a pretendida alteração à matéria de facto nem para alteração da decisão final.
Do recurso subordinado
XVII- Os factos provados 12 e 13 são quanto baste para que se conclua â partida que pela alteração da servidão para o ponto 12 beneficia o prédio dominante e não prejudica o prédio serviente,
XVIII- Os apelantes alegaram o que alegaram mas não juntaram planta de implantação da construção referido facto 14, acabando por ser desmentidos com a vista da construção que fizeram onde se conclui que a mesma não tapa o percurso referido no fato 12 provado nem sequer o percurso referido no artigo 42 da contestação a verde da fotografia aérea de fls 119, embora quanto a este fique muito próxima.
XIX- E visível o afastamento da construção referida no facto 14 de mais de 3 metros do limite norte do prédio dos AA (pedido reconvencional subsidiário) e de cerca de 30 metros do traçado referido no ponto 12 dos fatos assentes e pedido reconvencional principal nas fotografias aéreas juntas como doc 1 e 2 do requerimento de 13/12/2023, referencia citius 9261564
XX- O tribunal não teve em devida consideração os documentos n.º 1 e 2 do requerimento de 13/12/2023, que impunham uma resposta diferente e decisão diferente quanto ao preenchimento dos requisitos do artigo 1568º n.º 2 do C Civil e deferir a alteração da servidão pedida no pedido reconvencional principal.
XXI- A alteração foi até consagrada pelo tribunal na sentença na ação ... de 14 de janeiro de 2020, onde ante a destruição do caminho referido nos fatos provados 7º e 8º ordenou os AA a abrirem no seu prédio um caminho com a largura de 3 metros a desembocar no local referido em M ou noutro que a autora tenha por mais conveniente.
XXII- Assim a sentença de 14 de janeiro de 2020 pôs na mão dos RR a escolha do traçado do caminho, o que foi o que os RR fizeram com a reconvenção alicerçados na sentença e no disposto no artigo 1568º n.º 2 do C. Civil
XXIII- Direito esse que acabou por ser negado aos RR na sentença recorrida, por erro na apreciação da prova sobre o preenchimento do 2º requisito do artigo 1568º nº 2 do C Civil e mesmo da inversão do ónus da prova que se operou pela sentença de 14 de janeiro de 2020, que atribui aos aqui RR o direito de escolherem o local dentro do seu prédio onde deveria desembocar o caminho, onde a questão nova do facto 14 da sentença recorrida, habilidosamente alegado, não se colocava e não permite concluir prejuízo para os aqui AA da mudança de servidão.
XXIV- Assim sendo também o recurso subordinado sobre a matéria de fato em face dos referidos documentos impõe-se que se altere a resposta à matéria de facto e se dê como provado um facto 15 onde se afirme “provado que o local referido em 12 fica distante da moradia referida em 14º, conforme se ve nas fotografias 1 e 2 do requerimento de 13/12/2023 referencia Citius 9261564
XXV- Bem como um fato provado 16, que constitui a conclusão logica a retirar dos fatos provados 12,13, 14 e conclusão anterior onde se julgue “provado que da alteração da servidão para o local referido no facto 12 resulta benefício para os RR e não resulta prejuízo para os AA enquanto proprietários do prédio serviente.”
XXVI- Errou a sentença recorrida ao julgar improcedente a reconvenção
XXVII- Violou a sentença recorrida entre outros o disposto no artigo 1568º do Código Civil, 621º e 616º n.º 2 al b) do CPCivil
XXVIII- Deve ser julgado improcedente o recurso principal e procedente o recurso subordinado, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se a mesma por outra que julgue improcedente a ação e procedente a reconvenção e condenados os AA nas custas.”.

Os autores apresentaram, ainda, contra-alegações no recurso subordinado, concluindo pela respetiva improcedência.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DO MÉRITO DO RECURSO

Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelos Apelantes, são as seguintes as questões a apreciar:
- Se deve ser aditada a matéria de facto dada como provada, com factos alegados na petição inicial e com um outro facto circunstancial que resultou do julgamento, ou, ainda, se devem ser aditados mais dois factos conforme pretendido pelos réus no recurso subordinado;
- Se deve ser declarado extinto, por desnecessidade, o direito de servidão de passagem que onera o prédio dos autores a favor do prédio da ré;
- Se deve ser deferida a alteração da servidão para outro local do prédio serviente.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal de 1ª Instância considerou provada a seguinte matéria de facto:
(Dos caminhos existentes)
1. Encontra-se registada a favor dos autores a aquisição do prédio rústico composto de terreno de cultura e pastagem, denominado Campo ... e ..., com a área de 12.000 m2, sito no lugar ..., freguesia ... do concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...43-... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...53 da freguesia ..., pela apresentação ...32 de 2013/07/31.
2. O prédio veio à posse dos autores por o terem adquirido a LL e MM (respeitosamente pai e mãe da autora esposa) através de contrato de compra e venda formalizado em processo de casa pronta, na Conservatória do Registo Predial de ..., no dia 31 de julho de 2013.
3. Há mais de 15, 20 anos que os autores, por si e antecessores, que sobre o referido terreno praticam atos de verdadeiro proprietários e extraem todas as utilidades que o mesmo lhes pode proporcionar tais como proceder ao seu cultivo, com o consequente amanho da terra, e subsequente colheita dos frutos, procedem ao corte de matos e lenhas, proceder ao abate de árvores, fazendo-as suas ou vendendo-as, movimentam terras, procedem a escavações, e à exploração de água para rega, etc.
4. Todos os descritos atos de posse dos autores e ante possuidores, durante mais de 15 ou 20 anos, sobre o identificado prédio, sempre foram praticados à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, de forma ininterrupta, porque dia a dia e ano a ano e sempre na convicção do exercício de poderes sobre a coisa que lhes pertenço e de que não estão a lesar ou prejudicar interesse ou direito alheio.
5. A ré esposa é dona e legítima possuidora do prédio rústico composto de terreno e cultura, atualmente a vinha, com a área registada de 8.560 m2 do lugar ..., freguesia ... do concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...74-... e inscrito na respetiva matriz predial rústica no artigo ...50.
6. A ré esposa adquiriu o descrito prédio por escritura de habilitação e partilha outorgada em 13 de outubro de 2005, no extinto cartório público ..., a folhas 63 do Livro ...02.
7. O prédio da ré goza do direito de servidão de passagem sobre o prédio dos autores.
8. O direito de servidão de passagem que onera o prédio dos autores e beneficia o prédio da ré mulher foi-lhe reconhecido por sentença, transitada em julgado, proferida na ação que correu termos com o n.º ... do ... do Juízo Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este.
9. Na referida sentença, o tribunal condenou os ora autores a reconhecerem que em benefício do prédio da ré esposa se encontrava constituída por usucapião uma servidão predial de passagem permanente, ou seja, ao longo de todo o ano, a pé, através de veículos de tração motora e animal, a onerar o prédio dos autores acima identificado em 1, através de um caminho em terra batida, coteada, com a largura de três metros e comprimento de cerca de 155 metros.
10. Existe uma outra faixa de terreno com vegetação que se dirige ao prédio referido em 5, com a largura variável, mas em certos locais inferior a 3 metros, com um local com a largura de 2,2 metros e outro com a largura de 2,25 metros, e o comprimento de cerca de 170 metros, que tem início junto à via pública denominada atualmente Rua ... e termina no prédio da ré esposa, na confrontação sul próximo do vértice do ângulo formado pelo lado nascente.
11. Este caminho é bordejado em parte do seu percurso por muro e por esteios de pedra e arames, além de que em parte do seu percurso é encimado por ramada.
(Do novo caminho proposto pelos réus)
12. O prédio dos RR dista em linha reta desde a sua extrema Sudeste até à Estrada ... cerca de 50 metros (conforme linha azul na fotografia junta a fls. 119).
13. A servidão reconhecida pelo tribunal representa um percurso aproximado de 106 metros desde a Estrada ... até ao terreno dos réus (conforme linha vermelha na fotografia junta a fls. 119).
14. Os autores obtiveram o licenciamento para a construção de uma moradia no prédio referido em 1.

E deu como não provado o facto seguinte:
A. Que a largura da faixa de terreno aludida em 10 é de cerca de 3 metros ao longo de toda a sua extensão e que esta se encontra desprovida de vegetação.
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IV – MOTIVAÇÃO DE DIREITO

1. Da alteração/aditamento da matéria de facto provada
Nas suas alegações de recurso vieram os autores/recorrentes requerer a reapreciação da decisão de facto, entendendo deverem ser aditados à matéria de facto provada, alguns factos que alegaram na petição inicial e resultaram provados face à prova produzida, bem como um outro que, embora não alegado, resultou da audiência de julgamento.
O art. 640.º do CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
O mencionado regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão de facto, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, o qual terá que apresentar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Recai, assim, sobre o recorrente, o ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar os concretos pontos da decisão que pretende questionar, ou seja, delimitar o objeto do recurso, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto, a fundamentação, e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pelo Tribunal da Relação.
No caso concreto, o julgamento foi realizado com gravação dos depoimentos prestados em audiência, sendo que os apelantes impugnam a decisão da matéria de facto com indicação dos pontos de facto que pretendem ver aditados, referem os meios de prova que entendem não terem sido devidamente ponderados, bem como a decisão que sugerem, pelo que se entende que foi cumprido o ónus que o citado art. 640.º do CPC, faz recair sobre o recorrente que pretenda impugnar a matéria de facto.
Tal como dispõe o nº 1 do art. 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto “(…) se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, o que significa que os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem um meio a utilizar apenas nos casos em que os elementos constantes dos autos imponham inequivocamente uma decisão diversa da que foi dada pela 1ª instância, não se visando um novo julgamento.
No presente processo, como referido, a audiência final processou-se com gravação da prova produzida.
Segundo ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 225, e a respeito da gravação da prova e sua reapreciação, haverá que ter em consideração que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa reapreciação tem autonomia decisória, devendo consequentemente fazer uma apreciação crítica das provas, formulando, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.
Assim, compete ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, face ao teor das alegações do recorrente e do recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Cabe, ainda, referir que neste âmbito da reapreciação da prova vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396.º do Código Civil.
E é por isso que o art. 607.º, nº 4 do CPC impõe ao julgador o dever de fundamentação da factualidade provada e não provada, especificando os fundamentos que levaram à convicção quanto a toda a matéria de facto, fundamentação essencial para o Tribunal de Recurso, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, com vista a verificar se ocorreu, ou não, erro de apreciação da prova.

Posto isto, cabe analisar se assiste razão aos apelantes, na parte da impugnação da matéria de facto.
Referindo os factos alegados nos artigos 13.º a 27.º da petição inicial, dizem os autores/recorrentes que devem ser aditados aos factos provados, os seguintes:
1. A faixa de terreno descrita nos pontos 10 e 11, é o caminho ancestral, que com início na via pública denominada atualmente Rua ..., servia todos os prédios que atravessava incluindo o prédio da R. esposa identificado no ponto 5 da matéria de facto dada como provada, onde terminava.
2. Todos os prédios que esse caminho atravessava até ao prédio da R. esposa identificado no ponto 5 da matéria de facto assente pertenceram à família da R. quando todos integravam a mesma quinta no tempo dos bisavôs.
3. A faixa de terreno descrita em 10 e 11 sempre foi o caminho utilizado pelos pais da R. esposa quando necessitavam de se deslocar ao prédio identificado em 5, para o cultivo do mesmo, quer a pé, quer com qualquer veículo, fosse carrinho de mão, veículo de tração animal ou mesmo trator.
4. Após a R. esposa casar, foi viver para o lugar ... no lado oposto da mesma freguesia relativamente ao local onde residia a sua mãe e ao local de situação do prédio dominante e em virtude desse facto a R. começou a utilizar um carreiro que atravessava o prédio dos AA. quando se deslocava a pé, a casa da mãe, e ao prédio identificado em 5.
5. Após o prédio identificado em 5, lhe ter sido adjudicado na partilha por óbito dos pais, a R. fez do carreiro que existia no prédio dos AA., também o local de passagem na ligação deste prédio à via pública, a pé e de trator para o cultivo do mesmo.
6. O caminho referido em 10 e 11 manteve-se aberto ao trânsito de pessoas e veículos até há cerca de 2 ou 3 anos, podendo servir-se pelo mesmo todos os prédios que o bordejavam, incluindo o prédio identificado em 5.
7. O caminho referido em 10 e 11, permite o acesso da via pública denominada Rua ... ao prédio da R. identificado em 5 quer a pessoas quer a veículos automóveis para fins agrícolas.
8. Há cerca de 2 ou 3 anos, mas em momento posterior à entrada da ação em juízo, a R. colocou um portão na entrada do caminho, na zona de intercessão com a Rua ... que se visualiza nas fotografias 19 e 20 do auto de inspeção judicial ao local e uma outra vizinha, familiar da R., colocou no leito do mesmo a grade que se visualiza nas fotografias 17 e 18 do mesmo auto.
Mostra-se já dado como provado que:
10. Existe uma outra faixa de terreno com vegetação que se dirige ao prédio referido em 5, com a largura variável, mas em certos locais inferior a 3 metros, com um local com a largura de 2,2 metros e outro com a largura de 2,25 metros, e o comprimento de cerca de 170 metros, que tem início junto à via pública denominada atualmente Rua ... e termina no prédio da ré esposa, na confrontação sul próximo do vértice do ângulo formado pelo lado nascente.
11. Este caminho é bordejado em parte do seu percurso por muro e por esteios de pedra e arames, além de que em parte do seu percurso é encimado por ramada.

Ora, antes de mais, e independentemente do que possa ter resultado da prova produzida, diremos, quanto ao facto 8 que os autores/recorrentes pretendem ver aditado à matéria de facto provada, que o mesmo não apresenta qualquer utilidade para a decisão, já que o que está em causa é saber se deve ser extinto por desnecessidade um direito de servidão, ou se deve ser alterado o respetivo traçado, o que nada tem a ver com a colocação do portão no prédio da ré, prédio dominante na situação em discussão, já que a existência de um direito de servidão nunca ficaria prejudicada pela vedação do prédio dominante.
Por inútil, indefere-se o aditamento do facto referido – art. 130.º do CPC.

O mesmo, aliás, vale também para os factos 1 a 7 que os autores/recorrentes também pretendem ver aditados.
Face ao que consta dos factos provados 7 a 9, 10 e 11, entende-se que o aditamento dos factos pretendidos se afigura igualmente desnecessário, desde logo porque tal factualismo havia já sido alegado na ação que reconheceu aos aqui réus, o direito de servidão de passagem em benefício do seu prédio e a onerar o prédio dos autores/recorrentes.
Os factos em questão, ainda que se considerassem provados, pouco acrescentam aos factos provados 10 e 11, dos quais já resulta que existe outro acesso ao prédio dos réus, bem como as respetivas características.
A isso acresce que tais factos não invalidam o que se mostra dado como provado nos factos 7 a 9, ou seja, no essencial, que foi reconhecido aos réus o direito de servidão de passagem em benefício do seu identificado prédio e a onerar o prédio dos autores/recorrente, direito esse, adquirido por usucapião, e reconhecido numa altura em que, segundo os factos que se pretendem ver aditados, aquele outro acesso já existia, o que não impediu a constituição do direito de servidão que os recorrentes, agora, pretendem ver extinto.
Face ao exposto, novamente com base no disposto no art. 130.º do CPC, por inúteis, não se aditam os factos referidos, improcedendo o recurso dos autores na parte da impugnação da matéria de facto.

Também os réus, no recurso subordinado que deduziram, impugnam a matéria de facto, pretendendo, por sua vez, o aditamento de dois factos novos aos factos provados.
Em concreto, pretendem o aditamento dos factos seguintes como factos provados:
15 - O local referido em 12 fica distante da moradia referida em 14, conforme se vê nas fotografias 1 e 2 do requerimento de 13/12/2023 referência Citius 9261564.
16 - Da alteração da servidão para o local referido no facto 12 resulta benefício para os RR e não resulta prejuízo para os AA enquanto proprietários do prédio serviente.
Dando por reproduzido o que supra se disse quanto ao ónus que recai sobre o recorrente que pretenda impugnar a decisão de facto, nos termos do art. 640.º do CPC, entende-se que os réus/recorrentes cumpriram o que resulta de tal preceito, já que indicam os factos a aditar, bem como os meios de prova, neste caso documental, a considerar.
Contudo, o seu recurso da matéria de facto, tal como o dos autores, mostra-se votado ao insucesso.
Dos factos provados e não provados devem constar, como o próprio nome indica, factos, e não conclusões, as quais deve ser o Tribunal a retirar da matéria fáctica respetiva.
Ora, dizer que o local referido em 12 fica distante da moradia referida em 14, não é um facto concreto e mensurável, nos termos em que os réus o pretendem ver aditado. O que significa “fica distante”? Qual a medida que corresponde a distante? Não se trata de um facto, mas de uma conclusão dos réus/recorrentes.
Mais conclusivo ainda, é o outro “facto” que os mesmos réus pretendem ver aditado, aliás, como os próprios referem, quando dizem que deve ser aditado “um fato provado 16, que constitui a conclusão lógica a retirar dos fatos provados 12, 13, 14”.
Concluindo, o aditamento que os réus/recorrentes pretendem não é constituído por factos, mas, antes, por conclusões, pelo que, sem necessidade de outras considerações, se julga improcedente o recurso, nesta parte.
Mantém-se, pois, a matéria de facto tal como foi decidida pelo Tribunal a quo.

2. Do erro de julgamento de direito
Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia – art. 1543.º do Código Civil.
De acordo com o disposto no art. 1547.º, nº 1 do mesmo diploma legal, as servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família.
No caso, não existem dúvidas de que a servidão em benefício do prédio dos réus e a onerar o prédio dos autores, se constituiu por usucapião, tendo como tal sido reconhecido judicialmente o direito.
Vejamos, então, as questões colocadas por autores e réus.

a) Recurso dos autores
O art. 1569.º do Código Civil prevê os casos de extinção das servidões, dispondo que as servidões se extinguem nas seguintes situações:
a) Pela reunião dos dois prédios, dominante e serviente, no domínio da mesma pessoa;
b) Pelo não uso durante vinte anos, qualquer que seja o motivo;
c) Pela aquisição, por usucapião, da liberdade do prédio;
d) Pela renúncia;
e) Pelo decurso do prazo, se tiverem sido constituídas temporariamente.
2. As servidões constituídas por usucapião serão judicialmente declaradas extintas, a requerimento do proprietário do prédio serviente, desde que se mostrem desnecessárias ao prédio dominante.
(…).
Os autores/recorrentes entendem que a servidão, neste caso, de passagem, que onera o seu prédio em benefício do prédio dos réus, deve ser declarada extinta por desnecessidade.
Efetivamente o direito de servidão, constituído por usucapião, pode extinguir-se por desnecessidade, conforme o citado art. 1569.º, nº 2, do Código Civil.
Ora, constituindo uma servidão predial um encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente, como refere o art. 1543.º do Código Civil, o que se traduz numa limitação do direito de propriedade do prédio serviente em benefício do prédio dominante, e considerando o conteúdo do direito de propriedade, de gozo pelo proprietário de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, como dispõe o art. 1305.º do diploma legal referido, o encargo que a servidão constitui não deve subsistir, nas situações em que esse benefício se revele desnecessário.
Desnecessidade significa que o prédio dominante não necessita da servidão, nomeadamente, para o fim para o qual foi constituída.
Assim, cabia aos autores alegar uma realidade que tenha tornado desnecessária a servidão constituída por usucapião.
Os autores/recorrentes invocam com vista à extinção da servidão por desnecessidade, a existência de uma outra servidão, por local e prédios de donos diferentes, que, no entanto, já existia quando foi reconhecida a constituição por usucapião da servidão que onera o seu prédio.
Coloca-se aqui, para além da questão da desnecessidade, a questão de saber se a causa da desnecessidade tem de ser superveniente à constituição do direito de servidão por usucapião, para servir como causa de extinção da servidão.
Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12-01-2010, Processo 2963/05.0TBPBL.C1, disponível em dgsi.pt, a necessidade não é um requisito da constituição de uma servidão por usucapião, até porque “Como é consabido a posse, na sua maioria da vezes, inicialmente anti-jurídica, tende a cimentar as relações que estão inerentes aos poderes de facto e animus que lhe presidem com vista a adaptar as situações de facto que corporizam e a conformá-las com a lei, ou melhor dito, conformar a lei com a realidade (a qual, por norma, pelo menos neste âmbito, anda sempre à frente da lei).
No fundo, com as normas que regulam a constituição de direitos reais através da usucapião, visa-se conformar a lei à realidade.
Assim, verificando-se, como se verificam, os pressupostos para a constituição da aludida servidão de passagem, não obstante o prédio não ser encravado, tem a mesma de se reconhecer.
O que se impunha é que o proprietário do prédio serviente, ab initio, se tivesse oposto a que os réus usassem, como usaram, tal trilho, o que não fez.
Dando-se por provados todos requisitos exigidos para a constituição de tal direito de servidão de passagem, não obstante a mesma ser, originariamente, desnecessária, tem a mesma de se ter por constituída, dado que se deu por demonstrado que os réus por ali transitam, há mais de 25 anos, como lhe aprouve, sem interrupções, sem oposição, desconhecendo lesar interesses de outrem e na convicção de que assim podiam actuar – cf. itens 28 a 33 da matéria dada como demonstrada na sentença recorrida.”.
Concorda-se com o que no citado acórdão se diz. Contudo, uma vez constituída por usucapião uma servidão de passagem, ainda que originariamente desnecessária, nada impede que tal servidão venha a ser declarada extinta, a requerimento do proprietário do prédio serviente, desde que se mostre desnecessária ao prédio dominante.
Ou seja, para efeitos do disposto no art. 1569.º, nº 2, do Código Civil, não interesse uma desnecessidade subjetiva do proprietário do prédio dominante, antes se exigindo uma desnecessidade objetiva, uma desnecessidade para o próprio prédio dominante, desnecessidade que tem de ser provada pelo proprietário do prédio serviente, atento o disposto no art. 342.º, nº 1 do Código Civil.
Como já mencionado, para além da desnecessidade, coloca-se também a questão da superveniência, ou não, da causa que dá lugar à dita desnecessidade.
Quanto a esta questão concordamos com o que foi decidido no Acórdão desta 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, de 15-09-2022, Processo 1082/20.4T8AGD.P1, Relator: PAULO DIAS DA SILVA, pelo que o seguimos, passando a transcrever uma resenha que aí é feita relativamente às várias posições que vêm sendo objeto de decisão:
“A desnecessidade corresponde a uma falta de justificação objetiva para a manutenção de um encargo para o prédio serviente, atenta a inutilidade ou escassa utilidade que a existência da servidão representa para o prédio dominante. Este juízo de proporcionalidade deve ser encontrado na ponderação das circunstâncias concretas de cada caso.
O § único do artigo 2279º, do Código de Seabra, previa três hipóteses de verificação de desnecessidade da servidão: “por terem cessado as correspondentes necessidades deste prédio, por ser impossível já satisfazê-las por via daquelas servidões ou porque o proprietário dominante pode fazê-lo por qualquer outro meio igualmente cómodo”.
O atual artigo 1569º, nº 2 do Código Civil, não previu estas hipóteses, não por discordar que as mesmas constituíssem casos de desnecessidade, mas sim porque essa especificação se apresentava como redutora, como enumeração taxativa, e desinteressante, como indicação exemplificativa - cfr. a nota explicativa ao artigo 30º, do Anteprojeto do título sobre servidões prediais do atual Código Civil, constante do B.M.J. nº 64, págs. 34-35.
Daí que deva continuar a considerar-se que uma das situações em que se pode verificar a desnecessidade duma servidão seja a possibilidade da utilidade que ela proporciona poder ser obtida por outro meio.
Esta situação exigirá, porém, um juízo de proporcionalidade entre o grau de desagravamento do prédio serviente resultante da extinção da servidão e a dimensão dos custos, incómodos e inconvenientes da alternativa apontada.
Para alguns, impõe-se o entendimento de que apenas uma alteração das circunstâncias existentes à data da constituição da servidão, pode motivar a sua extinção por desnecessidade. Esta posição mostra-se também referida por Oliveira Ascensão, em “Direito Civil. Reais”, págs. 439-440, da 4ª edição, da Coimbra Editora, e em “Desnecessidade e extinção dos direitos reais”, págs. 10-12, da separata da Revista da Faculdade de Direito de Lisboa, vol. XVIII, 1964, e pelos Acórdãos da Relação de Coimbra, de 25-10-1983, na C.J., Ano VIII, tomo 4, pág. 62, relatado por Ataíde das Neves; da Relação do Porto, de 2-12-1986, na C.J., Ano XI, tomo 5, pág. 229, relatado por Tato Marinho; da Relação do Porto, de 7-3-1989, na C.J., Ano XIV, tomo 2, pág. 189, relatado por Metello de Nápoles; da Relação de Coimbra, de 13-6-1995, na C.J., Ano XX, tomo 3, pág. 41, relatado por Cardoso de Albuquerque; do S.T.J., de 25-11-1999, no site www.dgsi.pt, relatado por Simões Freire; da Relação do Porto, de 14-2-2000, no site www.dgsi.pt, relatado por Paiva Gonçalves; da Relação do Porto, de 26-2-2002, no site www.dgsi.pt, relatado por Soares de Almeida; da Relação do Porto, de 4-4-2002, no site www.dgsi.pt, relatado por Saleiro de Abreu; da Relação de Coimbra, de 16-4-2002, na C.J., Ano XXVII, tomo 2, pág. 23, relatado por Silva Freitas; do S.T.J., de 7-11-2002, no site www.dgsi.pt, relatado por Ferreira Girão; da Relação do Porto, de 26-11-2002, na C.J., Ano XXVII, tomo 5, pág. 182, relatado por Lemos Jorge e do S.T.J., de 27-11-2003, no site www.dgsi.pt, relatado por Ferreira Girão.
Para outros, apesar de, normalmente, a situação jurídica de desnecessidade resultar duma alteração das circunstâncias do prédio dominante, nada impede que essa situação já ocorra no momento da constituição da servidão, e nada justifica que, nesses casos, o proprietário do prédio serviente não possa requerer a extinção de um encargo para o seu prédio que não tem justificação - cf., neste sentido os Acórdãos do S.T.J., de 27-5-1999, no B.M.J. nº 487, pág. 313, relatado por Ferreira de Almeida; da Relação de Lisboa, de 30-1-2003, na C.J., Ano XXVII, tomo 1, pág. 90, relatado por António Valente; da Relação de Coimbra, de 29-6-2004, no site www.dgsi.pt, relatado por Jaime Ferreira; da Relação de Coimbra, de 28-9-2004, na C.J., Ano XXIX, tomo 1, pág. 18, relatado por Artur Dias e, da Relação de Coimbra, de 15-2-2005, no site www.dgsi.pt, relatado por Monteiro Casimiro.
Na verdade, embora uma servidão traga, necessariamente, proveito ao prédio dominante, uma vez que é este o seu requisito existencial, esse proveito pode não se justificar face à dimensão do encargo que resulta para o prédio serviente. Deste modo, pode alguém ter adquirido, por usucapião, um direito de servidão sobre outro prédio em que a sua utilidade não justifique esse encargo, pelo que deve ser concedido o direito ao proprietário do prédio onerado requerer a extinção de tal encargo, por desnecessidade deste. (…)”.
A jurisprudência vem, quase unanimemente, considerando que, para que uma servidão seja extinta, por desnecessidade, nos termos do disposto no nº 2, do art.º 1569.º do Código Civil, é necessário: a) Tenha existido uma alteração superveniente relativa ao prédio dominante que não resulte apenas de interesses subjetivos e transitórios do respetivo proprietário; b) Em resultado dessa alteração, a servidão deixe de ter, para o prédio dominante, qualquer utilidade, por existirem alternativas com comodidade semelhante, não se exigindo que a servidão seja indispensável para permitir a respetiva manutenção.
Desde logo, a desnecessidade deve ser apreciada em termos objetivos, ou seja, abstraindo da situação pessoal do proprietário do prédio dominante.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.02.2006 que acolhe a jurisprudência largamente dominante, entendeu-se que: “só quando a servidão deixou de ter para aquele (proprietário do prédio dominante) qualquer utilidade deve ser declarada extinta (acórdãos de 27 de Maio de 1999, revista nº 394/99, e de 7 de Novembro de 2002, revista nº 2838/02). Como no primeiro destes acórdãos se observa não interessa, assim, saber se, mediante determinadas obras, o proprietário do prédio encravado podia assegurar o acesso imposto pela normal utilização do prédio. O que se torna necessário é garantir uma acessibilidade em termos de comodidade e regularidade ao prédio dominante, sem onerar desnecessariamente o prédio serviente.
O Prof. Oliveira Ascensão defende que “a desnecessidade, que em matéria de servidão se considera, supõe uma mudança na situação, não do prédio onerado ou serviente, mas do prédio dominante. Por virtude de certas alterações neste, sobrevindas, aquela utilização, sempre possível, do prédio serviente, perdeu utilidade para o prédio dominante. Para que uma servidão possa ser extinta por desnecessidade, tem de verificar-se um facto superveniente, concreto, objetivo e atual do qual resulte que a servidão deixou de ter justificação por o prédio dominante se ter tornado autónomo em termos de acessibilidade. É então necessário garantir ao dono do prédio serviente o total exercício do direito de propriedade, na plenitude da sua função socioeconómica, arredando todas as limitações comprovadamente inúteis.”
Nas palavras do Prof. Pires de Lima (Anteprojecto, Servidões Prediais, BMJ 64º- 34), “foram os factos que a impuseram, e são agora os factos que justificam a sua extinção”. Se os factos que estiveram na sua origem desapareceram, então a extinção justifica-se.
A situação de desnecessidade tem que ser aferida à data da interposição da ação; não sendo exigível um juízo de indispensabilidade da servidão para permitir a sua manutenção (cf. se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.05.2015, proferido no proc. 273/07). Cumpre assim adotar um conceito de desnecessidade paralelo ao interesse que justifica a constituição, e que é o da utilidade para o prédio dominante (no domínio do anterior Código Civil, cfr. Oliveira Ascensão, op. cit., pág. 260: “é à inutilidade, e não à dispensabilidade, que a lei se reporta”); cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil citado, vol. cit., pág. 677, por remissão para o acórdão da Relação de Coimbra de 25 de Outubro de 1983, in Colectânea de Jurisprudência, ano VIII – 1983, tomo 4, págs. 62 e segs. Uma servidão pode constituir-se por ser útil ao prédio dominante (não tem de ser indispensável) e pode extinguir-se se essa utilidade desaparecer.
O artigo 1569.º, nºs 2 e 3, do Código Civil prevê a extinção da servidão por desnecessidade, o que significa que se a servidão deve constituir um proveito para o prédio, não se poderá constituir uma servidão desnecessária - cfr Henrique Sousa Antunes, Direitos Reais, 484/488; Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 4ª edição, 440, «a) se há desnecessidade originária, nunca há que falar em desnecessidade como causa de extinção de direitos reais, pois que nenhuma servidão se poderá constituir contra tipificação legal; b) se há desnecessidade superveniente, temos uma causa específica de extinção de direitos reais, mas que só atua nos casos especialmente previstos por lei.»; cf. Desnecessidade e Extinção de Direitos Reais, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XVIII, 1964, 244 «A servidão assenta numa relação predial estabelecida de maneira que a valia do prédio aumenta graças a uma utilização, lato sensu, de prédio alheio. Quando essa utilização de nada aproveite ao prédio dominante, surge-nos a figura da desnecessidade».
A servidão torna-se desnecessária quando, por razões que se prendem com o prédio dominante, o uso do serviente deixou de ter utilidade para aquele (cfr. Prof. Oliveira Ascensão - “Desnecessidade e Extinção de Direitos Reais”, apud separata da “Revista da Faculdade de Direito de Lisboa”, 1964, 12; e ainda o Parecer da PGR, BMJ 147-67; e v.g. Ac do STJ de 8/3/63, BMJ 125-504, na vigência do artº 2313º CC 1867).
É que, sendo a servidão um encargo a onerar um prédio a favor de outro, necessariamente aumentando o valor deste, já que permite uma melhor, e mais rentável, utilização do prédio encravado, tornando-se desnecessária deve cessar, sob pena de ferir sem razão válida o acervo dos direitos que integram a propriedade e constam do artigo 1305.º da lei substantiva civil.
Daí que, verificando-se que a servidão de passagem sobre o prédio serviente deixou de interessar ao prédio dominante, o dono daquele pode pedir a respetiva extinção.
Mas essa desnecessidade deve apresentar-se como objetiva, típica e exclusiva caracterizada por uma mudança de situação do prédio dominante - que não do serviente - mercê de alterações ulteriores, não bastando razões subjetivas como a ausência de interesse, vantagens ou conveniências pessoais do onerador.
Como se observa no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Fevereiro de 2006 (www.dgsi.pt, proc. nº 05B4254), a propósito do conceito de desnecessidade relevante para o efeito que agora releva, “tem este Tribunal entendido que o conceito de "desnecessidade da servidão" abstrai da situação pessoal do proprietário do prédio dominante, devendo ser apreciada em termos objetivos. Só quando a servidão deixou de ter para aquele qualquer utilidade deve ser declarada extinta (acórdãos de 27 de Maio de 1999, revista n.º 394/99, e de 7 de Novembro de 2002, revista n.º 2838/02).
Seguindo de perto o que já se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Março de 2011, in www.dgsi.pt, proferido no processo nº 263/1999.P1.S1, é seguro que tal desnecessidade há de ser aferida em função do prédio dominante, e não do respetivo proprietário. Com efeito, “as servidões prediais consistem num encargo imposto a um prédio em benefício de outro prédio, pertencente a dono diferente” – artigo 1543º do Código Civil e, por exemplo, acórdão deste Supremo Tribunal de 2 de Julho de 2009, www.dgsi.pt, processo nº 08B3995.
O que se torna necessário é garantir uma acessibilidade em termos de comodidade e regularidade ao prédio dominante, sem onerar desnecessariamente o prédio serviente. E é nesta perspetiva que também a "necessidade da servidão" deve ser considerada como requisito da sua constituição por usucapião.”
Isto porque, como ensina o Prof. Oliveira Ascensão (apud “Desnecessidade …”, ob. cit. 10) “a servidão assenta numa relação predial estabelecida de maneira que a valia do prédio aumenta graças a uma utilização «latu sensu» de prédio alheio. Quando essa utilização de nada aproveite ao prédio dominante surge-nos a figura da desnecessidade.”
A servidão de passagem (ou de trânsito) é um direito real, “jus in re aliena”, “species” de propriedade imperfeita. (…)”.
Seguindo o que se escreve no acórdão citado, temos que no caso em discussão nos autos, para além de não ter sido alegada qualquer alteração superveniente em relação à situação que existia quando foi reconhecido o direito de servidão de passagem por usucapião a onerar o prédio dos autores/recorrentes e em proveito do prédio dos réus, também não se provou a desnecessidade, desde logo, tendo em conta as características da servidão que onera o prédio dos autores/recorrentes e as do outro caminho que também dará acesso ao prédio dominante, já que a servidão cuja extinção por desnecessidade os recorrentes pretendem permite benefícios ao prédio dominante que o outro caminho não permite tendo em conta a sua largura.
Face ao que se deixa exposto, improcede o recurso dos autores também nesta parte.

b) Recurso dos réus
Através de recurso subordinado, vieram os réus/recorrentes manifestar-se contra a parte da decisão proferida pelo Tribunal a quo, que julgou improcedente a reconvenção e, consequentemente, o pedido de alteração da servidão.
Quanto à possibilidade da mudança da servidão, dispõe o art. 1568.º do Código Civil, o seguinte:
1. O proprietário do prédio serviente não pode estorvar o uso da servidão, mas pode, a todo o tempo, exigir a mudança dela para sítio diferente do primitivamente assinado, ou para outro prédio, se a mudança lhe for conveniente e não prejudicar os interesses do proprietário do prédio dominante, contanto que a faça à sua custa; com o consentimento de terceiro pode a servidão ser mudada para o prédio deste.
2. A mudança também pode dar-se a requerimento e à custa do proprietário do prédio dominante, se dela lhe advierem vantagens e com ela não for prejudicado o proprietário do prédio serviente.
3. O modo e o tempo de exercício da servidão serão igualmente alterados, a pedido de qualquer dos proprietários, desde que se verifiquem os requisitos referidos nos números anteriores.
4. As faculdades conferidas neste artigo não são renunciáveis nem podem ser limitadas por negócio jurídico.
Cabe, antes de mais, dizer que “o sítio do exercício da servidão – o locus servitutis dos romanos - é o lugar preciso em que a servidão pode exercitar-se, a parte do prédio em que, sem implicar a sujeição de tal exercício do prédio inteiro, a servidão praticamente se localiza.” (cfr. Lobo, Mário Tavares, Mudança e Alteração de Servidão, pág. 93, Coimbra Editora). “O lugar ou sítio da servidão constitui parte integrante da mesma; e assim se compreende que a mudança implique uma modificação no conteúdo da própria servidão.”.
Conforme resulta do preceito citado, a mudança de servidão para sítio diferente tanto pode ser exigida pelo proprietário do prédio serviente, como pelo proprietário do prédio dominante, sendo que no caso em apreciação nos interessa a segunda hipótese, já que são os proprietários do prédio dominante que pretendem a alteração do traçado da servidão.
Como também se retira do preceito referido, exige-se a verificação de dois requisitos para que a mudança possa ocorrer: vantagem para o prédio dominante e não prejuízo para o prédio serviente.
Note-se que a vantagem deve revestir natureza real, no sentido de consistir numa utilidade objetiva do prédio, e não num interesse pessoal do proprietário do prédio dominante. Já quanto ao prejuízo deve tratar-se de um prejuízo relevante, não cabendo no conceito um mero incómodo, devendo conciliar-se os interesses de ambos os prédios.
Tal como na extinção por desnecessidade, o ónus da prova cabia ao interessado na extinção, na mudança da servidão, o ónus da prova cabe a quem a pretende, ou seja, os réus/recorrentes – art. 342.º, nº 1 do CC.
Com interessa para a decisão desta questão, mostra-se provado que:
12. O prédio dos RR dista em linha reta desde a sua extrema Sudeste até à Estrada ... cerca de 50 metros (conforme linha azul na fotografia junta a fls. 119).
13. A servidão reconhecida pelo tribunal representa um percurso aproximado de 106 metros desde a Estrada ... até ao terreno dos réus (conforme linha vermelha na fotografia junta a fls. 119).
14. Os autores obtiveram o licenciamento para a construção de uma moradia no prédio referido em 1.
Ora, tendo em conta esta factualidade, ao que acresce que, entretanto, os autores já construíram a moradia que havia sido licenciada, o que é referido pelos próprios réus/recorrentes nas suas alegações, que referem que a moradia já existia aquando da inspeção ao local levada a cabo pelo Tribunal a quo no âmbito da audiência de julgamento, e analisadas as fotografias do google maps que já constavam dos autos, juntas com o requerimento de 13-12-2023, temos de concluir que os réus/recorrentes não lograram fazer a prova nem da vantagem para o seu prédio (dominante) nem do não prejuízo para o prédio dos autores (serviente).
A alegada vantagem consistiria na redução de alguns metros no percurso da servidão, sendo certo que, como os autores/recorridos referem nas suas contra-alegações, os metros de redução da extensão da servidão, sempre teriam que ser percorridos pelos proprietários do prédio dominante, na estrada, até chegarem ao local do início da servidão pretendida, ou seja, não se vê qualquer vantagem relevante.
Já no que diz respeito ao prejuízo para o prédio serviente, ao contrário do que os réus/recorrentes pretendem, esse prejuízo existe efetivamente.
Como se retira dos mapas referidos, e que foram juntos pelos próprios réus, não há dúvidas de que a servidão, a ser exercida pelos locais que os réus pretendem, passaria bem mais próximo da habitação dos autores, o que, necessariamente lhes causa prejuízo, desde logo, face à maior devassa da sua privacidade.
Não lograram, pois, os réus/recorrentes fazer prova dos requisitos exigidos para poderem obter a mudança da servidão, pelo que bem andou a decisão recorrida ao julgar o respetivo pedido improcedente.
Nos termos expostos, improcedem tanto o recurso dos autores como o recurso subordinado dos réus, mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.

*

V - DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente tanto o recurso dos autores como o recurso subordinado dos réus, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo de cada um dos apelantes (art. 527.º, nºs 1 e 2 do CPC).







Porto, 2025-03-06

Manuela Machado
António Carneiro da Silva
Álvaro Monteiro