RECURSO DE REVISÃO
CONDENAÇÃO
MEIOS DE PROVA
FALSIDADE
NOVOS MEIOS DE PROVA
FALSIDADE DE DEPOIMENTO OU DECLARAÇÃO
Sumário


I - Para efeitos do n.º 1, al. d) do art. 449.º do CPP, são novos meios de prova os que não foram apreciados no processo que levou à condenação nem considerados na sua fundamentação, e que, sendo desconhecidos do tribunal no ato de julgamento, permitem que, pela sua descoberta posterior, se suscitem graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado. Novos meios de prova são aqueles que são processualmente novos, que não foram apresentados no processo da condenação; a novidade, neste sentido, refere-se ao meio de prova, seja pessoal, documental ou outro, e não ao resultado da produção da prova.
II - “Novos” são também os que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal, admitindo-se, no entanto, face ao disposto na parte final do n.º 2 do art. 453.º do CPP, que, embora não sendo ignorados pelo recorrente, poderão ser excecionalmente considerados desde que o recorrente justifique a razão, atendível, por que os não apresentou no julgamento.
III - Num processo penal de tipo acusatório completado por um princípio de investigação, a que corresponde o modelo do CPP, as garantias e procedimentos que devem ser respeitados tendo em vista a formação de uma decisão judicial definitiva de aplicação de uma pena, incluindo as possibilidades de impugnação, de facto e de direito, por via de recurso ordinário admissível, por regra, relativamente a todas as decisões in procedendo e in judicando (art. 399.º do CPP), previnem e reduzem substancialmente as possibilidades de erro judiciário que deva ser corrigido por via de recurso extraordinário de revisão, o que eleva especialmente o nível de exigência na apreciação dos fundamentos para autorização da revisão.
IV - A dúvida relevante para a revisão tem de ser qualificada; é necessário que ela se eleve a um patamar de solidez que permita afirmar a sua «gravidade», isto é, que, na ponderação conjunta de todos os factos e meios de prova, seja possível justificadamente concluir que, tendo em conta o critério de livre apreciação (art. 127.º do CPP) e sem prejuízo da sujeição das novas provas ao teste do contraditório, imediação e oralidade do novo julgamento, deles resulta uma forte possibilidade de não condenação.
V - Como novos meios de prova indica o recorrente uma certidão de nascimento, duas declarações de dois cidadãos venezuelanos e um certificado de registo criminal da Venezuela, bem como três documentos que constam do processo e uma notificação efetuada no âmbito de um processo de extradição.
VI - Os documentos que constam do processo, desde a fase preliminar, e que neles foram apreciados não são provas «novas». Desconhece-se a origem e autenticidade da referida «certidão de nascimento» e dela não se extrai que a pessoa em causa seja o arguido; das declarações dos «cidadãos» apenas se extrai que estes dizem conhecer uma pessoa com o nome que o arguido também usou no processo, atestando a sua boa conduta; do «certificado do registo criminal», aparentemente emitido pela Venezuela, apenas resulta que o «cidadão» identificado «não regista antecedentes penais», mas daí não se extrai que essa pessoa seja o arguido; e da notificação no processo de extradição apenas resulta que o arguido usa o nome que diz ter, como sucede no processo da condenação.
VII - Para além disso, não vem indicada nem é conhecida qualquer sentença que tenha considerado falsos os meios de prova do processo, de modo a poder considerar-se o fundamento da al. a) do n.º 1 do art. 449.º do CPP.
VIII - Nesta conformidade, não tendo sido descobertos novos meios de prova que possam suscitar dúvida sobre a justiça da condenação, nem havendo sentença que tenha considerado falsos os meios de prova em que esta se fundou, conclui-se que não ocorre qualquer dos alegados fundamentos da revisão da condenação do arguido pelo crime de falsidade de declaração quanto à sua identidade e que o recurso carece manifestamente de fundamento.

Texto Integral


Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. AA, arguido, que se identificou nos autos como BB, nascido em ...-...-1969, em ... – Venezuela, cartão de identidade n.º ...90, emitido pela Venezuela, interpõe recurso extraordinário de revisão do acórdão de 22 de outubro de 2018 Juízo Central Criminal de ... - Juiz ..., Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, transitado em julgado, quanto a ele, em 31 de outubro de 2019, que o condenou pela prática de:

• 4 (quatro) crimes de roubo qualificado (em coautoria), p. e p. pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), ex vi do disposto no artigo 204.º n.º 1 alíneas e) e h) e n.º 2 alíneas a), f) e g), do Código Penal, nas penas de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, por cada um;

• 1 (um) crime de associação criminosa (em coautoria), p. e p. pelo artigo 299.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

• 6 (seis) crimes de furto qualificado (em coautoria), p. e p. pelo n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal, nas penas de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, por cada um;

• 1 (um) crime de furto qualificado (em coautoria - veículo Kia), p. e p. pelo n.º 1 do artigo 204.º do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;

• 5 (cinco) crimes de falsificação agravada (em coautoria - matrículas e vinhetas), p. e p. pelo n.º 1, a) e c) e n.º 3 do artigo 256.º do Código Penal, nas penas de 1 (um) ano de prisão, por cada um;

• 1 (um) crime de furto (em coautoria - chapas de matrícula), p. e p. pelo n.º 1 do artigo 203.º do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;

• 2 (dois) crimes de falsificação agravada (em coautoria - documentos de identificação), p. e ps pelo n.º 1, a) e c) e n.º 3 do artigo 256.º do Código Penal, nas penas de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, por cada um;

• 1 (um) crime de falsas declarações, p. e p. pelo artigo 348.º-A do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;

• 1 (um) crime de falsidade de declaração, p. e p. pelo n.º 2 do artigo 359.º do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

• 1 (um) crime de branqueamento de capitais (em coautoria), p. e p. pelo artigo 368.º-A do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

• 1 (um) crime de detenção de arma proibida (em coautoria), p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, c) da Lei 5/2006, de 23-02, na pena de 3 (três) anos de prisão.

• Em cúmulo jurídico destas penas parcelares (artigo 77.º do C. Penal), (…) na pena única de 18 (dezoito) anos de prisão.»

2. Delimita o recurso «à matéria criminal que permitiu a sua condenação pela prática dos seguintes ilícitos criminais, e nas seguintes penas:

- um crime de falsas declarações, previsto e punido pelo art. 348-A do Código Penal; na pena de 6 meses de prisão e;

- um crime de falsidade de declaração, previsto e punido pelo art. 359º, nº 2 do Código Penal; na pena de 1 ano de prisão

Dizendo:

«Na verdade não pode o arguido conformar-se com uma condenação que respeite à sua identificação pessoal e seja condenado quando, desde o primeiro momento, e perante Mmaº Juiz de Instrução Criminal afirmou chamar-se:

“BB, filho de CC e DD, natural da Venezuela e Nascida a ........1969”

Ora, sem prejuízo de sempre se ter identificado da forma como supra se descreveu, o Tribunal a quo, entendeu levar à matéria de facto dada como prova a seguinte factualidade:

“1.162. Aquando do 1º interrogatório judicial de arguido detido, no dia 17 de novembro de 2016, perante Juiz de Instrução Criminal que o advertiu do dever de responder com verdade quanto à sua identificação e das consequências que adviriam de faltar à verdade, o arguido AA disse chamar-se BB, filho de CC e de DD, natural de ..., nacional de Venezuela, nascido a ...-...-1968.

1.163. Faltou à verdade quanto à sua identificação, uma vez que o seu nome é AA.”

Ora, o arguido não faltou à verdade, quando referiu chamar-se BB, nomeadamente aquando o seu primeiro interrogatório judicial de arguido detido, a 17 de Novembro de 2016, existindo, “apenas”, a dificuldade em provar tal identificação em virtude da ausência de documentos comprovativos de tal e da impossibilidade de, em tempo útil fazê-los chegar a Portugal, nomeadamente, atenta a sua privação de liberdade.

Diz-nos o Tribunal a quo, na fundamentação da douta decisão que:

“Quanto às falsas declarações cometidas pelos arguidos EE, AA e FF, quando se identificaram perante a Polícia Judiciária e pelo arguido GG, quando o fez perante o militar da GNR, para além de terem sido assumidas pelos arguidos AA, FF e GG, resultaram provadas através do teor dos autos de constituição de arguido e dos respetivos termos de identidade e residência.”

“Quanto às falsidades de declaração cometidas pelos arguidos EE, AA e FF, quando se identificaram perante o Juiz de Instrução Criminal prestando falsas declarações sobre a sua identidade, para além de esses factos terem sido assumidos pelo arguido FF, os mesmos resultaram provadas através do teor dos respetivos autos de interrogatório judicial.”

E ainda,

Dos crimes de falsas declarações e de falsidade de declaração

“Atenta a previsão dos artigos 348.º-A e 359.º, n.º 2, ambos do Código Penal, tendo os arguidos EE e AA prestado declarações falsas relativamente à sua identidade, respetivamente à Polícia Judiciária e ao Juiz de Instrução Criminal, incorreram na prática destes dois crimes.

De igual modo, o arguido GG, ao se ter identificado de modo falso perante o Juiz de Instrução Criminal, praticou o crime de falsidade de declaração previsto no referido artigo 359.º, n.º 2 do C. Penal.”

Posto isto,

O arguido encetou uma incessante procura, com o auxílio de terceiros para obter documentação válida e com origem em entidades oficiais por forma a provar ser o cidadão que afirmou ser, isto é:

“BB, nascido em ...-...-1969, em ... – Venezuela, filho de CC e DD” (Pais adotivos tal como referiu).

E assim, tal documentação é emitida no mês de Novembro de 2021, precisamente para fazer fé perante as autoridades portuguesas e foram remetidos para Portugal por missiva expedida num primeiro momento no mês de Janeiro 2022, missiva esta extraviada e que nunca chegou ao destino, ou seja, à posse do ora recorrente.

A receção de tal documentação, ocorre, assim, apenas no mês de Maio de 2023, momento a partir do qual o arguido pode iniciar a reparação da injustiça de que foi alvo, neste segmento da douta decisão.

Note-se e registe-se que ao arguido ergueram-se todas as barreiras possíveis na sequência da sua detenção, prisão preventiva e prisão efetiva, pois ficou cerceado de todas as possibilidades de contactar com amigos e familiares na Venezuela, que efetivamente o pudessem auxiliar nesta “odisseia”

É, evidente que se o arguido tivesse tido oportunidade e possibilidade de provar nos autos, quando a audiência de discussão e julgamento que teve lugar no Juiz ... do Juízo Central Criminal de ... – Comarca de Lisboa Norte., tê-lo-ia feito, pois evitaria, não só a condenação por tal ilícito criminal, mas também todas as “démarches” posteriores para provar a sua inocência quanto a esta matéria, nomeadamente o presente recurso de revisão de sentença.

Acresce que o arguido tem pendente a sua extradição, estando pendente no Tribunal da Relação de Lisboa processo para tal finalidade específica, que pende sob o n.º 1824/17.5... – ...ª Seção, onde dúvidas não se erguem de que o recorrente se chama BB, corrigindo aliás o seu nome no local de requerido – “Requerido: AA aliás BB”, ainda que tal extradição, para o País requerente não seja a pretendida pelo recorrente.

Registe-se que existe pendente o pedido de extradição do ora recorrente elaborado pela República da Argentina para o ora recorrente, enquanto BB, cidadão Venezuelano.

Assim e no entendimento já explanado em arestos desse Supremo, a na impossibilidade de o arguido até ao momento poder demonstrar e comprovar documentalmente a sua identificação, deve tais documentos e a prova da sua existência, ser fundamento bastante da revisão de Sentença que ora se peticiona, conduzindo a prolação de decisão que absolva o arguido do crime pelo qual foi condenado.

O recurso de revisão, como meio extraordinário para suscitar a reapreciação de uma decisão transitada em julgado, pressupõem que esta esteja inquinada por erro de facto originado por motivos estranhos ao processo.

Ora, no presente processo o fundamento de revisão é consagrado nas als. a) e d) n.º 1 do artigo 449º do C.P.P.

Quanto ao fundamento da alínea d), a mesma importa a verificação cumulativa de dois pressupostos:

- por um lado, a descoberta de novos factos ou meios de prova e, por outro lado, que tais novos factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, não podendo ter como único fim a correção da medida concreta da sanção aplicada.

Nestes termos, quanto à “novidade” dos factos, hoje em dia pode considerar-se maioritária a jurisprudência do STJ que entende que “novos” são tão só os factos e/ou os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo Tribunal.

No entanto, algumas decisões, não sendo tão restritivas, admitem a revisão quando sendo embora o facto e/ou o meio de prova conhecido do recorrente no momento do julgamento, o condenado justifique suficientemente a sua não apresentação.

Acresce, com relevo absolutamente determinante que, em sede processo penal vigora com superior e inegável importância, o Princípio da Descoberta da Verdade Material que sempre deverá prevalecer no âmbito de qualquer decisão proferida em sede criminal.

Com o brilhante entendimento explanado no Acórdão cujas conclusões transcrevemos de seguida, não se erguem dúvidas, por um lado que a presente revisão deverá ser admitida, em segundo lugar que a prova que ora se oferece, é razão bastante para alterar-se a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”

Veja-se entre outros, o Acórdão de 10-01-2018, eloquentemente produzido Proc. n.º 63/07.8PBPTM-D.S1 (transcrição do sumário).

E assim sendo, sempre com a mais subida vénia, deverá a decisão revivenda ser objeto de revisão e necessária alteração, com a posterior absolvição do arguido.

O arguido requer, assim, a junção dos seguintes Documentos:

Doc. 1 – Certidão de Nascimento

Doc. 2 e 3 – declarações dos cidadãos HH e II

Doc. 4 – Certificado de Registo Criminal da República Bolivariana da Venezuela

Doc. 5 – Fls. 2947 dos autos (Cópia dos documentos de identificação do recorrente, ou seja, BB)

Doc. 6 – Fls. 2948 (cópia dos documentos que habilitam o arguido recorrente, ou seja, BB, a conduzir veículos automóveis e velocípedes)

Doc. 7 – fls. 2949 (Cópia do cartão multibanco, emitido por entidade bancária Venezuelana)

Doc. 8 – Notificação no âmbito do proc. N.º 1824/17.5... (processo de extradição) que pende no Tribunal da Relação de Lisboa, em que o nome do arguido é corrigido, sendo o recorrente o ali requerido, BB

Analisada toda esta documentação, não se erguem dúvidas de que assiste toda a razão ao recorrente, devendo o mesmo ser absolvido da prática, pelo menos, de um crime de falsidade de declaração, previsto e punido pelo art.º. 359º, nº 2 do Código Penal, que o condenou na pena de 1 ano de prisão.

Em Face do Exposto, deve a presente Revisão de Sentença ser admitida e, em consequência:

- Ser autorizada a presente revisão e o processo reenviado a Tribunal de categoria e composição idênticas à do Tribunal “a quo” que proferiu a decisão a rever,

- Ser ordenada a repetição do julgamento, designadamente e efetiva produção de prova da identificação do ora recorrente, praticando-se as diligências de prova que forem tidas por convenientes e pertinentes, e o arguido absolvido d aprática do identificado ilícito criminal.»

3. Respondeu a Senhora Procuradora da República no tribunal recorrido, concluindo no sentido da improcedência do recurso (transcrição):

«1 – (…)

2 - Suscita-se então neste momento saber, se estes “novos factos”, que apenas o são para o tribunal, com a apresentação dos documentos, mas não para o arguido, pois que já os conhecia, não possuindo é documentação que o comprovasse, são fundamento de recurso de revisão nos termos do art. 449.º, n.º 1 al. d) do C.P.P., com vista a modificar a decisão sancionatória;

(…)

13 - Nos termos do artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando “se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”;

14 - Resulta do já citado acórdão do Tribunal Constitucional n.º 376/2000, de 13 de Julho, que o núcleo essencial da ideia que preside à instituição do recurso de revisão, expressa na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, reside na necessidade de apreciação de novos factos ou de novos meios de prova que não foram trazidos ao julgamento anterior;

15 - Refere-se o acórdão às novas provas como sendo aquelas que não puderam ser apresentadas e apreciadas antes, na decisão que transitou em julgado, pelo que, o fundamento de revisão previsto na citada alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal importa a verificação cumulativa de dois pressupostos:

- por um lado, a descoberta de novos factos ou meios de prova;

- por outro lado, que tais novos factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, não podendo ter como único fim a correcção da medida concreta da sanção aplicada (n.º 3 do citado preceito).

16 - Pronunciou-se, na doutrina, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, 1994, volume III, pág. 363; Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 16.ª edição, 2007, Almedina, pág. 982 (e 17.ª edição, de 2009, pág. 1062), reeditando posição tomada na 4.ª edição de Janeiro de 1980, pág. 717, em anotação ao artigo 673.º do CPP de 1929, refere que deve “entender-se que os factos ou meios de prova devem ser novos, no sentido de não terem sido apresentados e apreciados no processo que conduziu à condenação, embora não fossem ignorados pelo arguido no momento em que o julgamento teve lugar”, como aliás acontece no caso dos autos;

17 - Defendendo que esta orientação deve ser perfilhada, mas com uma limitação, que expressa nos seguintes termos: os factos ou meios de prova novos, conhecidos de quem cabia apresentá-los, serão invocáveis em sede de recurso de revisão, desde que seja dada uma explicação suficiente, para a omissão, antes, da sua apresentação. O recorrente terá que justificar essa omissão, explicando porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, que não devia apresentar os factos ou meios de prova, agora novos para o tribunal. (Cfr. acórdão de 21-09-2011, processo n.º 1349/06.4TBLSD-A.S1-5.ª);

18 - Situação esta que pese embora se entenda estar justificada essa omissão pela dificuldade devido à nacionalidade na obtenção dos documentos respectivos, na h, para comprovar a sua identificação, também é certo que o arguido devia ter consigo a sua identificação, ou na sua residência de modo a conseguir provar a sua identidade, em vez de trazer uma identidade falsa e respectivos documentos, na medida em que quando do seu interrogatório o arguido trazia consigo outra documentação, com outra identidade, e apesar de viajar bastante em diversos países, também face á actividade criminosa a que o mesmo se dedicava;

19 -Perfilhamos o entendimento, manifestado nos acórdãos de 19-01-2012 e de 31-01-2012, proferidos nos processos n.º 1099/07.4GAVNF-A.S1 e n.º 78/10.9PAENT-A.E1.S1, ambos da 5.ª Secção e do mesmo relator, os novos factos e os novos meios de prova são aqueles que não puderam ser apresentados e apreciados ao tempo do julgamento, quer por serem desconhecidos dos sujeitos processuais, quer por não poderem ter sido apresentados a tempo de serem submetidos à apreciação do julgador;

20 - Existem algumas decisões, no entanto, não sendo tão restritivas, admitem a revisão quando, sendo embora o facto e/ou o meio de prova conhecido do recorrente no momento do julgamento, o condenado justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, não dever apresentá-los, apoiando-se esta orientação na letra da norma do artigo 453.º, n.º 2, do CPP. ;

21 - Ora, o arguido usava indiferenciadamente várias identidades como sejam AA (Argentina), BB (Venezuela), e JJ (Bulgária), pelo que se impunha que comprovasse documentalmente que efectivamente se chama BB;

22 - Vem agora o arguido juntar diversas cópias, note-se, algumas quase ilegíveis e que nem se encontram na língua Portuguesa, desconhecendo-se a proveniência e autenticidade dos documentos (cópias), sendo certo que já desde 2016 pugna por essa identidade, relatando várias vicissitudes para não ter apresentados tais documentos em momento posterior, nomeadamente a sua reclusão e a dificuldade em contactar pessoas que o pudessem auxiliar nessa obtenção, explicação que consideramos plausível e aceitável, pese embora, pudesse ter desencadeado esforços junto da embaixada da Venezuela em Portugal e tanto quanto nos foi dado a conhecer, não o fez;

23 - Certo é que, demonstrando-se que tais documentos são autênticos, os mesmos podem suscitar sérias dúvidas sobre a condenação dos crimes em causa, pois só foi apurada a falsidade dos documentos em nome de JJ;

24 - Por conseguinte, considera-se ainda, justificável a omissão e deste modo, preenchidos os requisitos do recurso de revisão, em concreto a situação da al. d) do art. 449º do C.P.P. e assim ser concedido provimento ao recurso extraordinário de revisão, determinando-se a realização de diligências com vista a apurar a autenticidade do assento de nascimento apresentado e do documento de identificação, bem como á resenha de impressões digitais do arguido.

25 - Por tudo o exposto deve ser dado provimento por V.Exas a revisão, por verificação dos seus requisitos legais.»

4. Pronunciando-se sobre o mérito do pedido, de acordo com o disposto no artigo 454.º do CPP, após solicitação do Supremo Tribunal de Justiça, consigna a Mma. juiz do processo (transcrição):

«Tendo em consideração a interpelação superior e formulada pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do Art.º 454º in fine do C.P.Penal importa informar o seguinte:

i. A questão da identidade do arguido AA e que também se apresenta/assina como BB foi abordada ao longo do processo, estando a mesma espelhada no auto de primeiro interrogatório, na acusação, e, nos vários acórdãos, em especial no acórdão final, alvo de diversos recursos e cuja decisão final (proferida pelo mesmo Supremo Tribunal de Justiça) se mostra transitada em julgado e que rejeitou a questão suscitada por este arguido condenado;

ii. O arguido AA já havia interposto recurso de revisão com similares fundamentos e documentação (apenso E) e que não mereceu provimento superior pelo Supremo Tribunal de Justiça (devido a questão formal);

iii. A documentação apresentada já constava em tudo similar do outro recurso de revisão (apenso E), não é autêntica (cópias), não se mostra completa e poderia ter sido exibida em momento anterior e caso o arguido assim tivesse diligenciado, não se alcançando o motivo dessa impossibilidade anterior.

iv. Não obstante as demais posições processuais já assumidas nestes autos, inclusivamente pelo Ministério Público, consideramos que a questão suscitada poderá não se revelar linear, pelos motivos acima expostos, mas V. Exas. Senhores Juízes Conselheiros melhor decidirão.

Remeta a presente informação de imediato ao Supremo Tribunal de Justiça.»

5. Recebido, foi o processo com vista ao Ministério Público, nos termos do artigo 455.º do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido o seguinte parecer:

«[…]

Com todo o respeito por opinião em contrário, cremos que o presente recurso não deve proceder.

(…)

7. Ostensivamente:O arguido, ora recorrente, não alega factos novos.

Na verdade, o que o arguido, ora recorrente faz, é, puramente, o reforçar de uma estratégia que já usou durante a investigação e o julgamento em causa, lançando mão de várias identidades e apresentando documentos diversos para as comprovar:

AA;

BB;

KK;

JJ;

LL.

8 E as novas provas também não primam pela sua novidade (salvo, porventura, quanto às datas mais recentes apostas nalguns dos documentos agora juntos).

9 Nomeadamente:

O Cartão de Identidade, com o qual (além de outros dois) também já se identificou na audiência de julgamento respectiva;

O Registo-Criminal, que também já foi junto aos autos com os nomes AA, BB e KK;

As cópias das licenças de condução e de cartões bancários em nome de BB, que já constavam dos autos;

A cópia da notificação respeita a processo de extradição pedida pela Argentina, que, como país terceiro no caso, não está nas melhores condições para garantir que o extraditando tem, efectivamente, a identidade de BB;

A declaração da sua “honradez”, por dois Cidadãos venezuelanos.

10 Com todo o respeito, para além da sua quase geral falta de novidade, os documentos ora juntos não têm, pela ausência de certificação pelas Autoridades Venezuelanas, de tradução oficial ou de legibilidade, qualquer aptidão probatória quanto à verdadeira identidade do ora recorrente.

11 Donde: Não se revelam graves dúvidas sobre a justiça da condenação pela prática dos referidos crimes de “falsas declarações” e de “falsidade de declaração”;

Não se mostra (nem é alegado), por outro lado, que haja terceiras pessoas prejudicadas pela condenação – que tais identidades, agora negadas, não fossem puramente fictícias, relativas a pessoas que efectivamente existam.

12 A questão das suas identidades foi, no essencial, como se extrai da douta fundamentação, expressamente ponderada no processo lógico-intelectual de formação da livre convicção do julgador que fundou a sua culpabilidade e condenação com o nome de AA.

13 Não há factos novos;

Não há provas novas;

Não há graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

14 Não quer isto dizer que, estando fisicamente detido à ordem à ordem da Justiça Portuguesa, o Tribunal, oficiosamente ou a promoção do Ministério Público, não possa, pela via da Cooperação Internacional em Matéria Penal, comprovar a verdadeira identidade do arguido, ora recorrente, ou este, pelos canais consulares habituais, não logre munir-se de documentação bastante para o mesmo efeito, abrindo caminho a eventual incidente de rectificação do Acórdão condenatório e, por essa via, a um pedido de revisão de sentença viável (cfr, o art. 380º/1-b) do Código de Processo Penal).

15 Não cremos, pois, com todo o respeito, que seja esta a sede competente para a realização de tais diligências.

16 Nesta matéria, vejam-se os Acs. do STJ de: -23.11.2023, P-47/17.8PAMRA-A.S1: I- Não é admissível recurso de revisão de sentença de arguido (pessoa física) condenado pelos factos ilícitos criminais que efectivamente cometeu, mas que se identificou com nome de outrem. A alteração da decisão quanto ao erro de identidade, obtidos os documentos que atestem a verdadeira identidade da pessoa física condenada deve ser efectuada através de correcção de sentença nos termos do artº 380ºnº1 b) do CPP e por subsequente comunicação ao registo criminal para rectificação. II- A identificação do arguido em actos do processo (interrogatório) com usurpação de nome de terceiro implica-lhe responsabilidade criminal nos termos do artº 141º, nº3 e 342º, nº3 do CPP e futura sentença de condenação transitada, por esse facto, poderia servir sempre como prova futura para fundar pedido de rectificação e de ressarcimento de danos em acção de indemnização da iniciativa do usurpado. III- Feita prova, por essa ou outra via admissível e obtida certeza da verdadeira identidade do condenado, mas não por via de recurso de revisão, deverá ser então oficiosamente ordenada a correspondente correcção da sentença, nos termos do art. 380.° do CPP, e remeter-se, com a respectiva nota de referência, outro boletim ao registo criminal, com a identificação correcta, para substituição do anterior.

-14.07.2011, P-134/08.3GBOVR-B.S1:

I - A primeira questão que se deve colocar no recurso consiste em saber se a falsa identidade do condenado está ou não incluída nos casos em que se pode considerar que há sérias dúvidas sobre a justiça da condenação.

II - O STJ tem produzido muita jurisprudência sobre o assunto, no sentido maioritário de que, se o que está em causa é a identidade da pessoa que foi efectivamente julgada e condenada, o meio próprio para recolocar a verdade é o da correcção dos elementos de identificação referidos na sentença, de acordo com o art.º 380.º, n.º 1, al. b), do CPP.

III - Contudo, a nosso ver, esta jurisprudência deveria restringir-se aos casos em que não há qualquer dúvida sobre a pessoa física que foi julgada, nomeadamente, porque lhe foram colhidas as impressões digitais ou porque está em prisão preventiva, mas que se identificou com elementos falsos, por estar indocumentada ou por possuir documentos que não são fidedignos.

IV - Com efeito, a correcção da sentença que é legalmente permitida ao tribunal que a proferiu, pois que já esgotou os seus poderes jurisdicionais, só é possível nos casos em que da mesma não resulta modificação essencial. Não parece ser essa a situação em que a pessoa A é nominalmente condenada num processo que lhe foi completamente estranho e no qual não está suficientemente apurado, por elementos inequívocos, quem fisicamente foi acusado e levado a julgamento (pessoa B), pois não esteve presente na audiência e, portanto, não foi possível colher as impressões digitais do condenado.

V - Neste último exemplo, a pessoa A sofreu prejuízos, de ordem moral ou mesmo material, pois ficou com cadastro ou pode mesmo ter sido detida para cumprir uma pena. Não basta, portanto, que a sentença seja corrigida, pois necessário se torna que à pessoa A seja reconhecida a injustiça da condenação e que o seu prejuízo seja ressarcido pelo Estado. O que, todavia, já não se passa com a pessoa B, quando se apurar quem é, pois foi justamente condenada, embora com a identificação de A.

VI - A solução nestes casos em que o arguido, que se desconhece quem verdadeiramente seja, mas que usurpou a identificação de outrem que efectivamente existe e que foi nominalmente condenado, deve fazer-se através do recurso de revisão, movido ou pelo M.º P.º ou pela pessoa nominalmente condenada e, se estiverem reunidos os respectivos pressupostos, o STJ deve autorizar a revisão.

VII - Procede-se, seguidamente, a novo julgamento, cujo único âmbito é o de apurar a verdadeira identidade da pessoa que foi objecto da condenação já transitada em julgado e que, portanto, poderá culminar com a absolvição da pessoa nominalmente condenada, com as demais consequências referidas na lei e, ainda, se possível, com a correcção da sentença condenatória quanto à identificação do verdadeiro autor dos factos (o qual, assim, nunca poderá beneficiar do desfecho do novo julgamento).

VIII - No caso em apreço, a carta enviada pela responsável dos Recursos Humanos do Hotel suíço onde a recorrente trabalha, em resposta a um ofício confidencial que o relator lhe enviou, na qual aquela responsável afirma que a recorrente trabalhou no dia do acidente, a partir das 7 horas da manhã, suscita uma grave dúvida sobre a justiça da condenação.

III

Em síntese:

Não é novo aquele que, sendo um facto já objecto da discussão em julgamento, mormente decorrente das várias identidades apresentadas durante o processo pelo arguido, foi já decidido pelo Tribunal da sentença revidenda, agora a descontento daquele.

Também não são novos os documentos com idênticas anteriores versões já constantes nos autos;

Não possuindo tais documentos qualquer aptidão probatória, não há lugar a graves dúvidas sobre a justiça da condenação; A identidade do condenado – que tenha estado fisicamente em julgamento e se encontre ainda à ordem da Justiça Portuguesa pode (mormente não se revelando o uso de identidades que não fossem puramente fictícias, sem prejuízo para terceiras pessoas) ser rectificada pela via do incidente da correcção da sentença.

IV

Em conclusão:

Motivo por que o Ministério Público dá Parecer que deverá:

Ser o presente recurso julgado improcedente, com denegação da revisão.»

6. Dado o teor da informação prestada pelo juiz do processo, foram solicitados esclarecimentos complementares.

7. Em complemento da informação prestada em 10-09-2024 ao Supremo Tribunal de Justiça, a Mma. Juiz do processo esclareceu:

«I –Em complemento da informação prestada em 10-09-2024 ao Supremo Tribunal de Justiça, em obediência, cumpre acrescentar o seguinte:

a) Esclarecer que o primeiro contacto com os presentes autos foi concretizada com o despacho supra referenciado, não tendo a presente signatária presidido à audiência de discussão e julgamento em causa;

b) Ao indicarmos que a decisão “não seria linear” tinha apenas em consideração uma questão de cortesia e a nossa divergência de posição para com o Ministério Público, manifestada nos argumentos informados em contraposição com o teor da resposta apresentada pelo mesmo Ministério Público, considerando a presente signatária que a documentação apresentada pelo arguido seria insuficiente para a conclusão pretendida;

c) A nossa discordância com o sentido do pedido de revisão formulado devido aos esclarecimentos referenciados nas als. i) a iii) do despacho supra referenciado e a fls. 9788;

d) Acrescentar que de entre a condenação sofrida pelo arguido e quanto a vários ilícitos penais, o mesmo limita o seu pedido de revisão aos crimes referenciados nos Arts.º 348º-A e 359º nº2 do C. Penal;

e) Informar que se desconhece, de momento, nos presentes autos, qualquer outra decisão transitada em julgado que considere falsos os meios de prova considerados no acórdão condenatório (v. Art.º 449º nº1 al. a) do C.P.Penal).

II – a) Para melhor esclarecimento, ordenar a remessa ao Supremo Tribunal de Justiça de certidão, com nota de trânsito em julgado, quanto ao arguido requerente do pedido de revisão, acompanhando o presente despacho e do resultado das diligências entretanto realizadas, designadamente dos mandados respectivos, termo de identidade e residência, constituição de arguido, da acta com o primeiro interrogatório judicial dos arguidos detidos e respetivamente, actas da audiência de julgamento, todos os acórdãos proferidos nestes autos principais e respectivos apensos, em sede de primeira instância, Tribunal da Relação de Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça;

b) Determinar a tradução da documentação estrangeira apresentada pelo arguido no respectivo apenso F e datada de 15-07-2024, com nota de urgente e pela via mais expedita;

c) Solicitar ao processo referenciado na documentação apresentada pelo arguido, mais concretamente processo nº 1824/17.5..., ...ª S. do Tribunal da Relação de Lisboa, do expediente que fundamenta o pedido de extradição, informando que tem em vista instruir informação junto do Supremo Tribunal de Justiça e quanto ao pedido de revisão formulado pelo arguido, em que alega ser pessoa diversa, remetendo para o efeito e melhor compreensão, certidão com o pedido formulado pelo arguido no apenso F e respetiva documentação datada de 15-07-2024;

d) Ordenar a disponibilização imediata do processo eletrónico junto do Supremo Tribunal de Justiça.

III – Informar desde já o Supremo Tribunal de Justiça do teor do presente despacho, mais se ordenando a notificação desses pedidos de informação e dos esclarecimentos prestados pela presente signatária aos demais sujeitos processuais afectados.»

8. Juntos os elementos referidos na informação complementar foram de novo os autos ao Ministério Público, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido parecer nos seguintes termos:

«Considerando, com todo o respeito, o vertido, em especial, nos nº 14 a 16 do Parecer de 16.09.2023.

Considerando crer o Ministério Público que persistem sérias dúvidas sobre a verdadeira identidade do arguido, ora recorrente, pois que se identificou:

-como JJ, perante a PJ, em 16.11.2016, com DNI (falso)

-como BB, perante o JIC, em 17.11.2016, mas sem DNI (e sem que no acto lhe tenham sido colhidas impressões digitais e obtida fotografia), dizendo ter nascido a ........1968 e ser filho de CC e DD (pais adoptivos),

-como AA, perante a PJ (novo TIR), em 18.07.2017, mas com DNI (falso?);

-como BB, em julgamento, no dia 12.03.2018, dizendo ter nascido a ........1969 e ser filho de CC e DD;

-como BB, no presente recurso, juntado documentos donde se extrai (certidão de nascimento e carta de condução, esta com fotografia, mas em cópia de má qualidade) ser filho de MM e NN e ter nascido a ........1969.

Continua a entender-se não existirem sérias dúvidas sobre a justiça da condenação (seja pelos crimes de “falsas declarações”, seja pelos restantes, bem mais graves – quanto a estes, se cometidos pelo BB, se pelo AA), que possa suscitar a formulação de um juízo seguro ainda que de mera rescindência.

Ou seja:

-Impor-se-á, isso-sim, no processo da condenação:

Confirmar, por contacto físico com o arguido em causa, a requisitar ao EP respectivo, e subsequente realização de fotografia e colheita de impressões digitais, quem esteve no julgamento;

Pedir às Autoridades Venezuelanas, mormente através do Consulado-Geral em Portugal, a confirmação da identidade da pessoa assim referenciada, com envio de cópias de documentos de identificação com fotografias de qualidade.

Obtida tal confirmação, estará o arguido (ou o Ministério Público) em condições (ou não) de deduzir um pedido viável de revisão quanto aos crimes “falsas declarações” e de mera rectificação de identidade quanto aos restantes crimes.»

9. O recorrente tem legitimidade para requerer a revisão (artigo 450.º, n.º 1, al. c), do CPP).

Colhidos os vistos o processo foi remetido à conferência para decisão (artigo 455.º, n.ºs 2 e 3, do CPP).

II. Fundamentação

10. A sentença recorrida, cuja revisão agora se pretende, julgou provados, na parte que agora interessa, os seguintes factos, com base na seguinte motivação:

«1.20. De modo a melhor ocultarem a sua identidade, bem como de modo a não serem localizados a fim de obviarem às ordens de detenção que sobre eles pendiam, aproveitando os recursos e conhecimentos que os diversos elementos do grupo possuíam, designadamente na Bulgária e países sul-americanos, os arguidos não só usavam diversas identidades, bem como obtiveram, através de pessoas cujas identidades não se apurou e com a entreajuda dos demais arguidos que intermediaram os negócios que levaram a essa obtenção, documentos de identificação com múltiplas identidades, alegadamente emitidas por autoridades búlgaras e sul-americanas, tanto mais que as verdadeiras identidades de EE, AA e FF apenas foram conhecidas diversos meses após a sua detenção nos autos sob outras identidades e por via da cooperação policial com entidades estrangeiras.

1.22. O arguido AA, nascido em ...-...-1960, na Argentina, filho de OO e PP, com o documento de identificação ...60 e que se identificou nos autos como BB, nascido em ...-...-1969, em ... – Venezuela, cartão de identidade n.º ...90, emitido pela Venezuela, também usou os seguintes: JJ cartão de identificação Búlgaro n.º ...84, nascido a ...-...-1968; KK (identificação como que foi preso em Espanha, donde se evadiu) e LL.

1.161. Aquando da constituição de arguido e termo de identidade e residência, perante a Polícia Judiciária, o arguido AA, também conhecido por “QQ” ou “RR”, identificou-se como sendo JJ, no entanto este não é o seu nome verdadeiro.

1.162. Aquando do 1º interrogatório judicial de arguido detido, no dia 17 de novembro de 2016, perante Juiz de Instrução Criminal que o advertiu do dever de responder com verdade quanto à sua identificação e das consequências que adviriam de faltar à verdade, o arguido AA disse chamar-se BB, filho de CC e de DD, natural de ..., nacional de Venezuela, nascido a ...-...-1968.

1.163. Faltou à verdade quanto à sua identificação, uma vez que o seu nome é AA.

1.174. O impresso de cartão de identidade com o nº ...84 e carta de condução com o nº ...85, alegadamente emitidos pela República da Bulgária a favor de JJ, e dos quais consta a fotografia do arguido AA, não foram preenchidos nem emitidos pelas autoridades competentes búlgaras, mas por pessoa não determinada, a pedido do arguido AA, para que este os usasse como se se tratasse de documentos de identificação verídicos, e que, fazendo uso dos dados de identificação e fotografia cedidos por este, forjou tais documentos, deles fazendo constar a identidade inverídica de JJ, com a data de nascimento ...-...-1968, o nome do pai JJ, o nº pessoal ...45, a nacionalidade BGR e a fotografia do arguido AA, como se se tratasse da sua verdadeira identidade, o que não sucede pois o mesmo chama-se AA.

1.175. Tais documentos foram obtidos, a pedido do arguido AA, através do arguido GG, que enviou uma fotografia do arguido a uns indivíduos de identidade não apurada, na Bulgária, que os forjaram nos termos descritos e os enviaram ao arguido GG, que os entregou ao arguido AA, tudo mediante pagamento.

1.197. Os arguidos EE, AA e FF quiseram fornecer aos autos identidades que bem sabiam não serem as suas, não obstante estarem cientes de que à identificação, quer perante a Polícia Judiciária, quer perante Juiz, deveriam indicar a sua verdadeira identidade e das consequências que para si adviriam caso faltassem à verdade como faltaram.

3. Motivação da decisão de facto

A convicção do Tribunal sobre a factualidade provada e não provada radicou na análise crítica e ponderada da prova produzida em julgamento, designadamente:

As declarações prestadas pelos arguidos, quer na audiência de julgamento, quer perante o Sr. Juiz de Instrução Criminal, quer perante a Sra. Procuradora-Adjunta, feitas na presença dos respetivos defensores, o depoimento das testemunhas inquiridas no decurso da audiência de julgamento

O arguido AA quis prestar declarações, começando por referir que quanto “mais pena” lhe derem aqui em Portugal, melhor, porque quando for extraditado para o seu país, como já decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, depois de aqui cumprir pena, irão matá-lo, pelo que, quanto mais tarde for, melhor. Tendo sido perguntado ao arguido se pretendia falar sobre os factos que lhe são imputados, após lhe ter sido explicado que, em Portugal, não se condena ninguém a pedido, mas apenas se os factos se provarem, disse, relativamente aos factos descritos na acusação

Confrontado com as várias identificações que lhe são atribuídas (constantes no artigo 23 da acusação), manteve a declaração no sentido de ser cidadão venezuelano e de chamar-se BB, admitindo ter usado as seguintes identificações: AA, JJ, KK (identificação com a qual foi preso em Espanha, de onde se evadiu) e LL.

Vejamos a situação de cada arguido em concreto, sendo certo que, através do GNI (Gabinete Nacional Interpol) se apurou, através da recolha e envio das impressões digitais dos arguidos, a sua verdadeira identificação:

O arguido AA, aquando da sua detenção, tinha consigo os seguintes documentos de identificação: Um cartão de identificação (Identity Card) emitido em nome de JJ, emitido pela República da Bulgária, com a sua fotografia; e Uma carta de condução (Driving Licence) emitida pela República da Bulgária em nome de JJ. O arguido admitiu estes factos (reclamando mesmo no decurso do julgamento que a sua verdadeira identificação é BB e nasceu na Venezuela), esclarecendo que, quando detido, usava os documentos da Bulgária e que tais documentos foram obtidos através do GG (por isso, em coautoria), a quem havia dito que o seu passaporte (em nome de BB) só era válido por três meses.

Quanto às falsas declarações cometidas pelos arguidos EE, AA e FF, quando se identificaram perante a Polícia Judiciária e pelo arguido GG, quando o fez perante o militar da GNR, para além de terem sido assumidas pelos arguidos AA, FF e GG, resultaram provadas através do teor dos autos de constituição de arguido e dos respetivos termos de identidade e residência.

Quanto às falsidades de declaração cometidas pelos arguidos EE, AA e FF, quando se identificaram perante o Juiz de Instrução Criminal prestando falsas declarações sobre a sua identidade, para além de esses factos terem sido assumidos pelo arguido FF, os mesmos resultaram provadas através do teor dos respetivos autos de interrogatório judicial.» (p. 171)

11. O direito à revisão de sentença condenatória tem consagração, como direito fundamental, no artigo 29.º, n.º 6, da Constituição. Dispõe este preceito que «[o]s cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos».

A revisão, que se efetiva por via de recurso extraordinário que a autorize, nos termos dos artigos 449.º e seguintes do Código de Processo Penal («CPP»), com a realização de novo julgamento, possibilita a quebra do caso julgado de sentenças condenatórias que devam considerar-se injustas, por ocorrer qualquer dos motivos previstos no artigo 449.º.

Como se tem consignado em anteriores acórdãos (nomeadamente, de entre os mais recentes, no acórdão de 11.10.2023, Proc. 7882/19.0T9LSB-A.S1, em www.dgsi.pt, que se reproduz e acompanha no que se segue), a linha de fronteira da segurança jurídica resultante da definitividade da sentença transitada em julgado, por esgotamento ou não utilização das vias processuais de recurso ordinário, enquanto componente das garantias de defesa no processo (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição), estabelece-se, como garantia relativa à aplicação da lei penal (artigo 29.º da Constituição), no limite resultante da inaceitabilidade da subsistência de condenações que se revelem «injustas».

O juízo de dúvida sobre a justiça da condenação, revelado por demonstração de fundamento contido no numerus clausus definido na lei (artigo 449.º, n.º 1, do CPP), que justifica a realização de novo julgamento, sobrepõe-se, assim, à eficácia do caso julgado, em homenagem às finalidades do processo – a realização da justiça do caso concreto, no respeito pelos direitos fundamentais –, desta forma se operando o desejável equilíbrio entre a segurança jurídica da definitividade da sentença e a justiça material do caso. O fundamento do caso julgado «radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito», sublinha Eduardo Correia, que acrescenta: «a força de uma sentença transitada em julgado há-de estender-se até onde o juiz tenha o poder e o dever de apreciar os factos submetidos a julgamento», sendo que «posta uma questão ante um magistrado, deve este necessariamente resolvê-la esgotantemente até onde deva e possa» (Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, Teoria do Concurso em Direito Criminal, Almedina, 1963, pp. 302 e 304).

12. Num processo penal de tipo acusatório completado por um princípio de investigação, a que corresponde o modelo do Código de Processo Penal, as garantias e procedimentos de formação de uma decisão judicial definitiva de aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança (artigo 340.º e segs. do CPP), incluindo as possibilidades de impugnação, de facto e de direito, por via de recurso ordinário (artigo 412.º do CPP) admissível, por regra, relativamente a todas as decisões in procedendo e in judicando (artigo 399.º do CPP), previnem e reduzem substancialmente as possibilidades de erro judiciário que deva ser corrigido por via de recurso extraordinário de revisão contra as «injustiças da condenação», o que eleva especialmente o nível de exigência na apreciação dos fundamentos para autorização da revisão.

A garantia do direito a um processo equitativo («processo justo»), nas suas múltiplas dimensões, tal como se consagra no artigo 32.º da Constituição, no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos («CEDH») e no artigo 14.º do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos («PIDCP»), impõe que ao arguido, que tem o direito e o dever de estar presente em audiência, assistido por defensor (artigos 61.º e 332.º do CPP), seja dado o tempo e os meios necessários para preparar da sua defesa e apresentar os meios de prova a produzir e seja assegurada a faculdade de contrariar a prova contra si produzida em audiência pública e contraditória onde devem ser apresentadas e produzidas todas as provas que devem fundamentar a decisão sobre a sua culpabilidade (como se estabelece nos artigos 315.º, 327.º, 339.º, n.º 4, 340.º e 355.º do CPP).

13. A lei enumera os fundamentos e dispõe sobre admissibilidade da revisão no artigo 499.º do CPP. Estabelece o n.º 1, alínea d), deste preceito, que o recorrente invoca para fundamentar o pedido:

«1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

a. Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

(…)

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

(…)»

A alínea d) requer a convocação do artigo 453.º do mesmo diploma («Produção de prova»), que dispõe:

«1 - Se o fundamento da revisão for o previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º, o juiz procede às diligências que considerar indispensáveis para a descoberta da verdade, mandando documentar, por redução a escrito ou por qualquer meio de reprodução integral, as declarações prestadas.

2 - O requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor

14. Tem este tribunal sublinhado, em jurisprudência sólida e reiterada, que, para efeitos da al. d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, são novos meios de prova os que não foram apreciados no processo que levou à condenação nem considerados na sua fundamentação, e que, sendo desconhecidos do tribunal no ato de julgamento, permitem que, pela sua descoberta posterior, se suscitem graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado. Novos meios de prova são aqueles que são processualmente novos, que não foram apresentados no processo da condenação; neste sentido, a novidade refere-se ao meio de prova – seja pessoal, documental ou outro –, e não ao resultado da produção da prova (como se salienta, entre outros, nos acórdãos de 06.07.2022, Proc. 68/18.3SULSB-B, e de 09.02.2022, Proc. 163/14.8PAALM-A.S1, citando o acórdão de 10.04.2013, Proc. 127/01JAFAR-C.S1, 3.ª Secção, em www.dgsi.pt).

«Novos» meios de prova são, em regra, os que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não foram apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal [acórdãos mencionados, citando, além de muitos outros, os acórdãos de 26.10.2011 proc. 578/05.2PASCR.A.S1 (Sousa Fonte), de 30.1.2013, proc. 2/00.7TBSJM-A.S1 (Raul Borges), com indicação exaustiva de jurisprudência e doutrina, e de 19.03.2015, proc. 175/10.0GBVVD-A.S1 (Isabel São Marcos), em www.dgsi.pt]. Admitindo-se, no entanto, face ao disposto na parte final do n.º 2 do artigo 453.º do CPP, que, embora não sendo ignorados pelo recorrente, poderão estes ser excecionalmente considerados desde que o recorrente justifique a razão, atendível, por que os não apresentou no julgamento (assim, entre outros, os acórdãos de 06.07.2022 e de 909.02.2022, citando os de 8.1.2014, no proc. 1864/13.33T2SNT-A.S1, e de 16.1.2014, no proc. 81/05.0PJAMD-A.S1, em Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar et alii, Almedina, 2016, 2.ª ed. e anotação ao artigo 449.º, de Pereira Madeira).

15. A dúvida sobre a justiça da condenação, relevante para a revisão, tem de ser qualificada. Como se tem salientado, não basta a mera existência da dúvida; é necessário que ela se eleve a um patamar de solidez que permita afirmar a sua «gravidade» (como se sublinha nos acórdãos citados), isto é, que, na ponderação conjunta de todos os factos e meios de prova, seja possível justificadamente concluir que, tendo em conta o critério de livre apreciação da prova (artigo 127.º do CPP) e sem prejuízo da sujeição ao teste do contraditório, imediação e oralidade do novo julgamento, deles resulta uma forte possibilidade de não condenação.

Apreciação

16. Recordando a motivação do recurso, a recorrente alega, em síntese:

Que «não faltou à verdade, quando referiu chamar-se BB, nomeadamente aquando o seu primeiro interrogatório judicial de arguido detido, a 17 de Novembro de 2016, existindo, “apenas”, a dificuldade em provar tal identificação em virtude da ausência de documentos comprovativos de tal e da impossibilidade de, em tempo útil fazê-los chegar a Portugal, nomeadamente, atenta a sua privação de liberdade», pelo que «encetou uma incessante procura, com o auxílio de terceiros para obter documentação válida e com origem em entidades oficiais por forma a provar ser o cidadão que afirmou ser, isto é: “BB (…);

Que «tal documentação é emitida no mês de Novembro de 2021», foi remetida para Portugal em janeiro de 2022, mas extraviou-se, pelo que a sua receção só ocorreu «no mês de Maio de 2023».

Indicando como provas:

«Doc. 1 – Certidão de Nascimento

Doc. 2 e 3 – declarações dos cidadãos HH e II

Doc. 4 – Certificado de Registo Criminal da República Bolivariana da Venezuela

Doc. 5 – Fls. 2947 dos autos (Cópia dos documentos de identificação do recorrente, ou seja, BB)

Doc. 6 – Fls. 2948 (cópia dos documentos que habilitam o arguido recorrente, ou seja, BB, a conduzir veículos automóveis e velocípedes)

Doc. 7 – fls. 2949 (Cópia do cartão multibanco, emitido por entidade bancária Venezuelana)

Doc. 8 – Notificação no âmbito do proc. N.º 1824/17.5... (processo de extradição) que pende no Tribunal da Relação de Lisboa, em que o nome do arguido é corrigido, sendo o recorrente o ali requerido, BB».

17. Como resulta do teor do próprio requerimento, os documentos indicados com os n.ºs 5, 6 e 7 são documentos que constam do processo, desde a fase preliminar, e que neles foram apreciados. Não são, pois, provas «novas».

De notar que que, como nota o Senhor Procurador-Geral Adjunto, o arguido, agora recorrente lançou mão de várias identidades, o que obrigou a recorrer a mecanismos de cooperação policial para determinar a sua identidade após recolha de impressões digitais. Lê-se, a este propósito na fundamentação do acórdão condenatório (p. 165) que, «através do GNI (Gabinete nacional da Interpol) se apurou, através de recolha e envio de impressões digitais dos arguidos, a sua verdadeira identificação». E no email do GNI/Polícia Judiciária de 6.2.2017 (fls. 2823), que informa do resultado obtido relativamente à confirmação das identidades dos arguidos: «a) AA, filho de OO e PP, nascido a ........1960 na Argentina é a verdadeira identidade do indivídui referenciado como BB (…). A confirmação da identidade foi realizada pelas autoridades argentinas que conformaram que sobre este indivíduo pende uma notícia vermelha (MDI) que se encontra atualmente válida e que corresponde ao n.º de controlo ...05».

Extrai-se dos documentos dos autos que, quando, em 16.11.2016, prestou TIR na Polícia Judiciária (fls. 2017, identificou-se como “QQ ou RR, que diz ser JJ (…)”; presente ao juiz de instrução, no dia seguinte, identificou-se com BB, identidade que consta do auto de constituição de arguido de 18.11.2016 (fls. 2341). Na sequência das diligências levadas a efeito para apurar a identidade, o recorrente foi constituído de novo arguido em 18.7.2017 (fls. 3928) e nessa mesma data prestou novo TIR (fls. 3930) onde está identificado como AA e onde consta, no auto por si assinado, que havia sido constituído arguido em 18.11.2016, «com identidade falsa».

No auto de interrogatório (fls. 3932), por si assinado, consta que tomou conhecimento «de que no dia 16.11.2016 em sede de 1.º interrogatório judicial se ter identificado falsamente como sendo BB, quando na realidade a sua verdadeira identificação é AA, nascido a ........1960, na Argentina» (fls. 3938), e que «declarou que não desejava prestar declarações».

Em audiência de julgamento, em que se discutiu a sua identidade, dada a acusação de sobre ela ter prestado declarações falsas, o arguido continuou a manter que o seu nome era BB, lendo-se no acórdão da Relação, que conheceu de recurso por si interposto que o arguido «diz que quanto à falsidade de declarações perante o juiz de instrução ao se identificar por BB ainda hoje garante que é a sua identidade e que tem certidão de nascimento em seu nome e é cidadão venezuelano, atualmente existe um processo no DIAP de Lisboa para apurar da verdade da sua identidade».

O arguido, que sempre esteve assistido por advogado, teve à sua disposição a possibilidade de, ao longo do processo e em audiência de julgamento, requerer todas as diligências que entendesse por necessárias para demonstrar a identidade que alega ter, o que, dizendo respeito ao objeto da própria acusação, não poderia deixar de ser atendido pelo tribunal. Para além disso, teve ainda a possibilidade de, em recurso, impugnar a decisão condenatória em matéria de facto, o que não fez.

Em consequência, tendo em conta a prova produzida no processo, por via das diligências efetuadas para apurar a identidade do arguido, o tribunal identificou o arguido como sendo «AA, filho de OO e PP, nascido na Argentina, no dia ...-...02 (titular do documento de identificação ...60)» não deixando de referir que este «se identificou nos autos como BB, nascido em ...-...-1969, em ... – Venezuela, cartão de identidade n.º ...90, emitido pela Venezuela».

18. As provas agora apresentadas pelo arguido não permitem conclusão suscetível de pôr em crise os fundamentos da condenação.

Para além de provas (documentos) já constantes do processo, junta uma dita «certidão de nascimento» (doc 1), duas declarações «dos cidadãos HH e II» (docs. 2 e 3) e um «certificado de registo criminal da República Bolivariana da Venezuela» (doc. 4).

A dita «certidão de nascimento», manuscrita, que foi traduzida para língua portuguesa, diz: «Autoridade Civil da freguesia de ..., Departamento de Libertador do Distrito Federal, faz constar que hoje, a dezasseis de dezembro de mil novecentos de oitenta e dois, foi-me apresentada uma certidão de nascimento com vista à sua inscrição, que foi copiada de forma literal. Diz como segue: República da Venezuela, freguesia de ... do Departamento de Libertador do Distrito Federal, Conselho Municipal, ato n.º ...28, SS [nt: ilegível], primeira autoridade civil da freguesia de ..., Departamento de Libertador do Distrito Civil de [nt: ilegível], faço constar que hoje, dezoito de maio de mil novecentos e setenta e dois, foi-me apresentado neste serviço um [nt: ilegível] por: MM, de vinte e cinco anos de idade, comerciante de profissão, natural de ..., de estado civil solteiro, com documento de identidade n.º -...21, com morada na rua ..., que manifestou que o menino que pretende registar nasceu no dia ...-...-1969 às 2:18 [nt: ilegível] meridional, no Hospital Universitário de ... e tem por nome TT que é filho do filho do declarante e de: NN, solteira, de vinte e um anos de idade, doméstica, natural de ..., estado de ..., com documento de identidade n.º ...76, testemunharam este ato: UU e VV [nt: ilegível] (maiores de idade y aqui residentes), sendo concluído e [nt: ilegível] que assinaram no Gabinete Civil Secretario [nt: ilegível] , é cópia fiel e exata do respetivo original.» Desconhece-se a origem e autenticidade do documento e dele não se extrai que a pessoa em causa (o «menino que pretende registar») seja o arguido.

Das declarações dos «cidadãos HH e II» apenas se extrai que estes cidadãos dizem conhecer o cidadão BB, atestando a sua boa conduta. Nada mais provam.

Do «certificado do registo criminal», aparentemente emitido pela República Bolivariana de Venezuela, apenas resulta que o «cidadão BB» «não regista antecedentes penais» («no registra antecedentes penales en la República Bolivariana de Venezuela». Nada indicando que este «cidadão» é o arguido.

Para além disso, do apresentado doc. 8 («Notificação no âmbito do proc. N.º 1824/17.5... (processo de extradição) que pende no Tribunal da Relação de Lisboa, em que o nome do arguido é corrigido, sendo o recorrente o ali requerido, BB», apenas se extrai que o arguido usa este nome, como sucede no processo da condenação.

19. Como fundamento da revisão invoca ainda o recorrente a al. a) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, segundo a qual a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão.

Porém, não vem indicada nem é conhecida qualquer sentença que tenha considerado falsos tais meios de prova.

20. Nesta conformidade, não tendo sido descobertos novos meios de prova que possam suscitar dúvida sobre a justiça da condenação, nem havendo sentença que tenha considerado falsos os meios de prova em que esta se fundou, impõe-se concluir que não ocorre qualquer dos alegados fundamentos da revisão da condenação e que o recurso carece manifestamente de fundamento.

Pelo que deve ser negada a revisão.

III. Decisão

21. Pelo exposto, nos termos do disposto no artigo 455.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, acorda-se em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em denegar a revisão da sentença condenatória requerida pelo condenado AA.

Vai a recorrente condenada em custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artigos 456.º, 1.ª parte, do CPP e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, em anexo).

Nos termos do disposto no artigo 456.º, 2.ª parte, do CPP, vai ainda a recorrente condenada na quantia de 10 UC.

Supremo Tribunal de Justiça, 13 de março de 2025.

José Luís Lopes da Mota (relator)

José A. Vaz Carreto (adjunto)

António Augusto Manso (adjunto)

Nuno António Gonçalves (presidente da secção)