NULIDADE PROCESSUAL
NULIDADE DA SENTENÇA
Sumário

Encontrando-se a acção suspensa a aguardar o desfecho de outro processo no qual foi deduzido igual pedido reconvencional, sem que este tenha sido admitido pelo Tribunal a quo, é de anular, nos termos do artº 195º, nº 1, do CPC, o segmento do despacho que se pronunciou sobre a admissão da intervenção principal do lado passivo relativo ao pedido reconvencional, por o Tribunal a quo ter praticado um acto sem estarem reunidos os pressupostos para tal apreciação.

Texto Integral

Processo n.º 431/24.0T8PVZ-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto –
Juízo Central Cível da Póvoa do Varzim – Juiz 1.

*
Relator: Juiz Desembargador Álvaro Monteiro
1º Adjunto: Juíza Desembargadora Isabel Peixoto Pereira
2º Adjunto: Juíza Desembargadora Ana Luísa Gomes Loureiro.
*
Sumário:
………………………………
………………………………
………………………………
***
I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de acção declarativa comum de condenação os Autores:
AA, contribuinte nº ...;
BB, contribuinte nº ... e mulher CC;
DD, contribuinte nº ... e mulher EE;
FF, contribuinte nº ...;
HERANÇA ABERTA POR GG

Tendo como R. A..., LDA, NIPC ...

Peticionam aqueles
A) Declarado que os autores (herança) são donos e legítimos proprietários da fracção autónoma identificada pelas letras “FB” e que integra o prédio identificado em 1. desta petição.
B) Condenada a ré a tal o reconhecer.
C) Condenada a ré a demolir todas as obras indevidamente edificadas na fração autónoma que lhes pertence, deixando-a no estado em que se encontrava antes do início das obras, ou seja, com a configuração, áreas e localização constantes da planta junta sob doc.4., fixando-se por cada dia de atraso no cumprimento e sem prejuízo da indemnização a que houver lugar, uma sanção pecuniária compulsória de € 500,00 dia.
D) Condenada a ré a restituir aos autores a fração autónoma “FB” identificada na planta anexa sob doc.4 livre e desocupada de pessoas e bens.
E) Condenada a ré a pagar aos autores a quantia de € 4.050,00 correspondente à indemnização pela privação do uso causada pela conduta ilícita da ré desde janeiro de 2022 até á data da entrada em juízo da presente petição inicial.
F) Condenada a ré a pagar aos autores a quantia de €150,00 por mês desde a data da entrada da P.I. até efetiva entrega da fração.
E ainda:
G) Declarado que é parte comum do prédio urbano submetido ao regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., Rua ... e Praça ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso sob o nº ... inscrito na matriz urbana da União de Freguesias ..., ... (... e ...) e ... sob o artigo ... (artigo ... da extinta freguesia ...) o espaço comum de acesso á fração identificado na planta anexa sob doc.4 e identificada nos artigos 21.22. e 23 da petição inicial
H) Condenada a ré a reconhecê-lo e aceitá-lo como parte comum, encontrando-se, todavia, afeto à utilização dos condóminos a quem pertencem as frações autónomas destinadas a aparcamento ali existentes;
I) Condenada a ré a proceder à demolição das obras e construções implantadas no espaço comum identificado na planta junta sob doc.4 e à reposição do corredor de acesso bem como do portão de entrada de acesso à 1ª cave do estacionamento e a entregá-lo ao condomínio, completamente livre e desocupado, fixando-se por cada dia de atraso no cumprimento e sem prejuízo da indemnização a que houver lugar, uma sanção pecuniária compulsória de € 500,00 dia.
*
Citada para contestar veio a R. deduzir reconvenção, formulando os seguintes pedidos:
- “declarar-se a nulidade do titulo constitutivo da propriedade horizontal, tal como configurado nos artigos 42º a 48º da presente contestação e objeto das escrituras publicas de constituição e retificação, junto sob os documentos 2 e 4, com todas as legais consequências, entre o mais que por consequência, as frações autónomas por ela constituídas não possuem existência jurídica não são susceptíveis se sobre elas ser exercido qualquer direito gozo, nomeadamente da propriedade ou qualquer outro “aliena f ) do pedido Reconvencional .
- “ declarar-se, como consequência da declaração de nulidade do titulo constitutivo da propriedade horizontal, que o prédio identificado nos artigo 42º do presente papel, esta e na respetiva proporção constante do seu artº 47º sujeito ao regime legal da compropriedade nos termos do artigo 1416º do Código Civil, atribuindo-se a cada consorte ou seja aos autores, à ré e aos intervenientes que beneficiem da inscrição de propriedade, a quota correspondente ao valor real relativo da sua permilagem originariamente previsto no titulo constitutivo antes declarado nulo e de nenhum efeito” alinea g) do pedido reconvencional.”
- “ordenar-se o cancelamento de todas as inscrições registais referentes á constituição da propriedade horizontal do prédio identificado no artigo 42º do presente articulado, bem como de todas as inscrições que delas dependam, nomeadamente as de aquisição “alínea h) do pedido reconvencional.
- “se condenem aos autores e aos intervenientes a reconhecer por via de acessão industrial imobiliária, o direito da ré em adquirir para si a parte do prédio identificado em 104º desta contestação, do seu solo e subsolo, tal como configurado nos seus artigos 56º a 61º, pagando-lhes o valor das quotas correspondentes à sua permilagem originariamente e previsto no titulo constitutivo antes declarado nulo e de nenhum efeito, tal como identificadas no seu artigo 47º por referência ao valor que o prédio tinha antes das obras por si realizadas nos termos e para os efeitos do artigo 1340º nº 1 do Código Civil” alínea i ) do pedido reconvencional.
- “se proceda à divisão da coisa comum, mediante a constituição do prédio em regime de propriedade horizontal tal como conformado nos artigos 117º e 123º da presente contestação e adjudicação aos intervenientes das frações autónomas que correspondem às que individualmente lhes pertencem e á ré todas as demais frações autónomas a constituir “aliena j) do pedido reconvencional.”

Na contestação/reconvenção a Ré deduziu o incidente de intervenção principal provocada de:
1 - HH, residente na Av. ... ... SANTO TIRSO;
2 - II, residente na Praça ..., ... SANTO TIRSO;
3 - JJ e mulher KK, residentes na R. ..., ... SANTO TIRSO;
4 - LL e mulher MM, residente no Lugar ..., ..., ... SANTO TIRSO;
5 - NN, residente na Rua ..., ..., 6º drt., ... PORTO;
5 - OO e mulher PP, residente na Rua ..., ..., 2º drt, ... SANTO TIRSO;
6 - QQ e mulher RR, residentes Lugar ..., ..., ... SANTO TIRSO;
7 - SS e mulher TT, residentes na Rua ..., ..., 2º esq., ... SANTO TIRSO;
8 - UU e mulher VV, residentes na Rua ..., ...- 2º. drt, ... SANTO TIRSO;
9 - Banco 1..., S.A., com sede na Rua ..., ... LISBOA;
10 - WW, nif ... e marido XX, nif ......, residentes na Rua ..., ..., 3.º esq., ... SANTO TIRSO;
11 - YY, nif ... e marido ZZ, residentes na Rua ..., 3.º drt., ... SANTO TIRSO;
12 - AAA, nif ... e marido BBB, residentes na Rua ..., ...- 4.º, esq., ... SANTO TIRSO;
13 - Banco 2..., S.A., nipc ..., com sede na Av. ..., ... LISBOA;
14 - CCC, residente na Rua ..., ... SANTO TIRSO
15 - Banco 3..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, nipc ..., com sede na Praça ..., nº ..., 2º, 1050-21 LISBOA;
16 - DDD, nif ... e marido EEE, nif ..., residentes na Rua ..., ..., 5º, esq., ... SANTO TIRSO;
Banco 4..., S.A., nipc ..., com sede na Av. ..., ..., ... LISBOA;
18 - FFF, nif ... e mulher GGG, residentes na Rua ..., ..., ... ...;
19 - HHH e mulher III
JJJ, residentes na Rua ..., ... - 10 esq., ... SANTO TIRSO;
20 - KKK e mulher LLL, residentes na Rua ..., ...- 6.º drt., ... SANTO TIRSO;
21 - MMM e mulher NNN, residentes na Rua ..., ..., 4.º drt., ... SANTO TIRSO;
22 - OOO, nif ......, residente na Rua ..., ..., ... SANTO TIRSO;
23 - B..., S.A., nipc ..., com sede na Rua ..., ..., traseiras, ..., ... GUIMARÃES;
24 - QQ, residente na Rua ..., ..., 2.º, drt., ... SANTO TIRSO;
25 - PPP e marido QQQ, residentes na Av. ..., ..., ... SANTO TIRSO;
26 - RRR e marido SSS, residentes na Rua ..., ...- 1.º, esq., fr., ... SANTO TIRSO;
27 - QQ e mulher RR, residentes na Rua ..., ..., 1.º, esq./fr., ... SANTO TIRSO;
28 - OO e mulher PP, residentes na Rua ..., ... SANTO TIRSO;
29 - C..., LDA, nipc ..., com sede na Av. ..., nº. ...-3.º, ... SANTO TIRSO;
30 - TTT e mulher UUU, residentes na Rua ..., ... – 1.º, esq./fr., ... SANTO TIRSO;
31 - VVV e mulher WWW, residentes na Rua ..., ...-2.º, esq., ... SANTO TIRSO;
32 - XXX e mulher YYY, residentes na Rua ..., ...-2.º, esq., ... SANTO TIRSO;
33 - ZZZ, residente na R. D. ...., ... SANTO TIRSO;
34 - AAAA, residente na Rua ..., ..., Bairro ..., ..., Rio Janeiro;
35 - BBBB, nif ... e mulher CCCC, nif ......, residentes na Rua ..., ..., ..., ... SANTO TIRSO;
36 - DDDD e mulher EEEE, residentes na Rua ..., ...-4.º, drt, ... SANTO TIRSO;
37 - FFFF e mulher GGGG, residentes na Rua ..., ...-4.º drt., ... SANTO TIRSO;
38 - HHHH, residente na Rua ..., ...-5.º, drt., ... SANTO TIRSO;
39 - IIII e mulher JJJJ DO ..., residentes na Rua ..., ...- 5.º, esq., ... SANTO TIRSO;
40 - KKKK, nif ..., residente na Rua ..., ..., ... SANTO TIRSO;
41 - SS e mulher TT, residentes na Rua ..., ..., 2.º, esq., ... SANTO TIRSO;
42 - LLLL e mulher MMMM, residentes na Rua ..., ..., 1º,... SANTO TIRSO;
43 - NNNN e mulher OOOO, residentes em ... ..., ..., Alemanha;
44 - PPPP e mulher QQQQ, residentes na Rua ..., ..., ... SANTO TIRSO;
45 - RRRR e mulher SSSS, residentes na Rua ..., ...-2.º, drt, ... SANTO TIRSO;
46 - HHH e mulher III, residentes na Rua ..., ...-2.º, esq., ... SANTO TIRSO;
47 - TTTT e mulher UUUU, residentes na Praça ..., ...-11.º, drt., ... SANTO TIRSO;
48 - VVVV e mulher WWWW, residentes no Lugar ..., ..., ... SANTO TIRSO;
49 - OO e mulher PP, residentes na Rua ..., ... - 2.º, drt., ... SANTO TIRSO;
50 - XXXX e mulher YYYY, residentes no Lugar ..., ..., ... SANTO TIRSO;
51 - ZZZZ e mulher AAAAA, residentes no Lugar ..., ... SANTO TIRSO;
52 - Banco 5..., S.A., com sede na Rua ..., ... LISBOA;
53 - BBBBB e mulher CCCCC, residentes no Lugar ..., ..., ... SANTO TIRSO;
54 - DDDDD e mulher EEEEE, residentes na Rua ..., ...-5.º, drt., ... SANTO TIRSO;
55 - FFFFF, nif ..., residente na PÓVOA DE VARZIM,
alegando existir litisconsórcio voluntário do lado ativo da presente ação entre os AA e os pretendidos intervenientes, e porquanto pretende a ré dirigir contra os intervenientes os pedidos reconvencionais formulados contra os autores.
Refere que só com a presença de todas as partes envolvidas será possível assegurar a sua plena e definitiva composição em respeito pela verdade material.

Os AA deduziram oposição, invocando, além do mais, o disposto no artigo 266º, nº 5 do CPC.
*
Na sequência a Srª Juiz a quo proferiu o seguinte despacho:
“Nesses termos, indefere-se o chamamento para intervenção requerido pela Ré na sua contestação, ao abrigo do disposto no art.º 322.º, n.º 2, do Cód. Processo Civil.
*
Custas do incidente a cargo da Ré, que se fixam em 3 UCs (cfr. art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Processo Civil).”
*
Não conformada com tal despacho vem a Ré recorrer, apresentando as seguintes
CONCLUSÕES:
A) O douto despacho recorrido aplicou mal o estabelecido pelos artigos 33.º e 316.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
b) O caso da intervenção requerida nos autos é de litisconsórcio necessário.
c) Os pedidos da acção sustentam-se na inscrição de propriedade da fracção judicada a favor dos autores-recorridos e, portanto, com benefício da presunção que estabelece o artigo 7.º do código do registo predial.
d) Por sua vez, os pedidos da reconvenção são da declaração de nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal, do reconhecimento da situação de compropriedade que daí decorre e da aquisição pela recorrente da propriedade sobre o imóvel em causa, por via de aquisição originária, através de acessão industrial imobiliária.
e) A reconvenção, é, por regra, facultativa, mas existem casos de reconvenção compulsiva, como é o caso da acção de reivindicação, na qual o réu não deduza pedido reconvencional e, na sua procedência, fica-lhe vedada a hipótese de intentar nova ação para reclamar a propriedade do prédio com fundamento em forma de aquisição originária, vg. a usucapião e a acessão.
f) Para a procedência de tal reconvenção é imperativa a presença nos autos de todos os proprietários das fracções autónomas artificialmente constituídas, conforme prescreve o artigo 33.º do código de processo civil.
g) No quadro do artigo 316.º, n.º 1 do CPC, a intervenção principal provocada activa deve ocorrer quando exista o aí referido litisconsórcio necessário que visa assegurar o efeito útil normal da sentença e evitar decisões inconciliáveis sob o ponto de vista prático e, consequentemente, obter segurança e certeza na definição das situações jurídicas o que ocorre inequivocamente na situação dos autos entre as identificadas partes.
h) É evidente que, face à pendência da acção identificada no douto despacho recorrido existe uma pura e simples duplicação de causas de pedir e pedidos suscitados, agora até entre as mesmas partes, face ao despacho aí proferido que admitiu a intervenção dos recorridos.
i) Daí a recorrente ter aberto a sua contestação/reconvenção precisamente a suscitar a questão da existência de conexão a justificar a apensação destes autos àqueles e a suspensão da instância com fundamento na existência de causa prejudicial as quais não estão ainda decididas.
j) Assim não era possível ao douto despacho aferir da existência de interesse atendível na intervenção, nos termos em que é produzido, sem que antes fossem apreciadas e decididas as questões relacionadas com a apensação desta acção aquela outra e a da sua eventual suspensão por existência de causa prejudicial.

Conclui, pela revogação do despacho recorrido e substituído por outro que admita aquela intervenção.
*
Os AA. apresentaram contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.
***
O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato, em separado e com efeito meramente devolutivo.
No exame preliminar considerou-se nada obstar ao conhecimento do objecto do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II – Objecto do recurso
Considerando que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4 e 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), importa decidir se deve ser deferida a intervenção principal nos termos pugnados pela R.
*
III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Na decisão a proferir há a atender aos actos processuais já acima enunciados.
***
IV - FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.

Dispõe o artº 316º, do CPC:
1. Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária (n.º 1);
2. Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o réu provocar a intervenção de algum litisconsorte que não haja sido demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do art. 39º.

Por sua vez dispõe o artº 33º
1 - Se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade.
2 - É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.
3 - A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.

A intervenção provocada pressupõe que o chamado e a parte à qual se deve associar têm interesse igual na causa, desenhando-se uma situação de litisconsórcio sucessivo, seja necessário, seja voluntário.
Como decorre do citado artº 33º, nº 1, o litisconsórcio necessário pode decorrer da lei ou do negócio jurídico.
“Os critérios que presidem à previsibilidade do litisconsórcio necessário são essencialmente dois: o critério da indisponibilidade individual ou da disponibilidade plural do objecto do processo para o litisconsórcio legal e convencional e o critério da compatibilidade dos efeito produzidos para o litisconsórcio natural”, vide Teixeira de Sousa, Aas Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, p. 65.
São pouco comuns os casos de litisconsórcio necessário de génese negocial, sendo mais frequentes os que têm origem legal, de forma expressa (artº 925º e 1091º do CC) ou implícita, como de acordo com o entendimento maioritário, ocorre nas acções para o exercício do dieito de preferência (artº 1410 do CC) ou de impugnação pauliana (artº 612º do CC)”, vide António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Sousa, in Código Procsso Civil Anotado, Vol I, Anotação 1, ao artº 33º do CPC.

Revertendo ao caso sub judicio constata-se que os pedidos deduzidos pelos Autores, reconduzem-se a uma acção de reivindicação quanto à propriedade da fracção autónoma identificada pelas letras “FB” do prédio identificado em 1, alegando que são donos e legítimos proprietários da mesma.
Sendo invocado o local onde se localiza a fracção autónoma “FB” (Cfr. artigos 22 a 24 da P.I) que a ré demoliu essa fracção. (Cfr. artigos 26, 27, 28, 29 e 31 a P.I.).
Do exposto decorre que ou se prova ou não se prova os factos alegados pelos AA., que consubstanciam a causa de pedir, com a consequência daí inerente, procedência ou improcedência do pedido, havendo a concluir não se verificarem os pressupostos para a intervenção principal provocada ativa dos chamados ao lado dos autores, atenta a causa de pedir e os pedidos deduzidos pelos autores na acção apresentada contra a Ré/Apelante.
Assim, não se vislumbra aqui, do lado activo, a existência de qualquer relação de litisconsórcio necessário, nos termos previstos legalmente no artº 33º, nº 1 do CPC., pelo que, como bem se diz no despacho recorrido, não há lugar à intervenção principal dos intervenientes ora requeridos pela Ré, porquanto nem a lei nem o negócio em causa exige a intervenção, do lado ativo, de outros interessados na relação controvertida, não sendo necessária a intervenção dos inúmeros Chamados, como associados dos AA, para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.
*
Relativamente ao pedido reconvencional:
Estatui o art. 266º, 4, CPC, se o pedido reconvencional envolver outros sujeitos que, de acordo com os critérios gerais aplicáveis à pluralidade das partes, possam associar-se ao reconvinte ou ao reconvindo, pode o réu suscitar a respetiva intervenção.
E o nº 5 dispõe que, no caso do número anterior e não se tratando de litisconsórcio necessário, se o tribunal entender que, não obstante a verificação dos requisitos da reconvenção, há inconveniente grave na instrução, discussão e julgamento conjuntos, determina em despacho fundamentado a absolvição da instância quanto ao pedido reconvencional de quem não seja parte primitiva na causa, aplicando-se o disposto no art. 37º.

Compulsados os autos constata-se que o Tribunal a quo ainda não se pronunciou sobre a admissibilidade do pedido reconvencional, porquanto resulta dos autos que em 19.12.2024 foi prolatada decisão a suspender a instância até à decisão a proferir nos autos nº 1432/23.1T8PVZ, que correm termos pelo J4 do Juízo Central Cível da Póvoa do Varzim, tendo sido indeferida a apensação do processo principal a que este recurso diz respeito àquele processo.
No aludido despacho diz-se “Conforme resulta ainda da informação prestada pelos autos nº 1432/23.1T8PVZ, que correm termos pelo J4 deste tribunal, os autores nos presentes autos, incluem-se nos terceiros cuja intervenção foi pedida pela ré e deferida naqueles autos, pelo que a decisão a proferir em tais autos quanto ao pedido reconvencional, é idêntica à reconvenção destes e irá abrangê-los.
Em causa na presente ação aferir-se da titularidade da fração “FB”, correspondente a um lugar de garagem na 1ª cave do prédio urbano submetido ao regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., Rua ... e Praça ..., descrito na CRP de Santo Tirso, sob o nº ..., propriedade horizontal que é colocada em causa naqueles autos.”
Sucede que só se pode apreciar e decidir tal incidente de intervenção de terceiros no âmbito de pedido reconvencional se tal pedido for admissível, o que pressupõe, neste caso e dada a particularidade da dedução do incidente, um juízo prévio sobre a admissibilidade do pedido reconvencional deduzido.
Tal juízo não foi feito pelo tribunal recorrido, uma vez que suspendeu a instância, não tendo chegado a apreciar a admissibilidade do pedido reconvencional, pelo que tendo apreciado e se pronunciado quanto à admissibilidade da intervenção principal pelo lado passivo, exorbitou/excedeu no conhecimento da questão, porquanto nem sequer tinha a premissa base para se pronunciar sobre o incidente de intervenção principal, que seria ter conhecido sobre a admissibilidade do pedido reconvencional deduzido pela Ré/Apelante.
Seguindo o expendido na revista Julgar Online, setembro de 2024, As outras nulidades da sentença cível, Paulo Ramos de Faria / Nuno Lemos Jorge, do que tratamos é do caso em que o acto decisório é, ele mesmo, “um acto que a lei não admite”, como pode, efectivamente, ser, sempre que a lei processual não pretenda que o ato decisório tenha lugar em certo momento, não estando reunidos determinados pressupostos.
O acto decisório sustenta-se sempre numa determinada realidade processual. Quando esta realidade não cauciona a sua prática, é ele um acto que a lei não admite.
A decisão (fundada nas leis do processo e da organização judiciária) de prolação de um despacho (ou sentença), sobre uma qualquer questão, é, necessariamente, antecedente do julgamento dessa questão (de facto ou de direito) objeto do ato. Logicamente, nada obsta a que a “decisão de decidir” – isto é, a decisão de praticar o ato decisório – esteja errada, isto é, que a lei preveja, perante a realidade processual concretamente existente, uma atividade do tribunal diferente da efetivamente desenvolvida.
Tal erro tanto se pode reportar à identificação da realidade processual existente, como pode respeitar à subsunção desta realidade ao regime jurídico adjetivo que regula a admissibilidade do ato decisório. Em ambos os casos, estamos perante um error in judicando: num caso, respeitante ao reconhecimento da factualidade (processual) relevante; no outro, respeitante à afirmação do direito (adjetivo) pertinente.
O mesmo é dizer que a prática pelo juiz de um acto que a lei não admite leva sempre consigo um julgamento pressuponente (do tribunal) no sentido de ser tal prática caucionada pela lei do processo. Daqui decorre que este acto decisório encerra, imediatamente, duas falhas. Independentemente do sentido da decisão sobre o seu objeto, ofende a lei do processo e assenta num erro de julgamento pressuponente sobre a sua admissibilidade.
Impõe-se o reconhecimento da possibilidade de subsunção dos actos decisórios que a lei processual não admite à norma prevista no n.º 1 do art. 195.º, nos termos gerais – sendo impugnáveis por via de recurso e a tanto não se opondo a taxatividade dos casos de nulidade da sentença descritos nas als. b) a e) do n.º 1 do art. 615.
Prevê-se no n.º 1 do art. 615.º os únicos casos de viciação da sentença por incumprimento ou cumprimento defeituoso das disposições sobre formalidades de conteúdo – de entre todas as formalidades previstas nos arts. 607.º a 612.º, bem como nos demais dispositivos que regulam o conteúdo formal dos atos do juiz (arts. 130.º a 143.º e 150.º a 156.º) –, não abrangendo os casos em que a nulidade da sentença resulta da inadmissibilidade da prática do ato decisório.
A taxatividade das nulidades previstas no art. 615.º, n.º 1, als. b) a e), é, em face do exposto, a taxatividade dos casos de viciação interna da sentença, casos relativamente aos quais o legislador reconhece, ainda, a insuficiência dos meios impugnatórios comuns (reclamação contra error in procedendo e recurso contra o error in judicando), separadamente considerados.
Ou seja, não se estabelece neste artigo um numerus clausus de casos de nulidade da sentença, mas sim um numerus clausus dos poucos casos de incumprimento de formalidades previstas nos referidos arts. 130.º a 143.º, 150.º a 156.º e 607.º a 612.º susceptíveis de a viciarem.
Fora deste universo (respeitante ao conteúdo formal dos actos), mantém-se intacta a possibilidade de qualificação de um acto decisório não admitido por lei como sendo nulo (art. 195.º, n.º 1), permanecendo totalmente desobstruídas as restantes vias da sua impugnação, sem prejuízo de, como se sustentou acima, sendo admissível recurso, apenas deste se devendo a parte socorrer, por força do já afirmado concurso aparente de institutos.
O mesmo é dizer que a taxatividade das nulidades da sentença não deve ser vista como uma excepção à regra de acordo com a qual são nulos todos os atos “que a lei não admita, (…) quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa” (195.º, n.º 1, primeiro caso). Deve antes ser vista como uma excepção à norma que estabelece que são nulos todos os atos admitidos por lei praticados com a omissão “de uma formalidade que a lei prescreva” (195.º, n.º 1, terceiro caso).
Ou seja, o instituto das nulidades da sentença (art. 615.º) limita a relevância invalidante das irregularidades formais (intrínsecas) do acto decisório e sujeita a sua impugnação a um meio impugnatório especial híbrido, que combina a reclamação com o recurso (art. 617.º).
In casu, tendo o Tribunal a quo se pronunciado pelo indeferimento do pedido de intervenção principal no âmbito do pedido reconvencional, quando a instância se encontrava suspensa e sem ainda se ter pronunciado sobre a admissibilidade do pedido reconvencional, praticou um acto sem estarem reunidos os pressupostos para tal apreciação - por a mesma estar dependente do juízo sobre a admissibilidade da reconvenção, não formulado.
Tal situação, prática de um acto que a lei não admite por falta de objecto decisório, consubstancia uma nulidade de acordo com o artº 195º, nº 1, do CPC., sendo de anular o despacho neste segmento.
*
Assim sendo, é de negar provimento ao recurso quanto à admissão do incidente de intervenção principal lado activo da acção.
Anular o despacho na parte em que apreciou a admissibilidade do incidente de intervenção principal lado passivo do pedido reconvencional.
***
V - DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 3ª secção deste Tribunal da Relação do Porto em:
a) Julgar improcedente o recurso intentado pela Ré/Apelante quanto à admissão do incidente de intervenção principal lado activo da acção.
b) Anular o despacho recorrido quanto à apreciação do incidente de intervenção principal lado passivo relativo ao pedido reconvencional.
Custas em igual proporção pelo R./Apelante e A./Apelados– artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.

Porto, 6 de Março de 2025.
Álvaro Monteiro
Isabel Peixoto Pereira
Ana Luísa Loureiro