I - Não conhecendo o arguido a língua portuguesa, havendo que proceder à tradução da acusação (para língua árabe), e cabendo ao Ministério Público diligenciar nesse sentido, a fim de, subsequentemente, se poder tentar a notificação da acusação ao arguido, não cabe ao juiz de julgamento fazê-lo, em ordem a reparar/sanar a irregularidade decorrente da falta de notificação da acusação ao arguido, irregularidade essa que foi declarada no despacho de “saneamento do processo” (previsto no artigo 311º do C. P. Penal) ao abrigo do preceituado no artigo 123º, nº 2, do mesmo diploma legal.
II - Deste modo, bem andou o Mm.º Juiz a quo ao determinar a remessa dos autos aos Serviços do Ministério Público, para os efeitos tidos por convenientes, designadamente, para que diligencie no sentido da notificação da acusação ao arguido, o que pressupõe a prévia tradução de tal peça processual para árabe.
III - Essa determinação em nada contende com a estrutura acusatório do processo penal, nem com a independência e autonomia do Ministério Público.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
É consabido que as conclusões da motivação do recurso balizam ou delimitam o respetivo objeto – cf. artigo 412º, n.ºs 1 e 2, do CPP –, sem prejuízo da apreciação das questões de natureza oficiosa.
Assim, no caso em análise, considerando os fundamentos do recurso, a única questão suscitada é a de saber se, no âmbito do despacho a que alude o artigo 311º do CPP, declarando o juiz existir irregularidade, nos termos do disposto no artigo 123º, n.º 2, do CPP, decorrente da falta de tentativa de notificação do arguido da acusação pública deduzida no processo, não pode o juiz ordenar a remessa dos autos aos serviços do Ministério Publico para os efeitos tidos por convenientes, designadamente, para que diligencie no sentido de efetuar aquela notificação.
2.2. O despacho recorrido é do seguinte teor:
«O Tribunal é competente.
Determina o artigo 311.º, n.º 1, do CPP, que, recebidos os autos no Tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer.
Logra aplicação tal preceito, considerando que, compulsados os autos, se detecta a existência de irregularidade que cumpre reparar.
Ora, aquando da dedução da acusação, o MINISTÉRIO PÚBLICO não determinou a notificação da mesma ao arguido (nos termos do disposto no artigo 283.º, n.º 5, do CPP, cf. se retira de fls. 23).
Assim, nenhum procedimento foi ordenado no sentido da notificação do arguido (contrariamente ao que impõe o já referido preceito legal).
Ora, em casos como o dos presentes autos, em que o arguido, havendo prestado pretenso TIR sem aí fazer constar morada em que possa ser notificado, caberia pelo menos diligenciar no sentido do apuramento do seu paradeiro e, após, procurar efectivar a sua notificação.
É certo que o despacho de acusação pode até nem ser notificado ao arguido, sendo igualmente certo, porém, que essa notificação deve ser pelo menos tentada (nos termos conjugados do disposto nos artigos 283.º, n.º 5 e 277.º, n.º 3, ambos do CPP), o que ostensivamente não foi feito, limitando-se o MINISTÉRIO PÚBLICO a nada ordenar a esse respeito.
Assim, não estamos perante qualquer tentativa de notificação do arguido que se haja revelado ineficaz (conforme exige o referido artigo 283.º, n.º 5, do CPP), mas sim perante absoluta inércia.
De resto, ainda que haja o ilustre defensor do arguido sido notificado da acusação deduzida contra o seu constituinte (cf. fls. 25), cabe levar em consideração que as notificações respeitantes à acusação devem ser feitas tanto ao defensor como ao próprio arguido (cf. artigo 113.º, n.º 10, do CPP), não se podendo nunca admitir que este último se considere notificado na pessoa daquele.
Verifica-se assim uma evidente omissão, qual seja a da tentativa de notificação do arguido, omissão esta que não configura qualquer nulidade (porque não prevista nos artigos 119.º ou 120.º do CPP) mas sim irregularidade (nos termos do disposto no artigo 118.º, n.º 2, do CPP), a qual se declara, invalidando o acto a que se refere, melhor dizendo, à ausência dele, assim como aos termos processuais subsequentes, ordenando-se oficiosamente a reparação da mesma (artigo 123.º do CPP).
Assim, uma vez que a autoridade judiciária competente para notificar a acusação ao arguido é o MINISTÉRIO PÚBLICO (1 Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 05.05.2015, processo n.º 1140/12.9TDEVR-A.E1), o Tribunal pode ordenar a devolução dos autos para que a efectue, uma vez detectada a irregularidade em causa no momento do saneamento do processo (artigo 311.º do CPP) (2 Neste sentido, veja-se a decisão sumária proferida pelo Tribunal da Relação de Évora em 26.10.2023 nos autos 3126/22.6T9FAR.E1).
Pelo exposto, decide-se conhecer da apontada irregularidade e, em consequência, determina-se, após trânsito em julgado do presente despacho, dando baixa da distribuição, a remessa dos autos aos Serviços do MINISTÉRIO PÚBLICO para os fins tidos por convenientes, designadamente, para diligenciar no sentido da notificação do arguido da acusação contra ele deduzida.
Notifique.»
2.3. Apreciação do mérito do recurso
Como supra referimos, a questão suscitada no recurso e submetida à apreciação desta Relação é a de saber se, no âmbito do despacho a que alude o artigo 311º do CPP, declarando o juiz existir irregularidade, nos termos do disposto no artigo 123º, n.º 2, do CPP, decorrente da falta de tentativa de notificação do arguido da acusação pública deduzida no processo, não pode o juiz ordenar a remessa dos autos aos serviços do Ministério Publico para os efeitos tidos por convenientes, designadamente, para que diligencie no sentido de efetuar aquela notificação.
Neste conspecto, sustenta o Ministério Público/recorrente que, caso o juiz decida, como decidiu, conhecer da irregularidade decorrente da falta de notificação do arguido da acusação deduzida nos autos, entendendo ser de reparar a irregularidade, deve fazê-lo a instâncias suas, não podendo ordenar ao Ministério Público que o faça, sob pena de afrontar a estrutura acusatória do processo penal, a independência e a autonomia do Ministério Público, consagradas nos artigos 32º n.º 5 e 219º, n.º 2 da CRP.
Apreciando:
O Ministério Público/recorrente não põe em causa que o juiz, no despacho a que alude o artigo 311º do CPP, possa declarar, nos termos previstos no artigo 123º, n.º 2, do CPP, a existência da irregularidade, decorrente da falta de tentativa de notificação da acusação ao arguido, em observância do estatuído no artigo 113º, n.º 10, do CPP, como ocorreu no caso vertente.
O recorrente apenas se insurge quanto à parte da decisão em que o Mm.º Juiz determinou a remessa dos autos aos Serviços do Ministério Público, com vista à reparação dessa irregularidade. Defende o recorrente que terá de ser o juiz a diligenciar para que seja reparada a enunciada irregularidade e que o decidido em sentido diverso contende com a estrutura acusatório do processo penal e com a autonomia do Ministério Público.
Vejamos:
De harmonia com o estatuído no artigo 113º, n.º 10, do CPP, a acusação deve ser notificada ao arguido e também ao seu advogado ou defensor nomeado.
A notificação da acusação ao arguido é um direito pessoal deste, sendo essencial à garantia de direitos fundamentais, especialmente do direito de defesa e constitui uma exigência de um processo justo (cf. artigos 6º, n.º 1, al. c) e 3º da CEDH e 48º, n.º 2, da CDFUE),
Conforme se refere no Acórdão desta Relação de Évora, de 05/04/2022[1] «(…) a inexistência de notificação da acusação ao arguido atropela bastos aspetos substantivos (brigando designadamente com o direito a conhecer os factos de que se é acusado; a saber qual é o objeto do processo e o âmbito do julgamento a que poderá ser submetido), constitui uma questão prévia, uma irregularidade de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no artigo 123º do CPP, que naturalmente obsta ao conhecimento de mérito. Daí que o juiz deva dela conhecer no momento previsto no artigo 311.º CPP.»
Tendo o juiz declarado, no despacho a que alude o artigo 311º do CPP, a existência de uma irregularidade, nos termos previstos no artigo 123º, n.º 2, do CPP, decorrente da falta de tentativa de notificação da acusação ao arguido, em observância do disposto no artigo 113º, n.º 10, do CPP, constitui questão controvertida na jurisprudência a de saber a quem cabe a reparação dessa irregularidade.
Com efeito, neste domínio, confrontam-se duas posições divergentes, sendo uma no sentido acolhido no despacho recorrido, de que o juiz pode determinar a devolução dos autos ao Ministério Público para que seja sanada a irregularidade consubstanciada na falta de notificação da acusação ao arguido, o que não contende com a estrutura acusatória do processo e a autonomia do mesmo Ministério Público[2] e a outra no sentido defendido pelo recorrente/MP, de que o juiz deve ser o juiz a ordenar a reparação da aludida irregularidade, de modo a que os respetivos serviços diligenciem pela notificação da acusação ao arguido, não podendo determinar a devolução dos autos ao Ministério Público para que seja sanada tal irregularidade, porquanto tal decisão afronta os princípios do acusatório e da independência e autonomia do Ministério Público[3].
Em nosso entender, a posição a acolher dependerá do caso concreto e dos exatos contornos da irregularidade cometida, havendo que distinguir as situações.
Assim:
Quando se trate de uma situação em que a omissão da notificação da acusação ao arguido possa ser sanada, sem mais delongas, não havendo necessidade de efetuar quaisquer outras diligências, mormente, se o arguido tiver prestado TIR nos autos e indicado morada para efeitos de notificação, devendo a notificação da acusação ser efetuada para essa morada, por via postal com prova de depósito, nos termos previstos nos artigos 113º, n.º 1, al. c) e 286º, n.º 6, ambos do CPP, o juiz tendo declarado a irregularidade, no despacho a que alude o artigo 311º do CPP, deve ordenar a imediata reparação de tal irregularidade, determinando que se proceda à notificação da acusação ao arguido.
Esta solução impõe-se não por que exista qualquer impedimento legal a que o juiz pudesse determinar a devolução dos autos ao Ministério Público, para que diligenciasse pela notificação da acusação ao arguido – entendendo-se que essa determinação, não contende com o princípio do acusatório ou com a independência e autonomia do Ministério Público –, mas por razões de economia e celeridade processuais, evitando-se, dessa forma, como se refere no Acórdão deste TRE de 18/04/2023[4], delongas com devoluções, baixas de distribuição e, eventuais, recursos «e, consequentemente, a prática de atos inúteis sem qualquer vantagem/peso/interesse na realização da justiça material».
Porém, nas situações em que, como acontece in casu, a irregularidade decorrente da falta de notificação da acusação ao arguido, não possa ser prontamente sanada/reparada, por haver necessidade de efetuar diligências prévias, cuja competência para a respetiva realização, na fase de inquérito, cabe ao Ministério Público e estando em causa a salvaguarda de direitos fundamentais do arguido, mormente, o direito à defesa e a um processo justo, entendemos que o juiz, não só pode, como deve, determinar a remessa dos autos aos Serviços do Ministério Público, para os efeitos tidos por convenientes, designadamente, para que diligencie no sentido de proceder notificação da acusação ao arguido, determinação essa que, em nosso entender, em nada contende com a estrutura acusatório do processo penal, nem com a independência e autonomia do Ministério Público.
A este propósito, sufragamos inteiramente as considerações expendidas no Acórdão deste TRE de 21/10/2014[5], que se transcrevem:
«(…)
Embora conhecendo da irregularidade, o despacho determinou a remessa dos autos ao Ministério Público “para os fins tidos por convenientes”, fundado na competência deste para a reparação da mesma.
Desde logo, note-se que a redação do art. 123.º, n.º 2, do CPP não obsta a que assim tivesse procedido, já que a expressão “Pode ordenar-se oficiosamente a reparação” tem como pressuposto que essa reparação, resultando inevitavelmente do seu conhecimento, deverá ser regularizada, através da prática do acto irregular e, no caso vertente, respeitante a acto de notificação da acusação, que respeita à fase de inquérito presidida pelo Ministério Público (art. 263.º do CPP).
Por seu lado, não se tendo, através do despacho, recebido ou rejeitado a acusação, limitando-se, pois, ao conhecimento da irregularidade, entender-se-á que ainda não se tenha iniciado fase subsequente ao inquérito, sendo que o expresso pressuposto da competência do tribunal versou naquele conhecimento e sem outro sentido relevante que se possa atribuir.
Contudo, ver no despacho recorrido a violação da autonomia do Ministério Público constitui, salvo melhor opinião, um preconceito sem sentido, uma vez que, ao ordenar a remessa dos autos ao Ministério Público, mais não fez do que acolher essa autonomia, em questão que se prende com a estrita observância das formalidades legais (a notificação da acusação), a que o Ministério Público está sujeito (art. 1.º da Lei n.º 47/86, de 15 de outubro[6]), e não relativa a acto de inquérito que contenda com as finalidades deste previstas no art. 262.º do CPP.
Nem do despacho decorre alguma ordem, o que se acautelou através da menção à expressão “para os fins tidos por convenientes”.
Acresce que o prosseguimento dos autos ao abrigo do art. 283.º, n.º 5, do CPP, só se justificava se o procedimento de notificação em falta se revelasse ineficaz, (…), além de que sempre se trataria de situação que constitui excepção e a não erigir como regra, além do mais relacionada, no que aqui interessaria, com a previsão do art. 336.º, n,º 3, do CPP.
(…)
Mediante o despacho sob censura, apenas se tratou de facultar a sanação do vício pela autoridade judiciária que no mesmo incorreu, sem que a sua interpretação, que foi fundamentada, contenda com a estrutura acusatória do processo e a autonomia do recorrente.
Sem prejuízo da merecida consideração pelo seu estatuto, não se configura que lhe assista razão válida para ter enveredado por atribuir ao despacho a natureza de uma ordem e de efeito para além daquele que ao mesmo ficou subjacente.
(…).»
Tendo presentes estas considerações e volvendo ao caso vertente, estamos perante uma situação em que foi omitida, pelo Ministério Público, qualquer diligência tendente a notificar o arguido da acusação contra si deduzida.
Compulsados os autos, deles resulta que o arguido, natural do Kuwait, atualmente apátrida e a quem foi atribuído o estatuto de refugiado, tendo sido detido no aeroporto Gago Coutinho, em Faro, quando se preparava para embarcar num voo, com destino a Bristol, Reino Unido, foi constituído arguido e prestou TIR (cf. fls. 6 a 10 dos autos), não tendo indicado qualquer morada, designadamente, para efeitos de notificação, nem sequer fornecido um número de telefone, para contato.
Não conhecendo o arguido a língua portuguesa, tendo, por essa razão, a constituição de arguido e o TIR prestado, sido traduzidos para árabe (cf. fls. 6 a 10 dos autos), impõe a lei, concretamente, o artigo 92º, n.º 3, do CPP, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 52/2023, de 28 de agosto[7] que a «entidade responsável pelo ato processual» provê ao arguido, a tradução escrita dos documentos referidos no n.º 10 do artigo 113º do CPP», ou seja, dos documentos que devem ser pessoalmente notificados ao arguido, entre os quais, o despacho de acusação.
Sucede que o Ministério Público não diligenciou pela tradução da acusação para a língua árabe, como lhe competia, nos termos do disposto no artigo 92º, n.º 3, do CPP, sendo que a notificação da acusação ao arguido pressupõe a prévia tradução dessa peça processual para a língua árabe.
A falta de tradução da acusação, para a língua que o arguido conhece/domina, com vista a poder ser efetuada a respetiva notificação da acusação, constitui pressuposto/exigência essencial ao efetivo exercício do direito de defesa – permitindo ao arguido inteirar-se do teor da acusação contra si deduzida, tomar conhecimento dos factos cuja prática lhe é imputada e das provas oferecidas pela acusação e organizar a sua defesa, de forma eficaz e atempada – e a sua preterição acarreta, segundo uns, a inexistência jurídica do ato processual[8] e segundo outros, uma nulidade insanável[9], sendo atualmente consensual, pelo menos, nesta Relação de Évora, após a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, em 01/08/2022, no âmbito do Processo C-242/22 PPU[10] – que apreciou o pedido de reenvio prejudicial apresentado por este TRE no processo n.º 53/19.8GACUB-B.E1 –, que, neste domínio, não é aplicável o regime jurídico previsto no artigo 120º, n.º 1, al. c), do CPP – nulidade sanável, dependente de arguição -.
De harmonia com o decidido pelo Tribunal de Justiça, no referenciado aresto, «O artigo 2.º, n.º 1, e o artigo 3.º, n.º 1, da Diretiva 2010/64/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de outubro de 2010, relativa ao direito à interpretação e tradução em processo penal, bem como o artigo 3.º, n.º 1, alínea d), da Diretiva 2012/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, relativa ao direito à informação em processo penal, lidos à luz do artigo 47.º e do artigo 48.º, n.º 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do princípio da efetividade, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional nos termos da qual a violação dos direitos previstos nas referidas disposições destas diretivas deve ser arguida pelo beneficiário desses direitos num determinado prazo, sob pena de sanação, quando esse prazo começa a correr ainda antes de a pessoa em causa ter sido informada, numa língua que fale ou compreenda, por um lado, da existência e do alcance do seu direito à interpretação e à tradução e, por outro, da existência e do conteúdo do documento essencial em questão, bem como dos efeitos a ele associados.»
Neste quadro e volvendo ao caso concreto, não conhecendo o arguido, a língua portuguesa, havendo que proceder à tradução da acusação, para língua árabe, cabendo ao Ministério Público diligenciar nesse sentido, atento o disposto no artigo 92º, n.º 3, do CPP, a fim de, subsequentemente, se poder tentar a respetiva notificação ao arguido, não cabe ao juiz de julgamento, fazê-lo, em ordem a reparar/sanar a irregularidade decorrente da falta de notificação da acusação ao arguido, que foi declarada no despacho recorrido, ao abrigo do disposto no artigo 123º, n.º 2, do CPP.
Deste modo, bem andou o Mm.º Juiz a quo ao determinar a remessa dos autos aos Serviços do Ministério Público, para os efeitos tidos por convenientes, designadamente, para que diligencie no sentido da notificação da acusação ao arguido, o que pressupõe a prévia tradução de tal peça processual para árabe, nos termos sobreditos e sem que se olvide ter a acusação sido deduzida para julgamento em processo abreviado.
Esta determinação em nada contende com a estrutura acusatório do processo penal, nem com a independência e autonomia do Ministério Público, conforme supra referimos acolhendo-se os fundamentos aduzidos no enunciado Acórdão deste TRE de 21/10/2014.
Deve, pois, manter-se o despacho recorrido, negando-se provimento ao recurso.
3. DECISÃO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal (2.ª Subsecção) deste Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e, em consequência, confirmar o despacho recorrido.
Sem tributação, por estar isento o Ministério Público.
Notifique.
Évora, 11 de março de 2025
Fátima Bernardes
Maria Perquilhas
Fernando Pina
__________________________________________________
[1] Proferido no processo n.º 304/20.6JAFAR-I.E2, in www.dgsi.pt
[2] Cf. Acórdãos deste TRE de 08/04/2014, proc. n.º 650/12.2PBFAR-A.E1, de 21/10/2014, proc. n.º 1036/12.4GCFAR.E1, de 22/11/2018, proc. n.º 20/15.0IDFAR-A.E1, de 05/05/2015, proc. n.º 1140/12.9TDEVR-A.E1, de 25/05/2021, proc. n.º 167/20.1GCLGS-A.E1, de 13/09/2022, proc. n.º 64/20.0PBEVR.E1; Ac. da RG de 6/02/2017, proc. n.º 540/14.4GCBRG.G1 e Ac. da RL de 25/07/2018, proc. n.º 123/16.4PGOER.L1-3, todos acessíveis in www.dgsi.pt.
[3] Cf. Ac. da RL de 26/02/2013, proc. n.º 406/10.7GALNH-A.L1-5; Ac. da RE de 07/03/2017, proc. n.º 874/15.0GCFAR.E1; Ac. da RG de 19/11/2024, proc. n.º 82/14.8T9VLN.G1; Ac. da RG de 26/10/2020, proc. n.º 754/19.0T9BRG.G1; Ac. da RE de 18/04/2023, proc. n.º 535/22.4GESLV-A.E1; Ac. da RG de 14/11/2023, proc. n.º 1778/21.3T9BRG-A.G1 e Ac. da RG de 6/02/2017, proc. n.º 540/14.4GCBRG.G1, todos acessíveis in www.dgsi.pt.
[4] Proferido no proc. n.º 535/22.4GESLV-A.E1, in www.dgsi.pt.
[5] Proferido no proc. n.º 1036/12.4GCFAR.E1, in www.dgsi.pt.
[6] Atualmente a Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto.
[7] Que completou a transposição entre outras da Diretiva (UE) 2010/64, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de outubro de 2010, que prevê a tradução do despacho de acusação ou do despacho de pronúncia e das sentenças.
[8] Cf., entre outros, Ac. deste TRE de 20/12/2018, proc. n.º 55/2017.9GBLGS.E1, in www.dgsi.pt.
[9] Cf., entre outros, Ac. deste TRE de 20/02/2024, proc. n.º 428/21.2GESLV.E1 e de 21/05/2024, proc. n.º 399/22.8GESLV.E1, in www.dgsi.pt.
[10] Acessível in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=CELEX:62022CA0242