COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO VALOR
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
REGULAMENTO (UE) 1215/2012
LUGAR DO CUMPRIMENTO
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO
Sumário


1- Sem prejuízo dos reflexos em termos de valor da causa de vir a ser deduzida reconvenção ou de novos pedidos pelos intervenientes (em caso de intervenção de terceiros), o valor da causa é fixado por referência ao momento da propositura da ação (entrada em juízo da petição inicial), sendo irrelevantes a redução, a ampliação ou a alteração do pedido que venham posteriormente a ocorrer.
2- Na sequência da redação introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14/08, ao art. 1069º do CC, sem prejuízo do disposto no n.º 2, o contrato de arrendamento urbano passou a ter natureza formal, pelo que as cláusulas verbais acessórias anteriores, contemporâneas ou posteriores à celebração do contrato de arrendamento escrito encontram-se submetidas ao regime do art. 221º do CC, nos termos do qual as cláusulas verbais acessórias anteriores ou contemporâneas à celebração daquele são, em princípio, nulas; e as cláusulas verbais posteriores à celebração do contrato escrito são, em princípio, válidas, a não ser que a razão de ser da exigência de forma escrita as abranja.
3- Não estão abrangidas pela exigência da forma escrita do contrato de arredamento urbano as cláusulas que fixem o lugar ou o tempo do cumprimento ou a quitação do próprio pagamento.
4- O princípio da concentração da defesa (art. 573º do CPC) é aplicável ao réu, mas não ao autor, pelo que a circunstância da autora ter proposto contra o réu uma anterior ação declarativa de condenação, em que formulou o mesmo pedido, com fundamento na mesma causa de pedir que formula/alega na presente ação, e de nessa anterior ação ter sido julgada procedente, por decisão transitada em julgado, a exceção dilatória de incompetência dos tribunais portugueses para conhecerem daquela relação jurídica, não impede que aquela proponha a presente ação, alegando ter acordado verbalmente com o réu que este lhe restituiria a quantia que lhe entregara, a título de caução, aquando da celebração do contrato de arrendamento, uns dias após finais de março de 2018, na residência desta situada em Portugal, o que incumpriu (acordo verbal esse que não fora por si alegado na anterior ação), pretendendo que, face a esse acordo verbal (“nova causa de pedir”, anteriormente não alegada), os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para conhecerem da relação jurídica material controvertida delineada na petição inicial.
5- As normas determinativas de competência internacional dos tribunais portugueses previstas em Regulamentos da União Europeia (direito interno nacional, por via da cláusula de receção automática do art. 8º, n.º 4 da CRP), em Convenções Internacionais aprovadas e ratificadas pelo Estado Português (art. 8º, n.º 2 da CRP), ou emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal faça parte, em cujos tratados constitutivos se preveja vigorarem diretamente na ordem jurídica interna dos Estados que delas façam parte (art. 8º, n.º 3 da CRP), sobrepõem-se (afastando a sua aplicação) às normas de competência internacional internas, previstas nos arts. 62º e 63º do CPC.
6- Fundando-se a pretensão condenatória do réu formulada pela autora no incumprimento de um contrato de arrendamento que tem por objeto prédio situado no Luxemburgo, é aplicável o Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2012.
7- Nos termos do art. 24º, n.º 1 daquele Regulamento, em matéria de arrendamento de imóveis são exclusivamente competentes os tribunais do Estado-Membro onde se situa o imóvel arrendado, pelo que, os tribunais nacionais são internacionalmente incompetentes para conhecerem da relação jurídica delineada pela autora na petição inicial, por essa competência se encontrar deferida (em exclusivo) aos tribunais do Luxemburgo.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

AA, residente na Rua ..., ... ..., ..., instaurou, em 09/09/2021, ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB, residente em 18, Rue ... ..., Luxemburgo, pedindo que se condenasse o último a pagar-lhe a quantia de 62.400,00 euros, acrescida do valor do agravamento que vier a ser apurado no exame a realizar na pessoa da Autora quanto aos danos morais por ela sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Para tanto alegou, em suma: em ../../2016, tomou de arrendamento ao Réu, para habitação, um apartamento no Luxemburgo; por acordo escrito de 22/03/2018, Autora e Réu acordaram em pôr termo a esse contrato com efeitos a 31/03/2018; na data da celebração do contrato a Autora entregou ao Réu a quantia de 2.400,00 euros, a título de garantia; cessado o contrato de arrendamento, o Réu obrigou-se a restituir-lhe aquela quantia uns dias após o final de março de 2018, mediante envio para a residência desta, sita em Portugal; o que não cumpriu; com a referida quantia a Autora esperava liquidar um empréstimo que tinha contraído junto dos pais e tratar de obter um empréstimo bancário a fim de conseguir uma habitação para a sua família; por via do incumprimento do Réu começou a ficar ansiosa e em profundo sofrimento psicológico e sentiu-se envergonhada, o que lhe demandou danos não patrimoniais para cuja compensação reclama a quantia de 60.000,00 euros.
O Réu contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Invocou a exceção dilatória de caso julgado sustentando que, em 25/05/2022, a Autora instaurou ação declarativa contra ele, em que formulou o mesmo pedido e causa de pedir que deduz na presente ação, tendo aquela corrido termos no Juízo Central Cível de Guimarães, Juiz ..., sob o n.º 2401/20....; e nela julgou-se procedente a exceção dilatória de incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecerem daquela relação jurídica material controvertida e, em consequência, absolveu-se o mesmo da instância, decisão essa que veio a ser confirmada por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, transitado em julgado.
Suscitou a exceção dilatória de incompetência internacional dos tribunais nacionais para conhecerem da relação jurídica material controvertida delineada pela Autora na petição inicial, advogando que, nos termos do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2012, essa competência pertence aos tribunais luxemburgueses.
Invocou a exceção dilatória de ilegitimidade ativa, alegando que o contrato de arrendamento foi por ele celebrado com a Autora e o marido desta, pelo que aquela não dispõe de legitimidade ativa para instaurar a presente ação desacompanhada do marido.
  Suscitou a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial, alegando que a Autora não formulou os pedidos de forma individualizada, mas antes dispersamente ao longo da petição inicial, o que determina que os pedidos por ela formulados sejam ininteligíveis.
Impugnou que deva à Autora a quantia de 2.400,00 euros, e que se tenha obrigado a restituir-lhe essa quantia, bem como a facticidade que por ela foi alegada em sede de danos não patrimoniais.
Concluiu pedindo que se ordenasse o desentranhamento da petição inicial por falta de pagamento de taxa de justiça por parte da Autora.
Subsidiariamente, pediu que se julgasse procedente a exceção dilatória de caso julgado ou de autoridade do caso julgado e fosse absolvido da instância.
Subsidiariamente, pediu que se julgasse procedente a exceção dilatória de incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecerem da presente ação e, em consequência, fosse absolvido da instância.
Subsidiariamente, pediu que se julgasse procedente a exceção dilatória de ilegítima ativa da Autora para propor a presente ação e, em consequência, fosse absolvido da instância.
Subsidiariamente, pediu que se julgasse procedente a exceção dilatória da petição inicial e, em consequência, fosse absolvido da instância.
Por último, pediu que se julgasse a ação improcedente, por não provada, e se absolvesse ele próprio do pedido e se condenasse a Autora como litigante de má-fé.
Deduziu reconvenção pedindo que se condenasse a Autora-reconvinda a pagar-lhe a quantia de 364,15 euros, a título de prejuízos pelos danos e despesas causados no arrendado.
Para tanto alegou, em síntese: nos termos da cláusula 11ª do contrato de arrendamento celebrado, a Autora e marido entregaram-lhe a quantia de 2.400,00 euros, a título de “garantia locativa”, a qual seria reembolsada “depois da dedução feita do montante que o arrendatário tiver que pagar do aluguer, saldo de despesas, despesas de reparação ou outras compensações e ainda o pagamento da degradação do imóvel arrendado causado pelos inquilinos”; em 30/03/2018 realizou-se uma reunião, a fim de se atestar o estado do imóvel arrendado, na sequência do que vieram a ser constatados os danos que se encontram discriminados no documento junto aos autos a fls. 55 e 56, documento esse assinado pelo Réu e pelo marido da Autora, com o conhecimento da última; o Réu exigiu à Autora e marido que procedessem à reparação daqueles estragos, ao que lhe responderam que tinha a garantia que lhe tinha sido entregue no início do contrato, no montante de 2.400,00 euros, para cobrir aqueles estragos e que mal chegassem a Portugal lhe comunicariam a sua nova morada para poderem comunicar entre si, o que não fizeram; não obstante, o Réu enviou via Facebook à Autora e marido os orçamentos destinados a reparar aqueles estragos, único meio de comunicação que dispunha para os contactar, mas estes bloquearam-no; descontada a quantia de 2.400,00 euros ao preço de reparação dos estragos causados no arrendado o Réu tem a receber da Autora a quantia de 364,15 euros.
 A Autora replicou impugnando a facticidade alegada pelo Réu na reconvenção.
Concluiu como na petição e pedindo que se julgasse a reconvenção improcedente.
Por despacho de 08/02/2022 notificou-se a Autora para se pronunciar sobre as exceções suscitadas pelo Réu na contestação, “atenta a possibilidade de virem a ser decididas de imediato”.
Na sequência, a Autora respondeu, concluindo pela improcedência das exceções invocadas pelo Réu.
Por despacho de 29/03/2022, designou-se data para a realização de audiência prévia.
Realizada a audiência em 20/04/2022, proferiu-se despacho em que se notificou a Autora “para, em dez dias, pagar a taxa de justiça ou juntar comprovativo de haver pedido a concessão de benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos.
A Autora interpôs recurso do despacho acabado de referir.
Por despacho de 26/05/2022, a 1ª Instância não admitiu o recurso interposto, por ter considerado não se estar na presença de despacho que admita recurso de apelação autónomo.
A Autora reclamou do despacho que reteve o recurso, tendo, por decisão sumária desta Relação de 12/07/2022, a reclamação sido julgada improcedente.
Por requerimento de 18/08/2022, a Autora reduziu o pedido pelos danos não patrimoniais para a quantia de 4.000,00 euros e, em consequência, pediu que se condenasse o Réu a pagar-lhe a quantia de 6.400,00 euros, acrescida do valor do agravamento que vier a ser apurado pelos danos morais sofridos, no exame médico a realizar na sua pessoa acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Por despacho proferido em 03/11/2022, admitiu-se a redução do pedido.
Em 13/12/2022, a 1ª Instância proferiu despacho em que: dispensou a realização de audiência prévia, com fundamento que essa diligência apenas se destinaria “aos fins previstos nas als. b) e d) do n.º 1 do art. 591º do CPC, e que o tribunal, por despacho proferido a 08/02/2022, concedeu à Autora a faculdade de se pronunciar expressamente sobre as exceções invocadas na contestação”; admitiu o pedido reconvencional; conheceu da exceção dilatória de caso julgado suscitada pelo Réu, julgando-a improcedente; e, finalmente, conheceu da exceção dilatória de incompetência internacional dos tribunais nacionais para conhecerem da relação jurídica material controvertida delineada na petição inicial, julgando essa exceção procedente e, em consequência, absolveu o Réu da instância, constando dessa decisão a seguinte parte dispositiva:
“Pelo exposto, julgo procedente a exceção de incompetência internacional do Juízo Central Cível de Guimarães, absolvendo o Réu da Instância.

*
Nos termos previstos pelos arts. 296º, n.º 1, 297º, n.º 1, 299º, n.ºs 1 e 2 e 306º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC, fixo à presente ação o valor de 62.764,15 euros (=62.400,00 euros + 364,15 euros).
Custas pela Autora (art. 527º, n.ºs 1 e 2, do CPC), sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário”.

Inconformada como o decidido a Autora, AA, interpôs recurso, em que formulou as seguintes conclusões:
- Da incompetência relativa em razão do valor
A- Precedendo a sentença sub judice a ora recorrente requereu a redução do pedido nos seguintes termos:
“Nestes termos, e nos mais de Direito aplicável, deve a ação ser julgada provada e procedente e ser o Réu condenado a pagar à Autora a quantia de €6.400,00 acrescida do valor do agravamento que vier a ser apurado, de danos morais, no exame médico a realizar na pessoa da Autora, valores acrescidos de juros às taxas legais, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.”
Conforme requerimento constante na referência CITIUS 13385038 de 18-08-2022.
B- A redução do pedido foi admitida por douto despacho transitado em julgado em 07-12-2022, passando então a ação a ter o valor de €6.400,00 a partir desta data.
C- Consequentemente, após esta data (07-12-2022), deixou o Juízo Central Cível de Guimarães – Juiz ... de ... competência para os termos posteriores da ação, sendo a competência em razão do valor do conhecimento oficioso.
D- Consequentemente a douta sentença sub judice deverá ser declarada nula ou ineficaz (artigos 102º, 103º, n.º 1 e 104º, n.º 2, do CPC).
– da Sentença sub judice
E- A Autora/recorrente, conforme alegado no capítulo I da presente ação, instaurou anteriormente o processo n.º 2401/20...., que correu termos no Juízo Central Cível de Guimarães – Juiz ..., tendo por objeto a mesma pretensão e nessa ação foi declarada a incompetência do Tribunal Português e competente do Tribunal Luxemburguês e em consequência foi o (mesmo) Réu absolvido da instância.
F- A então Autora inconformada com a referida decisão que foi proferida pelo Juízo Central Cível de Guimarães – Juiz ..., no anterior processo n.º 2401/20...., interpôs o competente recurso no Tribunal da Relação de Guimarães, que correu termos sob o n.º 2401/20...., tendo aí sido proferido o douto acórdão de 13-07-2021, que no seu capítulo III – fundamentos, ponto 2, consta:
“Em complemento contraditório (quando conjugado com invocação de uma norma de competência interna), a Apelante aduz ainda que está ser reclamado o cumprimento de uma obrigação nascida após a extinção do dito contrato de arrendamento e que a mesma deveria ter sido cumprida na residência da Autora, em Portugal, sendo, por isso, invocável o foro alternativo disposto especialmente no art. 7º, 1, al. a) 9, do citado Regulamento 1215/2012.
Com efeito, como ficou escrito no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 26-11...: “A conjugação daquela regra geral 11 e das regras específicas de competência estabelecidas no Reg. n.º 1215/2012 deve, nas palavras de Marco Carvalho Fernandes (10), ser feita nos termos seguintes: “(…) estando simultaneamente preenchida a regra geral do domicílio do réu e uma regra especial de competência, a regra especial não derroga a regra geral. Diversamente, verificando-se, no caso em concreto, algum critério especial de competência, o autor tem a possibilidade de escolher entre propor a ação nos tribunais do Estado-Membro do domicílio do réu ou nos tribunais do Estado-Membro que sejam competentes à luz desse critério especial, ou seja, a competência desses tribunais é alternativa (…). Isto a não ser que, no caso em concreto, se verifique alguma situação de competência exclusiva (art. 24.º) ou convencional (25.°), as quais afastam os critérios gerais e especiais de competência. Ocorrendo essa possibilidade de escolha do foro, estamos perante uma situação de forum shopping”.
Em sentido convergente, salienta Miguel Teixeira de Sousa, https://blogippc.blogspot.pt/2017/11/jurisprudencia735.htm de 23/11/2017, que o critério do domicílio do demandado (art. 2.º, n.º 1, Reg. 44/2001; art. 4.º, n.º 1, Reg. 1215/2012) é sempre aplicável. Os critérios especiais - como é o caso daquele que se encontra estabelecido no art. 5.º, n.º 1, Reg. 44/2001 ou no art. 7.º, n.º 1, Reg. 1215/2012 - são sempre alternativos em relação àquele critério geral: é o que resulta do disposto no art. 5.º, n.º 1, do Reg. 1215/2012.”
Todavia, essa alternativa pressupõe a oportuna alegação (arts. e 260º, do Código de Processo Civil) dos factos pertinentes.
Tal como ficou dito nessa jurisprudência e noutra acima citada, “é em face do pedido formulado pelo autor e pelos fundamentos (causa petendi) em que o mesmo se apoia, e tal como a relação jurídica é pelo autor delineada na petição inicial (quid disputatum ou quid decidendum), que cabe determinar/aferir da competência do tribunal para, determinada ação, poder/dever conhecer, não sendo este pressuposto aferível a partir da causa de pedir reconfigurada em ulterior articulado.”
Em conformidade com esta posição, é, necessário voltar a analisar a petição inicial da Autora, pois é nela e no momento em que surge em juízo que se deve aferir a relação material controvertida delineada por si que permite definir a competência do Tribunal.
Sucede que, compulsado esse articulado, acima resumido, não se vislumbra no mesmo qualquer referência ao lugar de cumprimento das obrigações cujo pagamento nelas é invocado, com ou sem associação à invocada competência do Tribunal em que o mesmo deu entrada.” (sublinhado nosso).

E cujo “Sumário” é do seguinte teor:
Sumário:
- É na petição inicial da Autora e no momento em que surge em juízo que se deve encontrar a relação material controvertida delineada por si que permite definir a competência do Tribunal.
- Se de acordo com a mesma estamos perante matéria civil, nomeadamente o cumprimento de um contrato de arrendamento, e a parte contrária está domiciliada num outro Estado-Membro da U.E., é aplicável a regra geral do art. 4º, do Regulamento (EU) 1215/2012, ou seja, é competente o Tribunal desse outro Estado e não o português onde tal causa foi desencadeada, que é assim internacionalmente incompetente.
- A invocação, em sede de apelação da decisão em que esse Tribunal de primeira instância se julgou incompetente, de facto novo (lugar da prestação), tendente a consubstanciar o foro alternativo estabelecido na regra especial do art. 7º, 1, al. a), do mesmo Regulamento, não pode ser conhecida em sede de recurso e sempre seria inadmissível (sem a oportuna alegação) para se aferir essa a exceção referente a tal incompetência.
*
Guimarães, 13-07-2021”.

G- Na esteira do suprarreferido douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 13-07-2021 e que recaiu sobre a ação (processo) anterior, a Autora, na presente ação, alega um facto novo consubstanciado no lugar da prestação (vide artigos 3 e 14 da petição inicial) e expressamente escolheu a competência alternativa do Tribunal Português, (ao abrigo nomeadamente do disposto no artigo 7º, n.º 1, al. a) do Regulamento (UE) n.º 1215/2012.
H- Face ao alegado nomeadamente nos artigos 3 e 14 da petição inicial deve assim ser admitida a competência alternativa do Tribunal Português.
I- Foi violado o disposto na regra especial do artigo 7º, n.º 1, al. a), do Regulamento (UE), 1215/2012.
Tal disposição deveria ter sido interpretada e aplicada e com o sentido de que tendo sido alegado o lugar da prestação que deveria ter ocorrido em Portugal (vide artigo 3 da petição inicial), e ter sido pela Autora escolhida a competência alternativa do Tribunal Português, (vide artigo 14 da petição inicial), deveria ter sido julgado internacionalmente competente o Tribunal Português.
Termos em que pede a procedência do presente recurso, declarando-se nula ou ineficaz a sentença sub judice, ou, se assim não entender, em que deve o presente recurso ser julgado procedente declarando-se competente para julgar a presente ação o Tribunal Português, (competência alternativa) e assim ser realizada JUSTIÇA.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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A 1ª Instância admitiu o recurso como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo, o que não foi alvo de alteração no tribunal ad quem.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser, nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1].
No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar as seguintes questões:
a- Se o despacho recorrido (que julgou procedente a exceção dilatória de incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecerem da relação jurídica material controvertida delineada pela recorrente na petição inicial e, em consequência, absolveu o recorrido da instância) é nulo ou ineficaz, em virtude de, após 07/12/2022, o Juízo Central Cível de Guimarães ter deixado de ter competência, em razão do valor, para conhecer da presente ação?
b- Se aquele despacho padece de erro de direito e se, em consequência, se impõe a sua revogação e julgar a exceção dilatória de incompetência internacional dos tribunais nacionais suscitada pelo recorrido improcedente e determinar o prosseguimento dos autos?
*
III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que revelam para conhecer do objeto do presente recurso constam do «I-Relatório» supra exarado, que aqui se dão por reproduzidos, a que acrescem os seguintes factos que a 1ª Instância julgou provados:

1. Entre o Réu na aí indicada qualidade de “Arrendador”, CC, e a Autora, na aí indicada qualidade de “Arrendatário”, foi celebrado o escrito intitulado “contrato de arrendamento” cujo teor se reproduz no documento 1 junto com a p.i. (fls. 8 v.º e ss.), do qual, entre outras coisas, consta: 1. Objeto O arrendador aluga ao arrendatário, que aceita, o seu apartamento em ..., Rue ..., .... Garantia O proprietário reconhece ter recebido do arrendatário, como garantia, a quantia de 2400,00 euros. O presente contrato serve como recibo. O montante será reembolsado ao arrendatário após a sua saída (…) depois da dedução do montante que o arrendatário tiver que pagar do aluguer, saldo de despesas, despesas de reparação ou outras compensações. A dita garantia vale para todas as obrigações convencionais, legais ou regulamentares do arrendatário e decorrentes do contrato de aluguer, especialmente o pagamento do aluguer, o pagamento das taxas do aluguer, o pagamento da degradação do objeto alugado (…).
2. Nos autos de processo n.º 2401/20...., do Juiz ..., deste Juízo Central Cível, a aí Autora AA demandou o aí Réu BB pedindo a condenação deste a pagar-lhe …a quantia de € 62.400,00 acrescida do valor do agravamento que vier a ser apurado, de danos morais, no exame médico a realizar na pessoa da Autora, valores acrescidos de juros…, alegando para o efeito que:
- por contrato celebrado em ../../2016, tomou de arrendamento ao R. um apartamento situado no Luxemburgo, para sua habitação e do seu marido;
- A. e R. acordaram que o referido contrato cessaria os seus efeitos em 31/03/2018;
- na data da celebração do contrato, a A. entregou ao R. a quantia de 2.400,00 € a título de garantia do contrato, que o R. se comprometeu a devolver aquando da saída da A. do arrendado;
- o R. não devolveu essa quantia à A., causando-lhe ansiedade e vergonha, sendo que precisava desse dinheiro para poder cumprir obrigações assumidas junto dos pais;
- o valor peticionado corresponde aos danos patrimoniais e não patrimoniais que a Autora sofreu em consequência da conduta do Réu (cfr. informação colhida na presente ação a 07.10.2021).
3. No processo n.º 2401/20...., do Juiz ... deste Juízo Central Cível, foi proferida a 09.02.2021, sentença transitada em julgado, cujo teor se reproduz no documento que acompanha o ofício junto a 07.10.2021, declarando a incompetência internacional deste tribunal para julgar aquela ação, absolvendo o Réu da instância.
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IV- DA FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A- Da nulidade ou ineficácia do despacho recorrido
Assaca a recorrente ao despacho recorrido, que julgou procedente a exceção dilatória de incompetência internacional dos tribunais nacionais para conhecerem da relação jurídica material controvertida que delineou na petição inicial e, em consequência, absolveu o recorrido da instância, o vício da nulidade ou da ineficácia; e argumentando que, por requerimento de 18/08/2022, reduziu o pedido que inicialmente formulara para a quantia líquida de 6.400,00 euros e que essa redução foi admitida por despacho transitado em julgado em 07/12/2022, passando então a ação a ter o valor de 6.400,00 euros, o que determinou que, a partir dessa data, o Juízo Central Cível de Guimarães passasse a não dispor de competência, em razão do valor, para conhecer da presente ação.
Sem razão.
Nos termos do disposto no art. 296º, n.ºs 1 e 2 do CPC (a que se referem todas as disposições que se venham a citar sem menção em contrário), a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido, e ao qual se deve atender para efeitos de se determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal.
Se pela ação se pretender obter qualquer quantia em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário, e cumulando-se na mesma ação vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; mas quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos (art. 297º, n.ºs 1 e 2).
Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes, devendo aquele, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do art. 299º, fixar o valor da causa no despacho saneador, e tratando-se de processo em que não há lugar à prolação de despacho saneador, na sentença; e nos casos em que seja interposto recurso sem que ainda tenha sido fixado o valor da causa, o juiz deve fixá-lo no despacho de admissão do recurso (art. 306º).
Na determinação do valor da causa deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção, em que o valor do pedido formulado pelo réu-reconvinte ou pela interveniente é somado ao pedido formulado pelo autor nos casos em que se tratem de pedidos distintos, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 530º, mas o aumento do valor da causa só produz efeitos quanto aos atos e termos posteriores à reconvenção ou intervenção (art. 299º, n.ºs 1, 2 e 3).
Decorre das normas legais que se acabam de referir que toda a causa tem um valor certo, expresso em moeda legal, ao qual se impõe atender para efeitos de se determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal.
Mais decorre que, de modo a dar sentido e conteúdo às implicações decorrentes da fixação do valor da causa, o legislador define como momento relevante  para a determinação desse valor o da propositura da ação, sendo irrelevantes as modificações posteriores que venham a ocorrer, tais como a redução, a ampliação ou a alteração do pedido[2].
No caso de ser deduzida reconvenção ou intervenção, quando o reconvinte ou o interveniente formularem pedidos distintos dos deduzidos pelo autor, o valor dos pedidos por eles deduzidos soma-se ao valor dos pedidos formulados pelo autor mas esse aumento do valor da causa só produz efeitos quanto aos atos e termos do processo posteriores à dedução da reconvenção e/ou intervenção.
Revertendo ao caso dos autos, a recorrente instaurou a presente ação pedindo a condenação do recorrido a pagar-lhe a quantia líquida de 62.400,00 euros, sendo: 2.400,00 euros a título de caução, que lhe entregou aquando da celebração de um contrato de arrendamento, enquanto arrendatária, e que, uma vez cessada aquela relação contratual, este alegadamente se obrigou a restituir-lhe uns dias após o final de março de 2018, para a residência desta situada em Portugal, obrigação que alega ter aquele incumprido; e 60.000,00 euros a título de compensação por danos não patrimoniais alegadamente por ela sofridos, em consequência daquele incumprimento do contrato de arrendamento por parte do recorrido.
Por conseguinte, tendo em consideração o disposto nos arts. 297º, n.ºs 1 e 2 e 299º, n.º 1, atendendo ao pedido formulado pela recorrente na petição inicial e considerando que, para efeitos de determinação do valor da causa, o momento relevante é o da propositura da ação (ou seja, o da entrada em juízo da petição inicial – art. 259º, n.º 1), o valor da causa ascende à quantia 62.400,00 euros.
A circunstância de posteriormente à propositura da presente ação, em 18/08/2022, a recorrente ter reduzido o pedido que inicialmente formulara contra o requerido para a quantia líquida de 6.4000,00 euros, e o facto da referida redução do pedido ter sido admitida por despacho proferido em 03/11/2022, transitado em julgado, contrariamente ao pretendido pela recorrente, não interfere no valor da causa e, consequentemente, na competência, em razão do valor, da Instância Central Cível de Guimarães.
Tendo o recorrido deduzido reconvenção, em que pediu a condenação da recorrida-reconvinda a pagar-lhe a quantia de 364,15 euros (a título de prejuízos pelos danos e despesas que esta pretensamente causou no arrendado, uma vez esgotado o valor da caução de 2.400,00 euros que aquela lhe tinha prestado aquando da celebração do contrato de arrendamento), sendo o mencionado pedido condenatório da quantia de 364,15 euros distinto dos pedidos formulados pela recorrente na petição inicial, nos termos do disposto no art. 299º, n.º 2, ex vi, art. 530º, n.º 3, ao valor dos pedidos por ela formulados na petição inicial (62.400,00 euros) acresce o valor do pedido reconvencional (364,15 euros), ascendendo, por conseguinte, o valor da presente causa ao montante de 62.764,15 euros, tal como foi, aliás, corretamente decidido pela 1ª Instância no despacho recorrido, decisão essa que, porque não foi impugnada no âmbito do presente recurso, transitou em julgado, operando caso julgado formal.
 Ora, nos termos do disposto no art. 117º, n.º 1, al. a), da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26/08, na redação vigente à data da propositura da presente ação declarativa, em 09/09/2021, que era a sua 11ª versão, introduzida pela Lei n.º 107/2019, de 09/09, competindo aos Juízos Centrais Cíveis a preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor igual ou superior a 50.000,00 euros, ascendendo o valor da presente causa a 62.764,15 euros, naturalmente que o Juízo Central Cível de Guimarães onde a recorrente propôs a presente ação era (e é) o competente para, em razão do valor, proferir o despacho recorrido.
Termos em que, sem mais, por desnecessárias, considerações improcede o vício da nulidade ou da ineficácia jurídica que a recorrente assaca ao despacho recorrido.

B- Da exceção dilatória de incompetência internacional dos tribunais nacionais para conhecerem da relação jurídica material controvertida delineada pela recorrente na petição inicial
No despacho sob sindicância a 1ª Instância julgou improcedente a exceção dilatória de caso julgado que tinha sido suscitada pelo recorrido com o argumento (correto) de que a decisão transitada em julgado, proferida no âmbito do Processo n.º 2401/0...., Juiz ..., do Juízo Central Cível de Guimarães (em que a aqui Autora – recorrente - demandou o aqui Réu – recorrido -, formulando o mesmo pedido que contra ele formulou na presente ação e com fundamento na mesma causa de pedir)  - que julgou procedente a exceção dilatória de incompetência dos tribunais para conhecerem da relação jurídica material controvertida delineada na petição inicial e que, em consequência, absolveu o nele réu da instância - , é uma decisão estritamente processual, pelo que, o caso julgado formal que cobre essa decisão tem eficácia circunscrita ao processo em que a mesma foi proferida, não se projetando para fora dele e que, por isso, não obsta à propositura da presente ação declarativa.
Todavia, o tribunal a quo considerou que, alegando a recorrente que o recorrido se obrigou a restituir-lhe a quantia de 2.400,00 euros (que lhe tinha entregue, a título de garantia, aquando da celebração do contrato de arrendamento escrito entre ambos celebrado) “uns dias após o final de março de 2018, e que lhe enviaria esse valor para a residência daquela em Portugal, a qual era do seu conhecimento, o que a Autora aceitou (facticidade essa que a mesma não tinha alegado na ação anterior), que sendo o “arrendamento um contrato formal”, e considerando que o contrato de arrendamento “celebrado entre as partes não refere expressamente o local  onde deve ser cumprida a obrigação de restituir, pelo que, de acordo com o disposto no art. 772º, n.º 1 do CC, a prestação deve ocorrer no domicílio do Réu”, contrariando a alegação da Autora “de que as partes acordaram verbalmente o envio de tal quantia para a residência daquela em Portugal, o regime que decorre do contrato celebrado por escrito”, pertencendo “as estipulações referentes ao tempo, ao lugar e ao modo de cumprimento da obrigação ao núcleo essencial do contrato de arrendamento, sendo-lhes aplicáveis as razões determinantes de forma que o vinculam, pelo que a alteração, contemporânea ou posterior, do lugar do reembolso da garantia entregue pela Autora ao Réu no momento da celebração do contrato, estaria sujeita à forma escrita prevista para o contrato de arrendamento habitacional, a estipulação verbal que a Autora agora alega ter sido celebrada pelas partes (negada pelo réu) é, por força do disposto no art. 294º do CC, nula” por contrariar o disposto no art. 221º, n.ºs 1 e 2 do mesmo Código e, consequentemente, “a decisão da exceção de incompetência do tribunal em apreço terá de se cingir aos termos do contrato de arrendamento escrito”.
Mais considerou que, “constituindo a alegada combinação verbal ocorrência reportada a final de março de 2018”, impunha-se que “a Autora tivesse carreado esse facto à ação n.º 2401/20....”, pelo que, não o tendo feito, mostrar-se-ia “precludido o direito de propor nova ação, com o mesmo objeto, nos tribunais portugueses, a pretexto de “factos novos”, que são, na verdade, “velhos”, porque não supervenientes à propositura da ação n.º 2401/20...., do Juiz ..., do Juízo Centro Cível, cuja decisão foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães”.
Desatendendo à alegação da recorrente (vertida na petição inicial) de que teria acordado verbalmente com o recorrido que este lhe restituiria a quantia de 2.400,00 euros, alguns dias após o final de março de 2008, para a residência desta, em Portugal, e atendendo exclusivamente ao teor do contrato de arrendamento escrito que celebraram, aplicando o regime jurídico do Regulamente (UE) n.º 1215/2012, a 1ª Instância julgou procedente a exceção dilatória de incompetência internacional dos tribunais nacionais para conhecerem da relação jurídica material controvertida, por essa competência se encontrar deferida aos tribunais luxemburgueses, com o que não se conforma a recorrente, imputando ao decidido erro de direito.
Vejamos se lhe assiste razão.
Prima facie impõe-se referir que, ancorando-se a pretensão condenatória formulada pela recorrente contra o recorrido no incumprimento das obrigações contratuais emergentes de um contrato de arrendamento escrito que foi celebrado entre este, na qualidade de senhorio, e a recorrente e o marido, na qualidade de arrendatários, em ../../2016, em ..., Luxemburgo (junto ao processo físico a fls. 20 verso a 22), tendo por objeto um prédio situado nesse país, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não existe fundamento legal para que o tribunal a quo tivesse aplicado o regime jurídico previsto no direito substantivo nacional para efeitos de apreciar da validade jurídica (ou não) da cláusula verbal que vem alegada pela recorrente na petição inicial (nos termos da qual entre ela e o recorrido teria sido acordado que este lhe restituiria a quantia de 2.400,00 euros uns dias após o final de março de 2018, e que lhe enviaria esse valor para a residência daquela, situada em Portugal).
Com efeito, tratando-se de um contrato de arrendamento celebrado no Luxemburgo, tendo por objeto um prédio situado nesse país, o regime substantivo que seria aplicável a este contrato de arrendamento não é o português, mas sim o luxemburguês, conforme arts. 36º, n.º 1, 41º e 42º, ambos do CC, mormente a parte final do n.º 2 do último preceito citado.
De resto, cumpre salientar que, ainda que o regime substantivo aplicável ao contrato de arrendamento em análise fosse o português (que não é), não se subscreve o enquadramento jurídico propugnado pelo tribunal a quo no despacho recorrido, de acordo com o qual aquela cláusula verbal alegadamente acordada entre recorrente e recorrido, após a celebração do contrato de arrendamento escrito entre eles celebrado em ../../2016, seria nula, nos termos dos arts. 221º, n.ºs 1 e 2 e 294º do CC.
 É certo que, como diz a 1ª Instância, na sequência da redação introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, ao art. 1069º do CC, o contrato de arrendamento urbano passou a ter natureza formal, independentemente do seu prazo de duração, tal como já acontecia no domínio do RAU (n.º 1, do art. 1069º do CC).
Contudo, quando o contrato de arrendamento não tenha sido reduzido a escrito por motivo não imputável ao arrendatário, nos termos do n.º 2 daquele art. 1069º, este pode provar a sua existência por qualquer forma admitida em direito, mediante a demonstração de que utiliza o locado sem oposição do senhorio e procedeu ao pagamento da renda por um período de seis meses[3].
Também é certo que, sem prejuízo do que se acaba de dizer, tendo, nos termos do ordenamento jurídico nacional, o contrato de arrendamento urbano, ao abrigo do regime substantivo português, natureza formal, no que respeita às cláusulas verbais acessórias ou adicionais que sejam anteriores, contemporâneas ou posteriores à celebração daquele contrato de arrendamento urbano, as mesmas encontram-se submetidas ao regime jurídico do art. 221º do CC, o qual difere substancialmente consoante se trate, por um lado, de cláusulas verbais anteriores ou contemporâneas à celebração do contrato de arrendamento escrito e, por outro, cláusulas verbais à sua celebração.
Com efeito, quanto às cláusulas verbais anteriores ou contemporâneas à celebração do contrato de arrendamento, presume-se que ao lavrar-se o contrato de arrendamento pela forma escrita imposta por lei, se quis nele integrar tudo, e nada mais. Daí que as estipulações verbais anteriores ou contemporâneas à celebração do contrato de arrendamento, em princípio, tenham de revestir a forma exigida pela lei para a celebração daquele contrato (forma escrita), sob pena de serem nulas, nos termos do disposto no n.º 1, do art. 221º do CC. O referido princípio geral comporta, todavia, a seguinte exceção: reconhece-se a validade das estipulações verbais anteriores e contemporâneas à celebração do contrato (escrito) de arrendamento quando se verifiquem os seguintes requisitos cumulativos: a) se trate de cláusula acessória, isto é, que não se trate de estipulações que versem sobre aspetos essenciais do tipo contratual celebrado e que adicionalmente se trate de estipulações verbais adicionais daquele, isto é, que completem o contrato escrito, não indo para além do conteúdo deste e não de estipulações verbais que o contradigam; b) que aquelas estipulações verbais não sejam abrangidas pela razão de ser da exigência do documento; c) e que se prove que correspondem à vontade das partes[4].
 Tratando-se de estipulações verbais posteriores à celebração do contrato de arrendamento escrito, estas são, em princípio válidas, a não ser que a razão de ser da exigência da forma escrita as abranja (n.º 2, do art. 221º do CC).
Ora, a circunstância do legislador nacional prever que, na falta de convenção em contrário, se as rendas estiverem em correspondência com os meses do calendário gregoriano, a primeira vencer-se-á no momento da celebração do contrato e cada uma das restantes no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que respeita (n.º 2, do art. 1075º do CC) e, bem assim, que na falta de estipulação ou disposição especial da lei, a prestação deve ser efetuada no lugar do domicílio do devedor (n.º 1, do art. 772º do CC), prevendo, pois, normas supletivas quanto ao lugar e ao tempo do cumprimento para o caso dos contratantes, no contrato de  arrendamento urbano escrito que celebraram nada terem convencionado quanto a esses aspetos, apenas pode significar não estarem abrangidas pelas razões da exigência da forma escrita do contrato de arrendamento urbano as cláusulas verbais que sejam anteriores, contemporâneas ou posteriores à celebração deste que fixem o lugar ou o tempo do cumprimento ou a quitação do próprio pagamento[5].
Daí que, caso à situação sobre que versam os presentes autos fosse aplicável o regime jurídico substantivo nacional (que não é), diversamente do decidido no despacho recorrido, a convenção verbal pretensamente estipulada entre a recorrente e o recorrido, nos termos da qual se teria obrigado a restituir-lhe a quantia de 2.400,00 euros, que lhe tinha sido entregue, a título de caução, aquando da celebração do contrato de arrendamento escrito, uns dias após o final de 2018, obrigando-se a enviá-la para a residência desta em Portugal, mostra-se perfeitamente válida, reafirma-se, à luz do direito substantivo nacional, que não é aplicável à presente relação contratual, mas antes o direito substantivo luxemburguês.
 Acresce dizer que, ao decidir-se, no despacho recorrido que, não tendo o recorrente cuidado de alegar, no âmbito do Processo n.º 2401/20...., que correu termos pelo Juiz ..., do Juízo Central Cível de Guimarães (em que, por decisão transitada em julgado, se julgou procedente a exceção dilatória de incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecerem da relação jurídica material controvertida delineada pela ora recorrente – aí autora – na petição inicial – e que esta reproduz na presente ação declarativa, acrescentando apenas que entre ela e o ora recorrido – aí também réu -  teria sido estipulada a sobredita convenção verbal, nos termos da qual este se obrigou a restituir-lhe aqueles 2.400,00 euros, alguns dias após o final de março 2018, para a casa daquela, em Portugal), esse pretenso acordo verbal, “precludiu-se o direito daquela de propor nova ação, com o mesmo objeto nos tribunais portugueses, a pretexto de “factos novos” que são, na verdade, “velhos”, porque não supervenientes à propositura da ação n.º 2401/20...., do Juízo Central Cível, cuja decisão foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães”, não tem arrimo face à lei adjetiva nacional.
Na verdade, o princípio da concentração da defesa, previsto no art. 573º do CPC (nos termos do qual: “Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado. Depois da contestação só podem ser deduzidas exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente”) vale para o réu, mas não para o autor.
Com interesse, escreve Teixeira de Sousa que: “O âmbito da preclusão é substancialmente distinto para o autor e para o réu. Quanto ao autor, a preclusão é definida exclusivamente pelo caso julgado: só ficam precludidos os factos que se referem ao objeto apreciado e decidido na sentença transitada. Assim, não está abrangida por essa preclusão a invocação de uma outras causa de pedir para o mesmo pedido, pelo que o autor não está impedido de obter a procedência da ação com base numa distinta causa de pedir. Isto significa que não há preclusão sobre factos essenciais, ou seja, sobre factos que são suscetíveis de fornecer uma nova causa de pedir para o pedido formulado. (…). Quanto ao âmbito da preclusão que afeta o réu, há que considerar que lhe incumbe o ónus e apresentar toda a defesa na contestação (art. 489º, n.º 1, correspondente ao atual art. 573º), pelo que a preclusão que o atinge é independente do caso julgado: ficam precludidos todos os factos que podiam ser invocados como fundamento dessa contestação, tenham ou não qualquer relação com a defesa apresentada e, por isso, com aquela que foi apreciada pelo tribunal. Suponha-se que o réu alegou a prescrição do crédito do autor e não invocou o seu pagamento; a alegação deste último está definitivamente precludida, pelo que essa parte não pode pretender a sua apreciação numa outra ação com o fundamento de que o tribunal da causa anterior só desatendeu à prescrição invocada”[6].
Decorre do que se vem expendendo que, contrariamente ao decidido na decisão sob sindicância, a circunstância da recorrente ter proposto anteriormente ação declarativa de condenação contra o aqui recorrido, que correu termos sob o n.º 2401/20...., Juiz ..., do Juízo Central de Guimarães, em que formulou o mesmo pedido, com base na mesma causa de pedir que deduz na presente ação declarativa, e de nela, por decisão transitada em julgado  se ter julgado procedente a exceção dilatória de incompetência internacional dos tribunais nacionais para conhecerem da relação jurídica material controvertida que delineou na respetiva petição inicial, não a impede de instaurar a presente ação, alegando que acordou verbalmente com o recorrido (réu) que este lhe restituiria aquela quantia de 2.400,00 euros, uns dias após o final de março de 2017, e que lhe enviaria esse valor para a residência desta situada em Portugal.
Com efeito, este pretenso acordo verbal não foi alegado pela recorrente naquela anterior ação e constitui um novo fundamento, uma “nova causa de pedir” através da qual esta pretende encontrar-se deferida a competência internacional aos tribunais nacionais para conhecerem da relação jurídica material controvertida que delineou na petição inicial.
Posto isto, sendo a competência internacional dos tribunais portugueses a fração de poder jurisdicional que lhes é atribuída por tratados ou convenções internacionais ou pelo direito interno nacional, em face dos tribunais estrangeiros[7], sempre que um litígio seja plurilocalizado, ou seja, apresente pontos de conexão com a ordem jurídica nacional e com uma ou mais ordens jurídicas estrangeiras, coloca-se a questão de saber qual a jurisdição que é competente para conhecer desse litígio.
A resposta a essa questão é fornecida pelas normas de competência internacional, as quais selecionam qual a conexão ou conexões relevantes para que se reconheça (ou não) competência internacional ao foro em que a ação foi proposta.
As normas de competência internacional podem constar de instrumentais internacionais ou, na ausência deles, no direito interno da cada Estado.
Com efeito, imanente à soberania do Estado está a sua liberdade de celebrar convenções internacionais com Estado ou Estados terceiros, em que, por acordo, estabeleçam normas de competência internacional às quais se auto vinculam, ou de aderir a organizações internacionais com competência legislativa, cujos atos legislativos aceitam rececionar diretamente na sua ordem jurídica interna.
Neste sentido, no que se refere ao Estado Português, estabelece o art. 8º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) que: “As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português”; e no seu n.º 3, que: “As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram diretamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respetivos tratados constitutivos”.
  Acresce que, sendo Portugal Estado-Membro da União Europeia, o n.º 4 daquele art. 8º consagra uma cláusula de receção automática do Direito da União Europeia na ordem jurídica interna nacional, ao estabelecer que as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União.
O Tratado de Roma, na sua versão consolidada de 2002, com a redação que lhe foi dada pelo Tratado de Nice, no seu art. 220º estabelece que: “No âmbito das respetivas competências, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância garantem o respeito do direito na interpretação e aplicação do presente Tratado”.
Por sua vez, nos termos do art. 249º do Tratado de Roma: “Para o desempenho das suas atribuições o Parlamento Europeu em conjunto com o Conselho, o Conselho e a Comissão adotam regulamentos e diretivas, tomam decisões e formulam recomendações ou pareceres. O regulamento tem caráter geral e é obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados-Membros”.
Para os casos de não existiram normas de direito internacional que estabeleçam normas de competência internacional, naturalmente que, sendo cada estado soberano dentro do seu território, cada um deles estabelece ao nível do seu direito interno as suas próprias normas de competência internacional, em que selecionam os fatores de conexão com a sua ordem jurídica que consideram relevantes para abrir os seus órgãos jurisdicionais ao conhecimento de litígios plurilocalizados.
Destarte, sempre que uma ação seja instaurada perante um tribunal português  e a relação jurídica material controvertida nela delineada apresente pontos de conexão com a ordem jurídica nacional e com ordens jurídicas estrangeiras, a fim de se aferir se aquele é (ou não) internacionalmente competente para conhecer desse concreto litígio, impõe-se indagar se existe regulamento europeu ou instrumentos internacionais que prevejam normas de competência internacional a propósito daquela concreta relação jurídica, posto que, caso sejam existentes impõe-se, por imposição constitucional, recorrer às mesmas; e apenas no caso de serem inexistentes é consentido o recurso às normas de competência internacional do direito interno português, previstas nos arts. 62º e 63º do CPC.
O que se acaba de dizer é o que se encontra estatuído no art. 59º do CPC, onde se dispõe que: “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62º e 63º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94º”.
Logo, as normas determinativas de competência internacional dos tribunais portugueses explanadas em Regulamentos da União Europeia e em Convenções Internacionais aprovadas e ratificadas pelo Estado Português sobrepõem-se, afastando-as, às normas do CPC, que são direito interno, definido unilateralmente pelo Estado Português[8].
Refira-se, aliás, a propósito do Direito da União Europeia que, segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (TJE): “os tratados europeus criaram uma ordem jurídica a se, que envolve as ordens jurídicas dos Estados-Membros; a validade das normas e dos atos dimanados de órgãos comunitários só podem ser apreciadas à luz do direito comunitário; as normas comunitárias tornam inaplicáveis de pleno direito as normas (internas) decretadas pelos Estados-Membros, antes ou subsequentes à sua formação, donde o primado do direito comunitário; e os órgãos de aplicação do direito comunitário tanto são o Tribunal de Justiça e o Tribunal de 1ª instância, como os tribunais dos Estados-Membros, enquanto decidam segundo normas comunitárias; no entanto, para garantia da aplicação uniforme do direito comunitário, cabe ao Tribunal de Justiça proceder à sua interpretação, mediante o mecanismo do reenvio prejudicial a que estão adstritos os tribunais nacionais” (sublinhado nosso)[9].
Acresce precisar que, sendo a competência internacional dos tribunais nacionais para conhecer de uma determinada relação jurídica material controvertida que é submetida à sua apreciação um pressuposto processual (ou seja, “os elementos de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o pedido, concedendo ou indeferindo a providência requerida”[10], sem o que não lhe é consentido entrar no conhecimento do mérito da causa), para se aferir da competência internacional do tribunal impõe-se apenas atender à relação jurídica delineada em termos subjetivos (quanto aos sujeitos) e objetivos (quanto ao pedido e à causa de pedir) na petição inicial[11].
Assente nas premissas que se acabam de enunciar, a recorrente instaurou a presente ação em 09/09/2021, pretendendo obter a condenação do recorrido a pagar-lhe a quantia de 62.400,00 euros, acrescida do valor do agravamento dos danos não patrimoniais que vier a ser apurado no exame médico a realizar àquela, e dos juros de mora calculados à taxa legal desde a citação até integral e efetivo pagamento.
O fundamento invocado pela recorrente (em que alicerçou o pedido condenatório do recorrido) é o incumprimento pelo mesmo do contrato de arrendamento que alega ter celebrado com ele em ../../2016, nos termos do qual lhe entregou a quantia de 2.400,00 euros, a título de caução, e que este se encontrava obrigado a restituir-lhe uma vez cessada essa relação contratual; e decorre de, uma vez cessado o contrato, o recorrido se ter obrigado a restituir-lhe a referida quantia uns dias após o final de março de 2018, mediante a sua remessa para a respetiva residência, situada em Portugal, o que por ela foi aceite, mas que ele não fez, causando-lhe danos não patrimoniais, para cuja compensação reclama a quantia de 60.000,00 euros.
Como decorre da petição inicial, a recorrente reside em Portugal, enquanto o recorrido reside no Luxemburgo.
A recorrente juntou em anexo à petição inicial o contrato de arrendamento, de cujo teor se vê ter sido celebrado em ../../2016, no Luxemburgo (cfr. documento de fls. 8 verso a 10).
Do teor desse contrato e da alegação da própria recorrente (cfr. art. 2º da petição inicial) o referido contrato de arrendamento teve por objeto um prédio sito no Luxemburgo, tratando-se mais concretamente de um apartamento arrendado à recorrente e marido, para habitação destes, sito em ..., Rue ....
A recorrente alega que o recorrido se obrigou a remeter-lhe para a sua residência, em Portugal, a mencionada quantia de 2.400,00 euros, uns dias após o final de março de 2018.
Destarte, atenta a relação jurídica material controvertida delineada na petição inicial o litígio que contrapõe a recorrente ao recorrido apresenta pontos de conexão com a ordem jurídica portuguesa (local onde a recorrente reside e onde o recorrido se terá obrigado a entregar-lhe aqueles 2.400,00 euros e em que se terão concretizado os danos não patrimoniais por aquela sofridos em consequência do incumprimento) e com a ordem jurídica luxemburguesa (país onde reside o recorrido, onde foi celebrado o contrato de arrendamento e em que se localiza o prédio objeto desse contrato de arrendamento).
Portugal e o Luxemburgo são Estados-Membros da União Europeia, pelo que à dita relação jurídica delineada pela recorrente na petição inicial é aplicável o Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.
Com efeito, nos termos do art. 1º, n.º 1 daquele Regulamento, com exceção das matérias previstas na parte final do seu n.º 1 e, bem assim, no seu n.º 2 (matérias fiscais, aduaneiras ou administrativas, responsabilidade do Estado por atos ou omissões no exercício de autoridade do Estado; matérias relativas ao estado e à capacidade das pessoas singulares, regime de bens do casamento ou de relações que, de acordo com a lei que lhes é aplicável, produzem efeitos comparáveis ao casamento; falências, concordatas e processos análogos; segurança social; arbitragem; obrigações de alimentos decorrentes de uma relação familiar, parentesco, casamento ou afinidade; testamentos e sucessões, incluindo as obrigações de alimentos resultantes de óbito – matérias essas que não estão em discussão nos presentes autos),  aquele aplica-se em matéria cível e comercial, independentemente da natureza da jurisdição.
De acordo com o princípio geral contido no dito Regulamento, “As pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro”.
Deste modo, de acordo com aquele princípio geral, residindo o recorrido (Réu) no Luxemburgo, este tinha de ser demandado nesse país.
Acontece que esse princípio geral é afastado pelos arts. 5º, n.º 1, em que se estabelece que: “As pessoas domiciliadas num Estado-Membro só podem ser demandas nos tribunais de outro Estado-Membro nos termos das regras enunciadas nas Secções 2 a 7 do presente capítulo”.
A Secção 2, tem por epígrafe “Competências especiais”, e versa sobre a competência em que as pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandas noutro Estado-Membro em matéria contratual e extracontratual; a Secção 3, versa sobre a competência em matéria de seguros; a Secção 4, sobre a competência em matéria de contratos de consumo; a Secção 5,  sobre a competência em matéria de contratos individuais de trabalho; a Secção 6, sobre matéria de competência exclusiva; e a Seção 7, versa sobre a extensão da competência.
No caso sobre que versam os autos interessa convocar a Secção 6 relativa à competência exclusiva.
Nos termos do art. 24º, n.º 1 dessa Secção 6 do Regulamento: “Têm competência exclusiva os seguintes tribunais de um Estado-Membro, independentemente do domicílio das partes: Em matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis, os tribunais do Estado-Membro onde se situa o imóvel. Todavia, em matéria de contratos de arrendamento de imóveis celebrados para uso temporário por um período máximo de seis meses consecutivos, são igualmente competentes os tribunais do Estado-Membro onde o requerido tiver domicílio, desde que o arrendatário seja uma pessoa singular e o proprietário e o arrendatário tenham domicílio no mesmo Estado-Membro”.
De acordo com esta norma, em matéria de arrendamento de imóveis afasta-se o critério geral de competência fixado no art. 4º (atributivo da competência aos tribunais do Estado-Membro do domicílio do demandando) e, bem assim, as regras especiais previstas nos arts. 7º e 8º (que no caso de preenchimento do critério especial nelas previstos permitia ao autor instaurar a ação nos tribunais do Estado-Membro do domicílio do réu - critério geral - ou, em alternativa, nos tribunais do Estado-Membro competente em função dos critérios especiais daqueles arts. 7º e 8º cujos pressupostos se mostrassem preenchidos), bem como a competência eventualmente fixada através da celebração de pactos atributivos ou privativos de jurisdição, nos termos do art. 25º, sendo únicos competentes os tribunais do Estado-Membro onde se situa o imóvel arrendado.
Neste sentido pronuncia-se Marco Carvalho Gonçalves ao expender que “estando simultaneamente preenchida a regra geral do domicílio do réu e uma regra especial de competência, a regra especial não derroga a regra geral. Diversamente, verificando-se, no caso concreto, algum critério especial de competência, o autor tem a possibilidade de escolher entre propor a ação nos tribunais do Estado-Membro do domicílio do réu ou nos tribunais do Estado-Membro que sejam competentes à luz do critério especial, ou seja, a competência desses tribunais é alternativa. Isto a não ser que, no caso em concreto, se verifique alguma situação de competência exclusiva (art. 24º) ou convencional (art. 25º), as quais afastam os critérios gerais e especiais de competência[12]. A fls. 439 da mesma obra adianta que: O legislador europeu definiu um conjunto de matérias em relação às quais os tribunais dos Estados-Membros têm competência exclusiva. Esta competência, sendo exclusiva, derroga quer o critério geral do domicílio do réu, previsto no art. 4º do Regulamento, quer os critérios especiais de competência constante dos arts. 7º e segs., quer ainda a competência eventualmente fixada através da celebração de pactos atributivos ou privativos de jurisdição, nos termos do art. 25º (destacado e sublinhado nosso).
Destarte, fundando-se a pretensão condenatória do recorrido formulada pela recorrente no incumprimento por aquele do contrato de arrendamento que com ela celebrou, independentemente da sua alegação de que teria acordado verbalmente com ele que este lhe restituiria a quantia de 2.400,00 euros na sua residência em Portugal, situando-se o prédio objeto do contrato de arrendamento alegadamente incumprido no Luxemburgo, por via do disposto no art. 24º, n.º 1 do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12/12, a competência internacional para conhecer da presente ação encontra-se deferida (em exclusivo) aos tribunais do Estado-Membro onde se situa o imóvel objeto daquele contrato de arrendamento, ou seja, aos tribunais luxemburgueses.
Decorre do exposto que, na improcedência de todos os fundamentos de recurso invocados pela recorrente, impõe-se julgar o mesmo improcedente e, em consequência, confirmar o despacho recorrido com a presente fundamentação.
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V- Decisão

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, acordam em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam o despacho recorrido com a presente fundamentação.
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Custas do recurso pela recorrente dado que nele ficou “vencida” (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Guimarães, 06 de março de 2025

José Alberto Moreira Dias – Relator
Maria João Marques Pinto de Matos – 1ª Adjunta 
Fernando Manuel Barroso Cabanelas – 2º Adjunto
   
 

[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[2] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 366; Ac. STJ., de 11/05/2011, Proc. 1071/08.7TTCBR.C1.S1, in base de dados da DGSI, onde constam toos os acórdãos que se venham a citar sem menção em contrário.
[3] Luís Menezes Leitão, “Arrendamento Urbano”, 2014, 7ª ed., Almedina, págs. 44 e 45; José António de França Pitão e Gustavo França Pitão, “Arrendamento Urbano Anotado”, 3ª ed., Quid Juris, págs. 276 e 277; Ac. R.P., de 10/012022, Proc. 19416/18.0T8PRT.P1.
[4] Carlos Alberto da Mota Pinto, “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª ed., Coimbra Editora, págs. 433 e 434.
[5] Pires e Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, volume I, 4ª ed., Coimbra Editora, págs. 211 e 212, em que expendem em anotação ao art. 221º do CC: “Prevêem-se, quanto às cláusulas verbais acessórias, ou adicionais, como lhes chama o artigo 394º, tais como as relativas ao juro, ao tempo e lugar do cumprimento, etc., três cláusulas: cláusulas estipuladas antes do documento, cláusulas contemporâneas e cláusulas posteriores. O regime das primeiras e segundas é comum. Em princípio, não se consideram queridas pelos declarantes essas cláusulas. Presume-se que, ao lavrar-se o documento, se quis nele integrar tudo o que se pretendia, e nada mais. Ilidida, porém, esta presunção, uma de duas: ou a razão por que se exige a forma abrange as cláusulas acessórias, e elas são nulas por força da lei, ou não abrange e elas são válidas. O regime das últimas é diferente, pois, em princípio, as estipulações posteriores ao documento são válidas, e só o não são, se a rezão da exigência da forma as abranger. Não são abrangidas pela razão da exigência da forma cláusulas como as que fixam o lugar ou o tempo do cumprimento (vide Vaz Serra, Provas, n.ºs 134 e segs., Bol., n.º 12, vide também o caso decidido no acórdão do STJ, de 31 de outubro de 1979, BMJ, n.º 290, págs. 340 e segs.). Mas já o mesmo não poderá dizer-se, por exemplo, de uma estipulação através da qual se amplie ou reduza o objeto de um contrato (uma compra e venda de imóveis, um arrendamento, etc.) sujeito a certa forma” (destacado nosso).
No mesmo sentido, Carlos Alberto da Mota Pinto, ob. cit., pág. 433, ao indicar como cláusulas verbais não abrangidas pela razão de ser da exigência do documento: “p.ex., nada se diz num contrato de compra e venda sobre o lugar e tempo de pagamento do preço, mas prova-se que as partes convencionaram verbalmente que o preço seria pago em certa data e em certo local; parece que tal acordo verbal deve ser respeitado, não havendo lugar à aplicação de quaisquer normas supletivas”.   
[6] Manuel Domingues de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 92, onde define «competência internacional» como “a competência dos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros. Verdadeiramente, do que se trata aqui é dos limites do Estado português; de definir quando é que este se arroga o direito e se impõe o dever de exercitar a sua função jurisdicional”.
[7] Remédio Marques, in “Ação Declarativa”, 3ª ed, pág. 268; Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 198.
[8] Ac. R.G., de 06/02/2020, Proc. 52/19.0T8PTL, de que fomos relator; de 07/12/2017, Proc. 691/16.0T8PRT.G1.
No mesmo sentido Acs. STJ. de 12/01/2023, Proc. 314/21.6T(BRG.G1.S1; R.P., de 07/11/2024, Proc. 141/24.9T8AVR.P1; RE., de 07/11/2019, Proc. 447/18.6T8FAR.E1.
[9] Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada”, tomo I, 2ª ed., Wolters Kluwer e Coimbra Editora, pág. 169; acórdão do Tribunal de Justiça (Décima Secção), de 02 de março de 2017, Andrew Marcus Hendersen contra Novo Banco, Proc. C-354/15, acessível in Internet.
[10] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual De Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 104.
[11] Acs. STJ., de 07/03/2019, Proc. 13688/16.15BPRT.P1.S1; de 18/10/2018, Proc. 2834/16.5T8GMR.S1; de 29/04/2010, Proc. 622/08.TVPRT.P1.S1; R.G., de 26/11/2020, Proc. 114083/18.7YIPRT.G1; de 24/01/2019, Proc. 1689/17.7T8BGC.G1; R.P., de 10/03/201, Proc. 171/13.6TVPRT.P1.
[12] Marco Gonçalves, “Competência Judiciária da União Europeia”, Scientia Iuridica, tomo LXIV, 2015, n.º 339, págs. 427 e 439. No mesmo sentido Miguel Teixeira de Sousa, in https://blogspot.pt/2017/11/jurisprudência-735.html, de 23/11/2017, ao expender que: “O critério do domicílio do demandado (art. 2º, n.º 1, Reg. 55/2002; art, 4º, n.º 1, Reg. 1215/2012) é sempre aplicável. Os critérios especiais – como é o caso daquele que se encontra estabelecido no art. 5º, n.º 1, Reg. 44/2001 ou no art. 7º, n.º 1, Reg. 1215/2012 – são sempre alternativos em relação àquele critério geral; é o que resulta do disposto no art 5º, n.º 1, do Reg. 1215/2012. Ou seja, nas situações previstas na Secção 2 (art. 5º a 9º) – que estipula regras especiais que atribuem competência a tribunais de Estados diversos do Estado de residência do réu, mas que não excluem a normal competência do Estado do domicílio do réu e o daquele Estado para que aponta o critério especial. Diversamente, nas situações elencadas nas Secções 3 a 7, a competência internacional é determinada unicamente pelas regras especiais aí estabelecidas” (destacado nosso).