OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
NOTIFICAÇÃO OFICIOSA ENTRE MANDATÁRIOS
CONTRADITÓRIO
NULIDADE
Sumário

I - Todos os actos praticados por escrito pelas partes, após a notificação da contestação do réu ao autor, obedecem à regra da notificação entre mandatários.
II - Material ou substancialmente qualificável o requerimento dos executados a requerer a extinção da instância executiva em curso como uma “oposição” ao requerimento executivo, assemelhando-se a uma verdadeira e própria petição de embargos, a determinação da notificação (pela secretaria) tem de sê-lo pelo juiz, nos termos e para os efeitos do artigo 3º do CPC e mediante a advertência de consequências para a falta de resposta e de junção de prova bastante.
III - Assim quando se considere que o juízo mesmo de possibilidade (atento o estado da causa, parcialmente suspensa), admissibilidade e tempestividade (atento o concreto fundamento convocado e o facto de estar já precludida a hipótese de dedução de embargos) do requerimento apreciado carecia de uma apreciação/decisão prévia.
IV - A imposição às partes de cominações e preclusões, sem prejuízo de um princípio de auto responsabilidade destas na gestão do processo, como aliás constitui princípio geral em todo o processo civil, pressupõe que as objecções, impugnações ou reclamações tenham de ser deduzidas, salvo superveniência, na fase procedimental em que está previsto o exercício do direito de contestação ou oposição.
V - Sendo-o subsequentemente, como aconteceu com o requerimento em que os executados vêm suscitar a excepção de não inclusão em PERSI, não obstante não terem deduzido oportunamente embargos, cabe ao tribunal não apenas apreciar da oportunidade e possibilidade desse conhecimento, como possibilitar à contraparte uma pronúncia ou contraditório efectivo, mediante o convite a juntar prova do cumprimento da condição de exequibilidade e sob a cominação respectiva no caso do silêncio.
VI - Não temos, pois, por bastante a notificação oficiosa entre mandatários, como se de um “mero requerimento” se tratasse, quando em causa uma verdadeira e própria oposição, sem as “formalidades” respectivas…
VII - O princípio do contraditório é hoje entendido um direito de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de influírem em todos os elementos que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.
VIII - Tratando-se de uma situação que não é regulada por norma especial, deverá reger-se no quadro da regra geral do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, na parte em que dispõe que a omissão de uma formalidade que a lei prescreve produz nulidade quando a irregularidade cometida possa influir na decisão da questão. Neste caso, a nulidade da decisão decorre de um efeito consequencial, obtido por via do n.º 2 do art. 195.º do CPC, e não da subsunção às causas autónomas de nulidade das decisões previstas no art. 615.º do mesmo diploma.
IX - Relativamente às consequências extraíveis do reconhecimento de tal nulidade, tal determinaria, na presente fase, a mais da anulação da decisão recorrida, decisão a determinar a intervenção e pronúncia da parte, nos termos e para os efeitos do prescrito no nº. 3, do artº. 3º, do Cód. de Processo Civil, fixando prazo em conformidade.
X - Contudo, a exequente, no enformar do objecto recursório, em sede de alegações, já emitiu pronúncia acerca da matéria apreciada na decisão a anular, ou seja, já enunciou os fundamentos argumentativos tradutores da sua posição relativamente à questão decidenda, não se justificando a emissão de comando determinante da concessão de nova pronúncia.
XI - Juízo que não se afigura extensível aos Recorridos executados, ainda quando não tenham apresentado contra-alegações, mormente na medida em que a questão mesma da inclusão no PERSI não se constituía directamente como objecto do recurso, com o que nada se conclui ou infere da falta de apresentação de contra-alegações.

Texto Integral

Processo 1383/21.4T8OVR. P1

Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro

Juízo de Execução de Ovar

Relatora: Isabel Peixoto Pereira

1º Adjunto: António Carneiro da Silva

2º Adjunto: António Paulo Vasconcelos


*

Acordam os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.

Nestes autos de execução, por requerimento avulso (Ref.ª Elect.ª 16488172, de 30.07) vieram os executados AA e BB arguir a excepção dilatória inominada decorrente da falta de integração dos mesmos no âmbito do procedimento denominado PERSI, concluindo pela nulidade do presente processo.

O Ilustre Advogado dos executados notificou a Ex.ma Sra. Advogada da exequente do teor do requerimento, sendo que nos autos nada foi dito.

O Sr. Juiz considerou então ter sido observado o contraditório e passou a proferir a decisão seguinte:

«Antes de mais, importa salientar, quanto à tempestividade da excepção ora aduzida, que, nos termos do disposto no art. 734.º, n.º 1 do Novo Código de Processo Civil, “o juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do art. 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”.

Este normativo constitui, assim, uma “válvula de escape”, permitindo que uma execução indevida ou insuficientemente instaurada (seja pela inexistência de titulo executivo, seja por qualquer outra razão que impunha o seu indeferimento liminar ou o convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo) e que por qualquer razão não foi detetada no momento devido, possa ainda ser alvo de correcção (cfr. Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, in A ação Executiva Anotada e Comentada, Almedina, 2.ª Edição, 2017, pág. 260).

Porém, essa válvula tem um limite temporal definido, podendo apenas funcionar “até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados”, justificando-se esta ressalva tendo em vista os direitos adquiridos no processo por terceiros de boa-fé, designadamente os credores do executado, os adquirentes ou os preferentes, que merecem protecção.

No caso vertente, não tendo ainda ocorrido na execução qualquer acto de transmissão dos bens penhorados e em face do requerimento apresentado pelos Executados em que vêm arguir a excepção dilatória decorrente da preterição do PERSI o Tribunal está obrigado a dela conhecer, não tendo, por força do supra exposto, a ausência de arguição de tal excepção em sede de embargos de executado efeito preclusivo.

Tendo por base este pressuposto, cumpre, pois, aferir se no caso em apreço ocorre a invocada excepção dilatória decorrente da alegada não integração dos Executados no Procedimento Extrajudicial de Regularização das Situações de Incumprimento (PERSI).

O referido procedimento, instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, tem aplicação, obrigatória, quando o cliente bancário consumidor incorre numa situação de incumprimento de obrigações resultantes de contratos de crédito, constituindo um instrumento extrajudicial de proteção daquele, imposto às instituições bancárias, impeditivo de, antes do seu decurso, serem desencadeados procedimentos judiciais com vista à satisfação desses mesmos créditos.

Para o efeito, consideram-se clientes bancários consumidores, por apelo à definição legal de consumidor constante da Lei 67/2003, qualquer pessoa singular que não destine o bem ou serviço adquirido a um uso profissional ou um profissional (pessoa singular), desde que não actuando no âmbito da sua actividade e desde que adquira bens ou serviços para uso pessoal ou familiar.

Tal procedimento é constituído por uma fase pré-judicial que tem em vista a composição do litígio, por mútuo acordo, entre credor e devedor, através de um procedimento que comporta três fases: a fase inicial, a fase de avaliação e proposta e a fase de negociação, conforme decorre dos artigos 14.º, 15.º e 16.º do referido Decreto-Lei n.º 227/2012.

O PERSI inicia-se sempre mediante uma comunicação formal (isto é, em suporte duradouro na qual a instituição de crédito mutuante, entre outros elementos, deve indicar a data de integração do cliente no PERSI e o montante total em dívida, detalhando as parcelas correspondentes a capital, juros e encargos (ou comissões) resultantes da mora.

Sinopticamente, o recurso ao referenciado procedimento extrajudicial (com a integração em PERSI e a comunicação de extinção de tal procedimento, persistindo o incumprimento) funciona como condição de admissibilidade da acção judicial (declarativa ou executiva) pela qual a instituição bancária peticiona o pagamento. Na omissão de cumprimento, pela instituição bancária, dessa obrigação prévia (falta de PERSI), verifica-se uma excepção dilatória inominada, insuprível, de conhecimento oficioso, conducente à absolvição da instância (art. 18.º, n.º 1, al. b) do referido diploma legal) – cfr., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Fevereiro de 2023, processo 1141/21.6T8LLE-B.E1.S1, pesquisável in www.dgsi.pt, e demais jurisprudência nele citada.

Consequentemente, se previamente a acção para cobrança de um concreto crédito (procedimento judicial) não tiver havido integração em PERSI, com vista à obtenção de pagamento do mesmo (prévio procedimento extrajudicial), verifica-se tal excepção dilatória conducente à absolvição da instância.

Neste enquadramento, a comunicação de integração no PERSI, bem como a de extinção do mesmo, ao cliente/devedor, incluindo os fiadores, tem de ser feita, pela instituição bancária, em suporte duradouro, isto é, tem de estar materializada em instrumento que possibilite a sua integral e inalterada reprodução (reconduzindo-se, assim, ao conceito de documento plasmado no art. 362.º do Código Civil).

Por outro lado, sendo condição de admissibilidade da acção judicial, incumbe ao banco/exequente, que pretende lançar mão do procedimento judicial, o ónus da prova do envio (por si) e da recepção (pelo cliente) de tais declarações receptícias, cabendo-lhe demonstrar, para além da sua existência e envio, a recepção pelo cliente (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8 de Junho de 2022, processo 4204/20.1T8MAI-A.P1, pesquisável in www.dgsi.pt).

Estando em causa normas imperativas, encontra-se fora da disponibilidade das partes, entidade bancária e cliente bancário, afastar essas regras.

Acresce que, como se afirma no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Novembro de 2022, processo 21395/17.1T8SNT-A.L1-2, pesquisável in www.dgsi.pt, “na circunstância do devedor não ter sido integrado no PERSI por parte da instituição bancária, quando o devesse ter sido, os efeitos desta falta impõem-se ao cessionário do crédito, designadamente na limitação de não poderem ser intentadas ações judiciais contra o devedor até à extinção de tal procedimento”, “não podendo a cessão ser feita em detrimento da posição do devedor, ou com diminuição das suas garantias, até porque este não pode opor-se a tal cedência (cfr. art. 577º do Código Civil)”.

Assim, “se o crédito já estava em incumprimento quando da cessão de créditos e o cedente estava limitado no exercício do seu direito por força do regime do PERSI, designadamente por estar obrigado a integrar o devedor no PERSI, não podendo intentar contra ele ações judiciais com vista à cobrança coerciva do seu crédito até à extinção deste procedimento, nos termos previstos no art.º 18.º n.º 1 al. b) do diploma em questão, o direito de crédito que o mesmo transmitiu à cessionária não pode deixar de ter esta mesma limitação” (cfr., nesse sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24 de Janeiro de 2023, processo 7228/21.2T8PRT-A.P1, pesquisável in www.dgsi.pt).

Perante este quadro legal, mostra-se pacífico que os Executados, na qualidade de clientes bancários, estão obrigatoriamente sujeitos ao regime do PERSI, porquanto tendo, ainda, em atenção o preceituado no art. 40.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, são integrados no PERSI os clientes com contratos celebrados após 1 de Janeiro de 2013 ou que, apesar de celebrados em data anterior, permaneçam em vigor e se encontrem em situação de mora no cumprimento das suas obrigações.

Concluindo-se, deste modo, que os aqui Executados devem ser integrados no PERSI, não resultou, todavia, alegado ou provado qualquer facto respeitante a este procedimento, sendo certo que cabe à Exequente o ónus de alegação e prova dos factos atinentes à integração do cliente no PERSI e à sua notificação, por se tratarem de factos essenciais à admissibilidade desta acção (cfr. arts. 5.º, n.º 1 do Novo Código de Processo Civil e 342.º, n.º 1 do Código Civil).

Efectivamente, no caso vertente, a Exequente não se pronunciou sobre a invocada excepção dilatória, não tendo sequer cumprido o ónus de alegação que sobre si impendia, uma vez que silenciou em absoluto qualquer facto relativamente à data da suposta integração dos executados no PERSI e à comunicação exigida pelo art. 14.º, n.º 4 do Decreto-Lei 272/2012, nem indicou quais as negociações tidas, nem o resultado das mesmas, nem os factos relativos ao encerramento do PERSI e respectivo fundamento jurídico.

Outrossim, não juntou aos autos, conforme igualmente lhe competia, qualquer elemento comprovativo de ter procedido à integração dos ora Executados no âmbito do Persi, sendo certo que lhe competia, além do mais, o ónus da prova do envio (por si) e da receção (pelo cliente) de tais declarações receptícias, não se revelando, para esse efeito, suficiente a mera junção de simples cartas de comunicação.

Pelo exposto, é forçoso concluir pela verificação da invocada excepção dilatória inominada, a qual, sendo insuprível e de conhecimento oficioso, determina a extinção da instância executiva.

Nesta conformidade, julgo procedente a invocada excepção dilatória inominada insanável, de conhecimento oficioso, e, em consequência, absolvo os Executados da instância executiva e declaro extinta a execução, com o consequente cancelamento da penhora.»

Desta decisão veio a exequente recorrer, mediante as seguintes conclusões:

1. No âmbito dos autos de execução sumária em que a recorrente assume a qualidade de exequente,com crédito garantido por hipoteca sobre imóvel penhorado, por decisão de Agente de Execução de 08 de Março de 2023, a execução foi sustada, nos termos do n.º 1 do artigo 794.º do CPC, por força da pendência de penhoras anteriormente registadas sobre aquele bem;

2. Os efeitos jurídicos decorrentes da sustação integral da execução, são os previsto no n.º 4 do artigo 794.º CPC, ou seja, «A sustação integral determina a extinção da execução, (...)»;

3. Desde o dia 08 de Março de 2023, a presente execução encontra-se extinta, com decisão transitada julgado, facto não considerado pelo Tribunal a quo, quando proferiu sentença de 24/09/2024;

4. Para além da instância se considerar extinta por força do n.º 4 do artigo 794.º CPC, a mesma está extinta, por deserção, nos termos do artigo 277.º alínea c) do CPC, porque a recorrente/exequente se encontrava impedida de promover ou requerer quaisquer diligências, em virtude da extinção da instância;

5. O n.º 5 do mesmo artigo – art. 281.º CPC refere que no processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.»

6. A extinção da instância por deserção, ocorreu no dia 08 de Agosto de 2023, data em que a instância perfazia 6 meses, sem que qualquer impulso pela recorrente/exequente, sendo certo que não é necessária qualquer decisão para determinar a extinção da instância, por deserção;

7. A partir do dia 08 de Agosto de 2023, data em que a instância se considerou definitivamente extinta, nenhuma decisão superveniente, poderia incidir sobre qualquer objecto;

8. Depois da extinção da instância nos termos dos artigos supra indicados, decorrido, mais de um ano e 5 meses, os executados vieram por requerimento alegar junto do juiz de Direito, a sua alegada falta de integração de PERSI referente aos créditos incumpridos;

9. Depois da decisão de extinção de execução, cessa o poder do juiz, relativamente à decisão de todos os requerimentos ou comunicações a Agente de Execução enviadas pelas partes aos autos, porque a instância se encontra extinta;

10. «Com a extinção da instância cessam todos os efeitos processuais e substantivos da pendência da acção, logo o direito subjectivo processual do demandante contra o demandado, significando que a extinção torna ineficazes os actos realizados e os praticados posteriores serão inexistentes». - Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 5063/09.0TBLRA-A.C1 de 12/09/2014, Relator JORGE ARCANJO. (negrito da nossa responsabilidade)

11. «O caso julgado da decisão que julga extinta a instância acarreta a preclusão pro judicato, que é a extinção do poder do juiz relativamente à prática de actos posteriores, assim refere o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 5063/09.0TBLRA-A.C1 de 12/09/2014, Relator JORGE ARCANJO;

12. O juiz do tribunal a quo não tinha poderes, para conhecer do requerimento apresentado pelo executado, que depois da extinção da instância é considerado inexistente;

13. A sentença de 24/09/2024 perfaz um excesso de pronúncia e actuação indevida do Juiz que se condena, por falta de poderes, e nessa sequência requer-se a sua anulação, por infringir o artigo 195.º CPC ex vi o artigo 187º e 188.º CPC, por infração do n.º 4 do artigo 794.º, e ainda infracção da alínea e) do art. 277.º CPC e artigo 281.º n.º 1 e 5 do CPC, artigo 187º e 188.º CPC;

14. Para além disto, a secretaria do Tribunal decidiu promover os autos num processo extinto, ao abrir conclusão do requerimento dos executados;

15. A secretaria esqueceu-se de notificar a parte contrária para exercer o direito ao contraditório, não dando cumprimento ao previsto no 3.º do artigo 3.º CPC que refere «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, (...), decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.»;

16. E ao previsto no n.º 2 do artigo 220.º CPC que refere: «Cumpre ainda à secretaria notificar oficiosamente as partes quando, por virtude da disposição legal, possam responder a requerimentos, oferecer provas ou, de um modo geral, exercer algum direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz nem de prévia citação.»;

17. Tratando-se de requerimento em que existia a necessidade por parte do exequente de apresentar provas, como perfaz o n.º 2 do artigo 220.º CPC, a secretaria tem a obrigação legal de notificar a parte, principalmente, tratando-se de um processo já extinto, o que não foi cumprido.

18. A falta de notificação ao exequente, pela secretaria do requerimento do executado, inútil, por si só, implica a nulidade de todos os actos praticados posteriormente, à falta de notificação, porque foram praticados fora da lei, sendo certo que tal irregulariedade influi no exame ou na decisão da causa, conforme previsto no artigo 195.º, por aplicação do artigo 187º e 188.º CPC;

19. A actuação do tribunal colide com o dever de boa fé processual e de cooperação, previstas no n.º 2 do artigo 7.º do CPC e a sentença do tribunal a quo que determina a alegada falta de integração de PERSI é nula, porque incide sobre requerimento posterior à extinção da instância, (falta de objecto) que legalmente não pode ser apreciado;

20. E mesmo que legalmente pudesse ser apreciado, que já se fez prova que não, a sentença ainda seria nula por falta de notificação às partes;

21. A Exequente/Recorrente não teve oportunidade de se pronunciar sobre o requerimento do executado, numa instância extinta, quando de facto, os executados foram integrados no PERSI.

22. No dia 19/12/2013, 03/10/2014, 12/02/2015, 11/05/2015 e 03/08/2015, a Exequente remeteu missivas aos executados para comunicação de integração PERSI, referente aos contratos em incumprimento, conforme prova supra.

23. Tal procedimento de extinção do PERSI foi extinto, designadamente no dia 01/01/2014, 21/08/2014, 26/11/2014, 02/04/2015, 26/06/2015, por regularização e;

24. No dia 03/11/2015, o procedimento PERSI extingiu-se definitivamente por força do art. 17.º 1 c) e os executados entraram em incumprimento definitivo, dando origem a instauração da presente instância;

25. Os executados foram integrados no PERSI, e a sentença do tribunal a quo, para além de ter sido proferida numa instância já extinta, está errada porque não corresponde aos factos existentes no processo;

26. O tribunal a quo com a prolação de tal sentença infringe os artigos 195.º, ex vi, artigo 187º e 188.º CPC, o n.º 2 do artigo 7.º CPC, o n.º 2 do artigo 220.º CPC, o n.º 3. do artigo 3.º CPC e principalmente, infringe o n.º 4 do artigo 794.º, e alínea e) do art. 277.º CPC e artigo 281.º n.º 1 e 5 do CPC, por proferir decisão numa acção extinta por deserção, estando legalmente impedido de se pronunciar.

27. Requer-se desde já, aos doutos Venerandos Desembargadores que determinem a anulação da sentença, com consequente desentranhamento do requerimento dos executados de 30/07/2024, porque a extinção da instância torna ineficazes os actos realizados e os praticados posteriores serão inexistentes».

Não foram apresentadas contra-alegações.

II.

É uma única a questão jurídica a decidir, a da possibilidade/admissibilidade do conhecimento/ verificação da excepção dilatória inominada insanável, da omissão de cumprimento pela instituição bancária credora da obrigação de inclusão dos executados num PERSI nos autos, a convocar a apreciação de três razões:

- o facto de a instância estar suspensa, não sendo admissível qualquer decisão;

- o facto de a instância estar deserta;

- o facto de não ter sido observado o contraditório quanto à exequente.

Com interesse, a mais dos factos que emergem do relatório supra, resulta dos termos desta execução, que: Com data de 08-03-2023, sob o Documento: ..., Referência interna do processo: ..., o Ex.mo Agente da execução juntou aos autos, sob a referência citius 14265972, um documento de SUSTAÇÃO DE BEM IMÓVEL - ART.º794.º DO CPC, nº 1, do seguinte teor: CC, agente de execução designado nos autos supra referenciados, vem comunicar a V. Exa. que, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º1 do artigo 794. º do Código de Processo Civil, foi sustada a presente execução no PROCESSO DE EXECUÇÃO N.º1383/21.4T8OVR, que corre termos Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro- Ovar- Juízo Execução, quanto ao prédio urbano, sito na Rua ..., ..., antigo Lote Nº..., composto de moradia unifamiliar de 2 pisos destinada a habitação com logradouro, com a área total de 590m2, inscrito na matriz predial sob o artigo ... da freguesia ..., concelho de Ovar e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o número .../..., em virtude de sobre a mesma incidir penhora anterior. Destes factos dei conhecimento ao(à) ilustre mandatário(a) do exequente.

Vejamos.

Com a reforma do Código de Processo Civil, operada pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, foram introduzidas normas que determinam a extinção da execução, de entre outras, a que decorre da sustação integral – artigo 794º – remetendo o exequente para a reclamação de créditos no processo da penhora registada anteriormente, sem prejuízo do regresso de melhor fortuna, a execução poder ser renovada – n.º 5 do artigo 850º.

A sustação integral ocorre sempre que, relativamente aos bens indicados para penhora e após constatação no registo, haver inscrição anterior de penhora desses mesmos bens e serem desconhecidos (ou inexistirem) bens que em alternativa possam ser indicados à penhora e, desse modo, a execução possa prosseguir quanto a estes – al. e), do n.º 1 do artigo 849º – facto que deixa o exequente na situação decorrente do disposto no n.º 1 do artigo 281º, o qual, conjugado com o disposto na al. c) do artigo 277º, determina a deserção da instância.

Verificados os pressupostos antes referidos, nos termos do n.º 3 do artigo 849º, está o Agente de Execução obrigado a comunicar a extinção da execução ao Tribunal, por via eletrónica, assegurando o sistema informático o arquivo eletrónico do processo.

Em tese geral, com a extinção da instância terminam todos os efeitos processuais e substantivos da pendência da acção. Isto significa, além do mais, que a extinção torna ineficazes os actos realizados, e os praticados posteriores serão inexistentes, porque proferidos em processo já morto. Com a extinção da instância cessa o direito subjectivo processual do demandante contra o demandado.

Perspectivada a implicação pelo caso julgado, da decisão que julgou extinta a instância, pela regra do ne bis in idem não é possível sobre a mesma questão uma nova acção (por maioria de razão, os actos processuais com ela conexos), constituindo fundamento do caso julgado a consumpção do direito de acção, ou seja, a decisão contida na sentença exclui totalmente qualquer nova resolução sobre a mesma relação jurídica, tornando impossível o exercício posterior do mesmo direito, em virtude da extinção da possibilidade de praticar o acto. Ou seja, o caso julgado da decisão que julga extinta a instância acarreta a preclusão pro judicato, que é a extinção do poder do juiz relativamente à prática de actos posteriores.

Ponto seria que a sustação da execução o fosse total[1]. E, como resulta até do requerimento pela exequente mesma nos autos, de 22.08.2024, assim não sucede (não se compreendendo de resto a sustentação de uma posição no recurso e de outra distinta nos autos!)

Na verdade, como resulta da comunicação aos autos pelo agente da execução, caracterizada uma suspensão ou sustação parcial desta, a qual não determina a sua extinção.

Nessa parte, pois, não assiste razão à apelante, nada obstando à tramitação e prosseguimento da instância executiva, ressalvadas as diligências tendentes à venda do bem imóvel penhorado, quanto à qual, efectivamente, sustada a execução.

No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses. Assim, diferentemente da ação declarativa, na ação executiva a deserção é automática.

Com o instituto da deserção da instância visa o legislador sancionar as partes pela inércia/inação em promoverem o andamento do processo, o qual se pretende que, tanto quanto possível, seja célere, por forma a garantir/obter a composição do litígio em tempo razoável.

Como decorre do texto do art. 281º/5 do CPC, são pressupostos (cumulativos) para que a deserção da instância executiva possa ser declarada: a) Que o processo se encontre parado, a aguardar impulso processual das partes, há mais de 6 (seis) meses; b) E que essa paragem do processo, por falta de impulso processual, se fique a dever à negligência das partes.

A falta de impulso processual pressupõe, desde logo, que as partes (ou alguma delas) não praticaram, durante aquele período de tempo, acto (processual) que condicionava ou do qual dependia o andamento do processo, isto é, na acepção de que sem ele o processo não poderia prosseguir os seus ulteriores trâmites legais.

Por sua vez, a negligência pressupõe um juízo subjectivo de censura/culpa, no sentido de responsabilizar as partes (ou alguma delas), devido à sua incúria/imprevidência, pelo não andamento do processo.

O efeito extintivo da concreta instância em desenvolvimento – não do direito à acção – permite que se tome a deserção por uma forma de caducidade (art. 298.º, n.º 2, do CC). De algum modo, por efeito do decurso do tempo, caduca o direito do demandante de manter constituída a concreta instância e de promover os termos do processo em que se desenvolve. O direito de acção não é afetado pela decisão, assim como não o é, diretamente, o direito substantivo exercido. Sobre o tema, cfr. José Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, pp. 445 a 449.

A verificação mesma da deserção da instância é um acto da competência do agente de execução posto que a este compete efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz (art. 719º, nº 1) e a lei não atribui competência para proferir tal decisão nem à secretaria (art. 719º, nºs 3 e 4), nem ao juiz (art. 723º).

De todo o modo, ocorrendo a situação jurídica descrita– paragem do processo imputável à parte–, a extinção da instância é um efeito do tempo sobre a relação jurídica processual. A relevância que o tempo assume leva a que, no âmbito desta relação, possamos concluir que a deserção é um facto jurídico involuntário. A vontade das partes, como causa remota (da paragem processual), pode não ser totalmente alheia à ocorrência da deserção, podendo, em retrospetiva, admitir-se que, na generalidade dos casos, ela terá estado na origem da inércia que determinou a deserção da instância. Mas a vontade não é, neste contexto, um elemento relevante da conduta omissiva. Não é necessário que fique demonstrado que a parte teve vontade de permanecer inerte, para que a deserção possa ser julgada; a lei não exige que a omissão seja comandada pela vontade da parte. Muito menos tutela aqui o efeito desejado pela parte (para a sua conduta omissiva). A instância não se extingue porque essa é a vontade das partes; a instância extingue-se por deserção, independentemente da vontade das partes (a ter existido).

Sobre o conceito de “negligência”, veja-se Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, nota de rodapé 4, p. 53.

O prazo de deserção da instância fixa-se agora em seis meses e um dia, prazo este que não se suspende durante as férias judiciais (art. 138.º, n.º 1). O prazo conta-se do dia (dies a quo) em que a parte tomou conhecimento do estado do processo (ou que tenha tido obrigação de dele conhecer) que implica a paragem deste e torna necessário o seu impulso, não sendo exigido pela lei, para que o prazo se inicie, que o juiz o declare expressamente ou que o demandante seja notificado do seu início (com a receção dessa notificação).

A suspensão da instância outrossim não obsta ao decurso do prazo de deserção. Da teleologia das normas contidas no n.º 1 do art. 281.º e n.º 2 do art. 275.º deve retirar-se que não existe uma relação entre elas, não operando articuladamente. O prazo de deserção corre inelutavelmente, reconhecendo como único fenómeno processual apto a afetá-lo a prática do ato que impulsiona os autos.

Apenas a suspensão por acordo das partes (art. 272.º, n.º 4) deverá provocar a suspensão do prazo de deserção.

Também temos para nós que, após a ocorrência da deserção e antes de ser ela judicialmente reconhecida, os actos processuais espontaneamente praticados pelas partes são desprovidos do seu efeito jurídico processual típico. Neste sentido, Paulo Ramos de Faria, O JULGAMENTO DA DESERÇÃO DA INSTÂNCIA DECLARATIVA, BREVE ROTEIRO JURISPRUDENCIAL, JULGAR on line – 2015.

Tais actos não são idóneos a impedir o julgamento de deserção da instância[2]/[3].

De todo o modo, embora a deserção da instância (na ação executiva) não necessite de ser declarada por despacho judicial, não prescinde de uma apreciação prévia sobre a verificação dos seus pressupostos e que serão a negligência do exequente em promover o respetivo andamento.

Ora, não dependendo, em regra, a marcha do processo executivo do impulso do exequente, só se poderá falar em inércia do exequente para promover os respetivos termos se for expressamente notificado, por parte do agente de execução ou por determinação do tribunal, de que o processo ficará a aguardar a sua resposta ou impulso.

Assim é que, desde logo, cabe ao agente da execução mesmo, a averiguação de outros bens penhoráveis, nos termos e para os efeitos do art. 749º do CPC, sendo que inexistente nos autos a notificação a que alude o art. 750º do mesmo Código.

Aqui se convoca, de resto, o recentíssimo Acórdão do STJ n.º 2/2025, AUJ, Diário da República n.º 40/2025, Série I de 2025-02-26, nos termos do qual: I - A decisão judicial que declara a deserção da instância nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil pressupõe a inércia no impulso processual, com a paragem dos autos por mais de seis meses consecutivos, exclusivamente imputável à parte a quem compete esse ónus, não se integrando o acto em falta no âmbito dos poderes/deveres oficiosos do tribunal. II - Quando o juiz decida julgar deserta a instância haverá lugar ao cumprimento do contraditório, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, com inerente audiência prévia da parte, a menos que fosse, ou devesse ser, seguramente do seu conhecimento, por força do regime jurídico aplicável ou de adequada notificação, que o processo aguardaria o impulso processual que lhe competia sob a cominação prevista no artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Nos autos não se vislumbra, pois, que a instância aguardasse apenas o impulso processual pela exequente, sem prejuízo já de alguma inércia desta. Ausente ademais a cominação na notificação realizada à exequente.

Não se tem, pelo exposto, por caracterizada a extinção da instância por deserção.

Afronte-se, finalmente, a questão da violação do princípio do contraditório.

Desde logo, escamoteia a Recorrente a circunstância de ter sido notificada do requerimento dos executados que foi apreciado pela decisão recorrida, na pessoa da sua Ilustre Mandatária, como dos autos consta, pelo mandatário da contraparte.

Às notificações de requerimentos em processo de execução são aplicáveis, em princípio, as disposições gerais do Código de Processo Civil que definem o regime das notificações nos processos pendentes, em conformidade com o disposto no artigo 551º, nº 1, do CPC. Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[4], «do atributo da generalidade resulta a sua aplicação automática a qualquer forma de processo (incluindo o próprio processo comum![5]), na medida em que para ela não seja estabelecido um regime especial».

O regime que resulta das normas gerais do CPC é, por seu turno, o que foi enunciado pelo Acórdão da Relação de Guimarães de 02.06.2022 (relatora Anizabel Sousa Pereira), proferido no processo 374/20.7T8PTB-B.G1, acessível em www.dgsi.pt: «no atual sistema de notificações eletrónicas, não há que fazer qualquer distinção entre notificações da secretaria e notificações entre os mandatários, nos processos em que há advogado constituído, pois todos os atos processuais escritos das partes devem ser notificados entre os advogados por via eletrónica (salvo justo impedimento (art. 144º, nº 8)». Tal acórdão, na parte relevante, foi assim sumariado: «1-As partes são notificadas dos atos praticados em juízo (arts. 3º e 219º, nº2 do CPC), em regra na pessoa do respetivo mandatário (art. 247º, nº1, do CPC).

Conforme preceitua o nº 2 do artigo 219º do CPC, a notificação serve para, em todos os casos que não importem a citação, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto. Por sua vez, o nº 2 do artigo 220º do CPC, respeitante às notificações oficiosas da secretaria, estabelece que «cumpre ainda à secretaria notificar oficiosamente as partes quando, por virtude de disposição legal, possam responder a requerimentos, oferecer provas ou, de um modo geral, exercer algum direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz nem de prévia citação». Porém, como advertem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[6], ficam «ressalvadas as notificações entre mandatários». Igualmente Teixeira de Sousa[7] refere que «[d]a actuação oficiosa da secretaria estão excluídas as notificações que, nos termos do art. 221.º, n.º 1, devam ser realizadas pelos mj [mandatários judiciais]».

Na parte, pois, em que o artigo 221º, nº 1, determine a notificação entre mandatários, fica excluída a possibilidade de se operar a notificação mediante atuação oficiosa da secretaria. Daí que tudo dependa de o acto processual praticado por escrito estar ou não abrangido pela imposição legal de o mandatário do apresentante o notificar ao mandatário judicial da contraparte.

O artigo 221º, nº 1, do CPC, que trata das notificações entre os mandatários das partes, dispõe: «Nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial, os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes após a notificação da contestação do réu ao autor são notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte através do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, nos termos previstos no artigo 255.º». A referência ao artigo 255º releva para esclarecer que as notificações entre mandatários das partes são efetuadas eletronicamente, nos termos definidos, em concreto, no artigo 26º da Portaria nº 280/13, de 26 de agosto.

Assim, todos os actos praticados por escrito pelas partes, “após a notificação da contestação do réu ao autor”, obedecem à apontada regra da notificação entre mandatários.

E é nesta sede que cabe atentar à natureza do requerimento sob apreciação e ao efeito processual que o M.mo Juiz “retirou” da falta de pronúncia pela exequente, ora apelante, quanto à excepção aduzida no requerimento…

A decisão recorrida não deixa de anotar que a sede e momento próprios para uma tal arguição o seria a oposição por embargos, muito embora caracterizando e cremos que bem a admissibilidade do conhecimento da excepção a todo o tempo.

De todo o modo, materialmente qualificável o requerimento em apreço como uma “oposição” ao requerimento executivo[8], assemelhando-se a uma verdadeira e própria petição de embargos.

E se não se vislumbra razão substancial para ser aplicável à notificação o regime das notificações oficiosas pela secretaria, uma vez que são efetuadas eletronicamente e com as mesmas garantias as notificações por esta ou por mandatário, na situação decidenda temos para nós que a determinação da notificação (pela secretaria) o teria de ter sido pelo Sr. Juiz, nos termos e para os efeitos do artigo 3º do CPC e mediante a advertência de consequências para a falta de resposta e de junção de prova bastante.

Assim quando se considere que o juízo mesmo de possibilidade (atento o estado da causa), admissibilidade e tempestividade (atento o concreto fundamento convocado) do requerimento apreciado carecia de uma apreciação/decisão prévia, feita constar de resto no introito da decisão recorrida, como já aludido.

A imposição às partes de cominações e preclusões, sem prejuízo de um princípio de auto responsabilidade destas na gestão do processo, como aliás constitui princípio geral em todo o processo civil, pressupõe que as objecções, impugnações ou reclamações tenham de ser deduzidas, salvo superveniência, na fase procedimental em que está previsto o exercício do direito de contestação ou oposição.

Sendo-o subsequentemente, como aconteceu com o requerimento em que os executados vêm suscitar a excepção de não inclusão em PERSI, não obstante não terem deduzido oportunamente embargos, cabe ao tribunal não apenas apreciar da oportunidade e possibilidade desse conhecimento, como possibilitar à contraparte uma pronúncia ou contraditório efectivo, mediante o convite a juntar prova do cumprimento da condição de exequibilidade e sob a cominação respectiva no caso do silêncio.


 Não temos, pois, por bastante a notificação oficiosa entre mandatários, como se de um “mero requerimento” se tratasse, quando em causa uma verdadeira e própria oposição, sem as “formalidades” respectivas…

O princípio do contraditório é hoje entendido um direito de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de influírem em todos os elementos que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.

Estatui o artº. 3º, do Cód. de Processo Civil, prevendo acerca da necessidade do pedido e da contradição, que: “1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.

2 - Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.

3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

4 - Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final”.

O desiderato ou escopo principal de tal princípio “deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo”[9]. E, concretizando a operacionalidade de tal princípio no plano das questões de direito, acrescenta ser exigível que, “antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efectiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie”. Acrescenta que a “proibição da chamada decisão-surpresa tem sobretudo interesse para as questões, de direito material ou de direito processual, de que o tribunal pode conhecer oficiosamente: se nenhuma das partes as tiver suscitado, com concessão à parte contrária do direito de resposta, o juiz – ou o relator do tribunal de recurso – que nelas entenda dever basear a decisão, seja mediante o conhecimento do mérito da causa, seja no plano meramente processual, deve previamente convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade (art. 3-3)”.

Subjaz, deste modo, ao princípio do contraditório a ideia “de que repugnam ao nosso sistema processual civil decisões tomadas à revelia de algum dos interessados, regra que apenas sofre desvios quando outros interesses se sobreponham”.

Temos para nós, pois, que o Tribunal recorrido omitiu a prática de um acto ou formalidade legalmente imposta, tradutora do cumprimento do vinculativo princípio do contraditório, não assegurando à exequente uma activa participação nas equacionadas questões, a da possibilidade/admissibilidade do conhecimento da excepção após o decurso do prazo para embargar e a da prova do cumprimento da integração no PERSI, tendo-se por imprestável a notificação oficiosa entre mandatários para este efeito.

Pois, impunha-se ao Tribunal a quo, que, perfilhando o entendimento feito consignar, previamente a tal conhecimento suscitasse perante a exequente aquela questão decidenda, a da admissibilidade de conhecimento a todo o tempo da excepção, instando-a a uma pronúncia efectiva quanto aos termos da “oposição”, sob a cominação então da admissão dos factos respectivos, de forma a conceder-lhe ampla e efectiva possibilidade de discutir, contestar, valorar e ajuizar sobre a “oposição”, disfarçada de requerimento.

É que não se tem por caracterizada também uma situação como aquela considerada no Acórdão do TR de Lisboa de 20.06.2024, processo 31078/22.5T8LSB.L1-6, acessível na base de dados da dgsi, precisamente por não se prefigurar uma questão relativamente à qual exigível, no quadro jurídico-processual suscetível de ser aplicado à causa, que a parte contasse com a respetiva apreciação.

Na verdade, pese embora a admissibilidade de conhecimento oficioso da questão, na situação decidenda o conhecimento é-o a impulso ou requerimento de uma parte.

Cabe agora qualificar o vício que se entende afectar a decisão recorrida, para determinar das consequências respectivas.

Na jurisprudência e também na doutrina, o não cumprimento do princípio do contraditório tem-se havido como comportamento tradutor dos seguintes vícios[10]:

- a prática de nulidade secundária, por omissão de acto ou formalidade legalmente prescritos, inscrita no artº. 195º, do Cód. de Processo Civil;

- causa de nulidade da sentença decorrente de excesso de pronúncia (apreciação de questão que, naquele contexto, o Tribunal não poderia tomar conhecimento), com legal enquadramento na 2ª parte, da alínea d), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil;

- a prática de nulidade extraformal, geneticamente derivada das garantias constitucionais, como omissão ou vício de natureza material ou substantiva.

Tratando-se de uma situação que não é regulada por norma especial, deverá reger-se no quadro da regra geral do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, na parte em que dispõe que a omissão de uma formalidade que a lei prescreve produz nulidade quando a irregularidade cometida possa influir na decisão da questão. Neste caso, a eventual nulidade da decisão decorre de um efeito consequencial, obtido por via do n.º 2 do art. 195.º do CPC, e não da subsunção às causas autónomas de nulidade das decisões previstas no art. 615.º do mesmo diploma.

Não sufragamos também o entendimento de que o meio processual único para a arguição da nulidade (processual) decorrente do indeferimento ou recusa, como violação legal, do princípio do contraditório, seja a reclamação perante o tribunal que proferiu a decisão, no prazo de dez dias (arts. 149.º e 199.º, n.º 1, do CPC), podendo ser interposto recurso da decisão que incida sobre a mesma reclamação. Caso em que, sempre a nulidade processual arguida apenas nas alegações de recurso se deveria considerar sanada, por não respeitar a vício da decisão recorrida e na medida em que não se reporta ao indeferimento de uma reclamação oportunamente apresentada. Nessa tese, a nulidade processual decorrente da preterição do inquisitório convocada pela recorrente deveria ter sido objecto de reclamação, no prazo de dez dias a contar da decisão, perante o tribunal recorrido, nos termos da segunda parte do art. 196.º e arts. 197.º, n.º 1 e 199.º, n.º 1, todos do CPC, uma vez que não se coloca a hipótese prevista no n.º 3 da última disposição. Não tendo sido deduzida tempestivamente tal reclamação perante o tribunal a quo, sempre se verificaria o efeito preclusivo de perda da faculdade de exercício.

A exemplo do que sugerem Paulo Ramos de Faria e Nuno de Lemos Jorge, em As outras nulidades da sentença cível, Julgar Online, setembro de 2024, p. 1 a 79[11], a p. 48, a propósito justamente desta situação, que vem a ser a da violação de norma legal expressa sem a estatuição da consequência respectiva, a saber, a inobservância da regra da contraditoriedade, parece-nos que a prevalência da apelação como meio impugnatório explica que a violação do art. 3º do CPC não caia inevitavelmente nas malhas do regime de arguição previsto no art. 195.º e seguintes, quando o recurso é admissível.

Desta decisão caberá recurso (normal) por error in judicando no julgamento pressuponente (a decisão de decidir sem a realização necessária do contraditório que se impunha).

Relativamente às consequências extraíveis do reconhecimento de tal nulidade, temos defendido a posição de que, prima facie, tal determinaria, na presente fase, a mais da anulação da decisão recorrida, decisão a determinar a intervenção e pronúncia da parte, nos termos e para os efeitos do prescrito no nº. 3, do artº. 3º, do Cód. de Processo Civil, fixando prazo em conformidade.

Contudo, a exequente, no enformar do objecto recursório, em sede de alegações, já emitiu pronúncia acerca da matéria apreciada na decisão a anular, ou seja, já enunciou os fundamentos argumentativos tradutores da sua posição relativamente à questão decidenda, não se justificando a emissão de comando determinante da concessão de nova pronúncia.

Assim é que, in casu, em sede de alegações, a apelante apresentou efectiva e completa pronúncia sobre as questões. O que evidencia, com concludência, estarmos, no que à Recorrente invocante concerne, perante uma densificada alegação acerca das questões tratadas na decisão apelada, assim se podendo concluir por uma efectiva pronúncia por parte da Exequente, determinando que, deste modo, o exercício do aludido contraditório já se mostra assegurado através das alegações apresentadas, não se justificando a emissão de comando determinante da concessão de nova pronúncia.

Juízo que, contudo, não se afigura extensível aos Recorridos executados, ainda quando não tenham apresentado contra-alegações, mormente na medida em que a questão mesma da inclusão no PERSI não se constituía directamente como objecto do recurso, com o que nada se conclui ou infere da falta de apresentação de contra-alegações.

Tem-se, pois, por cabível a determinação nos autos de execução aos executados/requerentes da extinção da instância que, em 10 dias, venham aos autos tomar posição quanto aos factos aduzidos pela exequente em sede de alegações de recurso de inclusão daqueles em PERSI quanto à obrigação exequenda, decidindo-se, após, em conformidade com as posições e prova constantes dos autos.

III.

Concedendo-se provimento ao recurso, anula-se a decisão recorrida e determina-se sejam os executados/requerentes da extinção da instância por verificação de excepção dilatória para, em 10 dias, virem aos autos tomar posição quanto aos factos aduzidos pela exequente em sede de alegações de recurso relativamente à respectiva inclusão em PERSI quanto à obrigação exequenda, decidindo-se, após, em conformidade com as posições e prova constantes dos autos.

Custas pelos recorridos.

Notifique.


Porto, 06 de Março de 2025
Isabel Peixoto Pereira
António Carneiro da Silva
António Paulo Vasconcelos
________________
[1] Ainda que o fosse, sempre a apresentação de um requerimento nos autos teria de ser sujeita a apreciação, não cabendo, obviamente, à secção/secretaria decidir dos requerimentos que são ou não susceptíveis de apreciação ou conhecimento no decurso de uma suspensão da instância.
[2] “A ideia de que o demandante ainda pode praticar um ato redentor após a deserção, mas antes de ela ser declarada, assim impedindo o seu conhecimento, tem cabimento num sistema que, ao contrário do que ocorre com o nosso, tenha um fundamento subjetivo, apoiando-se na renúncia presumida à lide (vontade de abandono)– presunção esta que é serodiamente ilidida com o referido ato. Era outro o entendimento de ALBERTO DOS REIS, à luz do art. 296.º do Código de Processo Civil de 1939, defendendo que o ato útil praticado após o decurso do prazo de deserção impede que esta venha a ser declarada pelo tribunal– cfr. JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Comentário, cit. (nota de rodapé 3), p. 439 e segs..
Defendia, ainda, que as partes não podem impulsionar os autos depois de o processo ser concluso ao juiz, após o decurso do prazo de deserção, sustentando a sua posição, todavia, num argumento assente em circunstâncias burocráticas e contingentes, não transponível para o moderno processo civil. Defendia o autor do projeto do Código de 1939 que, “depois desse momento [as partes] perderam a oportunidade de dar impulso ao processo, visto o juiz não ser obrigado a abrir mão dos autos para colocar as partes em condições de promover o seguimento da instância”– ibidem, p. 444.”, a citação é de Paulo Ramos de Faria, loc. cit.
[3] Impondo-se, pois, a verificação da deserção, verificados os pressupostos e, extinta a instância, por força da regra do esgotamento do poder jurisdicional (art. 613/1 do CPC), a ineficácia da decisão subsequente à deserção (mesmo que verificada posteriormente).
[4] Código de Processo Civil, vol. 2º, 3ª edição, Almedina, pág. 475.
[5] E o executivo, acrescento nosso.
[6] Código de Processo Civil, vol. 1º, 4ª edição, Almedina, pág. 435.
[7] CPC Online, edição digital, em anotação ao artigo 220º do CPC.
[8] Essa, de resto, a natureza substancial da petição inicial da oposição por embargos que constituiria o modo próprio de arguição da excepção convocada pelos executados nos autos. Recorde-se, conforme anota José Lebre de Freitas, A Ação Executiva, à luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª ed., Almedina, pág 193, que os embargos de executado constituem uma contra-acção, de natureza declarativa a correr por apenso ao processo de execução, mediante o qual o executado/embargante visa “visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência do crédito exequendo ou da falta de um pressupostos, específico ou geral, da execução.”
[9] Lebre de Freitas, CPC anotado.
[10] Cfr., a título meramente exemplificativo, a jurisprudência citada no Acórdão da Relação de Lisboa citado em último lugar.
[11] Bem assim, como antecede, quanto à natureza do vício.