PENHORA
EXCESSO
PROPORCIONALIDADE
PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
GARANTIA BANCÁRIA
Sumário

1. - A acção executiva tem por desiderato essencial assegurar ao credor a satisfação da prestação que o devedor não cumpriu voluntariamente, desempenhando para o referido efeito - porque o património do executado constitui a garantia geral das suas obrigações - papel decisivo a apreensão de bens ou direitos patrimoniais do executado;
2. - Em sede de apreensão de bens ou direitos patrimoniais do executado, importa observar o princípio da proporcionalidade/adequação a que tal acto está submetido, i.e., não pode esquecer-se o interesse de o devedor (ou terceiro) não ser excessivamente e inutilmente onerado na fase da responsabilidade patrimonial.
3. – Resultando da execução que a quantia exequenda por liquidar atinge em determinada data o valor de 447.688.92 €, não se mostra de todo desproporcional uma penhora/apreensão de depósitos no montante total de 223.305,05€ quando à data apenas se mostra prestada nos autos uma caução – garantia bancária com cláusula “on first demand”- até ao limite de 246.704,77€.
4.- Visando a caução prima facie satisfazer um interesse do devedor e, bem assim, tendo a mesma por desiderato substituir uma penhora [ indo assim a caução ocupar o “lugar” de uma concreta penhora ], forçoso é concluir que há-de a mesma equivaler e corresponder a uma garantia igual – com vista à satisfação do crédito do exequente – à garantia decorrente da penhora , não podendo ser inferior, mas também não superior.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
*
1. - Relatório.                       
Em autos de execução que A [ …., Unipessoal Lda ] , e OUTROS, intentaram – em 15 de Outubro de 2021 - contra Caixa Económica Montepio Geral,S.A., com vista à cobrança coerciva da quantia exequenda de 68.943,00€ ( Sessenta e Oito Mil Novecentos e Quarenta e Três Euros) e com fundamento em decisão judicial proferida em 31 de Maio de 2021 [ proferida no âmbito de procedimento cautelar ], foi a determinada altura e no âmbito de penhoras realizadas pelo agente de execução lavrados dois AUTOS,  sendo um [ o de 19/10/2023 ] revelador de penhora de montantes e valores mobiliários depositados no total de 149.432,65€ e, outro [ o de 24/10/2023 ] revelador de penhora de montantes depositados no montante total de 73.882,40€ .
1.1.- Notificado a executada nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 784º e 785º do Código Processo Civil (CPC), veio a mesma a atravessar - em 30/10/2023 - nos autos competente instrumento/OPOSIÇÃO , no âmbito do qual solicita :
i) que seja a oposição às penhoras julgada totalmente procedente, ordenando-se o seu imediato levantamento,  e , concomitantemente, seja  o Sr. AE responsabilizado bem como os Exequentes caso hajam requerido as novas penhora, com multa e indemnização a arbitrar , atenta a prática de um acto diretamente causador de lesão no património da Executada – e  impeditivo da plena disponibilidade dos valores de que é proprietária –, bem como da sua imagem e bom nome, não permitido por lei;
ii) que seja admitida a substituição das penhoras agora concretizadas nos autos de execução por Garantia Bancária com cláusula “on first demand”, em termos semelhantes à já admitida nos autos em substituição das anteriores penhoras ;
iii) que uma vez a penhora dos créditos substituída por caução e, sendo esta última aceite e julgada prestada, seja determinada a restituição dos aludidos créditos penhorados à disponibilidade da Executada.
1.2. - Após resposta dos exequentes ao instrumento identificado em 1.1., vieram todos contestar a pretensão da EXECUTADA ( por instrumento refª nº 47910601 e de 7/2/2024 ), concluindo nos seguintes termos :
Termos em que, e nos melhores de Direito:
a) Deve a oposição à penhora ser julgada totalmente improcedente, por não provada, mantendo-se apenhora nos seus precisos termos, com as legais consequências, sem prejuízo de,
b) Ser admitida a prestação de caução por parte da executada caso a mesma garanta, minime, o cumprimento das obrigações vencidas na data em que a mesma for prestada, calculadas estas pelo AE nos termos do disposto no nº 3 do artigo 716º do CPC .
1.3. – Após  a realização do cálculo [ pelo agente de execução ] atualizado da quantia exequenda, e apreciando o requerimento identificado em 1.1., foi em 19/10/2024 proferida a competente DECISÃO, sendo o respectivo comando decisório do seguinte teor :
“(…)
V – DECISÃO
Pelo exposto, decide o Tribunal:
a) julgar improcedente a presente oposição à penhora deduzida pela executada Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, S.A. e, em consequência, mantêm-se as penhoras de depósitos bancários e valores mobiliários identificados nos autos de penhora de 19.10.2023 e de 24.10.2023;
b) julgar procedente o incidente de prestação espontânea de caução para substituição da penhora, determinando-se a substituição da penhora dos depósitos bancários e valores mobiliários identificados nos autos de penhora de 19.10.2023 e de 24.10.2023, de que a executada/opoente é titular, pela caução – garantia bancária com cláusula “on first demand”, nos moldes já anteriormente prestados, - até ao limite de 380.536,79 €.
A caução deve ser prestada no prazo de quinze dias.
As penhoras só se considerarão substituídas após a caução ter sido julgada validamente prestada.
***
VI – CUSTAS PROCESSUAIS
Custas do incidente pela executada/opoente (artigo 527º, n.ºs 1 e 2, do
Código de Processo Civil).
Registe e notifique.”.
1.4.- Notificada da Decisão identificada em 1.3., e da mesma discordando, interpôs então a executada Caixa Económica Montepio Geral, S.A., a competente Apelação, apresentando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões :
A) O presente incidente de oposição às penhoras não cumpriu a tramitação processual legalmente prevista.
B) O douto despacho de 05/06/2024, com a ref.ª 435932243, não foi notificado às partes e foi cumprido no processo principal (autos de execução) em 06/06/2024, conforme cota com a ref.ª 436184838.
A ele seguiu-se o ato de conclusão eletrónica (ref.ª 439271401 de 17/10/2024) e, de imediato, em 19/10/2024, a prolação da sentença ora recorrida (ref.ª 439271438).
C) O princípio do contraditório, emanação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, proíbe a chamada decisão-surpresa, “a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes” e exige que, antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie.
D) Impunha-se, nos presentes autos, o respeito pela tramitação processual legalmente prevista, ou, pelo menos, que as partes fossem avisadas da intenção de decisão imediata, permitindo-lhes pronunciarem-se sobre “questões jurídicas suscetíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão”,
E) Para mais na medida em que o Tribunal a quo entendia ser de decidir a causa, imediatamente, com uma nova abordagem fáctico-jurídica da questão, totalmente alheada da factualidade e alegação invocadas e contestadas.
F) As partes, nos seus articulados, não poderiam perspetivar a solução que a final foi encontrada pelo Tribunal a quo, que se fundou em factos supervenientes à oposição e à contestação para encontrar a solução e decisão do pleito.
G) A omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa, como é o caso da preterição das formalidades previstas nos artigos 294.º e 295.º do CPC, com decisão inopinada da questão submetida a litígio.
H) Não tendo as partes sido alertadas para a possibilidade da decisão imediata do processo, e impedidas de fazer uma – ainda que breve – alegação, por forma a assegurar o exercício efetivo do contraditório sobre a problemática que o Tribunal configurava como central para a decisão imediata do processo (ou sequer avisadas da intenção dessa decisão imediata) e a seu ver justificativa para que se omitisse a tramitação processualmente estipulada, a decisão recorrida constitui uma decisão- surpresa, e nessa medida nula.
I) A inobservância do princípio do contraditório pode gerar nulidade processual, porquanto a irregularidade cometida manifestamente tem a virtualidade de influir no exame ou na decisão da causa, que, estando coberta por decisão judicial, implica a nulidade da própria decisão por excesso de pronúncia, arguível em sede de recurso, dado que sem a prévia audição das partes o tribunal não pode conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão.
J) A prolação da decisão, que devia ter sido antecedida de um (ou mais) ato(s) mas que foi(ram) omitido(s) e com violação do princípio do contraditório, inquina de nulidade a sentença recorrida.
K) Não encontramos, na sentença recorrida, qualquer referência a quaisquer dos factos invocados pela Executada, nem à argumentação jurídico-conclusiva vertida na Oposição à execução e que constitui a sua causa de pedir – sequer para, analisando-os criticamente, afastar a sua relevância, desconsiderando-os e concluindo pela improcedência da oposição; Igualmente não encontramos qualquer referência ao articulado da contestação deduzida pelos Exequentes e à contra-argumentação por estes desenvolvida, na defesa da improcedência do pedido, acolhendo-a, confirmando a sua bondade ou, de outro modo, afastando a sua relevância para, então, encontrar a solução do litígio noutro enquadramento jurídico.
L) Tomando por base a restrita factualidade que entende ter relevância para a decisão da causa – sem mencionar ou fundamentar porque desconsidera qualquer outra, de entre a invocada pelas partes e de entre toda aquela que também era, à data da sentença, do seu conhecimento funcional – o Tribunal a quo procede a uma mera operação matemática para decidir pela improcedência do pedido.
M) A sentença recorrida é absolutamente omissa quanto à apreciação da causa de pedir constante na Oposição e alvo da contestação dos Exequentes, encontrando a improcedência do pedido em factualidade estranha à alegada (aliás, a factualidade considerada na sentença recorrida era, à data da oposição e da contestação, ainda inexistente).
N) A decisão sobre a matéria de facto não esclarece nem fundamenta por que motivo dispensou a realização de quaisquer diligências de prova bem como desconsiderou quaisquer outros factos que igualmente resultam provados nos autos.
O) A decisão sobre a matéria de facto não esclarece nem fundamenta por que motivo nenhuma da factualidade invocada pela Oponente, não estando integrada entre a matéria de facto provada, não constitui sequer factualidade relevante para a apreciação da causa, para que não tenha de integrar também, sequer, a matéria considerada não provada.
P) É indecifrável, de todo o conteúdo da decisão, qual o motivo que levou o tribunal a quo a desprezar toda a factualidade e fundamentação colocadas como causa de pedir, inexistindo qualquer referência ou fundamentação acerca da razão que o levou a não conhecer das questões que lhe foram submetidas e que, com o devido respeito, se lhe impunha conhecer.
Q) Há omissão de pronúncia sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido, sendo nula a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou como base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).
R) “A realização da justiça no caso concreto deve ser conseguida no quadro dos princípios estruturantes do processo civil, como são os princípios do dispositivo, do contraditório, da igualdade das partes e da imparcialidade do juiz, traves-mestras do princípio fundamental do processo equitativo proclamado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República”, sob pena de nulidade da sentença por excesso de pronúncia nos termos do artigo 615º nº 1 al. d) do CPC.
S) Ao não ter apreciado, sem o fundamentar, a factualidade e fundamentos invocados pela Oponente, o Tribunal deixou de conhecer de questões que se lhe impunha conhecer e, com tal conduta omissiva, é por demais evidente que – com o devido e muito respeito – violou os seus deveres de pronúncia, o que importa, também com este fundamento, a nulidade da decisão recorrida.
T) Sem de forma alguma conceder quanto às causas de nulidade da douta sentença  recorrida, e por cautela de patrocínio, o Tribunal a quo restringiu injustificada e inadmissivelmente a factualidade considerada para a decisão da oposição, com os fundamentos selecionados, e a decisão e solução jurídica do pleito fundada apenas na matéria de facto elencada como provada redunda na comparação do incomparável, na ponderação do que não poderia ter sido ponderado.
U) Tendo a oposição à penhora por fundamento o seu excesso, o princípio do inquisitório impunha ao juiz o dever de averiguação dos factos que está obrigado a conhecer: para além do cômputo do valor alegadamente em dívida, feito pelo Sr. AE na execução na data de 29/08/2024, estão também provados nos autos diversos outros factos com evidente relevância para a decisão da causa, nos termos em que o Meritíssimo Juiz a quo entendeu decidi-la.
V) Não se prescinde de tudo o invocado em sede de oposição à execução por embargos e na presente oposição às penhoras, designadamente, mas não só,
(i) quanto ao facto de a liquidação da presente execução não se bastar com um simples cálculo aritmético,
(ii) quanto à ilegitimidade dos Exequentes para executarem a sanção pecuniária compulsória diária que, verificando-se esse incumprimento, caberia ao Estado, ou
(iii) quanto ao facto de, em 05/02/2022 ter sido proferida uma sentença nos autos principais de que o procedimento cautelar é dependente, da qual resultou um valor a crédito da Executada face aos Exequentes, do que resulta inevitavelmente que os valores exequendos não são devidos.
W) Resultam provados nos autos – documentados na execução e nos seus apensos –diversos factos relevantes para a ponderação realizada pelo Tribunal a quo, de que o Meritíssimo Juiz a quo podia e devia ter tomado conhecimento pois não carecem de alegação, e que se impunha que o Tribunal a quo também tivesse considerado, e elencado entre os provados, consubstanciando, a sua omissão desse elenco, um julgamento incorreto da matéria de facto – artigo 640.º, n.º 1, alínea a) do CPC.
X) Basta atentar que as penhoras de bens (créditos) a que respeita a presente oposição – que “aqui estão em causa” – datam de 19/10/2023 e de 24/10/2023, e que o “cálculo provisório da responsabilidade da executada” data de “29 de agosto de 2024”, (portanto dez meses após aquelas penhoras), para se concluir pela manifesta insuficiência, para a correta apreciação do litígio, desta matéria de facto isolada pelo Tribunal a quo.
Y) Da execução e dos demais apensos dos presentes autos resultam demonstrados diversos outros factos que não carecem de alegação e se impunha que igualmente tivessem sido julgados provados, para que sobre todo o conjunto incidisse a ponderação do “deve e haver”, a que o Tribunal a quo entendeu dever resumir-se a apreciação e decisão da presente oposição à penhora (artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC):
1) A execução de sentença de que os presentes autos de oposição à penhora são apenso foi iniciada em 19/10/2021 e tem o valor de 68.943,00€.
2) Nos autos de execução, o agente de execução procedeu às seguintes penhoras de bens (créditos)a. auto de penhora de 12/11/2021 (valor penhorado 101.204,77€).
b. auto de penhora de 09/02/2022 (valor penhorado 40.500,00€).
c. auto de penhora de 21/09/2022 (valor penhorado 105.000,00€).
3) Em 06/12/2021 a Executada deduziu oposição à execução, por embargos, e à penhora de 12/11/2021 (2) a)) (apenso A)
4) Em 21/02/2022 a Executada deduziu oposição à penhora de 09/02/2022 (2) b))(apenso B).
5) Em 01/06/2022 a Executada deduziu incidente de prestação de caução para substituição das penhoras.
6) Em 03/10/2022 a Executada deduziu oposição à penhora de 21/09/2022 (2) c))(apenso C).
7) Por despacho de 20/03/2023, notificado ao Sr. AE em 21/03/2023, foi deferida “a substituição da penhora depósitos bancários e valores mobiliários de que é o executado/embargante é titular pela caução – garantia bancária com cláusula “on first demand” até ao limite de 246.704,77€, já prestada”, referindo-se, a substituição da penhora de depósitos bancários e de valores mobiliários, aos penhorados nos autos de penhora de 12/11/2021, 09/02/2022 e 21/09/2022 (2) a), b) e c)) (cfr. despacho de 16/05/2023, no apenso A), cujo levantamento foi ordenado
8) Em 24/05/2023 o Sr. AE procedeu a um cálculo de “APURAMENTO DE RESPONSABILIDADES / NOTA DISCRIMINATIVA” com carácter meramente informativo e provisório, nos termos do qual a responsabilidade da Executada alegadamente ascendia a 379.087,05€
9) Em 06/06/2023 a Executada apresentou reclamação do “APURAMENTO DE RESPONSABILIDADES / NOTA DISCRIMINATIVA” de 24/05/2023
10) Em 22/09/2023 o Sr. AE procedeu a um novo cálculo de “APURAMENTO DE RESPONSABILIDADES / NOTA DISCRIMINATIVA” com carácter meramente informativo e provisório (notificada à Executada de 19/10/2023), nos termos do qual a responsabilidade da Executada alegadamente ascendia a 447.688,92€
11) Nos autos de execução, o agente de execução procedeu às seguintes penhoras de bens (créditos)
a. auto de penhora de 19/10/2023 (valor total penhorado 149.432,65€)
b. auto de penhora de 24/10/2023 (valor penhorado 73.882,40€)
12) Em 30/10/2023 a Executada deduziu oposição às penhoras de 19/10/2023 e de24/10/2023 (11) a) e b)) (apenso D), peticionando o seu cancelamento ou, subsidiariamente, a sua substituição por caução
13) Em 30/10/2023 a Executada apresentou reclamação do “APURAMENTO DE RESPONSABILIDADES / NOTA DISCRIMINATIVA ” de 22/09/2023
14) Nos autos de execução, o agente de execução procedeu à seguinte penhora de bens(créditos)
a. auto de penhora de 30/04/2024 (valor total penhorado 86.000,00€ )
15) Em 13/05/2024 a Executada deduziu oposição à penhora de 30/04/2024 (14) a)) (apenso E), peticionando o seu cancelamento ou, subsidiariamente, a sua substituição por caução
16) Em 05/06/2024 foram proferidas sentenças nas oposições às penhoras de 09/02/2022 (2) b)) e 21/09/2022 (2) c)) (apensos B e C – 4) e 6)), que, face à substituição das penhoras por caução e levantamento daquelas (7)), julgou extintas as instâncias das oposições, por inutilidade superveniente da lide.
17) Em 29/08/2024 o Sr. AE procedeu, como lhe foi ordenado (apenso D), a um novo cálculo de “APURAMENTO DE RESPONSABILIDADES/NOTA DISCRIMINATIVA” com carácter meramente informativo e provisório, nos termos do qual a responsabilidade da Executada alegadamente ascendia a 627.241,56€
18) Nos autos de execução, o agente de execução procedeu à seguinte penhora de bens(créditos)
a. auto de penhora de 08/10/2024 (valor total penhorado 140.000,00 €)
19) Em 18/10/2024 a Executada deduziu oposição à penhora de 08/10/2024 (18) a))(apenso F), peticionando o seu cancelamento ou, subsidiariamente, a sua substituição por caução .
Z) O Tribunal a quo preteriu o seu dever de averiguação e, sem para tanto apresentar qualquer fundamentação, deixou de apreciar e considerar factos que devia ter tomado em consideração e sobre os quais deveria, tal como sobre os 3 (três) factos que selecionou, ter incidido a sua decisão, redundando, uma vez mais, na nulidade da sentença, por absoluta falta de fundamentação acerca da desconsideração dos demais factos e por nela não se conhecer de questões que o Tribunal deveria apreciar, bem como numa violação das regras legais aplicáveis e num erro de julgamento sobre a matéria de facto e, consequentemente, sobre a apreciação jurídica da presente causa.
AA) Não considerando todos os valores penhorados ou garantidos, mas considerando o valor total em dívida estimado na execução em data muito posterior às das penhoras, o Tribunal a quo incorreu em manifesto vício de raciocínio, numa falácia de evidência incompleta, sobre a qual não poderia fundar-se uma razoável e justa composição do presente litígio, injustiça que se agravaria se / quando, sedimentada esta decisão, viessem a ser proferidas as decisões finais dos incidentes de oposição à penhora e prestação de caução também pendentes (apensos E) e F)).
BB) Dos factos provados nos autos resulta que à data de 24/10/2023 encontrava-se penhorado ou assegurado por caução nos autos um total de 470.019,82€, portanto mais 22.330,90€ do que o montante liquidado pelo sr. AE à data de 08/10/2024 encontrava-se penhorado ou assegurado por caução um total de 696.019,82€, portanto mais de 10 (dez) vezes o valor da execução e mais 68.778,26€ penhorados do que o montante calculado, a título informativo, pelo sr. AE, como devido
CC) Não podia, pois, concluir-se, como na decisão recorrida, ser “evidente que os valores penhorados em outubro de 2023, ainda que se tenha em consideração a caução já prestada, são manifestamente insuficientes para acautelar o pagamento integral da quantia exequenda e demais acréscimos”.
DD) A agressão do património do executado só é lícita se proporcional, necessária, e adequada, útil e eficaz à satisfação da pretensão do exequente, e não podem ser penhorados mais bens do que os absolutamente necessários para a satisfação da pretensão exequenda, não devendo ser causado ao executado um dano ou um prejuízo superior ao estritamente necessário para a execução da obrigação, para a satisfação do crédito exequendo e das custas – devendo estas ser calculadas nos termos determinados no mencionado artigo 735.º, n.º 3, do CPC – e a ilegalidade da penhora por ofensa do princípio da proporcionalidade é um dos fundamentos de oposição legalmente tipificados.
EE) O Meritíssimo Juiz a quo incorre em manifesto erro de raciocínio quando compara os valores apurados, a título informativo, como devidos pela Executada em 29/08/2024 com os valores que se encontravam penhorados ou garantidos à data de 24/10/2023, para concluir pela manifesta insuficiência das penhoras a que respeita a presente oposição e, consequentemente – apenas com tal fundamento e sem mais considerações –, pela sua admissibilidade e manutenção.
FF) Impunha-se o conhecimento de todos os fundamentos da oposição para adequada ponderação da admissibilidade das penhoras que dela são objeto, do que inevitavelmente decorreria, e não pode deixar de decorrer, a procedência da oposição deduzida.
GG) O Meritíssimo Juiz a quo decide o incidente de prestação de caução persistindo no mesmo erro, olvidando que, à data da douta sentença, o total penhorado ou assegurado por caução nos autos era já de 696.019,82€, podendo ainda vir a aumentar até à data em que a caução admitida devesse ser prestada (veja-se o douto despacho lavrado na execução em 14/09/2023 – ref.ª CITIUS 428443795).
HH) A substituição das duas penhoras a que se refere a presente oposição, no valor total de 223.315,05 €, por uma caução com o valor de 380.536,79 €, como foi decidido na douta sentença recorrida, significaria que o total penhorado ou assegurado por caução na execução passaria a ser de 853.241,56 € (!!!), ou seja, mais de 12 (doze) vezes o valor da execução e mais 226.000,00 € (!!!) do que o “cálculo provisório da responsabilidade da executada em 29 de agosto de 2024” (cerca de um mês e meio  antes da douta decisão recorrida),
II) O que, como é por demais evidente, seria manifestamente indevido, excessivo, desajustado, desproporcionado, injustificado, abusivo, ilegal e inconstitucional e agravaria , mais ainda, o excesso das penhoras que constitui precisamente o fundamento da presente oposição.
JJ) Atento o que se afirma na sentença recorrida quanto à caução substitutiva de penhora, o próprio Tribunal a quo não poderia deixar de concluir como a Executada, evidenciando-se manifesta contradição entre os fundamentos e a decisão, geradora, uma vez mais, de nulidade da decisão.
KK) Na decisão do montante a caucionar, o Meritíssimo Juiz a quo condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, também por esse motivo maculando de nulidade a sua decisão.
LL) É por demais manifesta a divergência de critério, não fundamentada, e do sentido decisório, e a desigualdade de tratamento de situações idênticas, neste e no incidente de prestação de caução decidido por douto despacho de 20/03/2023, de tal forma que, mais uma vez, a decisão recorrida se apresenta como uma decisão surpresa, incoerente em si mesma e também incoerente com o anteriormente decidido nestes autos, para além de – com o devido e muito respeito – carecer de base e fundamento legal.
MM) A prestação de caução para substituição da penhora tem ínsita a ideia de troca, visa deixar o exequente em posição idêntica àquela em que se encontrava com apenhora, sendo um mero sucedâneo da penhora já realizada, pelo que equivale para todos os efeitos à penhora que substitui.
NN) Na execução não devem ser impostos ao executado maiores encargos do que aqueles que se mostrem absolutamente indispensáveis à obtenção da satisfação do direito do credor e ao pagamento das despesas da execução, sendo a agressão do património do executado sempre limitada pelo disposto nos artigos 18.º, n.º 2, e 62.ºda CRP.
OO) Se existir no processo uma garantia suficiente para satisfazer o (alegado) crédito do exequente e pagar as despesas judiciais prováveis, não é lícito realizar uma nova penhora ou manter uma penhora já efetuada, que é desnecessária e inútil, e, também por isso, ilegal (artigo 130.º do CPC).
PP) Sem de forma alguma prescindir de todos os fundamentos invocados que, sendo conhecidos, determinariam a procedência da oposição à penhora, mantendo-se as penhoras em causa nos presentes autos de oposição, a única solução conforme com as disposições legais aplicáveis seria a sua substituição por garantia bancária no mesmo exato montante dos valores penhorados, determinando o levantamento daquelas penhoras, pois só essa decisão permite a observância das disposições processuais aplicáveis, mas também dos princípios constitucionais estruturantes da ordem jurídica.
QQ) Da mesma forma terá, inevitavelmente, de ser decidido também nos demais incidentes pendentes de oposição a penhoras (apensos E e F) e nos correspetivos incidentes de prestação de caução em substituição das penhoras, deduzidos para a hipótese cautelar de aquelas penhoras serem de manter e não, desde logo, canceladas como peticionado.
RR) Por tudo o exposto, e com o devido e muito respeito, a decisão recorrida é nula, nos termos previstos nos artigos 130.º, 195.º e 615.º, n.º 1, alíneas b), c), d) e e), do CPC, mas também manifestamente injusta e incoerente, agravando ainda mais o excesso de penhora que foi invocado como fundamento da oposição, importando a violação de direitos constitucionalmente consagrados da Executada e, entre outras que V. Ex.as doutamente suprirão, das seguintes disposições legais:
artigos 3.º, n.ºs 1 e 3, 5.º, n.ºs 1 e 2, 260.º, 264.º, 265.º, 293.º a 295.º, 411.º, 412.º, n.º 2, 547.º, 607.º, n.ºs 4 e 5, 608.º, 609º, 735º, n.º 3, 751.º, n.ºs 1, 2 e 7, e 856.º, n.º 5, do CPC artigos 623.º, n.º 3, e 625.º, n.º 2, do CC artigos 18.º, n.º 2, 20.º e 62.º da CRP artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem
NESTES TERMOS, e nos demais de Direito aplicável que V. Ex.as doutamente suprirão, deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, e em consequência,
Na procedência das invocadas nulidades da sentença recorrida, com os fundamentos expostos, deve ser proferido douto acórdão que substitua a decisão recorrida – artigo 665.º, n.º 1, do CPC – por outra que, assegurando o contraditório, conheça da causa de pedir invocada pela aqui Recorrente como fundamento de oposição às penhoras e de todas as questões que ao Tribunal recorrido era devido e lícito conhecer, julgando a Oposição procedente e ordenando o levantamento das penhoras.
Sem prescindir, caso se entenda que a regra da substituição do Tribunal de recurso ao Tribunal recorrido não tem aplicação, considerando-se que a matéria de facto apurada se revela insuficiente para apreciar as diversas questões submetidas pelas partes a decisão, deve ser proferido douto acórdão que, considerando nula a decisão proferida, ordene o regular prosseguimento da tramitação processual aplicável ao presente incidente de oposição à penhora e prestação de caução, para que sejam devidamente apuradas e apreciadas pelo tribunal a quo todas as questões que o tribunal tem o dever e o poder de conhecer, para a adequada e devida decisão da presente causa – artigo 608.º,n.º 2, do CPC.
Sem conceder, e por cautela de patrocínio,
Sem de forma alguma prescindir das demais causas de nulidade da douta sentença recorrida, deve ser julgada procedente a nulidade da decisão sobre a matéria de facto, bem como a impugnação sobre a mesma deduzida, e, na decisão desta, substituindo-se este Tribunal de recurso à instância recorrida, devem ser julgados provados todos os factos elencados em Y), que resultam evidenciados dos autos e não carecem de alegação, atento o conhecimento funcional que deles tem o Tribunal.
E, tomando conhecimento de todos os fundamentos da oposição para adequada ponderação da admissibilidade das penhoras que dela são objeto, inevitavelmente não pode deixar de decorrer a procedência da oposição deduzida, como se requer.
Sem de forma alguma prescindir de todos os fundamentos invocados – que, sendo conhecidos, entende-se que terão de determinar a procedência da oposição às penhoras –, mantendo-se as penhoras em causa nos presentes autos de oposição, deve ser admitida a sua substituição por caução idónea (garantia bancária) no mesmo exacto montante dos valores penhorados ( 223.315,05 €), determinando-se o subsequente levantamento daquelas penhoras.
Pois, com o devido e muito respeito, se entende que só assim se decidirá em conformidade com o Direito e na boa aplicação da Justiça!
1.5.- Com referência à apelação identificada em 1.4., não apresentaram os apelados/exequentes contra-alegações.
*
1.6. - Thema decidenduum
Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho , e tendo presente o disposto no artº 6º, nº1 e 7º,nº1, ambos deste último diploma legal ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir  são as seguintes :
a) Aferir se a decisão apelada – que é a identificada em 1.3. - consubstancia uma decisão surpresa, logo NULA por violação do disposto no artº 3º,nºs 1 e 3, do CPC;
b) Indagar se, efectivamente, padece a decisão apelada do vício de NULIDADE de sentença, nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c), d) e e), do CPC ;
c) Aferir se importa que ao elenco dos FACTOS PROVADOS , sejam adicionados outros que da Decisão recorrida não constam, mas que resultam outrossim provados quer da execução, quer dos demais apensos;
d) Decidir se , em razão da factualidade julgada provada e de outra que  resulta outrossim provada quer da execução, quer dos demais apensos, se impõe revogar a Decisão recorrida, sendo substituída por outra que julgue a oposição à penhora Procedente ;
e) Aferir se, a improceder a oposição às penhoras, importa que sejam as mesmas substituídas por garantia bancária no mesmo exato montante dos valores penhorados, determinando o levantamento daquelas penhoras, pois só essa decisão permite a observância das disposições processuais aplicáveis, mas também dos princípios constitucionais estruturantes da ordem jurídica ;
*
2.- Motivação de Facto
Na decisão recorrida mostra-se no essencial “fixada” a seguinte FUNDAMENTAÇÃO  DE  FACTO [ ainda que com a respectiva redacção não exactamente coincidente ]  :
2.1. -  Nos autos de execução, o agente de execução procedeu à penhora dos seguintes bens (além de outros que aqui não estão em causa):
-         auto de penhora  de 19.10.2023
1 -  Depósitos bancários no Millennium BCP.
Identificação: …655.                     2.094,14€
2 - Valores mobiliários no Millennium BCP.
Identificação: …55,
Descrição: FUNDOS CAPITAL DE RISCO/VEGA   73.882,40€
3 - Depósitos bancários no BES/Novo Banco
Identificação: …480,                          73.456,11€
TOTAL                          149.432,65€ 
 -        auto de penhora  de 24.10.2023
1 –  Depósito da executada na própria instituição            73.872,40€
                                               TOTAL                         73.872,40€
TOTAL das penhoras de 19.10.2023 e de 24.10.2023    223.315,05€ 
2.2.- A agente de execução procedeu ao cálculo provisório da responsabilidade da executada em 29 de Agosto de 2024 que ascende ao montante de 627.241,56 €.
*
3.- Motivação de Direito
3.1. – Se a decisão recorrida, da forma como foi proferida - contra a expectativa criada na executada e sem o seu conhecimento prévio - , viola o princípio do contraditório, configurando em rigor uma decisão-surpresa - violando o artigo 3.º, n.º 3, do CPCsendo portanto NULA.
No âmbito do “roteiro” dos diversos vícios adjectivos assacados à decisão recorrida, começa a apelante/executada por invocar a NULIDADE da mesma, para tanto considerando – no essencial - que, não tendo o Primeiro Grau “avisado” as partes da intenção de uma decisão imediata, permitindo-lhes assim pronunciarem-se sobre “questões jurídicas suscetíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão”, então e em rigor constitui aquela – decisão - uma verdadeira decisão surpresa com violação do princípio do contraditório.
E, continua a apelante, porque influiu – a omissão de audição prévia das partes - na decisão da causa, em causa está o cometimento pelo Primeiro Grau de uma nulidade processual, nos termos do artigo 195.º do CPC [ nulidade que inquina/afecta a decisão recorrida ], o que em sede de impugnação recursória vem - a apelante  - invocar para todos os efeitos legais.
Ora Bem.
É consabido que, sob a epigrafe de “ Necessidade do pedido e da contradição”, diz-nos o artº 3º, do CPC, nos respectivos nºs 1 e 3, respectivamente , que “O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição”, e que “ O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
O dispositivo referido, recorda-se, e ainda que com ligeiras alterações  relativamente ao actual artº 3º, apenas foi introduzido na nossa Lei adjectiva [ no artº 3º, do CPC, à data em vigor ] com o  DL n.º 329-A/95, de 12.12 , explicando então o legislador que :
“Significativo realce foi dado à tutela efectiva do direito de defesa, prevendo-se que nenhuma pretensão possa ser apreciada sem que ao legítimo contraditor, regularmente chamado a juízo, seja facultada oportunidade de deduzir oposição.
O incremento da tutela do direito de defesa implicará, por outro lado, a atenuação da excessiva rigidez de certos efeitos cominatórios ou preclusivos, sem prejuízo de se manter vigente o princípio da auto-responsabilidade das partes e sem que as soluções introduzidas venham contribuir, de modo significativo, para a quebra da celeridade processual.
Afirmam-se como princípios fundamentais, estruturantes de todo o processo civil, os princípios do contraditório, da igualdade das partes e da cooperação e procuram deles extrair-se consequências concretas, ao nível da regulamentação dos diferentes regimes adjectivos.
Assim, prescreve-se, como dimensão do princípio do contraditório, que ele envolve a proibição da prolação de decisões surpresa, não sendo lícito aos tribunais decidir questões de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente haja sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, e aplicando-se tal regra não apenas na 1.ª instância mas também na regulamentação de diferentes aspectos atinentes à tramitação e julgamento dos recursos.”.
Estando em rigor em causa um instituto [ o da proibição de decisões-surpresa ] ainda sem grande tradição no nosso Direito, cedo a doutrina [ v.g. José LEBRE DE FREITAS  (1) ] veio esclarecer e clarificar que o nosso legislador veio agora adoptar uma concepção do princípio do contraditório mais lata, devendo doravante o respeito pela contraditoriedade passar por uma “garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos ( factos, provas, questões de direito ) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”.
Ou seja, ainda segundo LEBRE DE FREITAS (2), “O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo.
Porém, a mesma doutrina, cedo passou também a considerar que , e utilizando uma expressão muito popular na nossa língua, importava não passar subitamente do 8 para o 80, que o mesmo é dizer, não cair em excessos e ou exageros [ prática e/ou vício de resto bem “português”, mormente em sede de interpretações da lei após alterações introduzidas pelo legislador em direito adjectivo ].
É assim que, v.g. para OTHMAR JAUERNIG (3), o tribunal “não é obrigado sem mais a apresentar à discussão das partes, antes da decisão, o seu parecer jurídico”, ou seja, e como assim já o considerou com total cabimento o nosso mais Alto Tribunal (4), “ a estrutura do nosso processo civil não prevê que o tribunal “discuta” com as partes o que quer que seja”, sendo que, se é certo que o 3.º, n.º 3 do Código Processo Civil, exige do juiz uma diligência aturada de observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo o princípio do contraditório, o mesmo dispositivo é assertivo em ressalvar os casos em que a obrigatoriedade de ouvir as partes é manifestamente  desnecessária.
Dir-se-á que, o que verdadeiramente tem o “instituto” da decisão surpresa por desiderato obstar é que seja a parte confrontada com uma decisão que embora pudesse ser juridicamente possível, não era para a mesma parte de todo previsível, e relativamente à respectiva fundamentação e razões em que se baseou não teve em momento algum a oportunidade de se pronunciar antecipadamente, porque surpreendentemente originais e inovadoras.
Em suma, o  que se pretende obstar/evitar nada tem que ver com o conteúdo, com o sentido, da decisão em si, mas tão só com a circunstância de se decidir uma questão não prevista, visando-se em rigor evitar a surpresa de se decidir uma questão com que se não estava a contar, sendo que na estruturação de um processo justo o tribunal deve prevenir e, na medida do possível, obviar a que os pleiteantes sejam surpreendidos com decisões para as quais as suas exposições, factuais e jurídicas, não foram tomadas em consideração . (5)
Aqui chegados – e amparados pelos fundamentos acabados de escalpelizar - , tendo presente o “incidente” pela executada deduzido nos autos, as razões – exaustivas e pela executada elencadas ao longo de 88 artigos – alegadas/invocadas em sede de oposição a penhoras e, sobremaneira a tramitação adjectiva que regula o mesmo ( nos termos do artº 785º, do CPC ), estamos em crer que pertinente não é [ longe disso ] invocar a apelante uma qualquer decisão surpresa.
Desde logo porque não tendo havido, no âmbito do incidente de oposição à penhora, lugar à produção de prova, obrigado não estava de todo o julgador em facultar às partes a oportunidade de proferirem alegações escritas a anteceder a decisão final [ cfr. artº 295º, ex vi do artº 785º, ambos do CPC ].
Depois porque, como vimos supra, a estrutura do nosso processo civil não prevê de todo que o tribunal “discuta” com as partes o que quer que seja”, maxime que as alerte e/ou previna do entendimento do tribunal no sentido de que está já o julgador em condições – em razão do processado nos autos – de proferir decisão final e, bem assim, de qual o sentido provável da mesma .
É que, insistindo, “Não obstante, a latitude do princípio do contraditório, terá sempre de observar limites de razoabilidade pelo que, não é o Tribunal obrigado a apresentar à discussão das partes, antes da decisão, o seu parecer jurídico, discutindo com as partes o que quer que seja ”. (6)
Ao referido, acresce que, como acima já o aflorámos, do instrumento de oposição à penhora [ em razão do respectivo conteúdo e extensão ] decorre já com alguma segurança que foi pela executada explanada toda a argumentação considerada pertinente relativa aos fundamentos que amparam o reclamado levantamento das penhoras visadas ,razão porque, a repetição da prática do acto alegadamente omitido traduzir-se-ia em acto inútil, proibido portanto [  cfr. artº 130º, do CPC ]   e obstando ao andamento célere do processado [  cfr. artº 6º,nº1, do CPC ], revelando-se de resto manifestamente desnecessário – cfr. artº 3º,nº3, do CPC.
Por último , visando o instituto da decisão-surpresa obstar a que as artes se vejam confrontadas com uma solução jurídica que não tinham a obrigação de prever, ou seja, com decisão que não poderiam contar, o que não abrange os fundamentos utilizados pelo tribunal para fundamentar decisões que eram previsíveis ou que as partes devessem esperar ou admitir como possíveis, também por esta razão não existe qualquer decisão surpresa.(7)
Em concisão, e sem necessidade de mais considerações, porque despiciendas, improcedem as conclusões recursórias identificadas sob as Alíneas A) a J) .
*
3.2. - Se, efectivamente, padece a decisão apelada do vício de NULIDADE de sentença, nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c), d) e e), do CPC.
No entender da apelante, padece a decisão recorrida de todos os vícios de NULIDADE relevantes do nº 1, do artº 615º, do CPC [ à excepção do relacionado com a falta de assinatura do juiz e com o da alínea e) ].
Importando, portando, indagar se efectivamente é a decisão recorrida NULA, por aplicação do disposto no artº 615º, nº1, do CPC, pertinente é começar por tecer algumas notas a propósito do/s vício/s de NULIDADE referidos.
Vejamos, pois.
Antes de mais, importa ter presente que as causas de nulidade da sentença são de previsão/enumeração taxativa (8), estando as mesmas [ quais nulidades especiais (9) ] discriminadas no nº1, do artº 615º, do actual CPC, razão porque forçoso é que qualquer vício invocado como consubstanciando uma nulidade da sentença, para o ser, deve necessariamente integrar o tatbestand de qualquer uma das alíneas do nº1, da citada disposição legal.
Depois, conveniente é que a parte recorrente [ ao arguir uma nulidade de sentença ] não confunda [ confusão que se mostra incompreensivelmente recorrente no âmbito de instâncias recursórias ] o erro material ou erro no julgar do tribunal a quo [ v.g. em sede de interpretação da lei e/ou de subsunção dos factos ao plano abstracto da norma aplicável ] com o mero “error in procedendo , vício este ao qual apenas se refere o artº 615º, do CPC.
Ou seja, pertinente é que o recorrente – ao invocar uma NULIDADE DE SENTENÇA – tenha sempre bem presente que a simples discordância quanto ao decidido não integra necessariamente qualquer nulidade prevista no artº 615º, do CPC, pois que, o “ regime das nulidades destina-se apenas a remover aspetos de ordem formal que inquinem a decisão, não sendo adequado para manifestar discordância e pugnar pela alteração do decidido”. (10)
Dir-se-á que, se v.g. no tocante à construção da sentença, maxime perante o seu desfecho/final, assiste ao recorrente/apelante todo o direito à crítica, considerando-a errada e ou injusta, é-lhe já exigível [  porque o erro de julgamento, de facto ou de direito, não serve – insiste-se - para ancorar um qualquer vício de nulidade de sentença , porque este último com o mero error in procedendo não se confunde ] que saiba resistir à tentação de a uma qualquer discordância fazer corresponder uma qualquer e subjacente nulidade de sentença.
É que, convenhamos, a arguição de nulidades destina-se apenas a sanar vícios de ordem formal que eventualmente inquinem a decisão, não podendo servir para as partes manifestarem discordâncias e pugnarem pela alteração do sentido decisório a seu favor. (11)
Em suma,  e manifestamente, os vícios do artº 615º,nº1, do CPC, são meros vícios formais [ relacionados com a infração das regras que disciplinam a elaboração da sentença e respeitantes ao modo como o juiz exerceu a sua atividade, ditando a anulação da decisão por ser formalmente irregular ],  os quais distinguem-se claramente do erro de julgamento , sendo este último  um erro de carácter substantivo e que tem lugar  quando na decisão proferida a lei é mal aplicada ou há um erro quanto à questão de facto e/ou de direito apreciada.
Isto dito, e como veremos já de seguida, tudo aponta para que confunda – confusão que com vimos supra é recorrente no âmbito de instâncias recursórias, tudo servindo para amparar o acentuado desejo de se alterar o julgado e sem prejuízo de no âmbito das nulidades de sentença vigorar a regra da substituição ao tribunal recorrido – cfr. artº 665º, do Cód. de Proc. Civil  .
Vejamos.
Diz a apelante [ conclusão recursória com a alínea RR ], que incorre a DECISÃO RECORRIDA no vício de NULIDADE da alínea b), do n º1, do artº 615º, do CPC, normativo adjectivo que dispõe que é nula a sentença quando “ Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
O vício referido, como é consensual e pacífico, apenas existe quando, na sentença “se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adotada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo. Já A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão». (11)
Ora, analisada a decisão recorrida, e sem necessidade de desenvolver um qualquer esforço de “descoberta”, pacifico é que da mesma consta a considerada necessária fundamentação de facto e, bem assim, a subsequente fundamentação de direito.
Perante o referido [ e porque qualquer entendimento que considere a fundamentação de facto insuficiente para a prolação de uma decisão de mérito justa, nada tem já que ver com uma irregularidade formal subsumível ao nº1, do artº 615º, do CPC ], ostensiva é a inexistência do vício indicado e pretensamente subsumível  à alínea b), do nº1, do artº 615º, do CPC .
Acresce que, ainda que se considere que a decisão de facto se mostra amputada de factualidade que da mesma deveria também constar , mas erradamente não consta [ deficiência que desencadeia por arrastamento um subsequente julgamento de direito injusto ], indiscutível é que em caso algum a deficiência em causa deve integrar a previsão do nº1, alínea b) do artº 615º, do CPC.
É que, tendo presente o disposto no 662º,nº2, alínea c), do CPC [ A Relação deve mesmo oficiosamente, “Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta” ] e porque em sede de interpretação da lei importa sempre ter em conta a unidade do sistema jurídico [ cfr. artº 9º, nº1, do CC ], então inevitável é considerar que “ Apesar de actualmente o julgamento da matéria de facto se conter na sentença final, há que fazer um distinguo entre os vícios da decisão da matéria de facto e os vícios da sentença, distinção de que decorre esta consequência: os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerado além do mais o carácter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último acto decisório”. (12)
Não é, portanto , a decisão recorrida NULA e com fundamento no disposto na alínea b) do artº 615º, do CPC.
Invoca também a recorrente a NULIDADE da decisão, agora com fundamento no disposto na alínea c) do artº 615º, do CPC, normativo este que reza que é nula a sentença quando os seus “fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
A primeira parte da alínea c) ora em análise, como é por demais consabido, prevê um vício de nulidade de sentença decorrente de pretensa contradição entre a fundamentação e a decisão, sendo que tal contradição existe quando os fundamentos explanados na sentença - de facto e de direito - devessem, necessária e logicamente ( sob pena de ocorrer um vício lógico), conduzir a uma decisão diferente/oposta àquela que a sentença expressa, sob pena de existir entre ambos uma contradição insanável e incompreensível (a decisão colide com os fundamentos em que ostensivamente se apoia ) . (13)
Dito de uma outra forma, e como ensinam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (14), na alínea c), do nº1, do pretérito artº 668º do CPC, a lei refere-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não a hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão.
É que, e em rigor, como bem explicam ainda os mesmos e ilustres Prof.s (15) citados, na situação referida, “há um vício real no raciocínio do julgador ( e não um simples lapsus calami do autor da sentença ): a fundamentação aponta num sentido ; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”.
Ainda como referência ao vício formal ora em apreço, e agora nas palavras de Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto (16),” Entre os fundamentos da decisão não pode haver contradição lógica : se na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença”.
E, logo a seguir, os mesmos autores advertem que  Esta oposição não se confunde com o erro de subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial (art. 193-2-b).”
Em suma, a hipótese da alínea c), pressupõe a existência de uma oposição real entre os fundamentos e a própria decisão, isto é, situações em que os fundamentos invocados pelo julgador devessem ter conduzido, logicamente e coerentemente, a um  resultado diferente do expresso na decisão .(17)
Postas estas breves considerações e tendo presente o discurso do Julgador transposto para a sentença recorrida, tal só por si “obriga” de imediato a  arredar o invocado vício de nulidade de sentença, com base em pretensa contradição entre a fundamentação e a decisão ou comando /dispositivo – a solução dada ao litígio, pois que, analisado o grosso ( a globalidade) da fundamentação do a quo aduzida na sentença, não se descortina, antes pelo contrário, que aponte a mesma clara e ostensivamente para um único sentido, tendo porém o Exmº julgador enveredado, contraditoriamente, por diferente desfecho/solução final.
Ou seja, considerando v.g. – como consta expressis verbis da sentença – que “resulta evidente que os valores penhorados em outubro de 2023, ainda que se tenha em consideração a caução já prestada, são manifestamente insuficientes para acautelar o pagamento integral da quantia exequenda e demais acréscimos” e que não está “demonstrada qualquer violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação da penhora”, é óbvio que a decisão final e subsequente só poderia ser a que que foi proferida, não existindo assim qualquer contradição.
É certo que a recorrente não nutre qualquer “simpatia” com o comando decisório da sentença, considerando que, em função v.g. de uma diversa e obrigatória motivação de facto deveria ter sido a mesma diversa.
Sucede que, a ter a recorrente razão, então o vício que atinge a sentença será já de natureza substantiva ( error in judicando ou erro de julgamento em matéria de subsunção da factualidade provada ao direito aplicável ), que não adjectiva, não sendo ele subsumível de todo à previsão do artº 615º, do CPC.
Em suma, e mais uma vez, volta a recorrente a confundir o error in judicando com o mero error in procedendo, ou seja , trata o erro no julgar ou erro material ou de conteúdo como se fosse ele ( também) um mero erro adjectivo ou um vício de forma, vícios estes últimos que como é por demais consabido são queles, e só aqueles, susceptíveis de integrar a previsão do nº1, do artº 615º, do CPC .
Destarte, não existe assim fundamento para reconhecer que padece a sentença do vício de NULIDADE nos ternos da alínea c), do nº1, do artº 615º, do CPC, sentença que se mostra inteligível e clara – até para a recorrente -, mas que com a respectiva fundamentação não concorda a apelante .
Por último, consegue ainda a apelante vislumbrar na sentença recorrida o vício da alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, dispositivo este que dispõe que é nula a sentença quando o “ O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Em termos abreviados , prima facie o que leva a apelante a invocar o vício de NULIDADE agora em análise é a alegada circunstância de o Primeiro Grau não ter apreciado, sem o fundamentar, a factualidade e fundamentos invocados pela Oponente [ e isto considerando que há omissão de pronúncia sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido ],  ou seja, em rigor deixou o Tribunal – no entender da apelante - de conhecer de questões que se lhe impunha conhecer e, com tal conduta omissiva, violou assim os seus deveres de pronúncia.
Ora, estamos em crer que, também este último vício não se verifica de todo.
Se não, vejamos.
É vero que sobre o Juiz incide, no dizer de LEBRE de FREITAS e outros (18), a obrigação de apreciar/conhecer “ todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de  todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (…), sendo que, a ocorrer uma tal omissão de apreciação/conhecimento,  e  ,não estando em causa a mera desconsideração tão só de eventuais “(…) linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença e que as partes hajam invocado (…)”,  então o “ não conhecimento do pedido , causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outras questões, constitui nulidade”.
Porém, importa não olvidar que, como há muito já advertia ALBERTO dos REIS (19), não se devem confundir factos (fundamentos ou argumentos) com questões (a que se reportam os artigos 608.º, n.º 2, e 615º, n.º 1, alínea d), do CPC) a resolver, pois que uma coisa é não tomar conhecimento de determinado facto invocado pela parte, e ,outra completamente distinta, é não tomar conhecimento de determinada questão submetida à apreciação do tribunal.
Em rigor, para nós e em termos conclusivos, dir-se-á que as questões a que alude a alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, mais não são do que as que alude o nº2, do artº 607º, e artº 608º, ambos do mesmo diploma legal, e que ao Tribunal cumpre solucionar, delimitando-se e emergindo as mesmas da análise da causa de pedir apresentada pelo demandante e do seu confronto/articulação com o pedido que na acção/incidente é formulado.
Ou seja, e dito de um outro modo, não se confundindo é certo as questões a resolver pelo juiz em sede de sentença com quaisquer argumentos e razões que as partes invoquem em defesa das suas posições, o correcto/adequado será em rigor considerar-se que o vocábulo “questões” a que alude a alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, mostra-se empregado na lei adjectiva com o sentido equivalente a “questões jurídicas” ainda carecidas de resolução, impondo-se que no âmbito das mesmas seja dada prioridade às questões de natureza processual que ainda estejam por resolver (nulidades, excepções dilatórias ainda por apreciar ou outras questões de natureza processual que interfiram no resultado), e ,sem embargo da apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso, deve o juiz limitar-se a apreciar as que foram invocadas, evitando, deste modo, a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, nos temos do art. 615º, nº 1, al. d), primeira parte , do CPC . (20)
Postas estas breves considerações, manifesto se nos afigura, desde logo, que a omissão de julgamento pelo tribunal a quo de concretos pontos de facto que pretensamente deveriam – no entender da apelante – integrar a decisão de facto está longe – como vimos supra - de consubstanciar vício susceptível de integrar a previsão temos do art. 615º, nº 1, al. d), primeira parte do CPV.
Depois, pacifico é que as QUESTÕES  a resolver pelo tribunal eram essencialmente duas, a saber : i) aferir se importava declara a ilegalidade das penhoras pelo tribunal a quo executadas a 19/10/2023 e a 24/10/2023  , porque alegadamente não proporcionais, necessárias,  adequadas e úteis: ii)  aferir se, não sendo as penhoras levantadas, se importava autorizar a  substituição das mesmas pela prestação de uma caução, nos termos e pelos montantes indicados pela executada.
Ora, convenhamos que claramente ambas as questões referidas foram pelo tribunal a quo apreciadas e decididas, ainda que em termos com os quais não concorda a recorrente, considerando-os errados - direito que lhe assiste .
Não obstante, porque como supra vimos já – mas insiste-se mais uma vez - , nesta sede não é de todo pertinente incluir-se no âmbito das nulidades de sentença um qualquer erro de julgamento , seja de facto e/ou de direito, confundindo-se o "error in procedendo" com o "error in judicando", eis porque, inevitavelmente improcedem in totum as conclusões recursórias da apelante dirigidas para pretensos vícios adjectivos da sentença recorrida – que não é, assim, NULA.
*
4.- Se importa introduzir alterações na decisão de facto, maxime da mesma fazendo constar outros que da mesma não constam, mas que resultam outrossim provados quer da execução, quer dos demais apensos.
Entende a apelante que da execução e dos demais apensos dos presentes autos resultam demonstrados diversos outros factos que se impunha que igualmente fossem julgados provados, para que sobre todo o conjunto incidisse a ponderação do “deve e haver” e tendo em vista , e mais fundadamente, aferir da efectiva desadequação e desproporcionalidade das penhoras concretizadas e visadas pela oposição.
Em rigor, pretende a recorrente que este tribunal [ quando mais não seja ao abrigo do disposto na alínea c),do nº2, do artº 662º, do CPC ] “alargue” o elenco dos FACTOS PROVADOS, impondo-se que da decisão de facto fique igualmente a constar a seguinte :
1) A execução de sentença de que os presentes autos de oposição à penhora são apenso foi iniciada em 19/10/2021 e tem o valor de 68.943,00€ ;
2) Nos autos de execução, o agente de execução procedeu às seguintes penhoras de bens (créditos) :
a) auto de penhora de 12/11/2021 (valor penhorado 101.204,77€).
b) auto de penhora de 09/02/2022 (valor penhorado 40.500,00€).
c) auto de penhora de 21/09/2022 (valor penhorado 105.000,00€).
3) Em 06/12/2021 a Executada deduziu oposição à execução, por embargos, e à penhora de 12/11/2021 (2) a)) (apenso A)
4) Em 21/02/2022 a Executada deduziu oposição à penhora de 09/02/2022 (2) b)) (apenso B)
5) Em 01/06/2022 a Executada deduziu incidente de prestação de caução para substituição das penhoras ;
6) Em 03/10/2022 a Executada deduziu oposição à penhora de 21/09/2022 (2) c)) (apenso C) ;
7) Por despacho de 20/03/2023, notificado ao Sr. AE em 21/03/2023, foi deferida “ a substituição da penhora depósitos bancários e valores mobiliários de que é o executado/embargante é titular pela caução – garantia bancária com cláusula “on first demand” até ao limite de 246.704,77€, já prestada”, referindo-se, a substituição da penhora de depósitos bancários e de valores mobiliários , aos penhorados nos autos de penhora de 12/11/2021, 09/02/2022 e 21/09/2022 (2) a), b) e c)) (cfr. despacho de 16/05/2023, no apenso A), cujo levantamento foi ordenado
8) Em 24/05/2023 o Sr. AE procedeu a um cálculo de “APURAMENTO DE RESPONSABILIDADES/NOTA DISCRIMINATIVA” com carácter meramente informativo e provisório, nos termos do qual a responsabilidade da Executada alegadamente ascendia a 379.087,05€ ;
9) Em 06/06/2023 a Executada apresentou reclamação do “APURAMENTO DE RESPONSABILIDADES/NOTA DISCRIMINATIVA” de 24/05/2023;
10) Em 22/09/2023 o Sr. AE procedeu a um novo cálculo de “APURAMENTO DE RESPONSABILIDADES/NOTA DISCRIMINATIVA” com carácter meramente informativo e provisório (notificada à Executada de 19/10/2023), nos termos do qual a responsabilidade da Executada alegadamente ascendia a 447.688,92€ ;
11) Nos autos de execução, o agente de execução procedeu às seguintes penhoras de bens (créditos) :
a) auto de penhora de 19/10/2023 ( valor total penhorado 149.432,65€).
b) auto de penhora de 24/10/2023 (valor penhorado 73.882,40€).
12) Em 30/10/2023 a Executada deduziu oposição às penhoras de 19/10/2023 e de 24/10/2023 (11) a) e b)) (apenso D), peticionando o seu cancelamento ou, subsidiariamente, a sua substituição por caução ;
13) Em 30/10/2023 a Executada apresentou reclamação do “APURAMENTO DE RESPONSABILIDADES / NOTA DISCRIMINATIVA” de 22/09/2023;
14) Nos autos de execução, o agente de execução procedeu à seguinte penhora de bens (créditos) :
a) auto de penhora de 30/04/2024 (valor total penhorado 86.000,00€).
15) Em 13/05/2024 a Executada deduziu oposição à penhora de 30/04/2024 (14) a)) (apenso E), peticionando o seu cancelamento ou, subsidiariamente, a sua substituição por caução.
16) Em 05/06/2024 foram proferidas sentenças nas oposições às penhoras de 09/02/2022 (2) b)) e 21/09/2022 (2) c)) (apensos B e C – 4) e 6)), que, face à substituição das penhoras por caução e levantamento daquelas (7)), julgou extintas as instâncias das oposições, por inutilidade superveniente da lide.
17) Em 29/08/2024 o Sr. AE procedeu, como lhe foi ordenado (apenso D), a um novo cálculo de “APURAMENTO DE RESPONSABILIDADES/NOTA DISCRIMINATIVA” com carácter meramente informativo e provisório, nos termos do qual a responsabilidade da Executada alegadamente ascendia a 627.241,56€ ;
18) Nos autos de execução, o agente de execução procedeu à seguinte penhora de bens (créditos).
a) auto de penhora de 08/10/2024 (valor total penhorado 140.000,00 €).
19) Em 18/10/2024 a Executada deduziu oposição à penhora de 08/10/2024, a)) (apenso F), peticionando o seu cancelamento ou, subsidiariamente, a sua substituição por caução.
APRECIANDO
Perante tudo o acabado de expor, e tal como de resto já aflorado, reclama a apelante que o tribunal ad quem lance mão dos poderes que lhe são conferidos pelo nº 2, alínea c), do artº 662º, do CPC - os quais, de resto, devem ser exercidos ex officio, não estando sequer dependentes de uma qualquer solicitação requerida por uma qualquer das partes em sede de instância recursória - , reconduzindo ao rol dos Factos provados alguns dos que decorrem do processado nos autos e apensos, os quais pelo Juiz devem de resto ser atendidos [ cfr. artº 5º,nº2, alínea c), in fine, do CPC ] .
Neste conspecto, recorda-se, diz-nos a acima citada – do artº 662º - disposição legal adjectiva que a Relação deve, mesmo oficiosamenteAnular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.
Deficiência existirá, diz-nos ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES (21), quando determinado ponto da matéria de facto ou algum seu segmento não tenha sido objecto de resposta positiva ou negativa, sendo que, a existir o referido vício e sem necessidade de a parte interessada na sua reparação o solicitar, e caso à disposição da segunda instância constem todos os elementos do processo que permitam (nos termos do nº1, do artº 662º, do CPC) a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, deve então o tribunal da Relação suprir de imediato o referido vício. (22)
Ora, em sede do pretérito CPC [ anterior ao aprovado pela Lei nº 41/2013,de 26 de Junho ], e quando da elaboração no processo do despacho a que aludia o respectivo artº 511º, já o legislador advertia expressis verbis  que em sede de selecção da matéria de facto, assente e controvertida , exigia-se que o juiz equacionasse todas as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Tal equivale a dizer que, aquando da fixação da base instrutória, impunha-se então que o juiz se debruçasse sobre toda a matéria de facto articulada e ,do respectivo conjunto/globalidade, reconduzisse à base instrutória da causa todos os factos relevantes para a decisão da causa, fazendo-o segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, isto é, devia aquela ( base factual ) adaptar-se a todas as referidas soluções em lugar de se cingir apenas a uma só, designadamente à perfilhada pelo juiz, estando-lhe vedado enveredar por um qualquer pré-julgamento [ sob pena de obstar a que o tribunal de recurso, ao perfilhar uma diversa interpretação/solução, não dispor dos elementos que lhe permitam aplicar o direito nos termos que lhe pareçam os mais adequados ] . (23)
Isto dito, e analisando a factualidade que a executada/apelante entende que justifica integrar o elenco dos factos provados, certo é que parte da mesma foi pelo tribunal a quo atendida/valorada – ainda que não reconduzida separadamente à Decisão de Facto , o que se exigia, quando mais não seja para uma melhor compreensão do julgado – em sede de fundamentação de direito e, para todos os efeitos, integra a mesma claramente a previsão da alínea c), parte final, do nº2, do artº 5º, do CPC.
Por outra banda, nada obriga a considerá-la com toda a segurança como sendo não ESSENCIAL ( nos termos do nº1, do artº 5º, do CPC ) , ou seja, como sendo de todo e manifestamente inócua e inútil para a decisão da causa/incidente de oposição a penhora e à luz de todas as mais variadas soluções plausíveis da subjacente questão de direito.
Por último, na dúvida  e ad cautelam -  de modo a que não se ponha em causa o desiderato sempre desejável de a justa composição do litigio vir a ocorrer em prazo razoável  - ,  e  , constando dos autos [ o que não implica necessariamente a anulação da decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto e, consequentemente, a repetição do julgamento ]  todos os elementos que permitam  a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto [ cfr. artº 662º,nº 2 alínea c), do CPC ], importa que o tribunal ad quem  não seja demasiado exigente e rigoroso em sede de cumprimento do dever plasmado na aludida disposição legal.
Tudo visto e ponderado, temos assim por adequado [ em razão do entendimento perfilhado pela executada/apelante no tocante à solução da questão de direito ] que parte [ apenas aquela relacionada com a oposição à/s penhora/s deduzida em 30/10/2023, sendo que o “nosso” OBJECTO recursório mostra-se circunscrito à decisão que à referida oposição pôs termo, e identificada em 1.3. supra ] da factualidade pela apelante indicada nas alegações recursórias ( em sede de impugnação da decisão de facto ) seja reconduzida ao elenco da FACTUALIDADE PROVADA, e sem prejuízo de, aquando da respectiva subsunção ao direito aplicável, venha a mesma a revelar-se incapaz para efeitos de alteração do julgado.
Destarte, DETERMINA-SE que da DECISÃO DE FACTO passe também a constar , como PROVADA, a seguinte FACTUALIDADE :
2.3 - A execução de sentença de que os presentes autos de oposição à penhora são apenso foi iniciada em 19/10/2021 e tem o valor de 68.943,00€ ;
2.4. - Nos autos de execução, o agente de execução procedeu às seguintes penhoras de bens (créditos) :
a) auto de penhora de 12/11/2021 (valor penhorado 101.204,77€).
b)  auto de penhora de 09/02/2022 (valor penhorado 40.500,00€).
c) auto de penhora de 21/09/2022 (valor penhorado 105.000,00€).
2.5. - Em 06/12/2021 a Executada deduziu oposição à execução, por embargos, e à penhora de 12/11/2021 (2) a)) (apenso A);
2.6. - Em 21/02/2022 a Executada deduziu oposição à penhora de 09/02/2022 (2) b)) (apenso B) ;
2.7. - Em 01/06/2022 a Executada deduziu incidente de prestação de caução para substituição das penhoras ;
2.8 - Em 03/10/2022 a Executada deduziu oposição à penhora de 21/09/2022 (2) c)) (apenso C) ;
2.9. - Por despacho de 20/03/2023 [ Refª 423798460 ], rectificado por outro de 16/5/2023 [ Refª 425611739 ], foi deferida a substituição de todas as penhoras identificadas em 2.4., por caução – garantia bancária com cláusula “on first demand”- até ao limite de 246.704,77€, já prestada”;
2.10 - Em 25/05/2023 [ Referência interna do processo: PE/35/2021 ] o Sr.  AE juntou à execução um cálculo de “APURAMENTO DE RESPONSABILIDADES /NOTA DISCRIMINATIVA”, deste último “resultando” uma responsabilidade da Executada que ascendia a 379.087,05€ ;
2.11 – De ambos os autos de penhora identificados em 2.1., consta a indicação/cálculo – pela AE efectuado -  da quantia exequenda à data em dívida pela executada como correspondendo ao montante total de 447.688.92 € ;
2.12 - Nos autos de execução e por auto de penhora de 30/04/2024 , foi penhorado o valor total de 86.000,00€ [ referente a depósitos bancários da executada junto da CGD e do Novo Banco,SA];
2.13.- Nos autos de execução e por auto de penhora de 8/10/2024 , foi penhorado o valor total de 140.000,00€ [ referente a depósitos bancários da executada junto da CGD, Banco Santander Totta, SA, Millennium BCP e Novo Banco,SA ];
*
3.2. - Se a decisão identificada em 1.3. se impõe [ em razão da factualidade julgada provada ] se impõe ser revogada, sendo substituída por outra que julgue a oposição – deduzida em 30/10/2023 - à penhora Procedente .
Emerge a instância recursória de processado em acção executiva, a qual , como decorre do disposto no  artº 10º, nº 4, do CPC e artº 817º, do CC, tem por desiderato essencial assegurar ao credor a satisfação da prestação que o devedor não cumpriu voluntariamente, maxime através do produto da venda executiva de bens ou direitos patrimoniais ao referido devedor pertencentes, pois que, é o património do executado a garantia geral das suas obrigações ( cfr. artº 601º, do CC ) .
Na acção executiva, desempenha portanto a penhora um papel determinante, consubstanciando a mesma um “acto judicial de apreensão dos bens do executado, que ficam à disposição do tribunal para o exequente ser pago por eles…”(23) , ou , no dizer de LEBRE de FREITAS (24), trata-se do acto fundamental do processo de execução de pagamento de quantia certa, isto porque é aquele em que é mais manifesto o exercício do poder coercitivo do Tribunal,  pois que com ele fica o executado privado do pleno exercício dos seus poderes sobre um bem que, a partir de então, ficará especificadamente sujeito à finalidade última de satisfação de crédito do exequente.
Tendo presente a natureza, alcance e consequências do referido acto judicial de apreensão de bens do executado, bem se compreende assim que, o nº 3, do artº 735º, do CPC, disponha que a “ penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20%, 10% e 5% do valor da execução, consoante, respectivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da relação, ou seja superior a este último valor”.
Em causa está, na disposição legal referida, a consagração pela nossa lei adjectiva, e em sede de acção executiva, dos princípios da adequação ou proporcionalidade, os quais obrigam a que o acto de apreensão de bens do executado deva limitar-se àqueles que sejam necessários à satisfação do crédito do exequente.
Ora, ambos os referidos princípios [ e tal como já resultava do artº 821º,nº3, do pretérito  CPC, do actual nº 3, do artº 735º, do nCPC ] , devem actuar logo aquando da apreensão de bens na acção executiva, sendo no referido momento que importa operar uma prognose do valor do produto arrecadável e do valor do quantum do mesmo que chegará, no final, às mãos do exequente (25), impondo-se então levar também em conta as garantias reais de terceiros. (26)
Depois, também a relação de adequação ( do artº 821º,nº3, do pretérito  CPC, e reconduzida no artº 751º, do nCPC ), reporta-se ao momento inicial da penhora, não obstante poder/dever ir-se adaptando às vicissitudes posteriores da execução. (27)
É que, bem elucidativo é o actual nº1, do artº 751º, do CPC [ tal como resultava já do artº 834º, nº1 , do CPC pretérito ], ao enunciar que “ A penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente”.
Ou seja, …sendo a penhora uma «agressão» ao património do obrigado – seja ele devedor ou terceiro -, a afectação ( e respectiva oneração ) dos bens apreendidos às finalidades da acção executiva, a despeito de servir os interesses patrimoniais dos credores, não pode esquecer o interesse de o devedor (ou terceiro) não ser excessivamente onerado na fase da responsabilidade patrimonial. Em suma: o exequente não pode aproveitar-se da menor incidência do «princípio do contraditório» na acção executiva para causar danos ao devedor que superem aqueles que seria normal suportar-se – de acordo com as regras da boa-fé, na fase da actuação da responsabilidade patrimonial – em função da deslocação patrimonial necessária para satisfazer a sua pretensão”. (28)
Com total pertinência no tocante à questão ora em apreço, chama ainda à atenção REMÉDIO MARQUES (29) que exigível é que, e por “imperativo de optimização”, se consiga alcançar o melhor equilíbrio possível entre os direitos colidentes do exequente e do executado, razão porque a penhora dos bens há-de ser apropriada para a efectiva reintegração do direito do credor, quer do ponto de vista quantitativo, quer do ponto de vista qualitativo.
 Em termos conclusivos, lícito é assim dar como assente que a agressão do património do executado só é permitida numa medida que seja adequada e necessária para a satisfação da pretensão do exequente, o que impõe a indispensável ponderação dos interesses do exequente na realização da prestação e do executado na salvaguarda do seu património, sendo que, tal ponderação conduz a que a natural e indispensável prevalência dos interesses do exequente não pode fundamentar uma completa indiferença pelos do executado, dado que a posição jurídica do credor, embora prevalecente, não pode ser considerada absoluta. (30)
Isto dito, e por influência dos supra apontados princípios da proporcionalidade e da adequação, pacifico é assim que a penhora não pode ser objectivamente excessiva, não devendo consequentemente atingir bens ou direitos que, embora pertencentes ao executado, não devam - porque não necessário - responder pela satisfação do crédito exequendo.
Por outra banda, e ainda à luz dos mesmos princípios, nada justifica outrossim a apreensão de bens de devedor a solicitação de determinado credor quando, à partida, lícito é antever com segurança que da referida agressão do património do executado não resultará qualquer possibilidade de a pretensão do exequente ser satisfeita - na totalidade ou apenas parcialmente .
Neste conspecto, assume particular relevância a possibilidade de à acção executiva serem chamados outros credores do executado, ainda que apenas daqueles que sejam titulares de uma garantia real sobre os bens penhorados ( cfr. artº 788º, nº1,  do CPC ), caso em que, em concreto a aferição da adequação e proporcionalidade da penhora, deve, compreensivelmente, ser efectuada levando em consideração - antecipadamente, qual juízo de pura prognose - as causas de preferência no pagamento de que beneficiam os credores reclamantes ( cfr. artºs 751º, 786º, nº 3, e 788º, do CPC).
Aqui chegados e amparados pelos considerandos acabados de explanar , recorda-se que, a suportar a decretada improcedência da oposição à penhora, discorreu o Primeiro Gau, nos seguintes e “abreviados” termos :
“(…)
As penhoras em causa nos presentes autos ascendem ao montante global de 223.315,05 €.
A executada/opoente prestou caução substitutiva de penhoras anteriores às que aqui estão em causa até ao limite de 246.704,77 €.
A soma das duas preditas quantias ascende ao montante de 470.019,82 €.
A agente de execução procedeu ao cálculo provisório da responsabilidade da executada em 29 de agosto de 2024 que ascende ao montante de 627.241,56€.
Por conseguinte, resulta evidente que os valores penhorados em outubro de 2023, ainda que se tenha em consideração a caução já prestada, são manifestamente insuficientes para acautelar o pagamento integral da quantia exequenda e demais acréscimos.
Neste contexto, não estando demonstrada qualquer violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação da penhora, afigura-se-nos que as penhoras efectuadas em outubro de 2023 são perfeitamente admissíveis.
Em suma, não estando em causa qualquer uma das situações de impenhorabilidade previstas nos artigos 736º a 739º e 743º a 745º, todos do Código de Processo Civil, a pretensão da executada/opoente terá de ser julgada improcedente ”.
Dissentindo a apelante da “fundamentação” acabada de reproduzir,  para tanto conclui [ cfr.. conclusão recursória BB ] que dos “factos provados nos autos resulta que à data de 24/10/2023 encontrava-se penhorado ou assegurado por caução nos autos um total de 470.019,82€, portanto mais 22.330,90€ do que o montante liquidado pelo sr. AE à data de 08/10/2024, encontrando-se penhorado ou assegurado por caução um total de 696.019,82€, portanto mais de 10 (dez) vezes o valor da execução e mais 68.778,26€ penhorados do que o montante calculado, a título informativo, pelo sr. AE, como devido”.
O que dizer ?
Antecipando desde já o nosso veredicto, só podemos dizer que a conclusão da  apelante, ao invés da do Meritíssimo Juiz a quo , é aquela “ incorre em manifesto erro de raciocínio” [ vide conclusão recursória sob a alínea EE ] ,  e , ademais, não atende ainda à decisão de facto e, bem assim, à circunstancia de no nosso direito adjectivo a função do recurso ordinário ter apenas por desiderato a reapreciação de uma decisão recorrida, sendo o respectivo modelo adoptado o da reponderação, que  não o de reexame (31).
Vejamos.
Para começar, e em razão do acabado de referir por último, pacífico é que, como efectivo meio impugnatório de decisões judiciais, a interposição do recurso apenas vai desencadear a reapreciação do decidido [ o tribunal de recurso vai reponderar a decisão tal como foi proferida ], não comportando ele o ius novarum, ou seja, a criação de decisão sobre matéria que não tenha sido submetida ( no momento e lugar adequado ) à apreciação do tribunal  a quo ( nova, portanto ).
Consequentemente, o que importa aqui e agora aferir/apreciar é se, em relação às penhoras efectivadas em 19/10/2023 e em 24/10/2023, devia o tribunal a quo ter apreciado e decidido de forma diversa o requerido pela executada/apelante a 30/10/2023 [ através do instrumento Refª nº 46965114].
Ora aquando de ambas as referidas penhoras, o que o processado dos autos nos informava era que [ cfr. item de facto nº 2.10 e por este tribunal introduzido ]  em 25/05/2023 , existia na execução um cálculo de “APURAMENTO DE RESPONSABILIDADES/NOTA DISCRIMINATIVA”, deste último “resultando” uma responsabilidade da Executada que ascendia ao montante total de  379.087,05€  e, um outro [ cfr. item de facto nº 2.11 ] que apontava para um cálculo da dívida exequenda à data de ambas as referidas penhoras que correspondia ao montante total de 447.688.92 € .
Mais nos informavam os autos que, aquando de ambas as referidas penhoras, e à data das mesmas, apenas se mostrava a dívida exequenda “coberta” por uma caução [ uma garantia bancária com cláusula “on first demand”- até ao limite de 246.704,77€ ] já prestada, até ao limite de 246.704,77€, caução que de resto desencadeou o levantamento de todas as penhoras anteriores e efectivadas em 12/11/2021 (valor penhorado 101.204,77€), em 09/02/2022 (valor penhorado 40.500,00€) e em 21/09/2022  [ cfr. itens de facto nº s 2.4 a 2.9 , por este tribunal introduzido ]  .
Isto dito, porque à data de ambas as penhoras visadas na presente apelação, e no seguimento de cálculo – reportado à data de cada uma das penhoras - pela AE efectuado quanto ao valor da quantia exequenda em dívida pela executada, atingia já esta última o montante total de 447.688.92€  [ cfr. item de facto nºs 2.11 ],  e , “fazendo devidas as contas”, inevitável é concluir-se como em rigor o concluiu também o Primeiro Grau, ou seja, que“Neste contexto, não estando demonstrada qualquer violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação da penhora, afigura-se-nos que as penhoras efectuadas em outubro de 2023 são perfeitamente admissíveis”.
É que, recorda-se, aquando de ambas as penhoras visadas na apelação [ no total de 223.315.05€ ], apenas existia nos autos prestada uma caução – garantia bancária com cláusula “on first demand”- até ao limite de 246.704,77€, já prestada e, a quantia exequenda mostrava-se já calculada pelo montante total de 447.688.92 € .
Em suma, a apelação dirigida à decisão recorrida e visando o levantamento das penhoras concretizadas em autos de 19.10.2023 e de 24.10.2023 , no valor total de 223.305,05€, só pode e deve forçosamente improceder, nada justificando qualificá-las como excessivas e desproporcionadas, sendo que, ainda à data de cada uma das aludidas penhoras, nenhuma decisão judicial transitada em julgado veio infirmar/alterar o julgado pela sentença que suporta a execução pela apelada proposta contra a apelante.
Concluindo, a oposição à/s penhora/s não deve proceder.
*
4.- Se importa substituir as penhoras de 19.10.2023 e de 24.10.2023 , no valor total de 223.305,05, por uma garantia bancária no mesmo exacto montante dos valores penhorados, determinando o levantamento daquelas penhoras.
Como decorre do relatório do presente Acórdão, a apelante solicitou – no requerimento de 30/10/2023, REFª: 46965114 - que fosse “ admitida a substituição das penhoras agora concretizadas nos autos de execução por Garantia Bancária com cláusula “on first demand”, em termos semelhantes à já admitida nos autos em substituição das anteriores penhoras”, considerando que no tocante ao valor da Garantia Bancária original deve o mesmo corresponder ao somatório das duas mais recentes penhoras .
Deferindo o Tribunal a quo a substituição das penhoras visadas na oposição apreciada, decidiu porém que relativamente ao valor da Garantia Bancária a prestar pela Executada [ e a substituir as penhoras efectivadas em autos lavrados a 19/10/2013 e a 24/10/2023 ] deveria o mesmo corresponder/equivaler a uma Garantia “até ao limite de 380.536,79 €”, para tando aduzindo as seguintes considerações :
“(…)
A prestação de caução para substituição da penhora nos termos do artigo 856º, n.º 5, do Código de Processo Civil, visa deixar o exequente em posição idêntica àquela em que se encontrava com a penhora.
Dada a finalidade da caução substitutiva da penhora (enquanto mero sucedâneo da penhora já realizada nos autos) e os interesses em presença, será de admitir a pretensão de substituição da penhora por caução enquanto estiverem pendentes os embargos de executado, tal como sucede no caso em apreço, pois estamos em crer que o objetivo do legislador quando passou a permitir essa possibilidade, foi admitir que quaisquer penhoras efetuadas pudessem ser substituídas por caução e levantadas com a sua prestação enquanto permanecer pendente oposição à execução, e não apenas as penhoras contemporâneas do ato de citação do executado para os termos da execução, pois se a penhora tem por finalidade garantir o pagamento da obrigação exequenda, nenhuma vantagem se alcança em impedir que o executado, enquanto não for decidida a oposição que deduz à execução, possa substituir apenhora efetuada após aquele momento e sem que tenha havido suspensão da execução, por caução desde que a mesma seja idónea e em montante suficiente.
A caução substitutiva da penhora pode ser prestada por algum dos meios previstos no artigo 623º do Código Civil, ou seja, por depósito de dinheiro, de títulos de crédito ou de pedras e metais preciosos, ou mediante constituição de penhor, de hipoteca ou de fiança bancária.
Em qualquer dos casos, a caução deve conter algo mais que, em termos comparativos com a penhora já realizada, determine vantagens adicionais para os fins da execução e para os interesses do exequente, sem nunca perder de vista que, no âmbito da ação executiva, devem privilegiar-se os interesses do exequente que passam pela apreensão de bens necessários a garantir a satisfação do crédito exequendo (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2.04.2009, Processo 2239/07.9TBOVR-B.P1, acessível em www.dgsi.pt).
Tratando-se de garantia a conceder através de garantia bancária com cláusula “on first demand”, nos moldes já anteriormente prestados, a caução é idónea, nos termos do artigo 623º, n.º 1, do Código Civil.
No que respeita ao valor, defende a executada/opoente que deverá ser de valor igual ao valor penhorado. Já os exequentes defendem que a caução deve garantir o cumprimento das obrigações vencidas na data em que a mesma for prestada, calculadas estas pelo agente de execução nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 716º do Código de Processo Civil.
Cumpre relembrar que as penhoras que a executada/opoente pretende substituir por caução nestes autos ascendem ao montante global de 223.315,05€ e que a executada/opoente já prestou caução substitutiva de penhoras anteriores às que aqui estão em causa até ao limite de 246.704,77 €, o que perfaz o montante global de 470.019,82 €, tendo a agente de execução procedido ao cálculo provisório da responsabilidade da executada em 29 de agosto de 2024 que ascende ao montante de 627.241,56 €.
Perante esta realidade, afigura-se-nos que a substituição das penhoras por caução de valor igual ao das penhoras é insuficiente para os fins da execução.  Já a prestação de caução de valor igual ao da responsabilidade provisória  da executada afigura-se-nos excessiva na medida em que a  executada já prestou anterior caução substitutiva de penhoras até ao limite  de  246.704,77€.
Cremos, pois, que nada obsta a que a executada/opoente possa substituir as penhoras efetuadas por caução de valor inferior à da sua responsabilidade provisória mas que, em conjunto com a caução já anteriormente prestada perfaça o valor da sua responsabilidade apurado pela agente de execução, o que corresponde ao valor de 380.536,79 € ( 627.241,56 € - 246.704,77 € ), valor este que é adequado a garantir à exequente a satisfação do seu crédito.
Desde modo restará deferir o pedido, julgando-se procedente o incidente.”
Conhecida a divergência da apelante em relação à deferida substituição das penhoras, o que importa agora saber é tão só qual o VALOR da Garantia Bancária a prestar pela executada e com vista à substituição de ambas as penhoras supra identificadas em 2.1. da Motivação de Facto, importante ambas o valor total de 223.305,05€  .
Apreciando.
Nesta matéria, “rege” o disposto no artº 856º, do CPC, cujo nº 5 dispõe que “O executado que se oponha à execução pode, na oposição, requerer a substituição da penhora por caução idónea que igualmente garanta os fins da execução ”.
A caução a que se refere o referido artº 856º, do CPC, apesar de prestada também no âmbito de uma execução pendente, não tem já o desiderato daqueloutra a que alude o artº 733º,nº1, alínea a), do CPC, pois que, não visa suspender a execução, antes tem apenas por desiderato substituir uma penhora.
Mais exactamente, e como bem se assinalou em Acórdão de 9/5/2017 e deste mesmo Tribunal da Relação de Lisboa (32) , “ a prestação de caução para substituição da penhora nos termos do art.º 751º, nº 7, do CPC, visa deixar o exequente em posição idêntica àquela em que se encontrava com a penhora”, o que equivale a dizer que “ A substituição da penhora por caução tem ínsita a ideia de troca, de alteração, do tipo de garantia; a garantia advinda da penhora é substituída por uma garantia diferente ”.
Tendo a caução prevista no art.º 751º, nº 7, do CPC, sido apenas introduzida na nossa lei adjectiva com o DL n.º 38/2003, de 08.3, ao introduzir o n.º 5 no art.º 834º do CPC de 1961 , a respectiva consagram visou essencial satisfazer um interesse do devedor, mais exactamente obstar a que fosse este último “onerado excessivamente com a penhora, permitindo a sua substituição por caução idónea (admitir que as penhoras efectuadas fossem substituídas por caução e levantar-se com a sua prestação). (33)
Ou seja, e como assim outrossim se concluiu em douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra e de 20/6/2017 (34), pacífica é a finalidade da dita caução substitutiva da penhora e enquanto mero sucedâneo da penhora já realizada nos autos.
Ora, visando caução prima facie satisfazer um interesse do devedor e, bem assim, tendo a mesma por desiderato substituir uma penhora [ indo assim a caução ocupar o lugar” de uma concreta penhora ], forçoso é concluir que há-de a mesma equivaler e corresponder a uma  garantia igual – com vista à satisfação do crédito do exequente – à garantia decorrente da penhora , não podendo ser inferior, mas também não superior.
Daí que [ e não olvidando também que, como vimos supra, e como efectivo meio impugnatório de decisões judiciais, a interposição do recurso apenas vai desencadear a reapreciação do decidido - o tribunal de recurso vai reponderar a decisão tal como foi proferida - , não comportando ele o ius novarum  ], aquando da apreciação da idoneidade e valor da caução substitutiva e a prestar, há-de o julgador indagar e exigir que a caução a oferecer corresponda a uma garantia equivalente à penhora - em valor/montante e na data em que foi a mesma  concretizada – que vai neutralizar.
Aqui chegados, recorda-se que as penhoras a substituir foram concretizadas ambas ainda no decurso do mês de Outubro de 2023, e em momento em que [ cfr. item de facto nº 2.11 e por este tribunal introduzido da decisão de facto ] nos termos de indicação/cálculo – pela AE efectuado -  da quantia exequenda à data em dívida correspondia esta última ao montante total de 447.688.92 €  [  que não ao de  627.241,56€ ,  pois          que este último montante corresponde  antes  a um  cálculo  provisório da responsabilidade da  executada que é efectuado à data  de 29 de Agosto de 2024 , ou seja, quase um ano após a concretização das penhoras a substituir por caução ].
Ademais, posteriormente a ambas as penhoras [ as que a caução visa substituir ] em causa nesta apelação e anteriormente ainda a 29 de Agosto de 2024 ], outra penhora foi concretizada [ penhora decorrente de AUTO de 30/4/2024 , pelo valor Total 86.000,00 ], seguindo ainda uma outra penhora efectuada em 8/10/2024 [ anterior também à própria decisão recorrida e que é de 19/10/2024 ] e pelo valor total de l40.000,00€.
Consequentemente, a decisão que se impunha proferir pelo  tribunal a quo e com vista à substituição das penhoras efectuadas a 19.10.2023 e a 24.10.2023 , no valor total de 223.305,05, deveria antes atentar ao valor [ o de  447.688.92€   ] do cálculo – pela AE efectuado -  da quantia exequenda em dívida à data das penhoras  e , bem assim, ao valor da [ o de 246.704,77 € ]  caução substitutiva de penhoras anteriores já prestada.
Ora, porque a diferença entre ambos os aludidos valores [ 447.688.92€ - 246.704,77 = 190.888,15€ ] corresponde a um montante inferior à soma das penhoras efectuadas a 19.10.2023 e a 24.10.2023 [ = ao valor total de 223.305,05 ] e, porque como vimos supra  a caução a prestar com vista à satisfação do crédito do exequente e em substituição de uma penhora não pode ser inferior ao valor desta última, forçoso é concluir que deve a garantia/CAUÇÃO a prestar pela executada/apelante equivaler pelo menos ao montante total das penhoras efectivadas a 19/10/2023 e a 24/10/2023, ou seja, o de 223.315,05 €.
Em última análise, exigia-se que o tribunal a quo se socorresse do mesmo critério de “equivalência” que utilizou no âmbito de anterior  decisão proferida nos autos em 16/3/2023 [ Referência 425611739 ], quando ao rectificar uma decisão judicial anterior de 20/3/2023, admitiu a substituição das penhoras de depósitos bancários e valores mobiliários concretizadas em 12/11/2021, 9/2/2022 e de 21/9/2022 [ no valor total de € 246.704.77 ] por caução/garantia bancária com cláusula “on first demand” até ao limite de 246.704,77 €.
A alteração da decisão recorrida e ora em análise mais se justifica outrossim e impõe porque, se para o cálculo do valor caução/garantia bancária com cláusula “on first demand” socorre-se o Primeiro Grau de um cálculo provisório da responsabilidade da  executada que é efectuado à data  de 29 de Agosto de 2024 [  no montante de  627.241,56€ ], já não atende porém a todas as penhoras ainda vigorantes na mesma data, maxime às identificadas em 2.12 e 2.13 da motivação de facto [ no valor total de 226.000,00€ ].
Em suma, a apelação procede quanto à reclamada substituição das penhoras [ identificadas em 2.1. -  penhoras de 19.10.2023 e de 24.10.2023   - no valor total de 223.315,05€  ] por garantia bancária do mesmo exato montante dos valores penhorados.
Em conclusão, a apelação, portanto, procede parcialmente.
***
4 - Sumariando ( cfr. artº 663º,nº7, do CPC):
4.1. - A acção executiva tem por desiderato essencial assegurar ao credor a satisfação da prestação que o devedor não cumpriu voluntariamente, desempenhando para o referido efeito - porque o património do executado constitui a garantia geral das suas obrigações - papel decisivo a apreensão de bens ou direitos patrimoniais do executado;
4.2. - Em sede de apreensão de bens ou direitos patrimoniais do executado, importa observar o princípio da proporcionalidade/adequação a que tal acto está submetido, i.e., não pode esquecer-se o interesse de o devedor (ou terceiro) não ser excessivamente e inutilmente onerado na fase da responsabilidade patrimonial.
  4.3. – Resultando da execução que a quantia exequenda por liquidar atinge em determinada data o valor de 447.688.92 €, não se mostra de todo desproporcional uma penhora/apreensão de depósitos no montante total de 223.305,05€ quando à data apenas se mostra prestada nos autos uma caução – garantia bancária com cláusula “on first demand”- até ao limite de 246.704,77€.
4.4.- Visando a caução prima facie satisfazer um interesse do devedor e, bem assim, tendo a mesma por desiderato substituir uma penhora [ indo assim a caução ocupar o “lugar” de uma concreta penhora ], forçoso é concluir que há-de a mesma equivaler e corresponder a uma  garantia igual – com vista à satisfação do crédito do exequente – à garantia decorrente da penhora , não podendo ser inferior, mas também não superior.
***
5. -  Decisão
Em face do supra exposto, acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em ,concedendo parcial provimento à apelação da executada Caixa Económica Montepio Geral,S.A.,;
5.1. - Revogar a decisão recorrida na parte em que decreta/autoriza a substituição da penhora dos depósitos bancários e valores mobiliários identificados nos autos de penhora de 19.10.2023 e de 24.10.2023, de que a executada/opoente é titular, pela prestação de caução – garantia bancária com cláusula “on first demand”, até ao limite de 380.536,79 €;
5.2. – Determinar que, em substituição da decisão identificada em 5.1., seja permitido à executada apelante substituir as penhoras dos depósitos bancários e valores mobiliários identificados nos autos de penhora de 19.10.2023 e de 24.10.2023, pela prestação de caução – garantia bancária com cláusula “on first demand”, até ao limite de 223.305,05€;
5.3. – Manter, no mais, a decisão recorrida.
Custas na apelação pela executada/recorrente e exequentes recorridos, e na proporção, respectivamente, de 59% e de 41% .
***
(1) Em Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, páginas 95/96.
(2) Ibidem.
(3)  In Direito Processual Civil, Almedina,2002, página 169.
(4) Vide Acórdão do STJ de 4/6/2009, in Proc. nº 09B0523, sendo Relator JOÃO BERNARDO e disponível in www.dgsi.pt.
(5) Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13.11.2012, proferido no âmbito do Proc. n.º 572/11.4TBCND.C1, e in www.dgsi.pt.
(6) Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa,  de 23.1.2025, proferido no âmbito do Proc. n.º 1473/22.6T8FNC.L1-6, e in www.dgsi.pt.
(7) Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2018, proferido no processo n.º 177/15.0T8CPV-A.P1.S1, e acessível in www.dgsi.pt.
(8) Cfr. Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, 1984 , Coimbra Editora, págs. 668 e segs..
(9) Cfr. Luís Filipe Brites Lameiras, in Notas Práticas Ao Regime dos Recursos Em Processo Civil, 2ª Edição, Almedina, pág. 33.
(10) Cfr. Ac. do STJ de 18.2.2021 [ proferido no Processo nº 1695/17.1T8PDL-A.L2.S1 e sendo Relatora MARIA DO ROSÁRIO MORGADO ] e acessível in www.dgsi.pt.
(11) Cfr. Acs. do STJ de 29.3.2022 [ proferido no Processo nº 19655/15.5T8PRT.P3.S1 e sendo Relatora Clara Sottomayor ] e de 7.9.2022 [ proferido no Processo nº 2930/18.4T8BRG.G1.S2 e sendo Relator Ramalho Pinto], ambos in www.dgsi.pt.
(12)  Cfr. TOMÉ GOMES, em “Da Sentença Cível”, pág. 39.
(13) (1) Cfr. José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, anotado, 5ª , pág. 141.
(14)  In Manual de Processo Civil, 1984, Coimbra editora, pág. 671.
(15)  In ob. citada, pág. 671.
(16) In Código de Processo Civil, Anotado, Coimbra Editora, vol. II, pág. 670,
(17) Cfr. J.O. Cardona Ferreira, in Guia de Recursos em Processo Civil, 5ª Edição, pág. 71.
(18) In Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, pág. 670.
(19) In Código do Processo Civil Anotado, vol.V, Coimbra Editora, págs. 143-145.
(20) Cfr. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Juiz-Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, in sentença Cível, texto-base da intervenção efectuada nas “Jornadas de Processo Civil” organizadas pelo CEJ, em 23 e 24 de Janeiro de 2014).
(21) Em Recursos em Processo Civil, Novo Regime 2010, Almedina, pág.s  332/333.
(22) Cfr. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, ibidem.
(23) Cfr. v.g. ABÍLIO NETO, em CPC ANOTADO, 13ª EDIÇÃO, Ediforum, nota ao artº 511º.
(24) Cfr. Ana Prata, in Dicionário Jurídico, Vol. I, 5.ª Edição, Almedina, 2008, p. 1035.
(25) In A Acção Executiva Depois da reforma da reforma , 5ª Edição , Coimbra Editora, págs. 205/206.
(26) Cfr. Artur Anselmo de Castro, in A acção executiva singular, comum e especial, Coimbra Editora, pág. 166.
(27) Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, ibidem, pág.242, nota 2.
(28) Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, ibidem, pág.242, nota 2.
(29) Cfr. J. P. REMÉDIO MARQUES,in Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Almedina, pág. 184.
(30) Ibidem, pág 184/185.
(31) Cfr. Armindo Ribeiro Mendes, in Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, 2009, pág. 81.
(32) Acórdão proferido no Processo nº 7024/14.9T8LSB-C.L1-1) e acessível em www.dgsi.pt.
(33) Cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19.3.2015, proferido no Processo nº 5150/10.2TBVNG-C.P1, acessível em www.dgsi.pt.
(34) Cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20.6.2017, proferido no Processo nº 2093/03.0TBPBL-G.C1, acessível em www.dgsi.pt.
***
LISBOA, 6/3/2025
 António Manuel Fernandes dos Santos
Nuno Gonçalves
Gabriela de Fátima Marques