RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
INCÊNDIO
HOMICÍDIO QUALIFICADO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DUPLA CONFORME
MATÉRIA DE FACTO
PODERES DE COGNIÇÃO
VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
IN DUBIO PRO REO
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
REJEIÇÃO PARCIAL
QUESTÃO NOVA
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
IMPROCEDÊNCIA
Sumário


I - Tem sido entendimento pacífico que os normativos que encerram os arts. 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, als. e) e f), ambos do CPP, delimitam que só é admissível o recurso para o STJ de acórdão proferido, em recurso, pelo tribunal da Relação, quando aquele aplique pena de prisão superior a 8 anos – al. f) – e/ou quando estejam em causa penas superiores a 5 anos de prisão e não superiores a 8 anos de prisão e, cumulativamente, tal não resulte de confirmação da decisão de 1.ª instância.
II - Tal estende-se à medida das penas e quaisquer outras questões de natureza jurídica às mesmas diretamente atinentes que no caso se pudessem colocar quanto a nulidades, inconstitucionalidades e vícios da decisão recorrida, outrossim aos princípios da presunção da inocência, do in dubio pro reo, da livre apreciação da prova e da culpabilidade e do ne bis in idem.
III - Igualmente, tem sido posição unânime do STJ que, no regime em vigor, os vícios decisórios e as nulidades referenciados no art. 410.º, n.os 2 e 3 do CPP, só constituem alicerce recursivo para o STJ nos casos previstos na al. a) – recurso de decisão da relação proferida em 1.ª instância – e al. c) – recurso per saltum de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo – do n.º 1 do art. 432.º do mesmo complexo normativo, não sendo pois, nos termos da al. b) do mesmo n.º 1 admissível recurso para o STJ com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do dito art. 410.º, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios decisórios, quando a correta decisão de direito a proferir possa vir a ser afetada pela sua subsistência.
IV - Em recurso, o que se decide são questões específicas, delimitadas e concretas que tenham já sido objeto de decisão anterior pelo tribunal a quo e que o interessado pretende ver reapreciadas/reavaliadas pois, o objeto do recurso ordinário é apenas e só a sindicância da decisão impugnada, constituindo um remédio processual que permite a reapreciação, por um tribunal superior de questões que a decisão recorrida apreciou ou deveria ter conhecido e decidido.
V - A via recursiva não existe para criar e emitir decisões novas sobre questões novas, mas sim impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal a quo no momento em que a proferiu.

Texto Integral


Acordam em Conferência na 3ª Secção Criminal

I – Relatório

1.No processo nº 519/23.5... da Comarca de Lisboa – Juízo Central Criminal de ... – Juiz ..., foi proferido acórdão, em 26 de junho de 2024, com o seguinte dispositivo:

- Condenar o arguido AA pela prática, como autor material, em concurso real e na forma consumada, de um crime de incêndio, p. e p. pelo artigo 272º, n.º 1, alínea a), do CPenal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, dois crimes de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, alíneas e), h) e j), do mesmo diploma legal, na pena de 20 (vinte) anos de prisão por cada um.

- Em cúmulo jurídico, nos termos do disposto no artigo 77º, nºs 1 e 2, do CPenal, das penas de prisão referidas, condenar o arguido AA na pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão.

- Condenar o arguido AA a pagar à P..., S.A. o montante global de €32.838,00 (trinta e dois mil, oitocentos e trinta e oito euros) a título de danos patrimoniais.

2. Inconformado com o decidido, o arguido AA1 recorreu para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, suscitando as seguintes questões:

a - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – artigo 410º, nº1 alínea a), do CPPenal;

b - erro notório na apreciação da prova – artigo 410º, nº1, alínea c) do CPPenal;

c - erro de julgamento – artigo 412º, nº 3 do CPPenal;

d- nulidade do reconhecimento pessoal;

e – violação do princípio in dubio pro reo e do princípio da livre apreciação da prova.

3. Por Acórdão datado de 7 de novembro de 2024, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, pronunciando-se sobre as questões supra notadas, decidiu negar provimento ao recurso do arguido AA, mantendo a decisão recorrida.

4. Discordando deste decidido, o arguido AA vem recorrer para este Supremo Tribunal de Justiça, questionando o aresto prolatado, retirando das suas motivações, as seguintes conclusões: (transcrição)

A) O Douto Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso interposto pelo Recorrente AA, mantendo a sua condenação pela prática de um crime de incêndio, previsto e punido pelo artigo 272.º, n.º1, alínea a), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; dois crimes de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º1 e n.º2, alíneas e), h) e j), do Código Penal, na pena de 20 (vinte)anos de prisão cada e em cúmulo jurídico, nos termos do disposto no artigo 77.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, das penas de prisão referidas nas alíneas a) e b), na pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão e ainda condenado no pagamento do pedido de indemnização cível deduzido pela demandante P..., S.A., no montante de €32.838,00 (trinta e dois mil, oitocentos e trinta e oito euros) a titulo de danos patrimoniais;

B) O presente Recurso visa a reapreciação/ reexame da matéria de direito, sem esquecer as normas consignadas nos nºs 2 e 3 do artigo 410º do Código de Processo Penal (adiante C.P.P.), no âmbito do consagrado no artigo 434º do mesmo Código.

C) Entende o ora Recorrente, que o Tribunal “a quo” julgou incorretamente os factos dados como provados nos pontos 1º , 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10,11, 12, 13, 14, 15, 16,a f ls 15 e 16 do douto Acórdão proferido, dando-se por integralmente reproduzidos, que devem ser dados como não provados e o Recorrente absolvido dos mesmos; pois

D) Não ficou provado em julgamento que o ora Recorrente tenha sido o autor material dos factos, que nega perentoriamente todos os factos da acusação, indicando em julgamento, nesse dia e hora outra a sua localização, diferente daquela onde os factos ocorreram e que foram confirmados em julgamento, pelas testemunhas de defesa;

E) A convicção do douto Tribunal a quo assentou no depoimento de três testemunhas, a BB, a CC e a DD, que não presenciaram os factos da acusação, mas que alegam que o Recorrente lhes contou ter cometido tais crimes,

F) As testemunhas ouvidas em julgamento não prestaram um depoimento credível, espontâneo e isento, e verossímil, sem qualquer margem para dúvida, tanto na descrição do individuo, como no relato dos fatos, que são contraditórios entre si, nomeadamente a hora em que alegadamente falaram com o Recorrente, a hora em que visualizaram o Facebook do Recorrente e as características do indivíduo, com quem falaram nessa noite, e outros pormenores.

G) Analisando os autos de reconhecimento, de fls 469 a 471 que remetem, no que diz respeito à descrição do Recorrente, para as primeiras declarações prestadas por estas testemunhas, a fls 113 e ss dos autos, concatenada com o depoimento destas três testemunhas, em audiência de julgamento, facilmente se constata que o auto não identifica o Recorrente, que foi identificado em julgamento, mas sim outra pessoa;

H) Pois nada mencionam relativamente aos elementos distintivos do Recorrente, como tatuagens, verrugas, sinais, barbicha, corpo chamuscado, mãos queimadas que as testemunhas afirmaram, já em audiência de julgamento, o que não se aceita;

I) Por diversas vezes, no decorrer do depoimentos das testemunhas estas respondiam “acho que é assim” “não me recordo muito bem”;

J) A fls 113 dos autos, no auto de inquirição da testemunha BB realizado no dia 15-05-2023 refere que que cerca das 03:00horas da manhã surgiu um indivíduo masculino cerca de 30 anos raça caucasiana, mas moreno, que cheirava a fumo e bebidas alcoólicas; referiu que era brasileiro, trazia uma manta com ele com a qual se enrolava e que o individuo disse chamar-se AA e informa a conta de perfil social facultada por AA;

K) Quando se desloca à PJ em 08/08/2023 para fazer o reconhecimento, que contam de folhas 469 a 471 dos autos , refere: Quando foi solicitado à testemunha que descrevesse a pessoa a identificar com indicação de todos os pormenores que se recorda, tendo dito que reitera todas as declarações por si prestadas anteriormente nos autos (fazendo alusão aos depoimentos de fls 113 e ss);

L) Nunca há qualquer referencia, nos autos supra descritos, tanto na diligência realizada na Polícia Judiciária, no dia 15-05-2023 de fls 113 e ss, como na de 08-08-2033 de fls 469 e ss qualquer alusão a tatuagens ou outros elementos identificativos do Recorrente como “tatuagens nas mãos, cara ou pescoço, verrugas ou sinais, barba ou “barbicha”, nem o uso de um boné, cara chamuscada ou mãos queimadas”, que foi referiu em julgamento, por esta testemunha BB, conforme o seu depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal, do depoimento da testemunha prestado no dia 06-03-2024, aos minutos 08:00 m a 10:20 m e a 13:45 m a 14. 08 m, devidamente transcrito nas motivações do acórdão recorrido na Relação;

M) Como se pode constatar o depoimento da testemunha em julgamento é contraditório com o seu depoimento prestado na Polícia Judiciária, são versões contraditórias que o Tribunal a quo deveria ter tido em conta no seu julgamento e na condenação proferida, o que não aconteceu.

N) Foi solicitado em julgamento que o Recorrente mostrasse as mãos para se verificar as tatuagens e queimaduras, tendo facilmente se visualizado que não tinha nenhuma tatuagem nas mãos nem tampouco vestígios de ter queimaduras, face a num incêndio desta natureza, o que também se poderá constatar nas fotografias junto aos autos do Recorrente, ao contrário do alegado por esta testemunha(supra);

O) Também quanto ao momento em que as três testemunhas consultaram o Facebook para aí identificarem o Recorrente, tendo este apenas lhes dado o seu nome como sendo AA, estas testemunhas afirmaram momentos diferente nessa consulta, tendo a BB referido em julgamento que só muito mais tarde é que o procuraram pelo nome no Facebook conforme a mesma gravação do depoimento, ao 05:00 m a 05: 36 m, ao minuto 14:24 m a 14: 38 m devidamente transcrita nas motivações; já DD referiu que só procuraram o nome AA no Facebook horas mais tarde, conforme prova gravada , no dia 06-03-2024, a minutos 03:06 a 03: 53 m, devidamente transcrita nas motivações; e a CC refere que o Recorrente lhes deu o Facebook “ali á nossa frente”, no momento em que conversavam, conforme depoimento gravado do depoimento da testemunha CC, no dia 06-03-2024, 8:13m a 08:16 m, 20:57 m a 22: 07 m devidamente transcrita nas motivações;

P) As três testemunhas sob um mesmo facto, alegaram várias contradições, a CC diz que visualizou o Facebook do “AA” no momento, já a testemunha BB e a DD afirmam que visualizaram mais tarde , e quando a CC refere que visualizaram logo no momento visualizaram no telefone da BB ou da DD, que não foi do telefone dela, que não tinha net, a testemunha BB refere que visualizaram o nome do “AA” no telemóvel da CC, e a DD não refere que tenham visualizado do telefone dela, no momento, que visualizaram mais tarde, o que demonstra a fragilidade dos depoimentos das testemunhas, que sob um só facto, e estando juntas, afirmam versões contraditórias e diferentes, entre elas próprias e entre si,

Q) Relativamente à hora em que o Recorrente apareceu junto das testemunhas, no parque da ..., a BB referiu em audiência que foi às 04.00 horas da manhã, referindo também as 05:00 e as 06:00 horas da manhã, tendo anteriormente referido na Policia Judiciária (primeiras declarações prestadas) que foi às 03.00 horas da manhã, sendo o seu depoimento pouco credível e até confuso, conforme depoimento prestado na audiência, no dia 06-03-2024, gravado a 10.30m a 12:47 m devidamente transcrito nas motivações ;

R) A testemunha CC situa os factos num primeiro momento, às 04.00 horas da manhã, na Polícia Judiciária, em sede de inquérito, a fls 117 ss e 470 e ss descreveu um individuo com uma manta castanha e branca todo sujo, que pediu um cigarro, descreveu-o como sendo brasileiro, cerca de 30 anos, caucasiano mas bastante moreno e disse que se chamava AA vestia uma camisola branca interior uma camisola de manga cava por cima preta e branca ao quadrados e um chapéu cor escura e uma manta trazia isqueiro nos bolsos;

S) Em julgamento, situa os factos entre as 4:00h 4:30h e 5:00 h da manhã, referindo “ não me lembro bem” que o individuo “tinha casaco, sweat preta, camisola branca , calça de ganga “ou algo assim, refere as tatuagens, conforme depoimento gravado do seu depoimento em julgamento, no dia 06-03-2024, das 14:32 h ás 15:04 h, de 00:00 m a 01:08 minutos, 03:55m a 4:10m, 07.48. a 08:13m 09:14m a 09:30 m, 12:28 a 12.30 m, 20:14 m a 20:44m devidamente transcrito nas motivações;

T) Quanto ao depoimento da testemunha DD, a mesma refere em julgamento aquando da identificação do individuo, que inicialmente na Polícia Judiciária falaram logo nas tatuagens, o que não corresponde á realidade, uma vez que nada consta, tanto no auto de declarações prestadas na PJ, inicialmente, fls 113 e ss dos autos, como no Auto de Reconhecimento, de fls 469 a 471 e ss, dos autos, quanto à descrição do arguido, relativamente ao facto do mesmo ter tatuagens, sinais, casaco ou chapéu;

U) No entanto, já em julgamento afirma que o mesmo tinha casaco e chapéu, o que também é contraditório, não sendo credível a versão dada por esta testemunha, em audiência de julgamento, não podendo assim o Tribunal a quo considerar que o seu depoimento foi prestado de forma espontânea, clara e segura - depoimento gravado do depoimento da testemunha, no dia 06-03-2024, das 14:32h a 15: 04 h 15:04 h ás 15:13 h, de 29:36 m a 32:30 minutos, e ainda de 04:44 m a 07:50 m, devidamente transcrito nas motivações;

V) E a descrição que esta testemunha faz do individuo com quem falou, em julgamento, também não é idêntica à realizada pelas outras duas testemunhas (supra) bem como a sua descrição não é coincidente com a descrição dada por si, num primeiro momento, na Polícia Judiciária, referindo que ”Esta abordagem ocorreu entre as 04:00 e 05:00 horas, sendo que descreve o homem como sendo de género masculino, com cerca de 30 anos no máximo, de raça caucasiana, mas bastante moreno, era brasileiro “ não podendo o douto tribunal a quo julgar o seu depoimento credível, sem hesitações ou inabalável;

W) Também esta testemunha situa factos ocorridos em dia mês e ano que não precisou pelas 04.00h, 4.30 h, sendo certo que as outras duas testemunhas situam os factos numa primeira vez às 03.00 horas da manhã (quando inquiridas inicialmente no dia 15 de maio de 2023) e só após, às 5:00 ou 5:30, talvez para dar mais consistência à tese que as mesmas relataram ao Tribunal a quo, quando “juntaram as peças todas” mas que não é minimamente consistente quando analisadas á luz da experiencia comum, não se mostram credíveis, passado a situar os factos às 3.00 horas, 4.00 horas, 4:30h, 5:00 h e por ultimo 5:30h;

X) Não podendo o Tribunal a quo considerar que as testemunhas prestaram um depoimento pormenorizado, credível, sem hesitações, sem imprecisões e sem suscitarem a dúvida inequívoca, tanto dos factos como da descrição do arguido;

Y) Entende o Recorrente que a hora em que os factos são praticados é imprescindível para efeitos de condenação, e se Tribunal a quo dá como provado que às 5:00 horas da manhã deflagrou o fogo por acção do Recorrente, nunca poderia ter sido este a praticar tal facto pois se alegadamente o mesmo se encontrava no parque da ... a falar com as testemunhas supra, no mesmo dia e à mesma hora (05:00 horas) nunca poderia estar no local do alegado crime a essa mesma hora, devendo os factos consignados no acórdão proferido, relativamente a esta matéria, serem dados como não provados, impugnando-se os mesmos;

Z) O auto de reconhecimento é nulo pois não contem as características de identificação do Recorrente, que o mesmo tem tatuagens, sinais, verrugas nem outros elementos foram enunciados pelas testemunhas, tendo omitido as características enunciadas pelas testemunhas, em sede de audiência de julgamento, como tatuagens, sinais, verrugas, barbicha, mãos queimadas, não podendo assim ser valorado para efeitos condenação do recorrente como foi, nulidade que se invoca aqui e agora.

AA) Também as testemunhas supra referiram que o Recorrente afirmou que a esposa o teria colocado fora de casa e que ia dormir a casa da prima – o recorrente não tem familiares cá em Portugal e a esposa está no brasil, conforme depoimemtos prestados pela testemunha EE e FF, conforme depoimento dia 05-04- 024,da testemunha minutos EE:, 14:57 m a 15: 27 m e FF, no mesmo dia, de 00:00 m a 01:10 m e 05.55 m a 06:03 m, remetendo-se para a sua transcrição nas motivações;

BB) Não existe outra prova contra o Recorrente que justificasse a sua condenação inequívoca, uma vez que não foi identificado pela polícia, no local, no dia e hora dos factos, não existe localização celular do mesmo no local, nesse dia e hora, não existem impressões digitais ou outra qualquer prova evidente contra o Recorrente que possa comprovar inequivocamente e sem qualquer margem de dúvidas, que o mesmo, tenha estado nesse dia e hora, no local dos factos, conforme afirmam estas três testemunhas;

CC) Pelo depoimentos conjugados das testemunhas de defesa ficou provado que o Recorrente nesse dia e hora, pernoitou na casa do patrão, e no dia seguinte foi almoçar a casa da mãe dele, no domingo dia das mães no Brasil, razão pela qual nunca poderia ter sido o autos de tais crimes, conforme depoimentos gravados de EE, GG e FF, Testemunha EE, dia 05-04-2024, a minutos 2:41 a 3: 31, 05: 03 a 5:59, 6:00 a 06:37, 10:13 a 10:44, 10:44m a 10:59 m, 11:29 m a 11.38 m, 18:47 m a 19:20 , testemunha GG Gravação citius na testemunha HH, das 16.21 horas às 16.51 horas, dia 05-04-2024, depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal de 18:37 m e ss, de minutos, do depoimento de GG, 21.28 a m 25:52 m e 28:59 a 29:31, e ainda depoimento gravado do depoimento da testemunha FF, no dia 05-04-2024, a 01:14 a 5:47, remetendo-se para a transcrição nas motivações;

DD) Não poderia o Tribunal a quo desconsiderar esta prova, assumindo uma presunção de culpa do arguido e não de inocência, o que não se concebe e não se aceita;

EE) Ouvido que foi o inspetor da Policia Judiciária que efetuou a perícia ao local dos factos, o mesmo disse que encontrou a habitação com alterações de cenário, devido ao combate ao incendio, sendo que as janelas emparedadas foram derrubadas por força dos bom beiros e que existia muito material combustível, não determinando qual foi o material que deu origem ao fogo, e que as roupas ali existentes poderiam ter sido juntas ou não, e das suas declarações não se extrai prova que o arguido esteve no local, que entrou por um buraco que existia ao nível do salão e cozinha, e que juntou roupas para pegar fogo ao local, não podendo assim ser dado como provado este facto, depoimento gravado do depoimento da Testemunha II inspetor da PJ, no dia 06-03-2024, a minutos 00:06 m a 1.50 m, 02.23m a 03:08, 03.14 m e 20.23 m 23:14;

FF) Ficou igualmente provado em julgamento que existia uma única entrada ao nível do r/c - a entrada por onde as vitimas entravam e saiam, que era uma porta fechada á chave, com cadeado, ao nível do r/c, onde ambas as vitimas pernoitavam, ,sendo o único local por onde ambos entravam e saiam , e nunca fez referencia a outra entrada ao nível do salão e cozinha , nomeadamente um buraco, por onde ambos entrassem e saíssem, não se comprovando que alguém entrou por outro buraco contiguo ao salão e cozinha para pegar fogo ao local, contrariamente ao que foi dado como provado, no acórdão recorrido e que se impugna, conforme depoimento gravado da testemunha JJ, no dia 05-04-2024, a de minutos 01: 06 a 11:47 m a 12:02 m, remetendo-se para a sua transcrição na motivação.

GG) O Tribunal a quo também não considerou, indevidamente, a prova documental junta aos autos, o requerimento onde consta no google que no dia 14 de maio de 2023 era o dia das mães no brasil, corroborando a versão do Recorrente, o que não se aceita;

HH) Face a todo o exposto deve o recorrente ser absolvido de todos os factos, dados como provados nos pontos 1º , 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10,11, 12, 13, 14, 15, 16,a fls. 15 e 16 do Acórdão proferido, que devem ser dados como não provados e o Recorrente absolvido dos mesmos;

II) Entende o Recorrente que nos factos dados como provados não consta que o Recorrente tivesse no dia e hora dos factos da acusação falado com as testemunhas BB, CC e DD, e por isso o Tribunal a quo não pode dar como provada a autoria do crime como sendo o Recorrente;

JJ) Relativamente ao relatório realizado à perícia do Recorrente, do mesmo não constam entrevistas a familiares e amigos, e também não refere que o Recorrente já havia manifestado estado depressivo e ideias suicidas, que constam dum primeiro relatório social, impugnando, por isso todos os factos contantes nos pontos 22 a 27, que se impugnam, pois nesse relatório não constam todos os elementos do Recorrente, pertinentes para a sua elaboração.

KK) Por último, entende o ora Recorrente que o Tribunal “a quo”, ao decidir como decidiu, violou o disposto nos artigos 125º, 126º, 127º, 128º, 355º do CPP e ainda o artigo 32º do CRP, e ainda violou o princípio do in dúbio pro reu;

LL) Deveria ter sido aplicado ao caso em apreço o princípio do ” in dúbio pro reu”, pois não foi produzida prova clara e inequívoca de que o Recorrente tenha sido o autor material dos crimes supra referidos, devendo este ser absolvido; e sem prescindir

MM) Caso assim não se entenda, deverá o Recorrente ser condenado, em cúmulo, numa pena máxima inferior à pena máxima ao qual foi o mesmo foi condenado;

(…) deve conceder-se provimento ao presente recurso, e em consequência, o Recorrente ser absolvido de ter cometido um crime de incêndio, previsto e punido pelo artigo 272.º, n.º1, alínea a), do Código Penal, e dois crimes de homicídio qualificado, previstos e punidos pelos artigos 131.º e 132.º, n.º1 e n.º2, alíneas e), h) e j), do Código Penal, e em cúmulo jurídico, na pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão, e bem assim ser absolvido do pagamento da indemnização a que foi condenado;

Caso assim não se entenda, deverá o Recorrente ser condenado, em cúmulo, numa pena máxima inferior à pena máxima ao qual foi o mesmo foi condenado (…).

5.O Digno Ministério Público, junto do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, respondeu ao recurso, concluindo: (transcrição)

1. Constata-se assim, também neste particular, não estar verificado qualquer erro notório na apreciação da prova.

2. Não se verifica qualquer nulidade na prova por reconhecimento.

3. Ora, como se constata do teor da decisão recorrida – o tribunal não se encontra na presença de qualquer dúvida razoável relativamente à valoração da prova, logo não havia que apelar para o principio in dúbio pro reo, no sentido de que na presença desta dúvida esta deve ser decidida a favor do arguido.

4. Na inexistência de qualquer dúvida valorativa, o tribunal não decidiu “contra” o arguido

5. Nunca, ao longo do processado se colocou em causa a presunção de inocência; coisa diversa é chegar à conclusão da verificação de um comportamento doloso e culposo integrador da prática de um ilícito de natureza criminal.

6. Não se verifica assim pelo exposto qualquer erro de julgamento no sentido de uma distorção da realidade factual e de desconforme subsunção jurídica dos factos ao direito.

6. Subidos os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416º do CPPenal, emitiu competente parecer, defendendo: (transcrição)2

(…)

Em harmonia com o artigo 46.º da Lei n.º 62/2013 de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), que estabelece que fora dos casos previstos na lei o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito, o artigo 434.º do Código de Processo Penal dispõe que sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º, ou seja, sem prejuízo do recurso de decisões das Relações proferidas em 1.ª instância [decisões previstas nos artigos 12.º, n.º 3, alíneas a), c) e d), e 235.º do Código de Processo Penal, 109.º, alínea b), do Código de Justiça Militar (Lei n.º 100/2003, de 15 de novembro), 49.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto (extradição), 15.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto (execução do mandado de detenção europeu), e 13.º, n.º 1, e 34.º, n.º 1, da Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro (reconhecimento e execução de sentenças penais de Estados membros da União Europeia que imponham penas de prisão ou outras medidas privativas de liberdade e de sentenças ou de decisões relativas à liberdade condicional)] e do recurso direto ou per saltum de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, hipóteses que não correspondem ao caso em análise, nas quais o recurso pode ter os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, erro notório na apreciação da prova e inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada), o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.

De acordo com a nossa melhor doutrina, «[é] questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; (…) [é] questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei» (Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado Volume III, 4.ª Edição – Reimpressão, Coimbra Editora Ld.ª, 1985, páginas 206-207).

Assim delimitados os respetivos poderes de cognição, é inequívoco que nas situações do artigo 432.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal [recurso de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º], não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça (re)analisar a prova e a decisão de facto, nem mesmo no quadro dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. «Nos recursos para o Supremo, a matéria de facto é, assim, como regra, um dado adquirido, cujo julgamento ficou esgotado pelas instâncias» (Pereira Madeira, Código de Processo Penal comentado, António Henriques Gaspar e outros, Almedina, 4.ª Edição, página 1407).

E daí que, quanto à temática abordada nas conclusões C) a Y) e AA) a LL), tal como em relação à invocada nulidade do auto de reconhecimento do arguido, a qual, tal como tratada nas conclusões G), H) e Z), também respeita à fixação da matéria de facto [nulidade que havia sido suscitada, sem diferente argumentação, no recurso do acórdão do Juízo Central Criminal de ... – v. as respetivas conclusões g), h) e gg) – e que foi julgada improcedente pelo Tribunal da Relação de Lisboa em termos irrepreensíveis e que dispensam quaisquer considerações adicionais (v. as páginas 36 a 41 do acórdão recorrido)], o recurso deva ser rejeitado (artigos 414.º, n.ºs 2 e 3, 420.º, n.º 1, alínea b), e 434.º, todos do Código de Processo Penal).

O recorrente bate-se, ainda, pela condenação, «em cúmulo», numa pena de prisão inferior a 25 anos.

Nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º.

O artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), do Código de Processo Penal, por sua vez, estatui que não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância [al. e)] e de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos [al. f)].

Da conjugação destes preceitos resulta «que só é admissível recurso de acórdãos das Relações, proferidos em recurso, que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão, penas superiores a 5 anos e não superiores a 8 anos de prisão em caso de não confirmação da decisão da 1.ª instância e penas não privativas da liberdade ou penas de prisão não superiores a 5 anos em casos de absolvição em 1.ª instância», regime que «efetiva, de forma adequada, a garantia do duplo grau de jurisdição, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição (…), enquanto componente do direito de defesa em processo penal (…), reconhecida em instrumentos internacionais que vigoram na ordem interna e vinculam o Estado Português ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos (artigo 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos e artigo 2.º do Protocolo n.º 7 à Convenção Para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais)» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de maio de 2024, processo 4315/21.6JAPRT.P1.S1, relatado pelo conselheiro Lopes da Mota, publicado em www.dgsi.pt).

In casu, é incontestável que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa é recorrível quanto à medida concreta da pena conjunta [única questionada pelo arguido nas conclusões e, sem aprofundamento adicional, no corpo das motivações (v. o último parágrafo da respetiva página 25)].

A questão, todavia, não pode ser apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça em virtude de não ter sido submetida à consideração do Tribunal da Relação de Lisboa no recurso do acórdão do Juízo Central Criminal de ... (v. 2. supra).

Com efeito, «é entendimento jurisprudencial há muito consolidado que sendo os recursos remédios jurídicos, enquanto meios específicos de impugnação das decisões judiciais que visam a reparação de erros da decisão recorrida e não, genericamente, um novo julgamento do caso, o tribunal de recurso só conhece – no que aqui importa – das questões que tenham sido objeto de decisão por parte do tribunal recorrido ou que devessem tê-lo sido.

Ou seja, o STJ apenas pode conhecer das questões de que o tribunal recorrido conheceu ou de que devesse ter conhecido de acordo com as regras que delimitam os seus poderes de cognição, pelo que não cabe ao STJ conhecer de questão que, por não ter sido concretamente suscitada perante o tribunal recorrido, não foi por este apreciada. – vd., por todos, o tratamento da questão no (…) acórdão do STJ de 15.03.2023, rel. Paulo Ferreira da Cunha, e jurisprudência aí citada, e em cujo sumário pode ler-se:

"(…)

V. Como vem sendo entendimento dominante da jurisprudência, os recursos consubstanciam «remédios jurídicos», que apreciam a legalidade e adequação das decisões proferidas, não visando decidir sobre matéria inovatória.

VI. Não tendo o recorrente … impugnado perante o Tribunal da Relação a medida da pena única aplicada, tendo apenas, nas alegações de recurso anteriormente apresentadas, pugnado pela sua absolvição, trata-se de questão nova, que não poderá suscitar agora, perante o recurso para o STJ"» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de junho de 2023, processo 918/18.4JALRA.E1.S1, relatado pelo conselheiro António Latas, www.dgsi.pt).

Donde que, nesta parte, o recurso deva improceder.

Aqui chegados, só nos resta emitir parecer no sentido da rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto e da sua improcedência no que se refere à contestação da medida da pena única.

Não foi apresentada resposta.

7. Efetuado o exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1.Questões a decidir

Face ao disposto no artigo 412º do CPPenal, considerando a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19 de outubro de 19953, bem como a doutrina dominante4, o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo da ponderação de questões de conhecimento oficioso que possam emergir5.

Isto posto, e vistas as conclusões do instrumento recursivo trazido pelo arguido recorrente que, em muito constitui a mera reprodução do apresentado junto do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, e os poderes de cognição deste tribunal, importa apreciar e decidir, as seguintes questões:

- admissibilidade recursiva e sua dimensão;

- erro de julgamento (factos provados 1 a 16);

- nulidade do auto de reconhecimento;

- violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo;

- pena única – sua dosimetria, proporcionalidade, adequação e justeza;

- absolvição do pedido cível.

2. Apreciação

2.1. O Tribunal recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos: (transcrição6)

A. Factos Provados:

Apreciada a prova produzida e discutida em audiência, resultaram provados os seguintes factos, com interesse para a decisão de mérito:

1. Em momento não concretamente apurado, mas entre as 23h00 do dia 13-05-2023 e as 05h00 do dia 14-05-2023, o arguido AA, entrou no imóvel sito na Rua ..., em ..., constituído por um prédio, anexos e terreno circundante, no valor de pelo menos € 100.000,00, local propriedade de P..., S.A.

2. O edifício, que corresponde a uma moradia constituída por dois pisos, onde funcionara um externato, mas abandonado para esta função, tinha, no r/c, a porta de rua trancada com corrente de ferro e cadeado de ferro pelo lado interior e as janelas todas que dão acesso ao exterior estavam emparedadas e cimentadas, havendo apenas uma abertura (buraco) numa das paredes interiores de acesso a uma divisão contígua à cozinha, que se encontrava desativada; e, no 1º piso, a porta e as janelas encontravam-se abertas, além da existência de uma abertura com acesso ao terraço e cobertura exterior do edifício, o que proporcionava livre acesso do exterior para o interior da moradia.

3. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, KK e LL, nascidos a .../.../1970 e .../.../1975, respetivamente, encontravam-se a dormir na sala contígua à cozinha desativada, localizada no r/c da vivenda, os quais residiam e guardavam ali os seus pertences.

4. Após introduzir-se no interior da vivenda, o arguido AA deambulou pelos diversos espaços e deparou-se com desenhos nas paredes, brinquedos, malas de viagem, bolsas e vários sacos com roupas, pensando tratar-se de objetos guardados por ladrões que os tinham "roubado" e decidindo, por isso, queimá-los.

5. Então, o arguido AA juntou peças em têxtil à entrada da cozinha, à entrada da sala onde se encontravam a dormir KK e LL, junto a um sofá, e perto da abertura na parede interior por onde entrara e, com recurso a chama direta, ateou três fogos a esses materiais combustíveis, que se propagaram pelos espaços e materiais circundantes.

6. Quando o fogo deflagrava e o fumo era já muito intenso, o arguido AA apercebeu-se de que KK e LL se movimentavam a tentar encontrar a saída para se libertarem do fogo.

7. O arguido AA, que saiu pela única abertura existente na parede interior, por onde entrara, tapou esse buraco com uma porta de madeira, para impedir a saída de KK e de LL.

8. Ao sentir a pressão de KK e de LL contra a porta de madeira, para desimpedirem o caminho e saírem para o exterior, o arguido AA contrapôs a sua força, segurando-a e empurrando-a contra a abertura na parede, até que deixou de sentir o movimento daqueles a partir do interior.

9. Como consequência da conduta do arguido AA, KK e LL permaneceram no interior da moradia, onde respiraram no foco de incêndio e inalaram os fumos e a fuligem provocados pelo fogo ateado pelo arguido.

10. O arguido causou a LL intoxicação por monóxido de carbono e inalação de gases quentes, complicadas de lesões de queimadura do 1.º e 2.º graus em 90% da superfície cutânea, com características próprias das produzidas por chama, o que, direta e necessariamente, lhe provocou a morte, ocorrida antes das 06h00 daquele dia 14-05-2023.

11. O arguido causou a KK intoxicação por monóxido de carbono e inalação de gases quentes, associadas de lesões de queimadura do 1.º e 2.º graus em 28% da superfície cutânea, com características próprias das produzidas por chama, o que, direta e necessariamente, lhe provocou a morte, o que ocorreu antes das 06h00 daquele dia 14-05-2023.

12. O fumo e as chamas produzidas pela combustão atingiram e provocaram a destruição de uma cozinha e uma sala contígua, concretamente as superfícies de pavimentos, tetos e paredes (algumas empenadas), bem assim as aduelas, armários estruturais e equipamentos, várias peças em têxtil e outros materiais, que determinaram a intervenção dos bombeiros, que totalizaram 15 operacionais em 7 veículos, para extinguir o fogo.

13. O arguido AA quis deflagrar três fogos no interior da vivenda, sabendo a estrutura imóvel em que se inseria e o seu valor, e que se propagariam pelas diversas divisões, bem como que com isso causava perigo para a integridade da sua estrutura e materiais e para a saúde e a vida de quem ali se encontrava, resultados que alcançou.

14. O arguido AA atuou com o propósito de tirar a vida a KK e a LL, sabendo que, ao atear três fogos no referido espaço onde dormiam, provocando fumos e concentração de monóxido de carbono, em espaço que se encontrava fechado, por ter tapado a única abertura existente, impedindo-os de sair, obrigava-os à inalação de fumos e de gases e, com isso, causava-lhes a morte, o que tudo quis e conseguiu.

15. O arguido AA agiu de forma fria querendo causar sofrimento a KK e a LL, atentos os meios empregues para atingir o fim visado e ao persistir no propósito de impedir a saída destes, mesmo sentido o esforço que tentaram opor-lhe e o seu desfalecimento, obtendo satisfação pessoal de tal facto e sabendo que as razões para a sua atuação eram despropositadas, sem qualquer razão que o pudesse justificar.

16. O arguido AA agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

17. O arguido não tem antecedentes criminais.

18. AA imigrou para Portugal em outubro de 2022, embora já aqui tivesse vivido em 2016. O arguido veio do Brasil e foi viver para o ..., depois foi para a ..., regressou ao ..., foi para os Açores (...), onde estava em abril de 2023. Regressou à zona de ... e viveu em casa de EE, seu patrão, situada na ..., em .... Posteriormente emigrou para o norte de Espanha (...).

19. O arguido tem companheira e uma filha, de 6 anos de idade, a residir no Brasil, em .... A mãe também reside no Brasil. Não tem relacionamento com o pai, por seus pais estarem separados desde os seus dois anos de idade. O arguido mantém contactos regulares com esposa e mãe, via vídeo chamadas. AA concluiu o 6º ano.

20. AA é pintor de construção civil. O arguido auferiu, no ... e na ..., €70,00 diários, quando trabalhou na zona de ..., ganhava €55,00 por dia e, em Espanha, ganhava €250,00 por dia. Trabalhava de segunda a sábado, só tendo o domingo livre que gozava para ficar em casa a descansar e falar com a esposa via WhatsApp. O arguido afirma não ter amigos em Portugal, para além de MM.

21. Preso preventivamente à ordem dos presentes autos desde 08.08.2023, o arguido apresenta um comportamento adequado no Estabelecimento Prisional, respeita os normativos institucionais e frequenta a escola, estando a concluir o 3º ciclo de escolaridade.

22. AA beneficiou, aparentemente, de um contexto familiar normativo, essencial para um desenvolvimento adequado e ajustado. No cerne do mesmo, as suas relações familiares ressaltam como positivas, à exceção do laço estabelecido com o seu progenitor. Apesar da essência normativa, o seu crescimento terá sido desenrolado num ambiente social violento, ao qual se acresce a experimentação de algumas perdas traumáticas, nomeadamente do ex-companheiro da sua progenitora, bem como de um dos seus amigos.

23. Apesar de curta duração, o seu percurso escolar caracteriza-se, alegadamente, pelo bom desempenho e estabilidade, sendo esta uma característica que contrasta fortemente com o seu percurso profissional, o qual, pelo menos durante o seu período de permanência em Portugal, foi caracterizado pela elevada instabilidade e mobilidade.

24. Ao longo do processo de recolha de informação, enfatizamos as incongruências sentidas, principalmente ao nível da aferição quanto ao consumo de substâncias, visto que o arguido afirmou apenas a experimentação pontual de cocaína, aos 16 anos. Esta é uma informação que contrasta com as fontes colaterais contactadas, segundo as quais o seu consumo frequente estaria associado a um padrão abusivo que impactaria negativamente em todas as esferas de vida do arguido.

25. Apesar de ressaltar como um indivíduo com uma orientação social positiva, em sede de entrevista, foi saliente a desejabilidade social, bem como a predominância de superficialidade e embutimento afetivo na descrição de situações, nas quais seria expectável a ativação emocional.

26. Relativamente ao presente processo, apesar do impacto familiar e da perda de liberdade, decorrente da sua detenção, o discurso de AA denotou a inexistência de impacto pessoal. Deste modo, a gravidade do presente processo não terá influenciado negativamente o autoconceito e estado emocional do arguido.

27. Tendo em mente estas características e no sentido da mitigação e/ou gestão do risco de violência e de reincidência criminal, considera-se como necessário que uma intervenção, qualquer que venha a ser a medida equacionada, tenha subjacente uma avaliação/tratamento ao nível de uma eventual problemática aditiva, a consolidação de hábitos de trabalho estáveis e a mudança de atitudes.

28. Dada a localização e o tipo de danos verificados no imóvel, é necessário proceder às seguintes reparações, com os correspondentes custos:

- reconstrução de pavimentos de copa e cozinha: €4.782,38 (quatro mil, setecentos e oitenta e dois euros e trinta e oito cêntimos);

- reabilitação dos pavimentos restantes: €6.144,13 (seis mil, cento e quarenta e quatro euros e treze cêntimos);

- reconstrução de paredes: €5.148,00 (cinco mil, cento e quarenta e oito euros);

- reabilitação de revestimentos de paredes muito danificadas: €5.187,00 (cinco mil, cento e oitenta e sete euros);

- reabilitação de revestimentos de paredes queimadas: €8.073,00 (oito mil e setenta e três euros);

- reabilitação de tetos queimados: €3.503,50 (três mil, quinhentos e três euros e cinquenta cêntimos);

Tudo no valor global de €32.838,01 (trinta e dois mil, oitocentos e trinta e oito euros e um cêntimo).

B. Factos não provados:

Da audiência de discussão e julgamento, não resultaram factos não provados, com interesse para a decisão da causa.

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente, de entre os alegados, todos os que estejam em contradição ou que tenham ficado prejudicados com a matéria de facto dade por assente e não assente.

Não se respondeu aos artigos da acusação, contestação e do pedido de indemnização civil irrelevantes para a presente decisão, conclusivos e / ou que apenas continham matéria de Direito.

O Tribunal também não respondeu a matéria do pedido de indemnização civil que, embora com a utilização de outra linguagem, repete factualidade já constante da acusação ou acrescenta factos que não constam do despacho de acusação.

2.2. Das questões a decidir

Anote-se, desde já, que o instrumento recursivo agora trazido pelo arguido Recorrente, é praticamente uma cópia / reprodução daquele que conduziu ao recurso interposto para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, aspeto que parece demonstrar que se pretende atingir / sindicar a decisão proferida em 1ª Instância, e não já a que se afirma ser o objeto do presente recurso.

Cumprirá, então, avaliar da bondade do caminho recursivamente trilhado.

*

a – admissibilidade do Recurso

Olhando ao todo decidido por via do Acórdão em questionamento, prolatado pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, e os argumentos revidendos trazidos pelo arguido recorrente, coloca-se, em primeira mão, a questão da recorribilidade daquele e sua extensão.

Visitando conjugadamente os normativos que encerram os artigos 432º, nº 1, alínea b)7 e 400º, nº 1, alíneas e) e f)8, ambos do CPPenal, suscitam-se claras dúvidas quanto à possibilidade de intervenção deste STJ relativamente a diversos segmentos recursivos apresentados pelo arguido recorrente.

Os preceitos em referência, pacificamente entendidos, delimitam que só é admissível o recurso para o STJ de acórdão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação, quando aquele aplique pena de prisão superior a 8 anos – alínea f) – e / ou quando estejam em causa penas superiores a 5 anos de prisão e não superiores a 8 anos de prisão e, cumulativamente, tal não resulte de confirmação da decisão de 1ª instância9.

Diga-se, também, que este balizamento abrange penas singulares aplicadas por força da prática de um único crime, penas impostas em concurso de crimes e relativas a cada um deles e penas únicas resultantes do concurso.

Importa, ainda, notar que em tal alinhamento não se exige que o Tribunal da Relação confirme na totalidade a decisão de 1ª Instância, cabendo todos os casos de uma mera divergência quantitativa, para menos, da medida da pena, a denominada confirmação in mellius10.

E, nesse desiderato, sempre se terá de concluir que, in casu, em tudo o que vá para além do quadro punitivo que não ultrapasse os 8 anos de prisão, visto o disposto nos artigos 400º, n.º 1, alínea f) e 432º, nº 1, alínea b), do CPPenal, o arresto em presença, prolatado pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa é irrecorrível pois confirma a condenação da 1ª Instância - princípios da dupla conforme condenatória e da legalidade11.

Cabe reter, igualmente, que este patamar de irrecorribilidade advinda da denominada dupla conforme, ao que se vem entendendo, estende-se à medida das penas e quaisquer outras questões de natureza jurídica às mesmas diretamente atinentes que no caso se pudessem colocar quanto a nulidades, inconstitucionalidades e vícios da decisão recorrida, outrossim aos princípios da presunção da inocência, do in dubio pro reo, da livre apreciação da prova e da culpabilidade e do ne bis in idem.

Acresce que vem sendo jurisprudência uniforme do STJ e do TC, também acolhida doutrinalmente, que esta linha de pensamento, por nenhuma forma, bule com as garantias de defesa do arguido, nomeadamente quanto ao direito ao recurso, constitucionalmente acolhido, pelo menos, num grau, o suficiente para assegurar o duplo grau de jurisdição, em respeito pelos ditames dos seus artigos 18º, 20º e 32º, que consagram o direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva e as garantias do processo criminal, e correspondentes instrumentos de direito internacional a que Portugal se encontra vinculado, designadamente a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (CEDH – artigo 2.º do Protocolo n.º 7), a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE – artigo 48º) e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP - artigo 14º, nº 5)12.

Na realidade, mostra-se inquestionável, que o artigo 32º, nº 1, da CRP, não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição, isto é, um duplo grau de recurso em relação a quaisquer decisões condenatórias.

Finalmente, sempre se diga que por força do plasmado no artigo 414º, nº 3 do CPPenal, a decisão de admissão do recurso e, bem assim, a fixação do seu efeito e regime de subida, pelo tribunal recorrido, são pronunciamentos que não vinculam o tribunal superior que pode rejeitar aquele e modificar o efeito e / ou o regime de subida13.

Partindo de todas estas premissas, atente-se, então, aos particulares desejos recursivos do arguido recorrente e à possibilidade de sobre os mesmos, haver total pronunciamento por banda deste STJ.

b - erro de julgamento (factos provados 1 a 16)

O arguido AA, neste particular matiz, praticamente repetindo todo o aduzido no recurso interposto para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa14, aponta para que nesta sede se proceda ao exame da matéria de facto dada como assente, em 1ª instância, a qual se manteve intocável no Acórdão em sindicância.

Nesta dimensão, diversas dificuldades despontam.

Primeiramente, ao pretender abranger-se, com este insurgimento, toda a factualidade integradora dos diversos ilícitos atribuídos ao arguido recorrente, de imediato ressalta que face ao referido em a., no que tange ao crime de incêndio, porque em causa uma pena de prisão inferior a 8 anos, é de rejeitar este segmento recursivo.

De outra banda, na tentativa de abalar o decido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, o arguido recorrente citando, analisando e ponderando diversos dados probatórios, tidos em conta no momento da prolação da decisão de 1ª Instância, vem denunciar a inexistência de prova do preenchimento dos elementos constitutivos dos crimes pelos quais foi condenado – (n)ão ficou provado em julgamento que o ora Recorrente tenha sido o autor material dos factos, que nega perentoriamente todos os factos da acusação15.

Para tanto, e em evidente reprodução, como se disse, do que já havia feito no recurso interposto da decisão tomada em 1ª Instância16, elenca uma série de razões, referindo diversos meios de prova e os cotejando de acordo com a sua visão.

Tal posicionamento, ao que se crê, demonstra que o arguido recorrente olvida que de acordo com o regime vigente, só os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, nos termos do estatuído no artigo 428º, do CPPenal, sendo que, como é pacífico, não está nos poderes de cognição do STJ tudo o que diga respeito à impugnação da matéria de facto nos moldes que ora se apresentam.

Diga-se, também, e como o arguido recorrente em jeito generalizado refere o (…) presente Recurso visa a reapreciação/ reexame da matéria de direito, sem esquecer as normas consignadas nos nºs 2 e 3 do artigo 410º do Código de Processo Penal (…), se é intento afirmar a existência dos vícios precavidos nas diversas alíneas do nº 2 do citado preceito, ao que se pensa, ante o quadro existente, igualmente não pode o STJ intervir.

Com efeito, e neste patamar, importa clamar, pela normação conjugada dos artigos 410º, 432º e 434º do CPPenal.

O primeiro, exibindo-se como norma de carácter geral, prescreve que sempre que a lei não restrinja a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida, ou seja, o recurso pode ter por fundamento aspetos de natureza adjetiva ou substantiva, que não sejam excluídos por lei e não se encontrem definitivamente resolvidos.

Acresce que, mesmo nos casos em que o recurso apenas se pode dirigir à matéria de direito, é possível intervenção nos matizes da existência de vícios decisórios expressos nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 410º do CPPenal, conquanto resultem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum e, bem assim, em casos de alguma nulidade que não deva considerar-se sanada.

Por seu turno, o segundo inciso apontado, como se anteviu, elenca as situações em que é possível o recurso para o STJ, indicando o artigo 434º do CPPenal que, nesta sede, apenas se pode intervir quanto à matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 432º, do diploma que se vem citando.

Nesse desiderato, e considerando o regime vigente advindo das alterações ao CPPenal, introduzidas pela Lei nº 94/2021, de 21/12, o recurso para o STJ, nos casos subsumíveis à previsão das alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 432º do CPPenal, visa-se exclusivamente o reexame da matéria de direito, a existência dos vícios decisórios ou a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.

Por outro lado, a literalidade da alínea b) do nº 1 do citado inciso legal, não referenciando que o recurso nela previsto se destina exclusivamente o reexame da matéria de direito, ou aos fundamentos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 410º do CPPenal, impõe a conclusão de que foi propósito do legislador excluir como fundamento dos recursos subsumíveis à sua previsão, o conhecimento dos vícios decisórios.

Ou seja, nos recursos cabíveis na alínea b) do nº 1 do artigo 432º do CPPenal, os recorrentes não podem invocar, como fundamento do recurso, a existência, no acórdão recorrido, de vícios decisórios, o que, em todo o caso, não impede o seu conhecimento oficioso.

Assim, tem sido posição unânime do STJ que, no regime em vigor, os vícios decisórios e as nulidades referenciados no artigo 410º, nºs 2 e 3 do CPPenal, só constituem alicerce recursivo para o STJ nos casos previstos na alínea a) – recurso de decisão da relação proferida em 1ª instância – e alínea c) – recurso per saltum de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo – do nº 1 do artigo 432º do mesmo complexo normativo, não sendo pois, nos termos da alínea b) do mesmo nº 1 admissível recurso para o STJ com os fundamentos previstos nos nºs 2 e 3 do dito artigo 410º, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios decisórios, quando a correta decisão de direito a proferir possa vir a ser afetada pela sua subsistência17.

Acresce que, in casu, para além do arguido recorrente não se deter a elucidar que vícios dentre os enunciados na normação em referência foram cometidos no aresto em análise, cotejando todo o decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, nada ressalta que desenhe algum deles.

Todo este posicionamento, mostra à exaustão que o arguido recorrente, por esta via, pretende que, mais uma vez, se sindique a decisão de 1ª Instância.

Ora, como se anunciou, tal não se mostra cabível no quadro normativo vigente.

Deste modo, sem outros considerandos, cai por terra este momento reativo, cumprindo rejeitar o mesmo.

*

c- nulidade do auto de reconhecimento

Novamente, reiterando a argumentação que levou ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, o arguido recorrente afirma o (…) auto de reconhecimento é nulo pois não contem as características de identificação do Recorrente18, crendo-se que o verdadeiro intento, face a todo o explicativo, é apontar para a nulidade do reconhecimento.

De imediato, diga-se, que suscitada esta questão junto do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, foi a mesma basta e suficientemente tratada – (…) a autoridade policial diligenciou por obter a identidade completa da pessoa indicada, o que logrou até por o mesmo constar nas bases de dados daquela policia, como suspeito, em autos de noticia, por outros factos, juntos ao processo a fl. 302 a 305, e do então Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, (SEF) atual Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) dada a indicação de que se traria de cidadão brasileiro (…) as testemunhas BB, CC e DD, não tiveram dúvidas, em identificar o arguido como a pessoa que conheceram na madrugada de 14.05.2023, e que lhes veiculou ser o autor do incêndio e homicídio das vítimas (…) tendo narrado o que aquele lhes contou, com os pormenores de como aquele procedeu, o que fizeram sem margem para dúvida (…) as testemunhas não procederam a qualquer reconhecimento, mas a uma identificação do arguido, por ser a pessoa que conheceram na data de 14.05.2023, de madrugada, no Parque junto das Piscinas da ... (…) conforme depoimento destas testemunhas, já no próprio dia - 14.05.2023- e no dia seguinte haviam feito chegar a informação à autoridade policial, não apenas da descrição do arguido, como ainda a sua fotografia, onde os seus traços distintivos se evidenciam, (os quais sejam ter uma verruga ou sinal perto da boca, ter uma cruz tatuada por baixo de um olho, na data ter “barbicha ou pera”), uma vez que o arguido lhes deu o seu perfil de Facebook de onde constava a fotografia e o seu nome AA, - (com o qual o arguido foi confrontado em audiência de julgamento e reconheceu como sendo o sua a fotografia e ser aquele o seu perfil, bem como as fotografias da sua família) - para o seguirem (…) o contato destas três testemunhas com o arguido, desconhecidos entre si, não foi fugaz, bem pelo contrário, o arguido esteve à fala com as três testemunhas, na madrugada de 14.05.2024, durante um período, entre 30 minutos a 1 hora, durante o qual aquele esteve a fumar, tabaco, que lhes pediu, e a conversar sobre si e de ter andado à procura de um local para dormir, tendo encontrado um sitio abandonado, que lhes descreveu, bem assim como acedeu ao seu interior, o que ali encontrou, ao qual deitou fogo, e onde estariam a pernoitar, duas pessoas, que impediu de sair, (apresentando-se o arguido com vestígios de fumo e ) por reputar serem ladrões (…) o arguido ainda ensinou as testemunhas como acender um fogo prolongado (…) ainda que o recorrente tenha tentado impugnar o reconhecimento efetuado, em audiência de discussão e julgamento, nos termos do nº 2, do artigo 355º, e nº 2, al. b) do artigo 356º, ambos do C.P.P questionando a respeito dos traços fisionómicos do recorrente, as testemunhas foram certas e inequívocas em os indicar, os quais se evidenciam na fotografia que entregaram à autoridade policial, e que constituem traços identificativos do arguido, que permitiram chegar à sua fotografia, com recurso ao nome do seu perfil social por ele fornecido, e efetuar o seu reconhecimento, inequívoco, nos autos, e a sua identificação em audiência de discussão e julgamento (…) o reconhecimento do arguido, nestes autos, haverá de ter-se por válido, pois de nenhum vicio padece, pois que, melhor descrição não há do que o fornecimento de uma fotografia do identificando pelas pessoas que irão efetuar a identificação e que foi seguido de reconhecimento pessoal, do autor dos factos (…) dúvidas não há que a pessoa reconhecida nos autos de reconhecimento foi o arguido, conforme fotografia do mesmo entregue pelas pessoas que deviam efetuar e efetuaram o seu reconhecimento, pessoal, depois de preso, de onde se evidenciam os seus traços caraterísticos, já presentes na fotografia do arguido – não padecendo a mesma da menor fragilidade e / ou inconsistência, a reclamar qualquer intervenção deste Alto Tribunal.

Aliás, tanto assim é que o arguido recorrente, nunca se reportando ao Acórdão objeto do presente recurso, limita-se a repetir todo o argumentário trazido à 2ª Instância, envergando a conclusão Z), quase a totalidade do texto da conclusão GG)19 do recurso interposto para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.

Por seu turno, e como o notado em a., a matéria respeitante ao crime de incêndio, não pode ser objeto de nova apreciação.

Acresce, propondo-se este caminho de questionamento, atingir a matéria dada como assente, repescando todo o explicativo realizado em b., não pode o STJ aqui intervir.

Faceando, este invocativo é de rejeitar.

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d - violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo

Repisando, o arguido recorrente alega em tom majestático (…) o Tribunal “a quo”, ao decidir como decidiu, violou o disposto nos artigos 125º, 126º, 127º, 128º, 355º do CPP e ainda o artigo 32º do CRP, e ainda violou o princípio do in dúbio pro reu (…).

O primeiro dos enunciados tem especial expressão no inciso que constitui o artigo 127º do CPPenal.

Este princípio surgido em França, em 1791, com o sistema de júri e mais tarde inscrito no artigo 342º do Code D’Instruction Criminelle de 1808 - em Portugal o sistema da prova livre fez o seu aparecimento nas Reformas Judiciárias da primeira metade do séc. XIX (1832, 1836 e 1841) advindas da revolução liberal, onde se passou a entender que o do júri se deveria pronunciar sobre as provas «não escutando senão os ditames da (…) consciência e íntima convicção» -, visando combater a possibilidade de existência de decisões injustas por força da mero uso de provas tabelares e / ou tarifadas, apresenta-se como vinculado ao princípio da descoberta da verdade material, permitindo ao juiz um campo de discricionariedade na apreciação e meditação a respeito das provas atendíveis que sustentam uma decisão.

Ou seja, o valor e a força dos meios de prova não podem ser corretamente aferidos a priori, com o caráter de generalidade próprio dos critérios legais, mas só o devem ser com especial atenção às circunstâncias concretas do caso.

No fundo, por via desta máxima – proof beyond any resonable doubt - pretende-se garantir a condenação de alguém apenas quando se mostre a certeza da sua culpabilidade e, nessa medida, para o demonstrar, reclama-se que o tribunal identificando, apontando e detalhando quais as provas de que se socorreu, concretize fundadamente as características que delas despontaram e assolaram no sentido de confirmar ou infirmar determinada factualidade.

Em suma, este princípio impõe que a análise e valoração da prova não seja baseada numa operação puramente subjetiva, emocional, imotivável, impulsiva, mas antes decorrente de um percurso racional, arrazoado e crítico, assente em regras da lógica, da razão, da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objetivar a apreciação dos factos20.

Partindo de todos estes considerandos, concatenando-os com todo o veredito em discussão – reitera-se o que está em causa é o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa - e, bem assim, com a peça de recurso, para além de não se retirar qualquer atentado ao princípio aqui em referência, estando o mesmo ligado à apreciação da matéria de facto, reportando a todo o vertido em supra b., está vedado ao STJ o conhecimento deste segmento.

Exulta, ainda, e mais uma vez decorrente da discordância do que foi entendido dar como provado pelo tribunal recorrido, que o arguido recorrente vem fazer a invocação do princípio do in dubio pro reo enquanto princípio alegadamente violado.

Tal máxima constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova – aqui também dito como afetado, como se viu supra – pois impõe uma orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos que leva o tribunal a decidir em favor do reo, sendo que tal dúvida tem que envergar forma que impeça a convicção do tribunal.

Ao que emerge, não se revela nos autos que a aplicação deste princípio se imponha, pois, que avaliada a prova segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não ressaltou qualquer dúvida no espírito do tribunal a quo sobre a existência dos factos - quer na primeira instância, quer no Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.

Efetivamente, de tudo quanto é percetível, não resulta que se tenham dado como provados factos como tal especificados, havendo dúvidas sobre a verificação de algum ou alguns deles, e, por outro lado, do escrito na decisão revidenda, conjugado com as regras da experiência comum, nada ressalta indicando que outra deveria ter sido a decisão sobre a matéria de facto.

Na verdade, todo o elenco factual de onde sobressai a decisão, é claro / evidente / seguro.

Ponderando toda a matéria descrita como assente e o suporte da mesma, não subsiste / exala qualquer dúvida, podendo afirmar-se que o tribunal, numa apreciação positiva sobre o acontecer naturalístico, formulou um juízo muito para além da dúvida razoável.

O princípio in dubio pro reo, tem como suporte a dúvida, como essência a dúvida e visa proteger qualquer decisão judicial que padeça de segurança e concretização por falha de uma firme certeza do julgador21.

Fazer operar esta proposição pressupõe um juízo positivo de dúvida resultante de um inultrapassável impasse probatório. O que não ocorre no caso presente nem tal se demonstra de modo densificado no recurso do arguido recorrente – reitera-se que o que se faz é apresentar uma leitura / visão / compreensão diferente do posicionamento assumido pelo tribunal.

Pensa-se que foram valorados os meios de prova de acordo com a experiência comum e com critérios objetivos que permitem estabelecer um suporte racional de fundamentação e convicção, não surgindo beliscado o retrato factual apurado pelo tribunal recorrido, perante a argumentação do arguido recorrente face à correta / linear / sistematizada fundamentação exibida, que mais não fez do que usar o princípio da livre apreciação da prova que, in casu, se pensa adequado e verosímil.

Limitar a alegação, neste segmento, à existência de uma violação do brocardo em análise, sem qualquer ancoradouro sólido e densificado é um exercício algo frágil.

Aliás o tribunal recorrido, leia-se o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, mostra-se até muito assertivo nesta dimensão – (…) remetendo-nos para a motivação da matéria de facto, do Acórdão recorrido, somos a constatar que o julgador justificou, racional e logicamente, a opção que fez quanto à valoração dos meios de prova e atribuiu-lhes relevo probatório de uma forma também racionalmente justificada, com apelo às regras da lógica e da experiência comum (…) raciocínio para a fundamentação da matéria de facto não se deparou com qualquer dúvida insanável sobre a verificação da factualidade dada como provada (atenta a motivação acima transcrita e as considerações expendidas sobre a consistência e plausibilidade dessa motivação) nem se evidencia qualquer possibilidade de que a prova legitimamente conduzisse o julgador a uma dúvida razoável e insuperável quanto à sua verificação (…).

Por seu turno, em remate essencial, diga-se, como atrás se afirmou – a. e b. - no que tange ao crime de incêndio está vedada a intervenção deste STJ, e quanto aos homicídios, por esta alegação se prender diretamente com a matéria de facto, o mesmo se retira.

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e - pena única – sua dosimetria, proporcionalidade, adequação e justeza

Traçando linha reativa que parece apontar para alguma contradição / inconsistência, o arguido recorrente, afirmando que não se provaram os factos que se lhe apontam e integradores dos crimes pelos quais foi condenado, apelando à utilização do princípio in dubio pro reo, vem defender que se lhe imponha (…) em cúmulo, numa pena máxima inferior à pena máxima ao qual foi o mesmo foi condenado22.

Ora, defendendo-se que não há prova bastante que sustente a materialidade dada como assente, no que tange aos crimes pelos quais foi condenado, considera inexistir base para configuração de qualquer crime e, nessa medida, não faz o menor sentido falar em pena, nem aventar qualquer intervenção recursiva neste segmento.

Falhando o pressuposto necessário para imposição de uma sanção, naturalmente que não haverá que extrair quaisquer consequências jurídicas de crime, como seja a pena.

Conquanto, e ainda assim, um debruce a respeito deste cambiante.

Olhando o processado, mormente todo o sucedido na sequência da prolação da decisão do Tribunal de 1ª Instância, o arguido recorrente, pretendendo abalar o que foi considerado como provado em sede de 1ª Instância, ou seja, os factos que se lhe imputam, nunca, por nenhuma forma, colocou em crise a pena que ali lhe fora imposta, sendo que apenas pugnou pela sua absolvição.

Nessa medida, não suscitando junto do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa essa dimensão, trata-se de inovatória posição, a submeter à apreciação deste STJ, um aspeto que não levou à ponderação daquele Tribunal.

Sendo certo que pode o recurso ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida, por norma, não pode o mesmo ter outros que, por opção do recorrente foram excluídos do conhecimento na decisão em apreciação.

Ao que se pensa, em recurso, o que se decide são questões específicas, delimitadas e concretas que tenham já sido objeto de decisão anterior pelo tribunal a quo e que o interessado pretende ver reapreciadas / reavaliadas pois, o objeto do recurso ordinário é apenas e só a sindicância da decisão impugnada, constituindo um remédio processual que permite a reapreciação, por um tribunal superior de questões que a decisão recorrida apreciou ou deveria ter conhecido e decidido23.

No julgamento do recurso não se decide, com rigor, uma causa, mas apenas questões específicas e delimitadas, que tenham sido objeto de decisão anterior pelo tribunal recorrido.

Ou seja, o recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, ao que se pensa, apenas pode ter como objeto questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que sejam de conhecimento oficioso.

Na verdade, a via recursiva não existe para criar e emitir decisões novas sobre questões novas, mas sim impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do Tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o Tribunal a quo no momento em que a proferiu.

Faceando, entende-se que não tendo o arguido recorrente, nem sequer subsidiariamente, colocado esta questão à apreciação e decisão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, tal vertente está completamente fora dos poderes de cognição do STJ.

Na realidade, o tribunal de recurso somente pode conhecer das questões de que o tribunal recorrido conheceu ou de que devesse ter conhecido de acordo com as regras que delimitam os seus poderes de cognição, o que, como se viu, não é aqui o caso24.

Deste modo, sem necessidade de outros considerandos, improcede este mote recursivo.

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f -absolvição do pedido cível

Por último uma menção a este aspeto relativo ao pedido cível.

O arguido recorrente, sem o menor suporte argumentativo, limita-se a concluir (…) e bem assim ser absolvido do pagamento da indemnização a que foi condenado.

Retira-se com clareza que tal condenação se suportou no cometimento de um crime, assentando o seu justificativo legal no plasmado nos artigos 129º do CPenal e 71º do CPPenal.

De outro lado, ao que se pensa, este pedido do arguido recorrente parte do pressuposto de que o mesmo entende que deveria ser absolvido da vertente criminal em que fora condenado.

Mantendo-se toda a condenação crime do arguido recorrente e nada se alegando, demonstrando e vislumbrando que o decidido neste conspecto – parte cível - padeça de alguma deficiência, nenhuma intervenção há a fazer nesta sede, sendo tal de improceder.

III - Dispositivo

Nestes termos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça em:

a. Rejeitar, parcialmente, por inadmissibilidade legal, o recurso interposto pelo arguido AA, em conformidade com o conjugadamente disposto nos artigos 400º, nº 1, alíneas e) e f), 414º, nºs 2 e 3, 420º, nº 1, alínea b), e 432º, nº 1, alínea b), e 434º, todos do CPPenal, e relativamente aos segmentos analisados e nos termos expostos, respeitantes aos pontos a, b, c, e d;

b. Julgar, no mais, improcedente o recurso do arguido AA, confirmando-se a decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.

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Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a Taxa de Justiça em 6 (seis) UC - artigo 513º do CPPenal e artigo 8º, por referência à Tabela III Anexa, do RCP.

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Comunique de IMEDIATO, enviando cópia do presente acórdão.

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O Acórdão foi processado em computador e elaborado e revisto integralmente pelo Relator (artigo 94º, nº 2, do CPPenal), sendo assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.

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Supremo Tribunal de Justiça, 5 de março de 2025

Carlos de Campos Lobo (Relator)

Antero Luís (1º Adjunto)

Horácio Correia Pinto (2º Adjunto)

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1. Doravante AA.

2. Consigna-se que apenas se transcrevem as partes do texto que constituem todo o posicionamento assumido.

3. Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.

4. SILVA, Germano Marques da, Direito Processual Penal Português, vol. 3, 2015, Universidade Católica Editora, p.335; SIMAS SANTOS, Manuel e LEAL-HENRIQUES, Manuel, Recursos Penais, 8ª edição, 2011, Rei dos Livros, p.113.

5. Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do STJ, de 12/09/2007, proferido no Processo nº 07P2583, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria, disponível em www.dgsi.pt.

6. Consigna-se que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa manteve intacta toda a materialidade vinda da 1ª Instância.

7. Artigo 432.º

  Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça

  1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

  a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º;

  b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;

  c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º;

  d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.

  2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º

8. Artigo 400.º

  Decisões que não admitem recurso

  1 - Não é admissível recurso:

  a) De despachos de mero expediente;

  b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal;

  c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo, exceto nos casos em que, inovadoramente, apliquem medidas de coação ou de garantia patrimonial, quando em 1.ª instância tenha sido decidido não aplicar qualquer medida para além da prevista no artigo 196.º;

  d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, exceto no caso de decisão condenatória em 1.ª instância em pena de prisão superior a 5 anos;

  e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância;

  f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;

  g) Nos demais casos previstos na lei.

  2 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.

  3 - Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil.

9. Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STJ, de 02/05/2024, proferido no Processo nº 4315/21.6JAPRT.P1.S1V – (…) Da conjugação dos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, al. e) e f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP resulta que só é admissível recurso de acórdãos das relações, proferidos em recurso, que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão, penas superiores a 5 anos e não superiores a 8 anos de prisão em caso de não confirmação da decisão da 1.ª instância e penas não privativas da liberdade ou penas de prisão não superiores a 5 anos em casos de absolvição em 1.ª instância (…) este regime efetiva, de forma adequada, a garantia do duplo grau de jurisdição, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. , disponível em www.dgsi.pt..

10. Parecer do Digno Mº Pº junto deste STJ.

11. Neste sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 232/2018, de 02/05/2018, proferido no Processo nº 1291/2017 – (…) não julgar inconstitucional a norma contida nos artigos 400.º, n.º 1, alínea f), e 432.º, n.º 1 alínea b), do Código de Processo Penal, interpretados no sentido da irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões dos tribunais da relação que, sendo proferidas em recurso, tenham aplicado pena de prisão não superior a oito anos e inferior à que foi aplicada pelo tribunal de primeira instância (…) -, os Acórdãos do STJ, de 11/09/2024, proferido no Processo nº 189/19.5JELSB.L1.S1, de 20/03/2024, proferido no Processo nº 266/21.2JAVRL.C3.S1 – (…) Quanto à pena individual aplicada (…)há dupla conforme, isto é, houve um duplo juízo condenatório, inclusive quanto às questões que coloca no recurso para o STJ sobre esse mesmo crime (uma vez que a Relação, quando conheceu do recurso que o recorrente apresentou da decisão da 1ª instância, para além de ter apreciado as mesmas questões que já ali haviam sido colocadas (…) inclusivamente baixou a pena aplicada pela 1ª instância (…) . Esse juízo confirmativo (que abrange a confirmação in mellius pela Relação) garante o duplo grau de jurisdição consagrado pelo art. 32.º, n.º 1, da CRP, não havendo, assim, violação do direito ao recurso, nem tão pouco dos direitos de defesa do arguido (arts. 32.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1, da CRP) (…) face ao disposto nos arts. 400.º, n.º 1, al. f) e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, o acórdão do Tribunal da Relação é irrecorrível nessa parte (…) em que confirmou a condenação da 1ª Instância (princípios da dupla conforme condenatória e da legalidade), tendo-se tornado definitivo (…) o disposto no art. 400.º n.º 1, als. e) e f) do CPP, a não admissibilidade do recurso vale separadamente para as penas parcelares e para a pena conjunta, podendo acontecer que não sejam recorríveis algumas das penas individuais (…) mas já o sejam outras (…) e mesmo com a pena única -, de 29/02/2024, proferido no Processo nº 9153/21.3T8LSB.L1.S1 – (…) O elemento central da norma contida no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, que define a não recorribilidade e os critérios da dupla conformidade decisória é a confirmação, integral ou in mellius, da decisão recorrida (…) O art. 432.º, n.º 1, do CPP dispõe que se pode recorrer para o STJ das decisões proferidas em recurso que não sejam irrecorríveis nos termos do art. 400.º, o que será o caso das decisões das Relações, entre outras (como o caso da confirmação condenatória) mas que confirmem pena superior a 8 anos de prisão- art. 400.º, n.º 1, al. f), a contrario e quando em recurso agravem decisão condenatória da 1.ª instância em pena de prisão (parcelar ou única) superior a 5 anos(…)-, de 19/01/2023, proferido no Processo nº 151/16.0JAPTM.E1.S1 – (…) Tendo a Relação reduzido a pena imposta pela 1ª instância e aplicado ao recorrente a pena única de 7 anos 10 meses de prisão, a irrecorribilidade para o STJ estende-se a toda a decisão e, tal como assinalado no ac. do TC n.º 186/2013, abrange “todas as questões relativas à atividade decisória que subjaz e conduziu à condenação” (…) as questões suscitadas no recurso da decisão da 1ª instância, foram decididas definitivamente pela Relação, atenta a pena única (inferior a 8 anos de prisão – art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP) aplicada ao recorrente, que foi objeto de dupla conforme (que, no caso, inclui a confirmação in mellius), não sendo admissível recurso para o STJ, razão pela qual é o mesmo de rejeitar, não vinculando este tribunal a admissão do recurso pela Relação (art. 414.º, n.º 3, do CPP) -, de 10/11/2022, proferido no Processo nº 386/19.3JAPDL.L2.S1 – (…) os acórdãos proferidos na Relação que confirmem decisão da 1.ª instância e que apliquem pena de prisão inferior a 8 anos são considerados definitivos. E, para saber da admissibilidade (ou não) do recurso, ter-se-á de analisar não só a pena única conjunta atribuída ao concurso de crimes, mas também as penas parcelares atribuídas a cada um dos crimes que integram o concurso (…) Apenas é admissível o recurso de uma decisão do Tribunal da Relação relativamente aos crimes aos quais se tenha aplicado pena de prisão superior a 5 anos e não superior a 8 anos quando não haja “dupla conforme”, e de uma decisão da Relação relativamente a todos os crimes cuja pena seja superior 8 anos, ainda que haja “dupla conforme” (…) Tem sido jurisprudência uniforme deste Tribunal o entendimento de que uma confirmação in mellius da condenação em primeira instância cabe ainda dentro do conceito de dupla conforme pressuposto pelo art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP -, de 29/09/2022, proferido no Processo nº 264/18.3PKLRS.L1.S1 – (…)Apenas é admissível o recurso de uma decisão do Tribunal da Relação relativamente aos crimes aos quais se tenha aplicado pena de prisão superior a 5 anos e não superior a 8 anos quando não haja “dupla conforme”, e de uma decisão da Relação relativamente a todos os crimes cuja pena seja superior 8 anos, ainda que haja “dupla conforme” (…) Os arguidos foram condenados em diversos crimes com penas inferiores a 8 anos de prisão, pelo que relativamente a estes, por força do disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, sem prejuízo da possibilidade de verificação da existência (ou não) dos pressupostos para que se conclua pela existência de um concurso de crimes, não é admissível o recurso para este Supremo Tribunal de Justiça; isto para além de não ser admissível recurso de decisões do Tribunal da Relação que apliquem penas não superiores a 5 anos de prisão, não tendo havido absolvição na 1.ª instância [cf. art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP] -, de 29/10/2021, proferido no Processo nº 65/16.3GBSLV.E1.S1 – (…) É admissível o recurso de uma decisão do Tribunal da Relação relativamente aos crimes aos quais se tenha aplicado pena de prisão superior a 5 anos e não superior a 8 anos quando não haja “dupla conforme”, e de uma decisão da Relação relativamente a todos os crimes cuja pena seja superior 8 anos, ainda que haja “dupla conforme” (…) No que se refere ao arguido BB as penas que lhe foram aplicadas em 1.ª instância e depois confirmadas pelo Tribunal da Relação são todas inferiores a 8 anos de prisão, pelo que é inadmissível o recurso para este Tribunal, por força do disposto nos arts. 432.º, n.º 1, al. b), e 400.º, n.º 1, al. f), ambos do CPP (…) O acórdão do Tribunal da Relação constitui um acórdão condenatório, que confirmou (…) in mellius a condenação anterior do arguido (…) em pena inferior a 8 anos de prisão, pelo que (por força do disposto no art. 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, articulado com o art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP) deve o recurso ser rejeitado por inadmissibilidade, ainda, a Decisão Sumária do STJ, de 26/02/2014, proferida no Processo nº 851/08.8TAVCT.G1.S1 – (…) Nos termos da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, não têm recurso para o STJ os acórdãos das Relações, proferidos em recurso, que confirmem decisão da 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos (…) é jurisprudência uniforme do STJ, a confirmação não significa nem exige a coincidência entre as duas decisões. Pressupõe apenas a identidade essencial entre as mesmas, como tal devendo entender-se a manutenção da condenação do arguido, no quadro da mesma qualificação jurídica, e tomando como suporte a mesma matéria de facto (…) A confirmação da condenação admite, assim, a redução da pena pelo tribunal superior; ou seja, haverá confirmação quando, mantendo-se a decisão condenatória, a pena é atenuada, assim se beneficiando o condenado. Por identidade ou maioria de razão abrange qualquer benefício em sede de penas acessórias, efeitos das penas ou quanto à perda de instrumentos, produtos ou vantagens do crime. É a chamada confirmação in mellius – todos disponíveis em www.dgsi.pt.

12. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 04/07/2024, proferido no Processo nº 432/20.8JAVRL.G1.S1, de 11/09/2024, proferido no Processo nº 185/22.5JACBR.C1.S1 - (…) Tendo o Tribunal da Relação confirmado a decisão do tribunal coletivo da primeira instância só é admissível recurso (…) relativamente à medida da pena única de 15 anos em que foi condenado o arguido, dado nenhuma das penas parcelares aplicadas ser superior a 8 anos de prisão, pelo que todas as questões com estas (e com os respetivos crimes) conexas, de natureza processual e substantiva, terão de ficar excluídas (…) -, de 24/04)2024, proferido no Processo nº 2634/17.5T9LSB.L1.S1 – (…) Essa irrecorribilidade decorrente da designada “dupla conforme” abrange a medida das penas e quaisquer outras questões de natureza jurídica às mesmas direta e exclusivamente atinentes que no caso se pudessem colocar quanto à violação dos princípios da livre apreciação da prova, do in dubio pro reo, da presunção da inocência, dos vícios e nulidade do acórdão e do reenvio do processo à 1ª instância para novo julgamento (…) após a entrada em vigor da atual redação dos artigos 432º e 434º do CPP, introduzida pela Lei n.º 94/21, de 21.12, os recursos interpostos para o STJ “de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º”, previstos na al. b) do n.º 1 daquele primeiro preceito, não podem ter como fundamento os vícios e nulidades referidas no artigo 410º, n.ºs 2 e 3, do mesmo diploma legal (…) -, de 11/94/2024, proferido no Processo nº 199/22.5JACBR.C1.S1– (…) É entendimento pacífico do STJ que a irrecorribilidade de uma decisão resultante da dupla conforme, impede este tribunal de conhecer de todas as questões conexas, adjectivas e substantivas, que lhe digam respeito, designadamente, as respectivas nulidades, os vícios decisórios, as invalidades e proibições de prova, a livre apreciação da prova, o pro reo, a qualificação jurídica dos factos, a determinação da medida da pena singular e inconstitucionalidades suscitadas neste âmbito (…) o acórdão da Relação, confirmado, quanto aos factos e sua qualificação, a decisão da 1.ª instância, bem como as penas parcelares – de 3 anos e 6 meses de prisão e 7 anos e 6 meses de prisão – e a pena única – de 9 anos de prisão – aplicadas ao recorrente, a verificação da dupla conforme determina, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 399.º, 400.º, n.º 1, al. f) e 432.º, n.º 1, al. b), todos do CPP, que os poderes de cognição do STJ, no recurso interposto, estão limitados ao cúmulo jurídico, e à medida da pena única (…) -, de 20/20/2022, proferido no Processo nº 1991/18.0GLSNT.L1.S1- (…) Constitui jurisprudência sedimentada do STJ, que o recurso não só não é admissível quanto às penas propriamente ditas não superiores a 8 anos de prisão, como também em relação a todas as questões com elas (e com os respetivos crimes) conexas, colocadas a montante, como as nulidades, mormente de prova por valoração proibida, inconstitucionalidades, qualificação jurídica dos factos ou forma do seu cometimento, ainda a Decisão Sumária, de 12/01/2023, proferida no Processo nº57/20.2PGALM.L1.S1 (…) Constitui jurisprudência sedimentada do STJ, que o recurso para este tribunal não só não é admissível quanto às penas propriamente ditas não superiores a 8 anos de prisão, como também em relação a todas as questões processuais e de substância com elas conexas colocadas a montante que digam respeito a essa decisão, tais como, as relativas às nulidades, vícios indicados no art. 410.º do CPP, à apreciação da prova, incluindo o respeito da livre apreciação da prova e do princípio in dúbio pro reo, à qualificação jurídica dos factos e à determinação da medida da pena. (…) Esta interpretação que o STJ faz da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, não foi julgada inconstitucional pelo TC, no seu acórdão n.º 186/2013, decidido em Plenário (…), todos disponíveis em www.dgsi.pt.

13. Neste sentido, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, p. 1126.

14. Atente-se que as conclusões A), C), J), K), L), M), N), P), Q), R), S), T), U), V), W), X), AA), CC), EE), FF), HH), II), JJ), KK) e LL), são a repetição total das conclusões expressas no recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, correspondendo, respetivamente, ás alíneas A), N), O), P), Q), R), W), X), Y), Z), AA), BB), CC), DD), EE), HH), II), KK), LL), OO), PP), QQ), RR), SS), sendo que tal se mostra ainda mais visível, quando havendo lapsos de escrita, nas alíneas CC) – nunca poderia ter sido o autos de tais crimes – e EE) – por força dos bom beiros -, do presente instrumento recursivo, estes são precisamente os mesmos que constam das correspondentes alíneas II) e KK) do recurso dirigido ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.

Acresce que a conclusão O), do recurso em exame, é a reprodução textual das conclusões S), T), U) e V) constantes do recurso interposto para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.

15. Conclusão D).

16. Cf. nota 14.

17. Neste sentido, entre outros, os Acórdão do STJ, de 31/10/2024, proferido no Processo n.º 18/18.7GTCBR.C1.S1 - (…) nos recursos previstos na referida al. b), não pode o recorrente invocar, como seu fundamento, a existência na decisão recorrida, de vícios decisórios, o que, em todo o caso, não impede o seu conhecimento oficioso, como é entendimento consolidado deste STJ (…) -, de 29/02/2024, proferido no Processo n.º 9153/21.3T8LSB.L1.S1 - (…) Nestes casos, e porquanto a Lei 94/2021, de 21-12 não aditou expressamente (podendo tê-lo feito, se fosse essa a intenção do legislador) à parte final da al. b) o n.º 1 do art. 432.º a referência aos “fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do art. 410.º do CPP”, diferentemente do que sucedeu expressamente com as als. a) e c) do mesmo preceito, não pode o recurso, nos seus fundamentos, convocar no todo ou em parte, os vícios ali aludidos nesse art. 410.º, n.os 2 e 3, do CPP (…) -, de 08/11/2023, proferido no Processo nº 52/18.7GBSLV.E2.S1 – (…)poderes de cognição do STJ, definidos no art. 434.º do CPP, que visam exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do art. 432.º, o que significa que o recurso para o STJ é um recurso de revista, ainda que ampliado, ao contrário do que sucede com o recurso para a Relação que é um recurso de apelação, que conhece de facto e de direito (art. 428.º CPP) – e de 01/03/2023, proferido no Processo nº 589/15.0JABRG.G2.S1 – (…) Com a alteração operada pela Lei n.º 94/2021 de 21712, que entrou em vigor um 21 de março de 2022, os erros-vicio e a nulidades previstos e referidas no artigo 410 n.ºs 2 e 3, do CPP podem legitimar recurso para o Supremo Tribunal de Justiça mas apenas de decisão da Relação proferida em 1ª instância (portanto, em recurso em 1º grau para o Supremo, em que poderá/deverá conhecer de facto e de direito) e no recurso per saltum, de acórdão de tribunal do júri ou coletivo de 1ª instância contanto tenha aplicado pena de prisão em medida superior a 5 anos.Com fundamento nos referidos erros-vicio e nulidades não sanadas, não se admite recurso de acórdãos da Relação, tirados em recurso (…), todos disponíveis em www.dgsi.pt.

18. Conclusão Z.

19. Apenas se eliminou a expressão Face ao exposto, também dúvidas não restam que (…).

20. Neste sentido, Acórdão do Tribunal Constitucional, nº 1165/96, de 19/11/1996, proferido no Processo nº 142/96, disponível em www.dgsi. pt.

21. Neste sentido o Acórdão do STJ de 25/10/2007, proferido no processo 07P3170, disponível em www.dgsi.pt.

22. Conclusão MM).

23. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 22/09/2021, proferido no Processo nº 797/14.0TAPTM.E2.S1 - (…) o objeto do recurso ordinário é a sindicância da decisão impugnada, constituindo um remédio processual que permite a reapreciação, por um tribunal superior das questões que a decisão recorrida apreciou ou deveria ter conhecido e decidido (…) No julgamento do recurso não se decide, com rigor, uma causa, mas apenas questões específicas e delimitadas, que tenham sido objeto de decisão anterior pelo tribunal recorrido (…) A suscitação, em recurso, de uma questão nova, que foi não foi apresentada ao tribunal recorrido, afronta o princípio da lealdade processual que deve ser observado por todos os sujeitos processuais, de 9/04/2015, proferido no Processo nº 353/13.0PAPNI.L1.S1 – (…) O STJ não pode apreciar questão que não tenha sido suscitada perante a Relação, na medida em que os recursos servem apenas para reexaminar as decisões tomadas pelas instâncias e não para apreciar questões novas, de 04/12/2008, proferido no Processo nº 08P2507 – (…) - Os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu (…) Sendo os recursos meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais, e não meio de obter decisões novas, não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido (…) O tribunal superior, visando apenas a reapreciação de questões colocadas anteriormente e não de outras novas, não pode conhecer de argumentos ou fundamentos que não foram presentes ao tribunal de que se recorre (…) os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a obter decisões ex novo sobre questões não colocadas ao tribunal a quo, mas sim a obter o reexame das decisões tomadas sobre pontos questionados, procurando obter o cumprimento da lei, disponíveis em www.dgsi.pt.

24. Neste sentido, o Acórdão do STJ, de 07/06/2023, proferido no Processo nº 918/18.4JALRA.E1.S1 – (…) o arguido não recorre de questão que tivesse colocado à apreciação do TRE, ainda que o fizesse subsidiariamente, pelo que tal matéria está fora dos poderes de cognição do STJ, pois o tribunal de recurso apenas pode conhecer das questões de que o tribunal recorrido conheceu ou de que devesse ter conhecido de acordo com as regras que delimitam os seus poderes de cognição (…) De acordo com o entendimento consensual do STJ, não podia o recorrente vir agora, em recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, pretender impugnar a pena única aplicada em 1ª instância e não apreciada no acórdão do Tribunal da Relação ora recorrido, porque no recurso interposto para aquele tribunal o arguido não impugnou a decisão de 1ª instância sobre a pena única. A não ser assim, estar-se-ia a abrir a porta ao julgamento de uma questão nova, em vez de indagar da legalidade da decisão proferida pelo Tribunal da Relação – disponível em www.dgsi.pt.