I - A envergadura sumária e ágil da decisão a proferir em habeas corpus apenas demanda que se apure se a razão que levou à privação da liberdade tem ou não amparo/acalento/suporte na lei.
II - Desse modo, nessa ponderação/análise não há que entrar no domínio processual, no enredo do processo, e no acerto ou desacerto das decisões que ordenaram ou mantiveram o direito, se aquelas interpretaram cabalmente o normativo vigente pois, tanto quanto se pensa, toda essa tutela/proteção/apreciação cabe e deve ser feita utilizando os mecanismos ordinários de reação.
III - Estando o requerente detido nos Países Baixos, sob a alçada das autoridades daquele Reino, em consequência de emissão de mandado de detenção europeu, ao abrigo do regime consagrado na Lei n.º 65/2003, de 23-08, é claro que aquele está efetivamente detido à ordem da autoridade judiciária dos Países Baixos a quem compete a execução do MDE.
IV - Assim, há que chamar à colação o âmbito/dimensão da aplicação espacial do direito processual penal português que, tanto quanto se entende, assenta na ideia de que a jurisdição penal se contém estritamente dentro dos limites do Estado, neste sentido valendo o princípio da territorialidade.
V - Nas relações entre a jurisdição penal nacional e uma estrangeira, os atos processuais pertencentes a uma não são obrigatórios para a outra, pelo que no domínio da execução de um mandado de detenção europeu, a autoridade judiciária do Estado emissor não tem o domínio dos pressupostos de facto e de direito que possam ser considerados pela autoridade do Estado de execução, não lhe competindo, por isso, ajuizar/avaliar/controlar os procedimentos adotados pela autoridade do Estado de execução sob pena de violação do princípio supra apontado.
VI - Face a tal, o alicerce trazido pelo requerente de que a sua detenção é ilegal porque sustentada em MDE que é supostamente nulo por desrespeitar exigências expressas no diploma que o regula deveria e deverá ser apresentado no domínio do próprio mandado de detenção europeu, não surgindo o expediente usado como o meio/instrumento adequado para o conhecimento e apreciação do que se invoca.
VII - Seguir a linha pugnada pelo requerente levaria a considerar que os tribunais portugueses podem interferir no processado a correr termos noutros países, dar ordens e tramitar processos de outras jurisdições e, nessa medida, aceitar a reciprocidade – permitir que as autoridades judiciárias de outros países interferissem nos processos a correr termos em Portugal, sobre os mesmos despachando e decidindo.
I. Relatório
1. AA (adiante Requerente), atualmente detido na prisão de ... nos Países Baixos, na sequência de mandado de detenção europeu (MDE) emitido no âmbito do processo nº 787/21.7..., que em fase de inquérito corre termos no Ministério Público - Procuradoria da República da Comarca de Faro - Departamento de Investigação e Ação Penal - ...ª Secção de ..., vem requerer ao Exmo. Senhor Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, através de Ilustre Advogado constituído, a providência de habeas corpus, ao abrigo do estatuído no artigo 220º, nº 1, alínea d) do CPPenal, invocando para tanto: (transcrição1)
1.O peticionante encontra-se preso desde o dia 5 de Fevereiro de 2025 ano, à ordem da ....ª Secção do DIAP de ...
2. Por força da execução de um MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU com o número de Referência ...04 (Doc.º 1)
3.º - Prolatado e emitido em 23 de Abril de 2024 – como do mesmo consta a pág.9 - douto despacho exarado pela Digna Procuradora da República da ....ª Secção do DIAP de ..., Mm.º BB.
4.º - Nulidade do Mandado de Detenção:
a) O crime em causa é também punido com multa e essa possibilidade não se encontra prevista no campo 5 ( a página 3).
b) A pág. 7 refere-se que se encontra “preenchido o requisito constante do art.º 187.º n.º 1 al.a ) do CPP (que se refere à possibilidade de escutas telefónicas).
Não sendo perceptível a relevância de tal contextualização
c) Lendo e relendo o mencionado Mandado de Detenção cedo se verifica que o crime imputado ao peticionante (furto) não se encontra previsto na tabela indicada a pág.7 desse ROL (Onde se elencam 32 crimes).
5.º - Por outro lado, nos factos que presumivelmente são imputados ao peticionante - a pág.. 5 e 6 não consta o nome do detido.
6.º - Assim, apesar de se mencionar ( a pág.5 ) que se irão descrever as circunstâncias em que as infrações foram cometidas, incluindo o momento, o local e a hora e o grau de participação da pessoa procurada nas infrações (pag.5),
O certo é que nunca se indica o grau de participação do peticionante.
Antes se fazendo considerações genéricas a “o suspeito” ou aos “suspeitos”.
Concretizando:
“Os suspeitos controlaram a vítima” (pag.5), “Fizeram um seguimento à viatura do mesmo” (pag.5), “enquanto os suspeitos, que se faziam transportar numa carrinha…”(ibidem).
“os suspeitos, aproveitando o parqueamento da viatura” (ibidem).
“sempre controlada pelos suspeitos” (ibidem).
“nesse momento, um dos suspeitos”… (ibidem), “O suspeito já na posse da mala”.. (ibidem).
“um dos suspeitos que vinha a pé do Parque…” (ibidem), “O suspeito já na posse da mala” (ibidem), “Após o suspeito entrar na carrinha” e “os dois suspeitos” (ibidem)
7.º - E já pág. 6:
“Os suspeitos controlaram a vítima a efetuar o levantamento” (pág.6).
“Posteriormente os suspeitos…” (ibidem).
“Um dos suspeitos através do arrombamento da fechadura”…(ibidem).
“sempre com o apoio do outro suspeito” (ibidem).
“Após o suspeito consumar o furto” (ibidem).
“Entrou na carrinha onde os dois suspeitos” (ibidem).
“Os suspeitos controlaram a vítima…” (ibidem).
“Fizeram um seguimento á viatura” (ibidem).
“Os suspeitos ao verificarem/controlarem que a vítima se tinha deslocado…(ibidem)
“um dos suspeitos através do arrombamento” (ibidem).
“Após o suspeito consumar o furto…e “saíram os suspeitos”… (ibidem)
8.º - Concluindo, com a apontada descrição (e outra não consta do Mandado de Detenção Europeu) cedo se verifica que a mesma é insuficiente para que sob o item 11 ( a página 8 do apontado Mandado) se possa imputar ao peticionante a prática de 3 crimes de furto qualificado p. e p. pelo art.º 203.º n.º 1 e 204.º n.º 1 alíneas a) e b) do Código Penal.
Pelo que o Mandado de Detenção Europeu se mostra NULO por falta de forma e/ou substância
9.º - Qualquer pessoa detida cuja detenção seja motivada por facto pelo qual a lei a não permita, pode requerer ao STJ a Providência excepcional de “HABEAS CORPUS”
10.º - Sendo esse precisamente o caso dos autos, uma vez que o MDE NÃO INDICA O NOME DOS SUSPEITOS DA PRÁTICA DOS APONTADOS CRIMES DE FURTO, não os relacionando sequer com a pessoa detida (ora peticionante).
11.º - Sendo ilegal a detenção operada, que por tal razão não poderá ser mantida.
12.º - Ora, a qualquer pessoa que se encontre ilegalmente detida, o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência do Habeas Corpus. (art.º 220 n.º 1 alínea d) do CPP).
2. Foi prestada informação, com base no que se consigna no artigo 223º, nº 1 – parte final – do CPPenal, notando sobre as condições em que foi efetuada e se mantém a detenção do Requerente, onde consta: (transcrição)
(…)
Efetivamente, nos presentes autos, foi emitido um mandado de detenção europeu, nos termos da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, dirigido a AA, nos termos e com os fundamentos dos despachos datados de 13/03/2024 (mandados de detenção fora de flagrante delito - fls. 541 e ss.) e de 22/04/2024 (MDE - fls. 575 e ss.).
Conforme referência datada de 29/01/2025 (fls. 675), o arguido foi detido no dia 28/01/2025, pelas 18h25, em ..., Países Baixos. Inexiste qualquer outra informação posterior quanto à execução do referido mandado pelas autoridades dos Países Baixos.
Preliminarmente, importa considerar que a providência de habeas corpus configura um incidente excecional que visa assegurar o direito constitucionalmente consagrado à liberdade (cf. artigos 27.º e 31.º, da Constituição da República Portuguesa), com o sentido de pôr termo a situações de prisão ou detenção ilegais.
Dispõe o Código de Processo Penal (de ora em diante CPP), em situações de detenção ilegal, tal requerimento deve ser dirigido pelo detido ao juiz de instrução da área onde se encontrar (cf. artigo 220.º do Código de Processo Penal), sendo que em situações de prisão ilegal, o referido requerimento é dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça (cf. artigo 222.º do Código de Processo Penal).
Assim, preliminarmente, importa fazer duas observações. A primeira é de que não entendemos que se esteja perante uma situação de prisão ilegal, a subsumir nos termos do disposto no artigo 222.º do Código de Processo Penal, tal qual o Arguido entendeu. A segunda é que, mesmo que assim fosse, e conforme vem entendendo o Supremo Tribunal de Justiça, às autoridades judiciárias portuguesas não compete aferir de procedimentos seguidos pelo Estado de Execução de um MDE, antes devendo tal controlo ser efetuado no âmbito do próprio processo de execução do MDE. Neste sentido decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 08/07/2021 (Relatora Margarida Blasco, proferido no âmbito do processo n.º 78/11.1GTALQ-A.S1 12): se é certo que o MDE for expedido pela autoridade judiciária portuguesa, destinando-se, como estabelece o art. 1.º, da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativa da liberdade, no domínio da execução de um MDE, a autoridade judiciária do Estado emissor, no caso, a autoridade judiciária portuguesa não tem o domínio dos pressupostos de facto e de direito que sejam considerados pela autoridade do Estado de execução, não lhe competindo ajuizar e controlar os procedimentos adoptados pela autoridade do Estado de execução. Assim, os fundamentos invocados para a ilegalidade da detenção ou prisão do peticionante ou do decurso do prazo da entrega do detido no âmbito do MDE pelo Estado de execução (Inglaterra) ao Estado de emissão (Portugal) deveria e deverá ser deduzido no âmbito do próprio mandado de detenção europeu, não constituindo a providência de habeas corpus o meio adequado para o conhecimento e apreciação de tal situação. Esta orientação tem por base o âmbito territorial de validade da nossa Lei Fundamental, nomeadamente os arts. 32.º, n.º 1 e 28.º, n.º 1, e ainda a impossibilidade de conciliar tal prazo com as garantias de defesa conferidas ao próprio detido no processo de execução do MDE ou até, e independentemente de tal facto, com a exequibilidade de apresentar ao juiz, dentro de tal prazo, alguém detido no estrangeiro. (
Contudo, e considerando que o Arguido entendeu ser de dirigir o requerimento apresentado ao Supremo Tribunal de Justiça, determina-se a remessa do mesmo nos exatos termos requeridos, nos termos do disposto nos artigos 222.º e 223.º do CPP.
*
A) Da questão prévia
Desde logo, importa considerar que o arguido não se encontra detido à ordem dos presentes autos, encontrando-se antes detido nos Países Baixos, a aguardar decisão das autoridades competentes daquele país para o eventual cumprimento do MDE emitido nos presentes autos.
Efetivamente, conforme supra referimos, e após o Ministério Público ter considerado estarem reunidos os pressupostos para tal, foi emitido um mandado de detenção fora de flagrante delito do suspeito AA, para ser apresentado, no prazo máximo de 48 horas, a primeiro interrogatório judicial, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 254.º, n.º1, alínea a), 257.º, n.º1, alíneas a), b) e c) e 141.º, 194.º, n.º4, todos do CPP (vide despacho datado de 13/03/2024, a fls. 541 e ss.) e, após deteção que o mesmo se encontrava nos Países Baixos, foi emitido um mandado de detenção europeu dirigido ao mesmo suspeito, nos termos do disposto na Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto (vide despacho datado de 22/04/2024, a fls. 575 e ss.).
Conforme referência datada de 29/01/2025 (fls. 675), o arguido foi detido no dia 28/01/2025, pelas 18h25, em ..., Países Baixos, desconhecendo-se, até ao momento, a decisão emitida por aquela entidade.
(…)
3. O processo encontra-se instruído com a documentação pertinente3.
4. Convocada a secção criminal, notificado o Digno Mº Pº e o Ilustre Mandatário do Requerente, teve lugar a audiência, após o que o tribunal reuniu e deliberou, no respeito pelo consignado no artigo 223º, nºs 2 e 3 do CPPenal, o que fez nos termos que se seguem.
*
II. Fundamentação
A. Dos factos
Com relevância para a decisão do pedido de habeas corpus, extraem-se dos autos os seguintes factos:
i) Nos autos de inquérito aqui em causa e por força dos elementos probatórios coligidos resultam fortes indícios da prática pelo Requerente de um crime de furto qualificado p. e p. pelo artigo 204º, n.º 1 alínea a) e h) do Código Penal.
ii) Está em causa um furto em interior de veículo ocorrido na Estrada Nacional ... sítio do ..., de onde o Requerente com outro individuo retiraram a quantia de 2000 Euros em notas BCE que se encontravam dentro de uma mala que estava em cima do banco do veículo, quantia essa, que tinha sido levantada pela vítima no Banco BPI em ..., momentos antes.
iii) Igualmente nos autos de inquérito - NUIPC 1200/22.8... e NUIPC 677/23.9... – apensos ao processo referido em i), se mostram indiciados factos passíveis de integrar a prática pelo Requerente de crimes de furto qualificado, sendo o primeiro respeitante a furto em interior de viatura, ocorrido no parque de estacionamento do Centro Comercial ..., de onde foi retirada a quantia monetária de 5540 Euros, em notas do BCE, que a vítima tinha levantado momentos na dependência bancaria Milllennium BCP em ... e, o segundo relativo a furto em interior de viatura, ocorrido no sítio ..., onde furtaram cerca de 7000 Euros, em notas do BCE, que a vítima tinha levantado momentos antes no Banco BPI em ....
iv) Nessa sequência, e estando o Requerente já referenciado por estar envolvido na prática de crimes contra a segurança das comunicações, crimes contra a propriedade, nomeadamente de
furto/roubo/recetação e não lhe sendo conhecida qualquer atividade laboral, o Digno Mº Pº, por despacho de 13 de março de 2024, determinou a sua detenção, fora de flagrante delito, a fim de o mesmo ser presente a 1º Interrogatório Judicial de arguido detido e lhe serem aplicadas medidas de coação, mormente a prisão preventiva4.
v) Por seu turno, e na sequência de despacho de 22 de abril de 2024, existindo indícios de que o Requerente se encontrava fora do território nacional, e eventualmente nos Países Baixos, foi emitido mandado de mandado de detenção europeu, a coberto do plasmado no artigo 36º da Lei nº 65/2003, de 23 de agosto (RJMDE), onde ressalta a finalidade da detenção daquele5.
vi) O Requerente foi detido no dia 28 de janeiro de 2025, pelas 18h25, em ..., Países Baixos, estando nessa situação de privação da liberdade, em estabelecimento prisional nos Países Baixos6.
vii) Inexiste qualquer outra informação posterior quanto à tramitação processual respeitante à execução do referido mandado de detenção europeu pelas autoridades dos Países Baixos.
B. Questões a decidir
Versando sobre o requerimento apresentado, cumpre apurar sobre as seguintes questões:
- jurisdição penal em causa;
- detenção ilegal, por estar em causa um mandado de detenção europeu nulo que, por o ser, constitui caso em que o facto não permite aquela.
C. O direito
Visitando o artigo 31º, nº 1, da CRP7 de imediato se pode retirar a consagração do instituto do habeas corpus como via de reação ao abuso de poder advindo de um aprisionamento ilegal / aprisionamento sem respaldo na lei.
Este mecanismo, bebendo, ao que se pensa, do Habeas Corpus Act de 16798 aprovado pelo Rei Carlos II, destinado a acautelar / sufragar a proteção da liberdade pessoal perante detenções abusivas do rei, apelando à apreciação / ponderação da justeza / bondade da captura por um juiz, teve acolhimento claro no ordenamento jurídico português através da Constituição de 21 de agosto de 19119.
A providência de habeas corpus veste a ideia de remédio excecional, expedito e urgente10 em sede de proteção e salvaguarda da liberdade individual, destinando-se a superar / ultrapassar, de pronto, situações de prisão arbitrária ou ilegal ou de privação ilegítima da liberdade de um cidadão, não podendo nem devendo funcionar ou ser utilizada como meio de reapreciar / questionar / abalar / revogar decisões judiciais devidamente proferidas, exceto quando em evidência / clareza / irrefutável hipótese extrema de abuso de direito ou erro grosseiro e clamoroso na aplicação do direito11.
E, nessa senda, ao que se crê, lançar mão deste expediente só se assume como aceitável em casos de indiscutível ou flagrante ilegalidade que, por assim o serem, permitem e impõem uma tomada de decisão célere / imediata / lesta, sob pena de, não o sendo, haver o real perigo de tal decisão, apressada por imperativo legal, se volver, ela mesma, em fonte de ilegalidades grosseiras, com a agravante de serem portadoras da chancela / cobertura / aval do mais Alto Tribunal12.
De outra banda, cabe reter que este mecanismo se encontra tratado, em termos infraconstitucionais, pela normação inserta nos artigos 220º e 221º do CPPenal, quando em causa recorte de detenção ilegal, e nos artigos 222º e 223º do mesmo compêndio legal, nos casos de prisão ilegal.
Na situação em apreço o Requerente, reconhecendo que se encontra detido nos Países Baixos, a coberto de decisão de um tribunal do Reino dos Países Baixos, vem apelar ao regime relativo à detenção ilegal que, como é consabido e pacificamente sufragado, demanda a verificação de algum dos fundamentos expressos no elenco taxativo das alíneas do nº 1 do artigo 220º do CPPenal, ou seja, estar excedido o prazo para entrega ao poder judicial, a detenção operar fora de local legalmente permitido, a detenção ter sido efetuada ou ordenada por entidade que não é a competente ou, finalmente, a detenção ser motivada em facto pelo qual a lei não o permite13.
Por seu turno, olhando ao regime impresso no CPPenal, tanto quanto exulta do plasmado no seu artigo 221º, a ilegalidade da privação da liberdade fundada em detenção ilegal obedece a procedimento específico mais informal e expedito, em que recebido o requerimento, o juiz deverá imediatamente analisá-lo, podendo o indeferir liminarmente, sem proceder a quaisquer diligências, caso o considere manifestamente infundado, ou tomar os diversos passos referidos nos nºs 1, 2 e 3 do dito inciso legal, se não for manifesta a carência de fundamento14.
Ou seja, ao que parece, o legislador infraconstitucional atribuiu ao juiz de instrução criminal com jurisdição sobre o quadro relacionado com o detido, a competência para conhecer e decidir da providência do habeas corpus contra o abuso de poder decorrente de detenção ilegal15.
Diga-se, também, que ante o elenco argumentativo trazido, o Requerente pretende fazer operar a condição expressa na alínea d) do nº 1 do artigo 220º do CPPenal – detenção ilegal motivada por facto pelo qual a lei não o permite -, quadro este em que o legislador parece albergar todas aquelas situações de detenção que não visem a sujeição do visado a julgamento sumário, a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, assegurar a presença a ato processual perante o juiz (…)16.
Importa registar, ainda, que neste tipo de instrumento reativo, apenas se demanda que se apure se a razão que levou à privação da liberdade tem ou não amparo / acalento / suporte na lei, sendo que é cristalino, pensa-se, que nessa ponderação / análise não há que entrar no domínio processual, no enredo do processo, e no acerto ou desacerto das decisões que ordenaram ou mantiveram o direito, se aquelas interpretaram cabalmente o normativo vigente pois, tanto quanto se pensa, toda essa tutela / proteção / apreciação cabe e deve ser feita utilizando os mecanismos ordinários de reação17.
Dito de outra forma, a envergadura sumária e ágil da decisão a proferir em habeas corpus não permite que, não estando firmados os factos e / ou o aspeto jurídico da causa que se apresente em discussão, o Supremo Tribunal de Justiça se substitua, de ânimo leve, às instâncias, ou mesmo à sua eventual intervenção de fundo no caso e, sumariamente, possa, ainda que implicitamente, censurar aquelas por haverem cometido alguma falha, que, para o efeito, reclama seja absolutamente irrefragável.
Na verdade, e neste particular matiz, permanecendo / existindo / operando como discutível / questionável / refutável a solução de questão jurídica, e não emergindo retrato de clamorosa, evidente e inaceitável ilegalidade, dificilmente se pode imputar, fundadamente, a qualquer decisão que se impugne, emanada de entidade competente, o labéu de ilegalidade grosseira ou não, em palco de uma apreciação pouco menos que perfunctória.
Partindo de todos estes considerandos e visitando o caso que aqui se exibe, tanto quanto se cogita, o caminho seguido pelo Requerente, não tem o menor acolhimento na normação trazida e atrás sopesada, como de imediato se verá.
*
Como primeiro e definitivo aspeto, desponta a questão suscitada na informação elaborada pelo Tribunal a quo e que se prende a possibilidade de intervenção, in casu, dos tribunais portugueses.
Mostra-se irrefutável que o Requerente, tal como este o reconhece, em consequência de emissão de mandado de detenção europeu, ao abrigo do regime consagrado na Lei nº 65/2003, de 23 de agosto, foi detido nos Países Baixos, ali se encontrando sob a alçada das autoridades daquele Reino.
Assim sendo, tanto quanto se julga, o Requerente está efetivamente detido à ordem da autoridade judiciária dos Países Baixos a quem compete a execução do MDE.
Não se desconhece que este foi ordenado e expedido por autoridade judiciária portuguesa – o Digno Mº Pº -, destinando-se, na esteira do que fixa o como estabelece o artigo 1º da dita Lei, à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativa da liberdade – no caso, para efeitos de apresentação a 1º Interrogatório Judicial de arguido detido e aplicação de medidas de coação.
Todavia, há que chamar aqui à colação o âmbito / dimensão da aplicação espacial do direito processual penal português que, tanto quanto se entende, assenta na ideia de que a jurisdição penal se contém estritamente dentro dos limites do Estado, neste sentido valendo o princípio da territorialidade.
Ou seja, nas relações entre a jurisdição penal nacional e uma estrangeira, os atos processuais pertencentes a uma não são obrigatórios para a outra18, pelo que no domínio da execução de um mandado de detenção europeu, a autoridade judiciária do Estado emissor, no caso, a autoridade judiciária portuguesa não tem o domínio dos pressupostos de facto e de direito que possam ser considerados pela autoridade do Estado de execução, não lhe competindo, por isso, ajuizar / avaliar / controlar os procedimentos adotados pela autoridade do Estado de execução sob pena de violação do princípio supra apontado.
Nessa senda, o alicerce trazido pelo Requerente de que a sua detenção é ilegal porque sustentada em MDE que é supostamente nulo por desrespeitar exigências expressas no diploma que o regula, salvo melhor e mais avisada opinião, deveria e deverá ser apresentado no domínio do próprio mandado de detenção europeu, não surgindo o expediente agora usado como o meio / instrumento adequado para o conhecimento e apreciação do que se invoca.
Seguir a linha pugnada pelo Requerente seria considerar que os Tribunais Portugueses podem interferir no processado a correr termos noutros países, dar ordens e tramitar processos de outras jurisdições e, nessa medida, aceitar a reciprocidade – permitir que as autoridades judiciárias de outros países interferissem nos processos a correr termos em Portugal, sobre os mesmos despachando e decidindo.
Definitivamente não será de sufragar este posicionamento, sendo por demais cristalino que caberá às autoridades dos Países Baixos o pronunciamento sobre a bondade dos pressupostos da detenção do Requerente e condições atuais de manutenção da mesma, não constituindo a providência de habeas corpus o meio idóneo para ajuizar da validade ou não do MDE, da sua conformidade com os normativos legais que o disciplinam e, consequentemente, da validade da detenção daquele ou da sua manutenção, questões que deverão ser suscitadas, apreciadas e decididas no âmbito do mandado de detenção europeu emitido19.
E, neste seguimento, a presente providência é pois, claramente de improceder por manifesta falta de fundamento bastante.
*
Por fim, ainda que assim se não entenda, o que se não subscreve, a discussão que o Requerente pretende ensaiar – a validade ou não do MDE, o seu respeito ou não pelas exigências estipuladas na lei – como atrás se anunciou, não é matéria a ponderar nesta sede.
O habeas corpus não se destina a discutir estas vertentes, sendo que para atacar as eventuais máculas aduzidas pelo Requerente, como se disse, deverá aquele fazer no sítio próprio, ou seja, no MDE.
A discussão sobre a legalidade ou ilegalidade do MDE por se prender com aspetos diretamente atinentes com este, assumindo-se como vicissitudes processuais, são segmentos a colocar, nomeadamente, em sede de meios ordinários e não em habeas corpus, que é providência inadequada para esse efeito, já que este não pode ser equiparado a mais uma forma de recurso e perder a sua essência e identidade própria.
Desta feita, resta, pois, concluir que o Requerente se encontra detido em cumprimento de decisão determinada por entidade competente, motivada por factos que a lei permite.
Assim, inexistindo o fundamento bastante de habeas corpus invocado pelo Requerente, e nenhum outro despontando, há que indeferir a peticionada providência.
*
Importa ainda avaliar se o retrato em exame, e perante todo o existente, aponta para situação enquadrável na ideia de pedido manifestamente infundado, reclamando que para além da sanção tributária – custas e taxa de justiça - a impor, se deva fixar a sanção processual, devida pelo mau e indevido uso deste instrumento reativo.
Aqui, ao que se pensa, não basta que o peticionante se tenha excedido ao utilizar este mecanismo; necessário se torna que o pedido formulado seja claramente / evidentemente / imediatamente e sem sombra de quaisquer dúvidas, incapaz de vingar20; quando através de uma mera e sumária avaliação dos fundamentos do pedido formulado, é possível concluir, sem margem para interrogações, que o mesmo está votado ao insucesso.
Em presença de todo o acima exposto, emergindo que o Requerente mais não fez do que um evidente mau uso do instrumento em causa, dirigindo-se a entidade que conhece e sabe não ser a devida e adequada para pronunciamento, socorrendo-se da razões que não cabem como invocativas de habeas corpus, entende-se que está patente quadro de pedido manifestamente infundado.
III. Decisão
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo da 3ª Secção Criminal, em:
a) indeferir o pedido de habeas corpus peticionado pelo Requerente AA, a coberto do disposto no artigo 223º, nº 4, alínea a) do CPPenal, por manifesta falta de fundamento bastante;
b) condenar o requerente nas Custas do processo, fixando em 3 (três) UC a Taxa de Justiça (artigo 8º, nº 9, do Regulamento Custas Processuais e Tabela III, anexa);
c) condenar o Recorrente no pagamento da quantia de 10 UC, nos termos do disposto no artigo 223º, nº 6 do CPPenal.
*
Comunique de IMEDIATO, enviando cópia deste Acórdão, ao tribunal de 1ª Instância.
*
O Acórdão foi processado em computador e elaborado e revisto integralmente pelo Relator (artigo 94º, nº 2, do CPPenal), sendo assinado pelo próprio, pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos e pelo Senhor Juiz Conselheiro Presidente da Secção.
*
Supremo Tribunal de Justiça, 5 de março de 2025
Carlos de Campos Lobo (Relator)
Maria Margarida Ramos de Almeida (1ª Adjunta)
António Augusto Manso (2º Adjunto)
Nuno António Gonçalves (Presidente da secção)
_____________________________________________________
1. Consigna-se que apenas se reproduzem as efetivas razões do pedido, expurgando todas as transcrições da lei e as referências a instrumentos normativos.
2. Disponível(eis) em www.dgsi.pt.
3. Regista-se que além dos elementos constantes destes autos, foram consultados outros relevantes através da plataforma Citius.
4. Cf. Referência Citius ...67, Processo principal.
5. Cf. Referência Citius ...86, Processo principal.
6. Cf. Referência Citius ...26, Processo principal.
7. Artigo 31.º
(Habeas corpus)
1. Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.
2. (…)
3. (…)
8. An Act for the better secureing the Liberty of the Subject and for Prevention of Imprisonments beyond the Seas.
9. Artigo 3º, ponto 31º - Dar-se-á o habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se encontrar em iminente perigo de sofrer violência, ou coacção, por ilegalidade, ou abuso de poder.
A garantia do habeas corpus só se suspende nos casos de estado de sítio por sedição, conspiração, rebelião ou invasão estrangeira.
Uma lei especial regulará a extensão desta garantia e o seu processo.
10. Neste sentido GOMES CANOTILHO, José Joaquim e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2007, Coimbra Editora, p. 508 - O habeas corpus consiste numa providência expedita e urgente de garantia do direito à liberdade (…) em caso de detenção ou prisão «contrários aos princípios da constitucionalidade e da legalidade das medidas restritivas da liberdade», «em que não haja outro meio legal de fazer cessar a ofensa ao direito à liberdade», sendo, por isso, uma garantia privilegiada deste direito (…).
11. Neste sentido, LEAL-HENRIQUES, Manuel, Anotação e Comentário ao Código de Processo Penal de Macau, Volume II (Artigos 176º a 361º), 2014, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, p.150.
Na mesma linha de pensamento, entre outros, os Acórdãos do STJ de 13/08/2024, proferido no Processo nº 268/24.7T8TVD-B.S1- 5ª secção - O habeas corpus é uma providência extraordinária e expedita, independente do sistema de recursos penais, que se destina exclusivamente a salvaguardar o direito à liberdade; e de 11/06/2024, proferido no Processo nº 1958/23.7T8EVR-B.S1-3ª secção O habeas corpus é uma providência com assento constitucional, destinada a reagir contra o abuso de poder por virtude de prisão ou detenção ilegal (…) tem os fundamentos previstos taxativamente no art. 222.º, n.º 2. do CPP, que consubstanciam “situações clamorosas de ilegalidade em que, até por estar em causa um bem jurídico tão precioso como a liberdade ambulatória (…), a reposição da legalidade tem um carácter urgente”. O “carácter quase escandaloso” da situação de privação de liberdade “legitima a criação de um instituto com os contornos do habeas corpus” (…), disponíveis em www.dgsi.pt.
12. Neste sentido o Acórdão do STJ, de 01/02/2007, proferido no Processo nº 353/07-5ª, referenciado em LEAL-HENRIQUES, ibidem, p. 154.
13. Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STJ, de 20/11/2029, proferido no Processo nº 185/19.2ZFLSB-A.S1 (…) A providência de habeas corpus tem a natureza de remédio excepcional para proteger a liberdade individual, revestindo carácter extraordinário e urgente «medida expedita» com a finalidade de rapidamente pôr termo a situações de ilegal privação de liberdade, decorrentes de ilegalidade de detenção ou de prisão, taxativamente enunciadas na lei: em caso de detenção ilegal, nos casos previstos nas quatro alíneas do n.º 1 do artigo 220.º do CPP e quanto ao habeas corpus em virtude de prisão ilegal, nas situações extremas de abuso de poder ou erro grosseiro, patente, grave, na aplicação do direito, descritas nas três alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP.
Igualmente, GASPAR, António Henriques, SANTOS CABRAL, José António Henriques dois Santos, COSTA, Eduardo Maia, OLIVEIRA MENDES, António Jorge de, MADEIRA, António Pereira, GRAÇA, António Pires Henriques da, Código de Processo Penal, Comentado, 2016, 2ª edição revista. Almedina, p. 850 – As situações em que é admissível a providência vêm enumeradas no nº 1 e deve entender-se que o elenco é taxativo (…).
Também, LEAL-HENRIQUES, Manuel, Anotação e Comentário ao Código de Processo Penal de Macau, Volume II (Artigos 176º a 361º), 2014, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, pp. 136-137 – (…) no que respeita aos fundamentos do pedido vêm eles indicados (…) e que são, taxativamente (…) não podem servir como razão desse pedido outros fundamentos, nomeadamente a insuficiência de indícios da prática do crime ou os vícios do mandado de detenção da autoridade judiciária (…).
Ainda, GAMA, António, LATAS, António, CORREIA, João Conde, LOPES, José Mouraz, TRIUNFANTE, Luís Lemos, SILVA DIAS, Maria do Carmo, MESQUITA, Paulo Dá, ALBERGARIA, Pedro Soares de e MILHEIRO, Tiago Caiado, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo III – artigos 191º a 310º, 2022, 2ª Edição, Almedina, p. 563 – (…) os fundamentos apenas podem ser os descritos nas als. a) a d) (…) só estes justificam o processo de habeas corpos. São (…) taxativos os fundamentos previstos nas quatro alíneas do nº 1 (…) – e ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, 2011, Universidade Católica Editora, p. 633.
14. Neste sentido, GASPAR, António Henriques, SANTOS CABRAL, José António Henriques dois Santos, COSTA, Eduardo Maia, OLIVEIRA MENDES, António Jorge de, MADEIRA, António Pereira, GRAÇA, António Pires Henriques da, ibidem, p. 852.
15. Neste sentido, o Acórdão do STJ, de 21/04/2021, proferido no Processo nº 149/20.3JASTB-S.S1 – (…) O legislador infraconstitucional atribuiu ao juiz de instrução criminal com jurisdição sobre o local onde o detido se encontrar, a competência para conhecer e decidir do habeas corpus contra o abuso de poder. em virtude de detenção ilegal – disponível em www.dgsi.pt.
Também, GAMA, António, LATAS, António, CORREIA, João Conde, LOPES, José Mouraz, TRIUNFANTE, Luís Lemos, SILVA DIAS, Maria do Carmo, MESQUITA, Paulo Dá, ALBERGARIA, Pedro Soares de e MILHEIRO, Tiago Caiado, ibidem, pp. 559 e 562– (…) a competência para decidir da validade da detenção é de um juiz (…) o processo de habeas corpus em virtude de detenção ilegal é despoletado por um requerimento (…) endereçado ao juiz de instrução competente e pedindo que este ordene a imediata apresentação judicial (…).
Na mesma linha de pensamento, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, ibidem, p. 633 – (…)O órgão competente para decidir o habeas corpus em virtude de detenção ilegal é o juiz de instrução (…) independentemente da fase em que a detenção tiver lugar. A ratio desta reserva de competência é (…) ela supõe que a generalidade dos casos de detenção ilegal ocorre na fase pré-processual (…).
16. Neste sentido, GASPAR, António Henriques, SANTOS CABRAL, José António Henriques dois Santos, COSTA, Eduardo Maia, OLIVEIRA MENDES, António Jorge de, MADEIRA, António Pereira, GRAÇA, António Pires Henriques da, ibidem, p. 851 – Na alínea d) do nº 1 admite-se o habeas corpus quando a detenção seja motivada por facto que a lei não permite, isto é, fora dos casos previstos nos arts. 255º e 257º (…).
Igualmente, LEAL-HENRIQUES, Manuel, Ibidem, p. 137 – (…) a detenção visa atingir determinados objectivos definidos (…) sujeição do detido a julgamento sumário; a primeiro interrogatório judicial ou a medida de coacção; assegurar a sua presença a acto processual perante o juiz (…).
17. Neste sentido, GAMA, António, LATAS, António, CORREIA, João Conde, LOPES, José Mouraz, TRIUNFANTE, Luís Lemos, SILVA DIAS, Maria do Carmo, MESQUITA, Paulo Dá, ALBERGARIA, Pedro Soares de e MILHEIRO, Tiago Caiado, ibidem, p. 583.
Ainda, GASPAR, António Henriques, SANTOS CABRAL, José António Henriques dois Santos, COSTA, Eduardo Maia, OLIVEIRA MENDES, António Jorge de, MADEIRA, António Pereira, GRAÇA, António Pires Henriques da, ibidem, pp. 803 e 804 – (…) importa que se trate de uma ilegalidade evidente, de um erro diretamente verificável com base nos factos recolhidos no âmbito da providência confrontados com a lei, sem que haja necessidade de proceder à apreciação da pertinência ou correção de decisões judiciais, à análise de eventuais nulidades ou irregularidades do processo, matérias essas (…) que só podem ser discutidas em recurso ordinário.
18. Neste sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Processual Penal – 1º Volume, Coimbra Editora, 1974, p. 105.
19. Neste sentido, entre outros, os Acórdão do STJ, de 22/02/2023, proferido no Processo nº 137/16.4GTABFA.S1 – (…) Atendendo ao princípio da territorialidade (e tenha-se presente que “os princípios – todos eles – os explícitos e os implícitos – constituem normas jurídicas”, como recordou Eros Roberto Grau), tal medida, decretada no Reino Unido por via do seu poder judicial, não será sindicável em sede de processo de habeas corpus, pois que não podem os tribunais portugueses controlar os procedimentos e as medidas que sejam adotadas pela autoridade do Estado de execução, por extravasar a sua jurisdição (…) – de 08/07/2021, proferido no Processo nº 78/11.1GTALQ-A.S1 – (…) Cabe aos tribunais portugueses, enquanto Estado emissor do MDE, determinar a manutenção, extinção ou revogação do MDE. Porém, não podem os Tribunais portugueses, mantendo-se o pedido de MDE, dar ordens ao Estado de execução, de manutenção da detenção ou libertação do condenado (…) -, de 01/07/2020, proferido no Processo nº 19/20.5JBLSB-A.S1 – (…) Encontrando-se o requerente detido à ordem da autoridade judiciária (…) em cumprimento de MDE expedido pela autoridade judiciária portuguesa, não se encontra sujeito a prisão que tenha sido ordenada por Portugal mas, outrossim, detido à ordem das autoridades (…) a quem compete a execução daquele mandado (…) sendo certo que o MDE foi expedido pela autoridade judiciária portuguesa, destinando-se, como estabelece o artigo 1.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativa da liberdade, há que ter em consideração o âmbito da aplicação espacial do direito processual penal português que assenta na ideia de que a jurisdição penal se contém estritamente dentro dos limites do Estado, neste sentido valendo princípio da territorialidade, sendo inadmissível, salvo tratado internacional em contrário, executar em território estrangeiro actos processuais cabidos na jurisdição penal portuguesa, e vice-versa (…) O fundamento invocado para a ilegalidade da alegada detenção (…) deverá ser apresentado no âmbito do próprio mandado de detenção europeu, não constituindo a providência de habeas corpus o meio adequado para o conhecimento e apreciação de tal situação (…) - , de 24/10/2019, proferido no Processo nº 306/18.2JAFAR-B.S1 – (…) Poderíamos dizer que haveria violação do art.º 32.º, n.º 1 da CRP se a prisão preventiva não acatasse os prazos estabelecidos na lei, o que seguramente aconteceria se o disposto no art.º 28.º, n.º 1 da CRP fosse aplicável nos casos de detenção para execução do MDE, o que não é o caso, tendo desde logo em conta o âmbito territorial de validade da nossa Lei Fundamental. O art.º 28.º n.º 1 da CRP é aplicável a partir do momento em que o detido é entregue, em Portugal, às autoridades portuguesas (…), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
20. Neste sentido, LEAL-HENRIQUES, Manuel, ibidem, pg. 509.