REVISTA EXCECIONAL
REQUISITOS
INTERPRETAÇÃO DA LEI
RECLAMAÇÃO
TRIPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
PODERES DA RELAÇÃO
DUPLA CONFORME
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
Sumário


I. Não havendo lugar a recurso de revista, as nulidades invocadas serão arguidas diretamente perante a Relação, nos termos do nº. 4 do art. 615º do CPC.
II. Estão afastados do âmbito de aplicação da revista excecional os acórdãos da Relação relativamente aos quais esteja impedido, como regra geral, o recurso de revista.
III. A revista excecional está prevista para situações de dupla conforme, nos termos em que esta é delimitada pelo nº. 3 do art. 671º, desde que se verifiquem também os pressupostos gerais de acesso ao terceiro grau de jurisdição ao abrigo do seu nº. 1.
IV. O atual regime dos arts. 671º e seguintes do CPC. consolidou a ideia de que o triplo grau de jurisdição, em matéria cível, não constitui uma garantia generalizada, nem uma regra absoluta, não restringindo qualquer direito de recurso.

Texto Integral


Processo 77/18.2T8CLD-E-C1.S1

Acordam em Conferência na 6ª. Secção do STJ.

Relatório:

O autor, AA instaurou contra Jardinscópio Unipessoal, LDA., e Exclusiproeza – Gestão e Investimentos, S.A., ação comum.

Na 1ª. Instância foram proferidos despachos a indeferir diligências probatórias.

Inconformado interpôs o autor recurso de apelação.

No Tribunal da Relação de Coimbra foi definido o objeto do recurso, do seguindo modo: admissibilidade das diligências/meios probatórios que foram objeto de indeferimento no despacho recorrido.

Veio a ser proferido acórdão, com o seguinte teor na sua parte decisória:

«Pelo exposto, decide-se julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar o despacho recorrido».

Inconformado, veio o recorrente interpor recurso de revista excecional, ao abrigo do disposto na al. a) do nº. 1 do art. 672º do CPC.

Neste Tribunal dado não se afigurar admissível o recurso interposto, determinou-se o cumprimento do disposto no nº. 1 do art. 655º do CPC.

Veio o recorrente apresentar requerimento, no qual, invoca a sua discordância com a interpretação legal constante do nosso anterior despacho.

Foi proferida decisão sumária a julgar findo o recurso por não haver que conhecer do seu objeto.

Desta decisão sumária veio o recorrente reclamar para a conferência, esgrimindo o mesmo argumentário, invocando que os requisitos de revista excecional estão plasmados no artigo 672º do CPC. e ao se entender que a admissibilidade desta passa pelo crivo da admissibilidade de revista normal, se está a ir contra o princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais.

Foram colhidos os vistos.

Fundamentação:

A decisão sumária proferida tem o seguinte teor, que se reproduz:

«Nos presentes autos foi interposto recurso do acórdão da Relação que apreciou decisões interlocutórias.

Ora, nos termos do disposto no nº. 2 do art. 671º do CPC., os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista:

a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível;

b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

3 - Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.

4 - Se não houver ou não for admissível recurso de revista das decisões previstas no n.º 1, os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação podem ser impugnados, caso tenham interesse para o recorrente independentemente daquela decisão, num recurso único, a interpor após o trânsito daquela decisão, no prazo de 15 dias após o referido trânsito.

Implica o explanado que o recurso interposto não se enquadra nas diversas hipóteses do preceito mencionado, nem em qualquer das situações plasmadas no nº. 2 do art. 629º do CPC.

No caso vertente, o valor atribuído à ação é de € 5.000,00 e estamos perante uma situação de dupla conforme.

A invocação de nulidades decisórias não prejudica a existência de dupla conforme (cfr. Ac. do STJ. de 11-7-19, in www.dgsi.pt.).

É pacífico o entendimento deste STJ no sentido de que a arguição de nulidades do acórdão recorrido não é admitida como fundamento exclusivo de recurso de revista, nomeadamente, Acs. de 5-12-2020 (pº nº 77/14.1TBMUR.G1.S1); de 19-6-2019 (pº n.º 5065/16.0T8CBR.C1-A.S1); de 5-2-2022 (pº n.º 983/18.4T8VRL.G1.S1); de 12-1-2022 (pº n.º 4268/20.8T8PRT.P1.S1); de 24-5-2022 (pº nº 2332/20.2T8PNF.P1.S2); e de 8-11-2022 (pº nº 6698/20.6T8LSB-A.L1.S1) e Acs. de 6-7-2023 e 30-3-2022, in www.dgsi.pt.

Não havendo lugar a recurso de revista, as nulidades serão arguidas diretamente perante a Relação, nos termos do nº. 4 do art. 615º do CPC., conforme já ocorreu.

Com efeito, não se verificando os requisitos para a admissibilidade de recurso de revista, também não será possível a admissão de revista excecional, já que, para haver lugar a esta se exige a verificação dos requisitos daquela (neste sentido Acs. do STJ. de 4-7-2023 e 1-7-2021, in www.dgsi.pt.).

Como também escreve Abrantes Geraldes, in, Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª. ed., pág. 446: «Estão afastados do âmbito de aplicação da revista excecional os acórdãos da Relação relativamente aos quais esteja impedido, como regra geral, o recurso de revista».

Resta-nos reafirmar que é jurisprudência deste Supremo Tribunal considerar que, caso o acórdão seja suscetível de recurso de revista, as nulidades devem ser no mesmo arguidas, como fundamento de recurso, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 615º, nº.4, 666º e 679º, todos do CPC. Não o sendo, as nulidades deverão ser arguidas, a título incidental, perante o tribunal que proferiu a decisão.

De acordo com os poderes atribuídos pelo art. 652º, 1 do CPC, cabe ao Relator a quem é distribuído o recurso de revista apreciar das condições de admissibilidade geral (arts. 629º, 1, 631º, 641º, 2, CPC) e especial (enquanto excecional) da revista (arts. 671º, 1, 3, 672º, 2, CPC), antes de, em caso de admissibilidade e verificação de dupla conformidade decisória se remeterem os autos à Formação do STJ.

Ora, na situação em apreço, estando impedido o recurso de revista geral, está de igual modo inviabilizado o recurso de revista excecional.

Como escreve Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª. ed., pág. 445 «A revista excecional está prevista para situações de dupla conforme, nos termos em que esta é delimitada pelo nº. 3 do art. 671º, desde que se verifiquem também os pressupostos gerais de acesso ao terceiro grau de jurisdição ao abrigo do seu nº. 1».

O atual regime dos arts. 671º e segs. consolidou a ideia de que o triplo grau de jurisdição, em matéria cível, não constitui uma garantia generalizada.

Na situação vertente, não se está a negar ao recorrente qualquer acesso ao direito ínsito no art. 20º da CRP., mas tão só, a cumprir as normas legais de acesso recursório ao STJ., as quais, no caso presente, não se encontram preenchidas».

Ora, a argumentação reiterada do recorrente, não implica qualquer modificação do supra explanado.

Com efeito, a revista excecional não está apenas dependente do preenchimento dos requisitos previstos no art. 672º do CPC.

O recurso de revista excecional não constitui uma modalidade extraordinária de recurso, mas antes um recurso ordinário de revista, criado pelo legislador, na reforma operada ao Código de Processo Civil, com vista a permitir o recurso nos casos em que o mesmo não seja admissível em face da dupla conformidade de julgados, nos termos do art. 671º, nº 3, do CPC, e desde que se verifique um dos requisitos consagrados no art. 672º, nº 1, do mesmo Código.

A sua admissibilidade está igualmente dependente da verificação das condições gerais de admissão do recurso de revista, como sejam o valor da causa e o da sucumbência, exigidas nos termos enunciados pelo nº 1, do art. 629º, do CPC.

De igual modo, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem vindo a assumir que a Constituição não impõe que o direito de acesso aos tribunais, em matéria cível, comporte um triplo ou, sequer, um duplo grau de jurisdição, apenas estando vedado ao legislador ordinário uma redução intolerável ou arbitrária do conteúdo do direito ao recurso de atos jurisdicionais, manifestamente inexistente nas normas do CPC relativas aos requisitos de admissibilidade do recurso de revista.

Entendendo também o mesmo Tribunal, que o direito ao recurso em processo civil e sobretudo o acesso ao recurso junto do Supremo Tribunal de Justiça, não encontra previsão expressa no artigo 20.º da Constituição, não resultando como uma imposição constitucional dirigida ao legislador, que, neste âmbito, dispõe de uma ampla margem de liberdade.

Sumário:

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Decisão:

Pelo exposto, acorda-se em Conferência, indeferir a reclamação apresentada, mantendo-se a decisão singular.

Custas a cargo do recorrente, que se fixa em 2 Ucs, sem prejuízo de apoio judiciário de que beneficie.

Notifique.

Lisboa, 25-2-2025

Maria do Rosário Gonçalves (Relatora)

Luís Correia de Mendonça

Maria Olinda Garcia