PERSI
INCUMPRIMENTO APÓS EXTINÇÃO DO PERSI
Sumário

Tendo os mutuários entrado novamente em incumprimento quando já tinham decorrido 6 meses sobre a data da extinção do PERSI por falta de colaboração daqueles, impunha-se serem integrados em novo PERSI.

Texto Integral

Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
Por apenso à execução instaurada por Banco Comercial Português, S.A., posteriormente substituído, após habilitação de cessionário, por XYQ Luxco S.À.R.L., foram deduzidos embargos de executado por M, alegando, em síntese:
- deveria ter sido incluída em PERSI, mas a exequente não procedeu nem à abertura de PERSI, logo, nem ao seu encerramento, com a respetiva comunicação à executada,
- o que configura uma exceção dilatória inominada e insanável, de conhecimento oficioso;
- impugna os juros peticionados após a referida data de resolução (05/05/2023), os quais já não podem ser os contratualizados, uma vez que o contrato de mútuo, através da resolução, ficou sem efeito, passando a calcular-se essa mora à taxa legal, unicamente, sobre o capital.
*
A exequente contestou, pugnando pela improcedência da oposição, tendo alegado, em resumo.
- por carta datada de 30/08/2021, comunicou à aos executados a abertura do PERSI e por carta datada de 03/12/2021 comunicou o seu encerramento por falta de colaboração;
- nessa sequência, por carta datada de 06/02/2023, remeteu para a morada dos executados, carta a interpelar para pagamento dos valores em dívida, informando que se encontrava em dívida o valor total de 3.423,17 €;
- como os executados não procederam aos pagamentos dos valores em dívida, remeteu para as suas moradas carta datada de 05/05/2023 comunicando a resolução do contrato, com indicação dos valores em dívida;
- os juros moratórios estão correctos pois as partes estipularam taxa diferente da legal.
*
Foi proferido saneador sentença com este dispositivo:
«Face ao supra exposto, o Tribunal decide:
julgar verificada a excepção dilatória inominada de preterição de sujeição dos Embargantes mutuários (M e P) ao PERSI e, consequentemente, decide absolvê-los da instância executiva, que se julga totalmente extinta, com o levantamento da penhora efectuada.».
*
Inconformada, apelou a exequente, terminando a alegação com estas conclusões:
«A. Vem a Recorrida interpor Recurso de Apelação que tem por objeto a Sentença de 21/10/2024 com a referência via Citius 153655228 ,a qual determinou verificada a exceção dilatória quanto ao cumprimento das obrigações decorrentes do PERSI e, consequência, absolveu os Executados da instância executiva, determinando a extinção da execução;
B. Não pode a ora Recorrida conformar-se, já que entende que a prova produzida nos autos foi suficiente e apta a atestar que, in casu, ficou demonstrada o cumprimento das obrigações emergentes do Decreto-Lei n.º 227/2012 de 25.10. O contrato de mútuo com hipoteca dado como título executivo na presente execução encontrava-se em incumprimento desde 22/02/2007, conforme explanado no Requerimento Executivo.
C. O contrato de mútuo com hipoteca dado como título executivo na presente execução encontrava-se em incumprimento desde 02/07/2021.
D. Uma vez que em 30/08/2021 já se encontravam vencidas duas prestações em atraso, foram, nessa data, os Executados notificados da integração em PERSI, conforme carta registada remetida para morada contratual.
E. Nessa sequência, foram os Executados novamente notificados por carta registada para a morada contratual, da extinção do procedimento PERSI por falta de colaboração, nomeadamente da disponibilização dos documentos solicitados pela Cedente.
F. Ora, sucede que, os Executados procederam à regularização da prestação com data de vencimento mais antiga, mas não procederam à liquidação total em dívida.
G. Nessa medida, e para efeitos de integração em PERSI as Instituições Bancárias não devem alterar a data de incumprimento do contrato de crédito nas situações em que os clientes bancários, perante a existência de várias prestações em mora, regularizaram apenas a prestação com data de vencimento mais antiga.
H. Por essa razão, os Executados foram interpelados do incumprimento em 06/02/2023 por carta registada para a morada contratual, conforme explanado no Requerimento Executivo.
I. Apesar de interpelados para o efeito, os Executados não procederam ao pagamento dos valores em dívida, nem regularizaram as prestações em atraso do mútuo, pelo que foi o contrato resolvido, por carta registada datada de 05/05/2023, conforme doc. 3 e 4 junto com o Requerimento Executivo.
J. Importa assim considerar duas datas: 1) A data do início do ciclo de incumprimento; 2) A data efetiva de incumprimento.
K. Para efeitos do início do PERSI, é considerada a data do início do ciclo, garantindo assim que os clientes bancários são integrados no procedimento, mesmo aqueles que regularizaram o incumprimento mais antigo.
L. No presente caso, o início do ciclo do incumprimento aconteceu em 03/06/2021, conforme indicado na carta de integração em PERSI, tendo os Executados mantido sistematicamente prestações em mora, pese embora tenham liquidado as prestações mais antigas.
M. A integração em PERSI deverá acontecer por ciclo de incumprimento, sendo que, no presente caso, e porque os Executados nunca regularizaram integralmente o incumprimento, manteve-se no mesmo ciclo até ao envio das cartas de interpelação prévia à resolução e do envio das cartas de resolução.
N. Se assim não fosse, e se existisse a obrigatoriedade de integrar os devedores em PERSI sempre que haja lugar a, pelo menos, uma das prestações em atraso, as entidades bancárias iriam permanecer num clico vicioso.
O. Assim, e dado que as prestações em atraso não foram totalmente liquidadas pelos Executados, o incumprimento determinou o vencimento antecipado de todas as prestações acordadas, razão por se mostra exigível a totalidade do empréstimo, nos termos e ao abrigo do artigo 781.º do Código Civil.
P. Ora, não pode a Recorrida compreender, ou sequer aceitar a posição tomada pelo Tribunal a quo quanto à existência de um “novo” incumprimento.
Q. Conforme supra explanado, não existiu um novo incumprimento por parte dos Executados, mas sim um prolongamento do incumprimento que se verificou desde 02/07/2021, sendo que, e porque os Executados nunca regularizaram integralmente os valores em dívida, manteve-se no mesmo ciclo de incumprimento até à efetiva resolução do contrato.
R. Como tal, agiu mal o Tribunal a quo ao determinar que, in casu, a Cedente não cumpriu com a obrigatoriedade de integração do PERSI através do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10.
S. Se é verdade que o Tribunal a quo constatou que já se mostrava assente a matéria relevante para a boa decisão da causa, também é verdade, e salvo o devido respeito, que não foi corretamente analisada a documentação junta aos autos pela Recorrida.
T. Como tal, agiu mal o Tribunal a quo ao determinar que, in casu, a Cedente não cumpriu com a obrigatoriedade de integração do PERSI através do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10.
U. As situações como as dos autos representam uma desigualdade entre as partes, na medida em que a Recorrida, quando adquiriu o crédito, para além de ter o direito de recuperar o crédito que comprou, comprou-o apto a ser exequível e cobrável, pelo que a cobrança é legitima.
V. Ademais, direito esse que tem consagração constitucional, sendo que, nos autos verifica-se uma clara violação frontal do direito constitucional, conforme o disposto no artigo 20º da CRP.
W. Nesta senda, não pode a Recorrida compreender, ou sequer aceitar que tenha sido violado o DL 227/2012.
X. Assim, mal andou o tribunal a quo ao decidir como decidiu, devendo a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que considere não existir verificada a exceção dilatória inominada insanável decorrente do desrespeito da demonstração do cumprimento das obrigações decorrentes do PERSI, nos termos e ao abrigo do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, dado que, como ficou provado nos autos, os Executados foram integrados em PERSI.
Y. No mais, deverá ser proferida nova decisão que rejeite a verificação de exceção dilatória inominada decorrente de alegada falta de uma condição de admissibilidade da ação executiva.
Pois só assim se faz a acostumada JUSTIÇA!».
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A embargante contra-alegou, defendendo a confirmação da sentença.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, pelo que a questão a decidir é:
- se os executados foram integrados em PERSI e por isso não foi incumprido o disposto no DL 227/2012 de 25/10
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III – Fundamentação
A) Na sentença recorrida vem dado como provado:
1. Em 30 de Agosto de 2023, o então Banco Comercial Português, S.A., Sociedade Aberta, intentou execução sumária para pagamento de quantia certa contra a ora Embargante M e P, dando à execução o documento particular autenticado em 10 de Setembro de 2018, denominado “Mútuo com hipoteca”.
2. No documento particular autenticado aludido em 1. intervieram, como primeiros outorgantes, M e P e, como segundo outorgante, D, em representação do Banco Comercial Português, S.A., Sociedade Aberta.
3. No documento particular autenticado aludido em 1. consta, além do mais, o seguinte:
“ Primeira
(Mútuo)
O BANCO concede aos Primeiros Outorgantes, um empréstimo no montante de Euros: 50.000,00 (cinquenta mil euros), de que estes se confessam devedores, o que o BANCO aceita, ao abrigo do Regime de Crédito a Consumidores Relativo a Imóveis, regulado pelo Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de junho e ainda pelo prazo e nas demais condições constantes deste Contrato e do Anexo I, que constitui seu Documento Complementar e que dele faz parte integrante para todos os efeitos legais e contratuais e demais disposições legais aplicáveis.
Segunda
(Hipoteca)
1. Para garantia do pagamento e liquidação da quantia financiada no montante de Euros: 50.000,00 (cinquenta mil euros), e bem assim dos respetivos juros à taxa anual efetiva que, para efeitos de registo, se fixa em 11% (onze por cento), acrescidos de uma sobretaxa de 3% (três por cento) ao ano em caso de mora e outros acessórios de crédito e despesas judiciais e extrajudiciais fixadas para efeitos de registo em Euros: 2.000,00 (dois mil euros), sendo assim o montante máximo garantido Euros: 73.000,00, a Primeira Outorgante mulher com o expresso consentimento que aqui lhe presta o Primeiro Outorgante, seu marido, constitui hipoteca a favor do Banco, que a aceita, sobre a FRACÇÃO AUTÓNOMA DESIGNADA PELA LETRA “F”, correspondente ao segundo andar direito, para habitação, com tudo o que a compõe, a qual faz parte do prédio urbano (…) descrito na CONSERVATÓRIA DOS REGISTO PREDIAL DE QUELUZ sob o número … – Queluz (…)”.
4. Por cartas datadas de 30 de Agosto de 2021, dirigidas à Embargante M e P, o Banco Comercial Português, S.A. comunicava o seguinte:
“(…)
Como é do conhecimento de V. Exa. encontram-se ainda por regularizar as responsabilidades de crédito melhor identificadas no quadro em anexo. Face ao exposto, na data de emissão desta carta, foi V.Exa integrado(a) no PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (*) e está a ser acompanhado por uma Unidade de Recuperação.
No caso de, entretanto, ter já procedido à regularização dos valores identificados, ou estar em curso a formalização de um acordo de pagamento ou de uma proposta de reestruturação, agradecemos que considere esta carta sem efeito.
Na eventualidade de não ter condições para regularizar integralmente os valores em atraso, deverá V. Exa. enviar-nos no prazo máximo de 10 dias, a documentação abaixo indicada, comprovativa da sua situação financeira, para que se possa proceder a uma avaliação correta da capacidade financeira de V. Exa. e ponderar pela apresentação de eventual proposta de regularização:
(a) cópia da última certidão de liquidação do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares disponível;
(b) comprovativo do rendimento auferido por V. Exa., nomeadamente a título de salário, remuneração pela prestação de serviços ou prestações sociais;
(c) descrição e quantitativo dos encargos que V. Exa. suporta, nomeadamente com obrigações decorrentes de contratos de crédito, incluindo os celebrados com outras instituições de crédito.
Mais informamos que a situação de crédito vencido foi comunicada à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.
Para mais informações agradecemos que contacte os nossos serviços através do telefone 707 50 00 50 ou através dos canais habituais.
Informamos que existe uma rede de apoio ao consumidor endividado. As informações sobre esta rede poderão ser consultadas no “Portal do Consumidor, disponível em www.consumidor.pt.”
(…).”
5. O quadro em anexo às cartas mencionadas em 4. tinha o seguinte teor:«
»
6. Por cartas datadas de 3 de Dezembro de 2021, dirigidas à Embargante M e P, o Banco Comercial Português, S.A. comunicava o seguinte:
“(…)
Vimos por este meio comunicar a V. Exa que, ao abrigo e nos termos do previsto no artigo 17º do PERSI –
Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (*), na sequência da verificação dos factos a seguir assinalados, considerámos inviável a manutenção deste procedimento, pelo que o mesmo foi extinto.
Motivo da extinção do procedimento PERSI:
- Falta de colaboração, nomeadamente na disponibilização de documentos solicitados pelo banco.
Esta comunicação não prejudica os efeitos que decorrem das INFORMAÇÕES ADICIONAIS constantes do disposto na lei 59/2012 de 9 de Novembro, em anexo, que deverão ser lidas na íntegra.
Assim, caso se mantenham por regularizar as responsabilidades de crédito melhor identificadas no quadro que também anexamos, iremos de imediato e sem precedência de qualquer outra notificação, promover a resolução do(s) contrato(s) e a execução judicial dos créditos.
Se porventura estiver em formalização uma reestruturação com vista à regularização dos valores identificados, neste caso agradecemos que considere esta carta sem efeito e aceite as nossas desculpas pelo incómodo.
Sem prejuízo do acima referido, relembramos que ainda poderá contactar a Unidade de Recuperação com vista à obtenção de informações adicionais e/ou negociar soluções de regularização extrajudicial das referidas responsabilidades de crédito, através do telefone 707 50 00 50 ou dos canais habituais.
Informamos que existe uma rede de apoio ao consumidor endividado. As informações sobre esta rede poderão ser consultadas no “Portal do Consumidor, disponível em www.consumidor.pt.”
(…).”
7. Em 2 de Junho de 2022, a ora Embargante M e P deixaram de efectuar o pagamento das prestações do empréstimo aludido em 3.
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B) É ainda de considerar:
a) As prestações indicadas como não pagas no quadro anexo à carta referida em 6. são as 34, 35, 36, 37 e 38, indicando-se como datas de início do incumprimento, respectivamente, 02/08/2021, 02/09/2021, 02/10/2021, 02/11/2021 e 03/12/2021.
b) No requerimento executivo vem exposto na rubrica «Factos»:
«Os executados deixaram de pagar as prestações do referido empréstimo, em 02/06/2022, pelo que ficou em dívida o montante de € 40.293,08, a título de capital, sendo que a exequente pode exigir a totalidade da dívida sempre que haja incumprimento do pagamento das prestações mensais. Assim, ao capital em dívida, acrescem os juros contabilizados à taxa contratual de 11%, acrescida de uma sobretaxa de 3%, por estar em mora, bem como o respectivo imposto de selo à taxa de 4% ao ano. A exequente poderá ainda exigir a título de despesas judiciais e extrajudiciais fixadas para efeitos de registo até ao montante de € 2.000,00, até ao montante máximo fixado de € 73.000,00.
(…)
Apesar de interpelados para o efeito, por carta registada datada de 06/02/2023, os executados não procederam ao pagamento dos valores em dívida, nem regularizaram as prestações em atraso do mútuo, pelo que a exequente resolveu o contrato, por carta registada datada de 05/05/2023 - doc. 3 e 4.»
c) E na rubrica «Liquidação da obrigação» consta:
«Ao valor de capital em dívida, no montante de € 40.293,08, acrescem os juros contratuais, à taxa de 14% (já incluída a sobretaxa de 3%), desde a data de vencimento respetiva em 02/06/2022, até à presente data (30/08/2023) que totalizam a quantia de € 7.113,97, bem como o Imposto de Selo, à taxa de 4%, no montante de € 284,56, tudo perfazendo a quantia global de € 47.691,61.
São, ainda, devidos os juros moratórios, bem como o Imposto de Selo, vincendos até efetivo e integral pagamento.
Valor de Capital: € 40.293,08
Valor dependente de simples cálculo aritmético:
MLS 1713962853 - Capital: € 40.293,08 + juros entre 02/06/2022 e 30/08/2023 (454 dias) à taxa de 14% = € 7.113,97 + Imposto de Selo 4% sobre os juros: € 7.113,97 * 4% = € 284,56».
c) Na carta datada de 06/02/2023 que acompanha o requerimento executivo, onde se lê «Assunto: Interpelação para pagamento – Crédito Hipotecário nº 1713962853» diz-se que «vimos por este meio informar que até à presente data se encontram vencidas e não liquidadas as seguintes prestações do financiamento em referência:», discriminando-se que são as nº 44 vencida em 02-06-2022 a 52 inclusive, esta última vencida em 02/02/2023.
d) Na carta datada de 05/05/2023 que acompanha o requerimento executivo, onde se lê «Assunto: Resolução do contrato – Crédito Hipotecário- MLS nº …53» diz-se:
«A resolução produz os seus efeitos na data de receção da presente comunicação, considerando-se vencidas e imediatamente exigíveis todas as obrigações pecuniárias assumidas por V. Exa no âmbito do identificado contrato e que, nesta data, ascendem aos seguintes valores:
•Capital vencido e não pago desde 02-07-2022: 2.646,02 €;
•Capital vincendo que se tornou vencido e exigível na sequência da resolução do contrato: 37.313,69 €;
•Juros remuneratórios vencidos e não pagos desde 02-07-2022: 1.287,66 €;
•Juros moratórios: 75,23 €;
•Despesas/comissões/Imposto de Selo de 9 prestações vencidas e não pagas desde 02-07-2022: 159,30 €.
Assim, deverá V. Exa proceder à regularização imediata de todas as responsabilidades emergentes do financiamento em referência, no valor global atual de 41.481,90 € (Quarenta e Um Mil Quatrocentos e Oitenta e Um Euros e Noventa Centimos), sob pena de, e sem necessidade de qualquer outro aviso, o Banco adotar os procedimentos tidos por adequados, designadamente o recurso à via judicial, tendo em vista a cobrança dos referidos créditos.».
e) Nas Condições Particulares do mútuo com hipoteca consta, além do mais:
«7. Prazo: 174 (cento e setenta e quatro) meses a contar do primeiro DIA CONVENCIONADO PARA PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES, sendo assim o prazo total contado desde a data da celebração do contrato de 174 meses e vinte e dois dias.
(…)
9. Dia convencionado para pagamento das prestações: Dia 2 (dois) de cada mês.
10. Número de prestações: 174 (cento e setenta e quatro), a que acresce a prestação referida no número 4 da cláusula Quinta das Condições Gerais.
11- Periodicidade das prestações: Mensal.».
*
C) O Direito
O DL 227/2012 de 25/10 prevê, na parte que ora interessa:
Art. 12º
«As instituições de crédito promovem as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.»
Art. 13.º
«No prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, a instituição de crédito informa o cliente bancário do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolve diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado.»
Art. 14.º
«1 - Mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a instituição de crédito está obrigada a iniciar o PERSI sempre que:
a) O cliente bancário se encontre em mora relativamente ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito e solicite, através de comunicação em suporte duradouro, a sua integração no PERSI, devendo a instituição de crédito assegurar que essa integração ocorre na data em que recebe a referida comunicação;
(…)
4 - No prazo máximo de cinco dias após a ocorrência dos eventos previstos no presente artigo, a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro.
(…)»
Art. 15.º
«1 - A instituição de crédito desenvolve as diligências necessárias para apurar se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito se deve a circunstâncias pontuais e momentâneas ou se, pelo contrário, esse incumprimento reflete a incapacidade do cliente bancário para cumprir, de forma continuada, essas obrigações nos termos previstos no contrato de crédito.
2 - Para os efeitos previstos no número anterior, a instituição de crédito procede à avaliação da capacidade financeira do cliente bancário, podendo solicitar-lhe as informações e os documentos estritamente necessários e adequados, nos termos a definir, mediante aviso, pelo Banco de Portugal.
3 - Salvo motivo atendível, o cliente bancário presta a informação e disponibiliza os documentos solicitados pela instituição de crédito no prazo máximo de 10 dias.
4 - No prazo máximo de 30 dias após a integração do cliente bancário no PERSI, a instituição de crédito, através de comunicação em suporte duradouro, está obrigada a:
a) Comunicar ao cliente bancário o resultado da avaliação desenvolvida nos termos previstos nos números anteriores, quando verifique que o mesmo não dispõe de capacidade financeira para retomar o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, nem para regularizar a situação de incumprimento, através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito, sendo inviável a obtenção de um acordo no âmbito do PERSI; ou
b) Apresentar ao cliente bancário uma ou mais propostas de regularização adequadas à sua situação financeira, objetivos e necessidades, quando conclua que aquele dispõe de capacidade financeira para reembolsar o capital ou para pagar os juros vencidos e vincendos do contrato de crédito através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito.
(…)»
Art. 17º
«1 - O PERSI extingue-se:
a) Com o pagamento integral dos montantes em mora ou com a extinção, por qualquer outra causa legalmente prevista, da obrigação em causa;
(…)
2 - A instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que:
(…)
d) O cliente bancário não colabore com a instituição de crédito, nomeadamente no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados pela instituição de crédito ao abrigo do disposto no artigo 15.º, nos prazos que aí se estabelecem, bem como na resposta atempada às propostas que lhe sejam apresentadas, nos termos definidos no artigo anterior;
(…)
3 - A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento.
(…).»
No preâmbulo desse diploma lê-se, designadamente:
«A concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a atuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afeta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma atuação prudente, correta e transparente das referidas entidades em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na aceção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei nº 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril.
(…)
O presente diploma visa, assim, promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários.».
No caso concreto, o contrato de mútuo com hipoteca foi celebrado para vigorar por catorze anos e meio e os executados foram integrados em PERSI em Agosto de 2021 quando estavam em mora relativamente às prestações 33 e 34, vencidas respectivamente em 02/07/2021 e 02/08/2021.
Resulta das comunicações enviadas pela instituição bancária que na data em que o PERSI foi extinto por falta da colaboração dos executados, já tinha sio paga a prestação 33, mas permaneciam em dívida as prestações 34, 35, 36, 37 e 38, esta última vencida em 02/12/2021.
Por outro lado, resulta do requerimento executivo – entrado em juízo em 30/08/2023 - que essas prestações e as subsequentes até à 43, inclusive, esta última vencida em 02/05/2022, foram todas pagas e que os executados só deixaram de pagar em 02/06/2022, ou seja, 6 meses depois da extinção daquele PERSI.
Assim, não têm suporte nos factos provados nem na lei as afirmações produzidas na alegação de recurso de que «não existiu um novo incumprimento por parte dos Executados, mas sim um prolongamento do incumprimento que se verificou desde 02/07/2021, sendo que (…) manteve-se no mesmo ciclo de incumprimento até à efetiva resolução do contrato» e de que «porque os Executados nunca regularizaram integralmente o incumprimento, manteve-se no mesmo ciclo até ao envio das cartas de interpelação prévia à resolução e do envio das cartas de resolução.»
Por isso, correctamente concluiu a 1ª instância que «independentemente do Banco Comercial Português, SA ter cumprido tal procedimento quanto a um incumprimento ocorrido em Julho de 2021, ainda assim, impunha-se que, quanto ao novo incumprimento verificado cerca de um ano depois, desse início a novo procedimento PERSI.», sendo evidente que não foi violado o art. 20º da Constituição da República Portuguesa.
Por quanto se disse, tem de improceder o recurso.
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IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante

Lisboa, 06 de Março de 2025
Anabela Calafate
Vera Antunes
Nuno Gonçalves