INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CREDOR RECLAMANTE
LISTA DE CRÉDITOS RECONHECIDOS E NÃO RECONHECIDOS
VERIFICAÇÃO ULTERIOR DE CRÉDITOS
CONTAGEM DE PRAZOS
TEMPESTIVIDADE
Sumário


Aos credores que veem como reconhecidos todos os créditos que reclamaram no processo de insolvência não faz sentido exigir-se-lhes ou, sequer, permitir-se-lhes, que, no prazo que disporiam para impugnar a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos procedam à reclamação de créditos não reclamados de que tenham tido entretanto conhecimento e que se mostrem já vencidos ou que se venham a vencer até ao fim do prazo de impugnação, antes devendo fazê-lo no prazo que resulta do art 146º/2 al b) do CIRE.

Texto Integral


Proc nº 11437/21.1T8LSB-S. L1.S1

Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça

Relatório

1- Em 14/10/2023, Transportes Aéreos Portugueses, SA, intentou ação declarativa de verificação ulterior de créditos contra SPdH – Serviços Portugueses de Handling, SA, insolvente, contra a massa insolvente de SPdH – Serviços Portugueses de Handling, SA, e contra os Credores da Massa Insolvente de SPdH – Serviços Portugueses de Handling, SA, pedindo, que:

i) seja declarado, nos termos do disposto no artigo 473.º do Código Civil, indevido o pagamento do valor de € 266.770,00, pela TAP à SPdH, pelos serviços que esta prestou àquela de reboque de aviões nos aeroportos de Lisboa e Porto no período compreendido entre março de 2020 e agosto de 2021;

ii) seja verificado o crédito da Autora, no montante de € 271.642,05 (duzentos e setenta e um mil, seiscentos e quarenta e dois euros e cinco cêntimos), composto por capital e juros vencidos até à declaração de insolvência da SPdH, e graduado como comum;

iii) sejam verificados os juros vencidos e vincendos após a declaração de insolvência, até efetivo e integral pagamento, e graduados como subordinados;

Alegou, em síntese, ter celebrado com a insolvente diversos contratos de prestação de serviços de handling que a mesma lhe prestou, e de prestação de serviços financeiros, de gestão de recursos humanos e de logística, por ela prestados à insolvente. Dessas relações comerciais emergiram créditos da A. que foram oportunamente reclamados no processo de insolvência. Constatou em momento posterior a existência de outro crédito sobre a insolvente com origem nos serviços de handling. Realizou uma análise detalhada à faturação e verificou existir, pelo menos, desde Março de 2020, uma discrepância entre os valores faturados pela insolvente e os valores que identificou como efetivamente devidos pelo serviço de reboque de aviões, tendo sido indevidamente faturado e pago entre Março de 2020 e a data de declaração da insolvência € 266.770,00, montante que constitui enriquecimento sem causa da insolvente e que deve ser restituído, sendo um crédito comum e sendo os juros vencidos após a declaração de insolvência, créditos de natureza subordinada.

Refere não ter sido notificada nos termos do disposto no art. 129º do CIRE e não terem ainda decorrido seis meses sobre o trânsito em julgado da sentença que declarou a insolvência.

2 - Contestaram a insolvente e a massa insolvente, no aqui relevante, excecionando a preclusão do direito do A. por estar em causa crédito de constituição anterior à declaração de insolvência, que deveria ter sido reclamado no prazo fixado na sentença, de 30 dias, ou, no limite, no prazo fixado para a impugnação da lista de créditos, previsto no artigo 130º do CIRE, que, in casu, terminou em 23 de junho de 2022.

3- Realizou-se audiência prévia, na qual a A. exerceu o contraditório quanto às exceções arguidas.

4- Após a mesma, foi proferida decisão que absolveu os RR. da instância, por julgar verificada a exceção dilatória inominada de inadmissibilidade da ação, tendo sido fixado à acção o valor de € 271.642,05.

5 – Inconformada, a A. apelou, vindo o tribunal da Relação a julgar procedente a apelação, tendo revogado a sentença e determinado a prosseguimento dos autos.

6- Interpuseram a insolvente e a massa insolvente a presente revista, cujas alegações concluíram nos seguintes termos:

A. Veio o douto Tribunal da Relação de Lisboa, julgar procedente o recurso de apelação interposto pela A., tendo concluído o seguinte: “(…) Por outro lado, há que dar algum sentido útil ao nº1 do art. 146º do CIRE onde se prevê que Findo o prazo das reclamações,é possível reconhecer ainda outros créditos, sem qualquer limitação quanto aos titulares de tais créditos terem ou não já reclamado créditos. Em suma e concluindo, apenas os credores que tenham sido avisados nos termos do nº4 do art. 129º do CIRE, por não lhes terem sido reconhecidos os créditos reclamados, por lhes terem sido reconhecidos créditos não reclamados ou por os créditos reclamados terem sido reconhecidos em termos diversos dos da respetiva reclamação, estão impedidos de lançar mão da acção de verificação ulterior de créditos nos termos doart.146º nº2, al. a) do CIRE quanto a créditos de constituição não posterior.”

B. O Acórdão recorrido faz uma errada interpretação dos artigos 128.º, n.º 1, 129.º, 130.º e 146.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do CIRE, pelo que, não se podendo conformar com o mesmo, vem a R. interpor recurso de revista.

C. Desde logo, o Acórdão recorrido faz uma interpretação demasiado aberta do momento próprio para reclamar créditos no processo de insolvência. Todos os credores, com créditos vencidos à data da insolvência, devem reclamar créditos no prazo fixado na sentença que declara a insolvência (é o que prevê o art. 128.º do CIRE). Sendo que esse é um momento determinante do processo de insolvência, uma vez que é a partir das reclamações de créditos, que se começa a desenhar o desfecho do processo de insolvência (liquidação ou recuperação da empresa), tendo em conta o ativo vs passivo.

D. O art. 1.º do CIRE estabelece que o processo de insolvência é um processo de execução universal e que o art. 9.º do CIRE que o processo de insolvência “tem carácter urgente e goza de precedência sobre o serviço ordinário do tribunal.” - pelo que, não pode existir uma indefinição total do momento em que se aferem os créditos da insolvência.

E. E se, in casu, a A. se tivesse “esquecido” de reclamar os 15 milhões de euros que reclamou, tendo apenas reclamado os cerca de 300 mil euros em causa na presente ação?! - Essa interpretação do CIRE levaria a que os Senhores Administradores da Insolvência estivessem meses a elaborar um plano de recuperação (como, no caso, fizeram desde a primeira Assembleia de Credores, que se realizou ainda em2021),com base num montante global de créditos que não corresponde à realidade – o que, muito provavelmente, levaria ao fracasso da execução desse plano.

F. Pelo que, não podemos concordar com a interpretação do Acórdão recorrido, que conclui que “Findo o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda outros créditos, sem qualquer limitação quanto aos titulares de tais créditos terem ou não já reclamado créditos.”

G. Acresce que, estamos de acordo que, da leitura atenta do artigo 129.º, n.º 4 do CIRE, verifica-se que, apenas os credores não reconhecidos, bem como aqueles cujos créditos forem reconhecidos sem que os tenham reclamado, ou em termos diversos dos da respetiva reclamação, devem ser disso avisados pelo administrador de insolvência, por carta registada ou por um dos meios previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 128.º

H. No entanto, discordamos do entendimento do Acórdão recorrido quando refere que o e-mail enviado pelos Senhores Administradores da Insolvência a todos os credores, em 13 de junho de 2022 (doc. n.º 1 da contestação), não tem o efeito impeditivo previsto na alínea a), n.º 2 do art. 146.º do CIRE.

I. Consta nesse e-mail, o seguinte aviso/notificação:

“Em anexo se remete relação de credores elaborada nos termos do art.º 129.º do CIRE, bem como requerimento que se juntará aos autos supra identificados.

Mais se esclarece que serão expedidas notificações, por carta registada, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 129.º, n.º 3 e 4 do CIRE.

Assim, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 129.º, n.º 4 do CIRE, poderão, no prazo de dez dias – sendo que relativamente aos credores avisados por carta registada, o prazo conta-se a partir do 3.º dia útil posterior à data da respetiva expedição -, apresentar impugnação da lista de credores reconhecidos, através de requerimento dirigido ao juiz e com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorreção do montante ou da qualificação de créditos (art. 130.º n.º 1 e 2 do CIRE).” (destacado nosso)

J. Ora, deste e-mail retiramos que: (i) Aos credores da Insolvência, está a ser remetida a relação de créditos elaborada nos termos do art. 129.º do CIRE; (ii) Serão expedidas notificações por carta registada, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 129.º, n.º 3 e 4 do CIRE - isto é, como analisado, aos credores não reconhecidos, bem como aqueles cujos créditos forem reconhecidos sem que os tenham reclamado, ou em termos diversos dos da respetiva reclamação (sendo que, relativamente estes credores, o prazo para impugnação conta-se a partir do 3.º dia útil posterior à data da respetiva expedição); (iii) Todos os restantes credores ficam avisados de que poderão, no prazo de 10 dias impugnar a referida lista, cfr. art. 130.º n.º 1 e 2 do CIRE;

K. Ou seja, todos os credores foram avisados, nos termos deste email, do teor da lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, para, querendo, impugnar a mesma no prazo de 10 dias, ao abrigo do disposto no art. 130.º do CIRE.

L. Sendo que, relativamente aos credores não reconhecidos, bem como aqueles cujos créditos forem reconhecidos semque ostenhamreclamado,ou emtermosdiversos dos da respetivareclamação, foramlogo informados que receberiam uma carta registada e que o prazo de 10 dias se contaria a partir do 3.º dia útil posterior à data da respetiva expedição.

M. Ora, é certo que os credores cujos créditos foram reconhecidos integralmente, de acordo com a reclamação apresentada, como é o caso da Recorrida, não tinham que ser individualmente notificados nos termos do art. 129.º do CIRE.

N. Porém,é também claro que todos os credoresque receberam oe-mail(incluindo a Recorrida),foramavisados nos termos do artigo 129.º do CIRE, no e-mail de 13 de junho de 2022, supra transcrito.

O. Ora, como a Recorrida referiu na sua petição inicial, o alegado crédito reclamado na presente ação, foi apresentado pela Recorrida junto da ora Recorrente, fora do processo de insolvência, por carta de 14 de abril de 2022 (cfr. carta junta à pi como documento n.º 1), pelo que a Recorrida na data em que foi notificada nos termos do artigo 129.º já considerava ser credora do montante aqui em causa.

P. Assim sendo, deveria ter impugnado a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos na insolvência, nos termos do artigo 130.º do CIRE, no prazo de 10 dias referido no e-mail de 13 de junho de 2022 – isto é, 23 de junho de 2022.

Q. Não o tendo feito, perdeu a Recorrida, irremediavelmente, o direito a exigir os créditos que alegadamente tem sobre a Recorrente, peticionados na presente ação.

R. Nestes termos, o entendimento do douto Tribunal da Relação de Lisboa, é manifestamente contrário às normas previstas nos artigos 129.º, 130.º e 146.º, n.º 2 , alínea a) do CIRE, pelo que deve ser revogado, mantendo-se a decisão da primeira instância.

S. Assim dita o disposto no artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil, ao estabelecer que “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada eas condições específicas do tempo em que é aplicada.”

T. Ora, da aplicação do Direito no Acórdão recorrido, resulta uma interpretação inaceitável da lei, que é a de que todos os credores, designadamente os que reclamaram créditos e foram reconhecidos, podem ainda vir a instaurar ações de verificação ulterior de créditos, sem limitação (apenas a limitação temporal prevista no art. 146.º, n.º 2, alínea b) do CIRE, que também foi impugnada, in casu, na contestação da R., mas que não constitui objeto do presente recurso). O que, constitui uma interpretação assistemática da lei da insolvência, que não faz qualquer sentido e que não é, de todo, a que o legislador previu.

U. O artigo 146.º do CIRE pretende proteger algumcredor menos informado - p. ex., aquele credor que nunca se apercebeu da insolvência de determinada empresa e de que quando foi a interpelar para o pagamento de créditos em atraso, já não encontrou a mesma em funcionamento ou aquele credor que, por algum motivo, deixou passar o prazo de reclamação de créditos previsto no art. 128.º do CIRE.

V. Não pretende, no entanto, o art. 146.º do CIRE, deixar uma porta aberta, para qualquer credor vir reclamar qualquercrédito(inclusiveopróprioRequerentedaInsolvente,reclamante,membrodaComissãodeCredores e grande acionista da Insolvente, conforme resulta dos autos e descrito no início das alegações).

W. Tal consideração fere os mais basilares princípios do Direito, designadamente o Direito da Insolvência e o Direito Processual, que se quer seja certo, célere, economicista e urgente – cfr. art. 9.º do CIRE.

X. Nestes termos, e em abono do que se alega, leiam-se os Acórdãos citados nas Alegações, todos disponíveis em www.dgsi.pt: Ac. do TRE, de 16/06/2011, processo n.º 745/09.0TBSLV-S.E1; Ac. do TRC, de 27/04/217, processo n.º 8056/16.8T8CBR-A.C1; Ac. do TRL, de 14-11-2023, processo 1546/23.8T8LSB-B.L1-1 e Ac. do TRL, no processo n.º 15910/17.8T8LSB-A.L1-1, de 04-06-2024.

7-A A. contra-alegou pugnando pela improcedência da revista.

Recorribilidade da decisão recorrida

Verificando-se os requisitos gerais de recorribilidade, entre eles o do valor da acção e o da sucumbência, e não ocorrendo conformidade decisória entre as instâncias, a decisão mostra-se recorrível.

Objecto da decisão recorrida

A questão a decidir é a da admissibilidade/tempestividade da presente acção de verificação ulterior de créditos.

3. Vem provados das instâncias os seguintes factos:

1. A. SPDH- SERVIÇOS PORTUGUESES DE HANDLING SA foi declarada insolvente por sentença de 03.08.2021, transitada em julgado.

2. Em 13.06.2022, o Administrador da Insolvência apresentou a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos.

3. Na lista constam como reconhecidos todos os créditos reclamados pela A:

4. A relação de credores prevista no art. 129º do CIRE foi remetida à A. por mensagem de correio eletrónica enviada em 13/06/2022 da qual constava o seguinte corpo de texto:

“Em anexo se remete relação de credores elaborada nos termos do art.º 129.º do CIRE, bem como requerimento que se juntará aos autos supra identificados.

Mais se esclarece que serão expedidas notificações, por carta registada, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 129.º, n.º 3 e 4 do CIRE.

Assim, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 129.º, n.º 4 do CIRE, poderão, no prazo de dez dias – sendo que relativamente aos credores avisados por carta registada, o prazo conta-se a partir do 3.º dia útil posterior à data da respetiva expedição -, apresentar impugnação da lista de credores reconhecidos, através de requerimento dirigido ao juiz e com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorreção do montante ou da qualificação de créditos (art. 130.º n.º 1 e 2 do CIRE).”

5. A A. não impugnou a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos.

6. A A. propôs a presente ação de verificação ulterior de créditos em 14 de Outubro de 2023, peticionando o reconhecimento de um crédito no montante de €271.642,05 (duzentos e setenta e um mil, seiscentos e quarenta e dois euros e cinco cêntimos).

Fundamentação de Direito

Como acima se referiu, importa decidir no recurso se a acção se mostra tempestiva.

Tempestividade, a aferir, em função de se ter concluído que, ao contrário do que na 1ª instância se fez constar da matéria de facto provada (FP 4), a A. não foi notificada nos termos do art 129º/4 do CIRE.

Com efeito, o tribunal da Relação, na sequência de impugnação da A., excluiu aquele ponto de facto 4, que passou a ser integrado (meramente) pelo teor do email de 13 de Junho de 2023, referindo, para assim concluir, que, dar como provado que a A. foi notificada nos termos do art 129º-4 do CIRE por email de 13-6-2022, como constava do referido ponto de facto, encerrava já uma apreciação quanto ao conteúdo do e-mail que não consta do documento (nem é alegada pelas recorridas), (…), quando rigorosamente deveria apenas conter o facto em si, o envio de mensagem do correio electrónico e o seu teor, deixando as conclusões para a apreciação jurídica.

Vindo a concluir, já em sede de direito, que a comunicação apurada nos autos não foi uma notificação nos termos e para os efeitos do nº 4 do art 129º do CIRE, em função das seguintes observações: A única comunicação com os credores prevista no art. 129º do CIRE é a constante do nº 4 (regulando o nº 5 a forma de feitura da mesma (…). É pacífico que os Srs. Administradores da Insolvência, apresentada a lista, apenas têm que avisar, nos termos do nº 4 do art. 129º, [os] credores não reconhecidos, bem como aqueles cujos créditos forem reconhecidos sem que os tenham reclamado, ou em termos diversos dos da respetiva reclamação, e que, todos os demais intervenientes nos autos têm o ónus de, decorrido o prazo fixado em sentença para a reclamação de créditos e o prazo de 15 dias previsto no nº 1 do art.º 129º, virem aos autos verificar a relação de credores, nomeadamente para o efeito de impugnarem, querendo, os créditos de outros credores», não estando o devedor excecionado desta regra, pelo que não tinha que ser notificado da relação, tendo o ónus de consultar os autos para verificar a relação e decidir se a queria impugnar. Esclarecendo que, no caso dos autos, atenta a factualidade assente sob os nºs 2 e 3, a A./apelante não estava em nenhuma das situações previstas no nº 4 do art. 129º, pelo que não recaía sobre os srs. Administradores qualquer dever de notificação deste credor, não obstante, como reconheceu, constituir prática seguida por vários Srs. Administradores, o envio da mesma por email a todos os credores, nos termos em que foi feito na situação dos autos.

Efectivamente, tem sido acentuado na jurisprudência (citando-se aqui o Ac STJ de 27/04/2017, Proc 8056/16.8T8CBR-A.C1, disponível em www.dgsi.pt, onde, aliás, se alude a variada jurisprudência e doutrina nesse sentido), que, (…) da leitura conjugada dos nº 1 e 4 do art 129º resulta, com evidência, que no actual regime falimentar a lista de credores que ali se alude é apresentada (decorrido o prazo legal para a apresentação das reclamações de créditos) na secretaria do tribunal pelo administrador da insolvência, a qual fica ali a aguardar o decurso do prazo de 10 dias (contados da data daquela apresentação) fixado no art 130º para os interessados (entre os quais se conta o insolvente) a poderem impugnar, sem que ela tenha de ser notificada aos mesmos, com excepção daqueles credores não reconhecidos e daqueles cujos créditos foram reconhecidos sem que os tenham reclamado, ou em termos diversos da reclamação, em relação aos quais a lei impõe que sejam avisados pelo administrador da insolvência por cara registada.

Não discordam, no entanto, as Recorrentes que tal como o entendeu a Relação, aquela comunicação não se tratou da notificação prevista no art 129º/4 do CIRE (veja-se a conclusão G)).

O que pretendem é que, em função da notificação que, de todo o modo, lhes foi feita por aquele meio - email de 13/6/2022 – a A., deveria, nos 10 dias aí assinalados, ter impugnado a lista e ter feito valer nessa impugnação o crédito aqui reclamado, desde o momento em que o mesmo, nessa data, já se achava vencido, sendo que, não o tendo feito, perdeu o direito de o fazer. Concluindo que interpretação contrária - como a da decisão recorrida, de que todos os credores que reclamaram créditos e que foram reconhecidos, podem ainda instaurar acções de verificação ulterior de créditos apenas com a limitação temporal prevista no art 146º/2 al b) do CIRE – é demasiado aberta relativamente ao momento próprio para reclamar créditos no processo de insolvência e constitui uma interpretação assistemática da lei da insolvência, não prevista pelo legislador. Do seu ponto de vista, a verificação ulterior de créditos só respeita aos créditos que se vencerem posteriormente ao terminus do prazo de impugnação da relação de créditos estabelecido no art 130º do CIRE, sendo que o crédito aqui em causa não está nessa situação, pois que foi apresentado pela Recorrida junto das Recorrentes fora do processo de insolvência, por carta de 14/4/de 2022 , (como vem alegado pela A. na PI).

Convoquemos as normas referentes aos aspectos em apreço:

Dispõe o art 129º, sob a epigrafe “Relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos”:

“1 - Nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, ambas por ordem alfabética, relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento, bem como uma proposta de graduação dos credores reconhecidos, que tenha por referência a previsível composição da massa insolvente e respeite o disposto no n.º 2 do artigo 140.º e na alínea d) do n.º 1 do artigo 241º.

2 - Da lista dos credores reconhecidos consta a identificação de cada credor, a natureza do crédito, o montante de capital e juros à data do termo do prazo das reclamações, as garantias pessoais e reais, os privilégios, a taxa de juros moratórios aplicável, as eventuais condições suspensivas ou resolutivas e o valor dos bens integrantes da massa insolvente sobre os quais incidem garantias reais de créditos pelos quais o devedor não responda pessoalmente.

3 - A lista dos credores não reconhecidos indica os motivos justificativos do não reconhecimento.

4 - Todos os credores não reconhecidos, bem como aqueles cujos créditos forem reconhecidos sem que os tenham reclamado, ou em termos diversos dos da respetiva reclamação, devem ser disso avisados pelo administrador de insolvência, por carta registada ou por um dos meios previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 128.º (…)”

5 - A comunicação referida no número anterior pode ser feita por correio eletrónico nos casos em que a reclamação de créditos haja sido efetuada por este meio e considera-se realizada na data do seu envio, devendo o administrador da insolvência juntar aos autos comprovativo do mesmo.»

Dispõe o Artigo 130º, sob a epígrafe “Impugnação da lista de credores reconhecidos”:

1 - Nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo anterior, pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorreção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos.

Por sua vez, dispõe o art 146.º, sob a epigrafe “Verificação ulterior de créditos ou de outros direitos”:

1 - Findo o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda outros créditos, bem como o direito à separação ou restituição de bens, de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de ação proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor, efetuando-se a citação dos credores por meio de edital eletrónico publicado no portal Citius, considerando-se aqueles citados decorridos cinco dias após a data da sua publicação.

2 - O direito à separação ou restituição de bens pode ser exercido a todo o tempo, mas a reclamação de outros créditos, nos termos do número anterior:

a) Não pode ser apresentada pelos credores que tenham sido avisados nos termos do artigo 129.º, excepto tratando-se de créditos de constituição posterior;

b) Só pode ser feita nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência, ou no prazo de três meses seguintes à respectiva constituição, caso termine posteriormente.

Desta norma, embora com as limitações que advêm das respectivas als a) e b) do seu nº 2, resulta que para além do prazo geral fixado na sentença declaratória da insolvência (art 128º/ 1 do CIRE), podem ainda ser reclamados créditos por meio de ação intentada contra a massa insolvente, os credores e o devedor, nos termos dessa norma e das subsequentes dos arts 147º e 148º.

As limitações que advêm da al b) - que não estão em causa no recurso – revestem manifesto carácter temporal e são muito claras.

Mas, não se vê que o não seja, também, a limitação constante da al a).

Dessa alínea resulta que os credores que tenham sido avisados pelo administrador de insolvência nos termos do nº 4 do artigo 129º do CIRE não podem lançar mão da ação de verificação posterior de créditos (a menos que os créditos sejam de constituição posterior ao aviso).

Que estão em causa nessa al a) os credores que tenham sido avisados pelo administrador de insolvência nos termos do nº 4 do artigo 129º do CIRE, apesar de, essa alínea se referir apenas aos termos do art 129 º e não especificamente ao nº 4 dessa norma, resulta do contexto gramatical e sequencial das normas em causa, desde logo, porque em mais nenhum momento do art 129º se faz referência a aviso por parte do administrador de insolvência senão nesse nº 4.

Mas, resulta também dos motivos que subjazem ao tratamento diferente que o legislador quis para uns e outros dos credores.

Por um lado, estão os credores não reconhecidos, ou aqueles cujos créditos foram reconhecidos sem que os tenham reclamado, ou ainda, aqueles cujos créditos foram reconhecidos em termos diversos dos da respetiva reclamação; esses são os do nº 4 do art 129º, a merecerem tratamento diferenciado dos demais credores, por exigirem uma notificação específica (por carta registada ou por um dos meios previstos nos nºs 2 e 3 desse artigo).

Por outro lado, estão os demais credores que não esses, que são os que tendo reclamado créditos, os viram reconhecidos nos termos da reclamação, como sucedeu com a aqui A. (FP 3).

Aqueles, não podem reclamar novos créditos por via da ação prevista nos artigos 146º a 149º, a menos que se tratem de créditos de constituição posterior, como resulta da referida al a) do nº 2 do art 146º. Apenas podem impugnar a lista apresentada pelo administrador de insolvência, nos termos do artigo 130º do CIRE ( neste sentido, cf Ac. do TRL de 11/10/2016, Proc nº 2801/15.6T8PDL-A.L1-7, disponível em www.dgsi.pt)

Ao contrário, estes - os que tendo reclamado créditos os viram reconhecidos nos termos da reclamação – não podem impugnar aquela lista. Nenhum motivo haveria para o fazerem, pois, havendo correspondência entre o que reclamaram e o que viram reconhecido, não teriam interesse em agir nessa impugnação, como se refere na decisão recorrida.

Mas podem reclamar novos créditos por via da ação prevista nos artigos 146º a 149º.

O regime dicotómico referido não parece comportar, literalmente ou teologicamente, o entendimento das aqui Recorrentes, desde logo porque um crédito não reclamado, ainda que se tenha vencido antes do terminus do prazo de impugnação da lista de créditos estabelecido no art 130º do CIRE, não corresponde a qualquer das situações mencionadas nesse preceito – não pode falar-se em indevida inclusão ou exclusão de crédito porque ele não foi reclamado, tão pouco, e pelo mesmo motivo, na incorreção do montante ou da qualificação.

Há que admitir, como se evidencia no Ac RC 10/09/2024, Proc nº 4968/22.8 T8LRA-B.C1, disponível em www.dgsi.pt, que o legislador entendeu que a generalidade dos credores – quer hajam reclamado créditos no prazo geral do nº 1 do artigo 128º quer não – dispõem de uma segunda oportunidade para reclamar créditos que não hajam anteriormente reclamado, e essa segunda oportunidade corresponde ao regime estabelecido nos arts 146º a 149º. Os credores que estão afastados dessa possibilidade são apenas os que correspondem aos que tenham sido avisados nos termos do artigo 129º/4 (porque lhe foram reconhecidos créditos sem que os hajam reclamado, ou porque os créditos que reclamaram não foram reconhecidos ou foram-no em termos diversos da sua reclamação). São estes credores, a quem se veda a possibilidade de virem reclamar novos créditos por via da acção prevista nos arts 146º a 149º, que carecem que lhes seja admitido que no prazo que lhe é concedido para a impugnação da lista de créditos procedam à reclamação de novos créditos.

Como é afirmado nesse acórdão, não podendo tais credores ser prejudicados pelo facto de terem sido notificados nos termos do nº 4 do artigo 129º do CIRE relativamente a outros créditos de que sejam titulares, ter-se-á de se lhe reconhecer a possibilidade de, no prazo que lhe é concedido para a impugnação da lista de créditos, reclamar livremente novos créditos, sem as restrições a que se refere a decisão recorrida, ou seja, sem a necessidade de alegar e demonstrar “que os respetivos direitos têm expressão nos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do conhecimento do administrador de insolvência”. A exclusão, pelo artigo 146º, nº 2, al. a), do direito de reclamar novos créditos àqueles credores que tenham sido avisados nos termos do artigo 129º, nº 4, só faz sentido se se entender que eles já tiveram a sua segunda oportunidade de reclamação de novos créditos aquando da faculdade que lhe é dada, de impugnação da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos.

Aos credores, como a aqui Recorrida na situação dos autos, que, tão simplesmente veem como reconhecidos todos os créditos que reclamaram – cfr FP 3 - não faz sentido exigir-se-lhes, como o pretendem as Recorrentes, que, no prazo que disporiam para impugnar a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, reclamem os créditos não reclamados de que tenham tido entretanto conhecimento e que se mostrem já vencidos ou que se venham a vencer até ao fim do prazo de impugnação.

Nenhum sentido teria, salvo o devido respeito, a imposição, ou até a mera admissão desse procedimento, pela assimetria que criaria relativamente aos tais credores avisados nos termos do nº 4 do art 129º, acrescendo que, nem por isso, se poderiam evitar verificações ulteriores de créditos relativamente aos créditos de que os respectivos credores apenas tivessem tido conhecimento ou que apenas se tivessem vencido depois do terminus do prazo das reclamações previstas no art 130º do CIRE, o que acabaria por redundar na duplicação de procedimentos.

A interpretação dos Recorrentes é que se afigura assistemática, para além da lei e desprovida de utilidade para os resultados que se pretendem com a verificação ulterior de créditos.

Com o que se tem de julgar improcedente a revista.

Decisão

Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar improcedente a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrentes.

Lisboa, 25 de Fevereiro de 2025

Maria Teresa Albuquerque (Relatora)

Anabela Luna de Carvalho

Maria Olinda Garcia