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USO INDEVIDO DE INJUNÇÃO
CLÁUSULA PENAL
PERÍODO DE FIDELIZAÇÃO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
EXEQUIBILIDADE
Sumário
1-Quando o legislador do DL 269/98, em matéria de injunção, usa a expressão “…obrigações pecuniárias emergentes de contratos…” está a referir-se aos tipos contratuais cuja prestação principal, a cargo do devedor, consiste numa obrigação pecuniária de quantidade (ou de soma) isto é, dívidas em dinheiro. 2-Se pela estipulação da cláusula penal se visa assegurar que o cliente cumpra todo o período de duração do contrato (período de fidelização) e não a fixação antecipada do quantum indemnizatório de um dano, trata-se de estipulação de cláusula penal compulsória em sentido estrito: fixação de uma pena que substitui o cumprimento compulsoriamente. 3- Através da cláusula penal em sentido estrito constitui-se uma obrigação com faculdade alternativa a parte creditoris: o credor adquire a faculdade de exigir a prestação substitutiva do cumprimento. 4- Por isso, as cláusulas penais não encerram a estipulação de prestações principais de obrigações pecuniárias de quantidade, antes constituem cláusulas acessórias que determinam o pagamento de obrigações de valor, substitutivas da prestação principal ainda que estabelecidas em quantidade. 5-A esta luz, o procedimento de injunção não é o meio processual adequado para cobrança de quantias resultantes da fixação de cláusulas penais, sejam de índole indemnizatória ou tenha natureza compulsória. 6- O legislador da Lei 117/2019, em matéria de regime jurídico da injunção, com a introdução do artº 14º-A do DL 268/89 e a alteração ao artº 857º nº 1 do CPC, optou, conscientemente e, pressupõe-se que adequadamente (artº 9º do CC), pela implementação da excepção dilatória nominada, de conhecimento oficioso: uso indevido do procedimento de injunção, em vez do erro na forma de processo de injunção. 7- O uso indevido do procedimento de injunção implica a inexequibilidade do título. Essa inexequibilidade do título decorre da circunstância de não estarem preenchidos os requisitos de que depende a possibilidade de aposição da fórmula executória, na medida em que o procedimento de injunção foi usado para um fim indevido, portanto contrário ao que a lei permite, rectius, para um fim ilegal. 8- E se o título apresentado é inexequível, essa inexequibilidade afecta a exequibilidade de toda a pretensão material e não apenas parte dela. 9- Salvo o devido respeito, a posição jurisprudencial que defende que o uso indevido do procedimento de injunção apenas afecta a parte do pedido que foi indevidamente exercido e permite que a execução da injunção possa prosseguir na “parte não afectada”, tem como pressuposto o entendimento, implícito, ou pelo menos como resultado prático, que o vício de uso indevido do procedimento de injunção se traduz em erro na forma de processo. Daí, o aproveitamento de parte dos actos… 10- Não se pode confundir o vício de erro na forma de processo com o vício do uso indevido do procedimento de injunção. 11-Se entre a forma errada e a forma adequada existe uma incompatibilidade absoluta, não é possível aplicar o disposto no nº 1 do artº 193º do CPC e, o nº 2 do artº 193º do CPC proíbe o aproveitamento dos actos se disso resultar uma diminuição de garantias do réu. 12- Do que se expôs podemos concluir que o uso indevido do procedimento de injunção implica a inexequibilidade do título executivo, vício que afecta a exequibilidade de toda a pretensão material e não apenas parte dela.
Texto Integral
Acordam os juízes desembargadores que compõem este colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I-RELATÓRIO
1- Comunicações, SA, instaurou execução para pagamento de quantia certa, contra SSR, apresentado como título executivo um procedimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, visando o pagamento da quantia de 2 318,52€, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos e de sanção pecuniária compulsória.
Liquidou o valor exequendo indicando 1 515,15€ de valor líquido e, 803,37€ de simples cálculo aritmético.
2- Por despacho de 10/10/2024 foi considerado que:
“…a exequente intentou a presente execução com base em requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva por secretário de justiça, nos termos da qual vem peticionado, além do valor das prestações alegadamente em dívida (relativas ao cumprimento do/s contrato/s celebrado/s com o/a executado/a), o valor cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato e da indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida, o que constitui um uso indevido do procedimento injuntivo, suscetível de integrar exceção dilatória inominada e vício na formação do título executivo – que inquina todo o título executivo –, oficiosamente cognoscível e que conduz à rejeição total da execução…(…)… determino a notificação das partes para, em 10 dias e ao abrigo do artigo 3.º do CPC, a fim de evitar decisão surpresa – embora a exequente tenha conhecimento da posição deste Tribunal quanto a esta questão –, se pronunciarem quanto à eventual rejeição da execução por força da ineficácia do/s documento/s junto/s como título executivo, por a pretensão formulada não se ajustar à finalidade do procedimento de injunção, bem como a notificação da exequente para, no mesmo prazo, juntar aos autos as faturas a que alude no requerimento de injunção.”
3- A exequente pronunciou-se, defendendo a adequação do procedimento de injunção para cobrança de valores correspondentes a cláusulas penais; a impossibilidade de apreciação oficiosa da excepção de utilização indevida de injunção para cobrança de valores de cláusulas penais; a limitação do indeferimento somente ao valor correspondente ao montante da cláusula penal, mantendo-se o restante peticionado. Declara que pretende desistir da instância quanto ao valor correspondente à cláusula penal.
4- Por decisão de 06/11/2024, foi determinado:
“Decisão:
Em face de todo o exposto, por verificação da exceção dilatória inominada do uso indevido do procedimento de injunção e consequente falta de título executivo, decido rejeitar a presente execução – cf. artigos 734.º n.º 1 e 726.º n.º 2 al. a) do CPC).
Custas pela exequente.”
5- Inconformada a requerente/exequente interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1. Considerou o Tribunal a quo existir exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção, absolvendo o Apelado da instância;
2. Por a Recorrente ter lançado mão de injunção destinada a exigir o cumprimento de obrigação emergente de contrato e de despesas associadas à cobrança da dívida;
3. Salvo, porém, o devido respeito, tal decisão carece de oportunidade e fundamento, sendo contrária à Lei;
4. Desde logo porque a lei não habilita o Tribunal a quo a conhecer oficiosamente de exceções dilatórias relacionadas com o conteúdo do título executivo;
5. Das causas admissíveis de indeferimento liminar do requerimento executivo constantes do artigo 726.º do CPC não resulta o uso indevido do procedimento de injunção;
6. Permitir-se ao juiz da execução pronunciar-se ex officio relativamente à exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção esvaziaria de função o artigo 14.º-A n.º 2 do DL 269/98, de 01 de setembro, e atentaria contra o princípio da concentração da defesa ínsito no artigo 573.º do CPC;
7. Não obstante, a injunção constitui um meio adequado para o pagamento das despesas associadas à cobrança das faturas relativas à prestação dos serviços contratados pelo Apelado;
8. Dado que, à semelhança do que sucede com os juros de mora, também as despesas de cobrança resultam diretamente da falta de pagamento da obrigação pecuniária principal e, por conseguinte, constituem uma obrigação pecuniária em sentido estrito, isto é, diretamente emergente do contrato;
9. Sem prescindir, o entendimento de que as despesas de cobrança não podem integrar o procedimento injuntivo não determina que a extinção total da instância executiva, mas somente a recusa do título executivo relativamente à parte que integra tais custos administrativos.
10. A sentença proferida pelo Tribunal a quo trata-se de um indeferimento liminar da petição inicial, o que legitima a apresentação do presente recurso;
De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão recorrida, ao rejeitar, liminarmente, a execução, violou, nomeadamente:
- o artigo 726.º n.º 2 do C.P.C.;
- o artigo 1.º do diploma preambular associado ao DL 269/98, de 01 de setembro;
- o artigo 10.º n.º 2 al. e) do regime anexo ao DL 269/98;
- o artigo 14.º-A n.º 2 do regime anexo ao DL 269/98;
- o artigo 193.º do CPC
Deverá, consequentemente, ser revogada e substituída por decisão que admita o requerimento executivo e mande prosseguir os autos nos termos acima expostos.
6- Não foram apresentadas contra-alegações.
***
II-FUNDAMENTAÇÃO.
1-Objecto do Recurso.
1-É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, caso as haja, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC), se ou houver e, ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, é a seguinte a questão que importa analisar e decidir:
- Se há fundamento para revogar a decisão de indeferimento da execução e, por consequência, determinar o prosseguimento da execução.
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2- Matéria de Facto.
Para além do que resulta do RELATÓRIO acima, importa ainda considerar a seguinte factualidade:
1º-)- Em 23/07/2020, a Nos instaurou procedimento de injunção, contra SSR, visando o pagamento da quantia de 1 654,74€, sendo 1 274,68€ de capital, 48,62€ de juros de mora à taxa de 7%, 254,94€ de outras quantias, alegando, em síntese, ter contratado o fornecimento de serviços de telecomunicações, obrigando-se a requerida ao pagamento, tempestivo, das faturas e, a manter o contrato pelo período acordado, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento de cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato; mais solicitou o pagamento de 254,94€ a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida.
2º)- Em 12/10/2020, pelo Secretário de Justiça, foi atribuída força executiva ao requerimento de injunção.
3º)- Consta da cláusula 14 das Condições Gerais do contrato:
“14. EFEITOS DA CESSAÇÃO DO CONTRATO POR INICIATIVA OU INCUMPRIMENTO DO CLIENTE
Em caso de resolução do Contrato pela N… no decurso do prazo fixado nos termos da cláusula 4.1. com fundamento no incumprimento do Cliente, bem como no caso de cessação antecipada do Contrato durante o período de fidelização, por iniciativa do Cliente, este ficará obrigado a pagar à N… uma compensação calculada nos termos indicados no Formulário ou nas Condições Específicas, sem prejuízo do direito a eventuais valores vencidos e juros moratórios.”
4º- Nas Condições Específicas do Serviço de Televisão, consta da cláusula:
“8.11. O Cliente poderá obter informações atualizadas quanto ao período de fidelização decorrido e ao valor a pagar em caso de cessação antecipada IRIS Contrato por sua iniciativa, através do serviço de apoio ao Cliente 16990.”
5º- Nas Condições Específicas do Serviço Telefónico Móvel e do Serviço de acesso à Internet Móvel em Banda Larga consta:
“3.2.3. Ocorrendo a suspensão e a resolução do Contrato, a N… pode exigir o pagamento dos encargos pela cessação antecipada do Contrato durante o período de fidelização, nomeadamente em consequência da recuperação de custos associados à subsidiação de equipamentos terminais, à instalação, ativação do serviço, ofertas, descontos ou a outras condições promocionais. A resolução do Contrato não terá efeitos retroativos, pelo que não prejudicará o direito da N… ao recebimento das quantias devidas pela prestação dos serviços até ao momento em que a resolução produz efeitos. O disposto não obsta, no entanto, a que a N… possa exigir uma indemnização pelo dano excedente.
(…)
3.2.8. O Cliente poderá obter informações atualizadas quanto ao período de fidelização decorrido e ao valor a pagar em caso de cessação antecipada do Contrato por sua iniciativa através do serviço de apoio ao cliente 16105.”
6º Nas Condições Específicas do Serviço de Acesso à Internet em Banda Larga Fixa, consta:
“6.7. Não sendo realizado o pagamento das quantias inicialmente em atraso no prazo estabelecido no número anterior, a mora converter-se-á em incumprimento definitivo e o Contrato extinguir-se-á automaticamente, sem prejuízo do direito da N… às quantias mencionadas no número 6.4.
acima.
6.8. Aos montantes calculados nos termos da presente cláusula acrescem, a título de indemnização por incumprimento da obrigação de pagamento tempestivo, os encargos suportados pela N… no âmbito do processo de cobrança extrajudicial ou judicial.
6.9. O Cliente poderá obter informações atualizadas quanto ao período de fidelização decorrido e ao valor a pagar em caso de cessação antecipada do Contrato por sua iniciativa através do serviço de apoio ao Cliente 16990.”
***
3- A Questão Enunciada: Se há fundamento para revogar a decisão de indeferimento da execução e, por consequência, determinar o respectivo prosseguimento.
A exequente/apelante defende que não há fundamento para o indeferimento da execução, alinhando os seguintes argumentos:
1)- O tribunal não podia conhecer, oficiosamente, excepções dilatórias relacionadas com o conteúdo do título executivo, porque no elenco do artº 726º do CPC não consta referência ao uso indevido do procedimento de injunção;
2)- A injunção constitui um meio adequado à exigência do pagamento de despesas administrativas para cobrança das facturas relativas à prestação de serviços;
3- A desistência parcial do pedido relativo à quantia peticionada a título de cláusula penal.
Vejamos se pode ser dada razão à exequente/apelante.
Pois bem, é conhecida a divergência que existe na jurisprudência relativa à consequência de uso do procedimento de injunção para cobrança de cláusulas penais e despesas administrativas. Aliás, elucidativos desta divergência são os recentes acórdãos prolatados nesta mesma 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, que, no essencial, seguem duas vias divergentes.
De um lado, a posição que defende que o uso indevido do procedimento de injunção apenas afecta a parte do pedido que foi indevidamente exercido mediante procedimento de injunção.
Assim, a título de exemplo:
-TRL, de 07/11/2024 (Proc. 5735/24, relator António Santos, com um voto de vencido), com o seguinte sumário:
“1. - O uso indevido do procedimento de injunção ocorre designadamente no caso de o respectivo pedido, no todo ou em parte, não se ajustar à respectiva finalidade nos termos previstos no art.º 7º do diploma anexo ao DL 269/98 ;
2. – Ocorrendo a situação referida em 1., verifica-se uma excepção dilatória inominada, a qual é de conhecimento oficioso, desencadeando a inevitável absolvição da instância, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2, 577.º e 578.º , todos do Código de Processo Civil.
3. - O vício referido em 2., todavia, não afecta em todo o caso todo o título [ por aposição da fórmula executória ] que se haja formado no procedimento de injunção, mas apenas na parte em que o subjacente pedido não se ajuste á finalidade do referido procedimento, nos termos previstos no art.º 7º do diploma anexo ao DL 269/98 ;
4. – Em consonância com o referido em 3., impõe-se, portanto, apenas o indeferimento parcial do requerimento inicial executivo [cfr. artº 726º, nº3, do CPC], quanto á parte do título afectada pelo vício referido em 4.2., devendo a execução prosseguia quanto ao restante;”
- TRL, de 24/10/2024 (Proc. 20009/22, Eduardo Petersen Silva):
“I - O conhecimento da excepção inominada de uso indevido do procedimento de injunção é oficioso.
II - O indeferimento liminar e a consequente absolvição por via desse uso indevido podem ser parciais.”
De outro lado o entendimento no sentido de o uso indevido do procedimento de injunção afecta todo o processo.
A título de exemplo, ainda da 6ª Secção Cível:
-TRL, de 10/10/2024 (Proc. 5820/24, Maria Teresa Mascarenhas Garcia, com um voto de vencido):
“III. O uso indevido do procedimento de injunção (numa concreta situação que não permitia o recurso ao mesmo), sem oposição do requerido, do qual resulta a obtenção de um título executivo, inquina todo o processo, implicando a inaproveitabilidade total do título, justificando assim o indeferimento liminar in totum.
IV. Não obstante a perda de economia processual que tal solução acarreta, a opção por um indeferimento liminar parcial (na dicotomia indeferimento liminar parcial/ indeferimento liminar in totum) apenas contribuiria para aumentar o risco de os credores procurarem obter títulos executivos por via de injunção (quando tal direito não se lhes assistia), aproveitando-se do facto de o controlo não ser exercido jurisdicionalmente.
V. A prolação da decisão de indeferimento liminar da execução sem exercício prévio do contraditório não constitui violação do artigo 3.º do CPC;
O ora relator, relatou dois acórdãos sobre esta questão, que se encontram publicados, um deles com data de 07/04/2022, proferido no Proc. 16709/11 (em que foi segunda adjunta a ora também segunda adjunta) com o seguinte sumário:
“1- Se pela estipulação da cláusula penal se visava assegurar que o cliente cumprisse todo o período de duração do contrato (período de fidelização) e não a fixação antecipada do quantum indemnizatório de um dano, trata-se de estipulação de cláusula penal compulsória em sentido estrito: fixação de uma pena que substitui o cumprimento compulsoriamente.
2- Através da cláusula penal em sentido estrito constitui-se uma obrigação com faculdade alternativa a parte creditoris: o credor adquire a faculdade de exigir a prestação substitutiva do cumprimento.
3-Quando o legislador do DL 269/98, usa a expressão “…obrigações pecuniárias emergentes de contratos…” está a referir-se aos tipos contratuais cuja prestação principal, a cargo do devedor, consiste numa obrigação pecuniária de quantidade (ou de soma) isto é, dívidas em dinheiro. Afastando, assim, as obrigações pecuniárias de valor, sejam a título de prestação principal, sejam enquanto prestação acessória ou como obrigação com faculdade alternativa a parte creditoris.
4- O critério de distinção entre as dívidas de dinheiro e as dívidas de valor reside no seguinte: nas dívidas de dinheiro a prestação pecuniária é a prestação devida; nas dívidas de valor, a prestação pecuniária é uma prestação substitutiva da prestação devida.
5-As cláusulas penais não encerram a estipulação de prestações principais de obrigações pecuniárias de quantidade, constituem cláusulas acessórias que determinam o pagamento de obrigações de valor, substitutivas da prestação principal ainda que estabelecidas em quantidade.
6-A esta luz, o procedimento de injunção não é o meio processual adequado para cobrança de quantias resultantes da fixação de cláusulas penais, sejam de índole indemnizatória ou tenha natureza compulsória.
7- O erro na forma do processo implica que, apesar de o autor ter utilizado uma forma de processo errada, haja alguma compatibilidade processual entre a forma errada e a que seria adequada.
8- Se entre a forma errada e a forma adequada existe uma incompatibilidade absoluta, designadamente por implicar uma efectiva diminuição dos meios de defesa do réu, mormente a nível do prazo de contestação (15 dias em vez de 30), não é possível aplicar o disposto no nº 1 do artº 193º do CPC e, desse modo, o erro na forma do processo constitui uma excepção dilatória inominada que leva à absolvição do réu da instância, que não fica suprida pela distribuição da injunção como acção comum.”
Pois bem, não encontramos razões para alterar a nossa posição, remetendo-se para os argumentos usados nesse acórdão e que aqui nos abstemos de repetir (www.dgsi.pt TRL, de 07/04/2022 (Proc. 16709/11).
Aliás, estamos em crer que as “recentes” alterações introduzidas ao CPC e ao DL 269/98, de 01/09, pela Lei 117/19, de 13/09, concretamente com o novo artº 14º-A do DL 269/98, reforçam este nosso entendimento.
Efectivamente, como salienta a Grupo de Trabalho que procedeu à preparação do diploma que veio a ser a Lei 117/19 (Teixeira de Sousa, Lopes do Rego, Abrantes Geraldes e Pinheiro Torres), pretendeu-se, com a introdução do preceito (artº 14-A do DL 269/98), “…delinear um regime que, respeitando as exigências relativas ao princípio da tutela jurisdicional efectiva e da proibição de indefesa, assegurasse uma maior eficácia ao procedimento de injunção e ao título executivo que dele resulte.” (O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, 2020, pág. 205).
Como referem os mencionados autores “Ao longo dos últimos anos o legislador tem procurado limitar os meios de defesa invocáveis no processo de execução pelo requerido que, no anterior procedimento de injunção não tenha deduzido, apesar de devidamente citado, qualquer oposição. (…) Este regime restritivo do âmbito dos embargos de executado não logrou sedimentar-se em consequência dos reiterados julgamentos de inconstitucionalidade do TC.” (AA e ob. cit., pág. 210).
Na verdade, ultimamente, pelo acórdão do TC 264/2015 foi declarada “…a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada “no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória”, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.”
Por isso, o artº 14º-A nº 2 do DL 269/98 (redacção dada pela Lei 117/2019) veio excluir o efeito preclusivo decorrente da revelia do requerido que, apesar de regularmente citado e advertido, não tenha deduzido oposição ao requerimento de injunção. Assim, para além do regime geral, a exclusão da preclusão da oposição à execução baseada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta a fórmula executória, não impede “A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou a ocorrência de quaisquer excepções dilatórias de conhecimento oficioso”, como expressamente passou a determinar o artº 14º- A nº 2, al. a) do DL 269/98 (redacção da Lei 117/2019).
Na sequência desta alteração, foi igualmente adaptado o artº 857º do CPC relativo aos fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção.
Pois bem da letra do artº 14º-A nº 2, al. a) do DL 269/98 e do seu espírito, maxime das razões que estiveram na base da sua implementação, decorre que terá sido intenção do legislador enunciar uma “nova” excepção dilatória expressa: uso indevido do procedimento de injunção.
Note-se que o legislador não fala em erro da forma de processo porque, no fundo, se existisse mero erro na forma de processo, bastaria, para sanar o vício, mandar seguir a forma adequada (artº 193º nº 3 do CPC) se isso fosse possível.
Ora, esta excepção “nova” dilatória, agora nominada, uso indevido do procedimento de injunção, traduz um vício que afecta o próprio título executivo, inquinando-o totalmente e não apenas parcialmente.
Com efeito, o título executivo é o documento do qual resulta a exequibilidade de uma pretensão material e, portanto, a possibilidade de realização coactiva da prestação e, eventualmente, coerciva da correspondente prestação através de um processo executivo. “A particularidade do título executivo reside em que o documento em que se materializa incorpora um direito à prestação e, ao mesmo tempo, atribui um direito à execução, ou seja, o direito do credor a que o Estado agrida o património do devedor ou de terceiro para lhe facultar o exercício do seu direito de execução contra esse devedor ou terceiro (artº 817º e 818 do CC)” (Castro Mendes/Teixeira de Sousa, Manual do Processo Civil, vol. II, AAFDL, 2022, pág. 550).
“O título executivo cumpre uma função constitutiva, dado que nenhuma execução é admissível sem título executivo (nulla executio sine titulo). (AA e ob. cit. pág. 551).
“…a exequibilidade do título é independente da exequibilidade da pretensão material ou, numa fórmula negativa mais impressiva, a inexequibilidade do título é autónoma da inexequibilidade da pretensão. A inexequibilidade do título executivo decorre do não preenchimento dos requisitos para que o documento possa servir de título executivo; a inexequibilidade da prestação baseia-se em qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do dever de prestar. A distinção é clara na própria lei: a inexequibilidade do título é referida, como tal, no artº 729º a); a inexequibilidade da pretensão com fundamento em factos impeditivos, modificativos ou extintivos consta do artº 729º, al. g), 1ª parte.” (AA e ob. cit., pág. 555). * (realce e sublinhado nossos).
O uso indevido do procedimento de injunção implica a inexequibilidade do título. Essa inexequibilidade do título decorre da circunstância de não estarem preenchidos os requisitos de que depende a possibilidade de aposição da fórmula executória, na medida em que a injunção foi usada para o fim indevido, portanto contrário ao que a lei permite, rectius, para um fim ilegal.
E se o título apresentado é inexequível, essa inexequibilidade afecta a exequibilidade de toda a pretensão material e não apenas parte dela.
Saliente-se que o legislador optou, conscientemente e, pressupõe-se que adequadamente (artº 9º do CC), pela excepção de uso indevido do procedimento de injunção em vez de erro na forma de processo de injunção.
E é necessário distinguir o vício de erro na forma de processo do vício de uso indevido de procedimento de injunção.
Com efeito, refere Teixeira de Sousa (CPC online, Livro II, Blog do IPPC, na anotação 7 ao artº 193º) “7 (a) O erro na forma do processo implica que, apesar de o autor ter utilizado uma forma de processo errada, há alguma compatibilidade processual entre a forma errada e a forma adequada, pq, de outro modo, não se pode aplicar o disposto no n.o 1. (b) Se entre a forma errada e a forma adequada existir uma incompatibilidade absoluta (como sucede, p. ex. qd se recorre à injunção em vez do processo comum), não é possível aplicar o disposto no n.o 1 e o erro na forma do processo constitui uma excepção dilatória...” * sublinhado e realce nossos)
Também Abrantes Geraldes et alii (CPC anotado, vol. I, 2ª edição, pág. 246) mencionam que “O erro na forma do processo importa somente a inatendibilidade dos actos que não possam ser aproveitados, praticando-se os necessários a que, tanto quanto possível, o processo se aproxime da forma prevista na lei. O limite a observar é sempre o das garantias de defesa, não podendo aquele aproveitamento traduzir-se numa diminuição dessas garantias.”
É ainda relevante o comentário de Paulo Duarte Teixeira (Os Pressupostos Objectivos e Subjectivos do Procedimento de Injunção, Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, Ano VII – nº 13 – 2006, pág. 169 a 212, concretamente, pág. 207) “…É certo que o erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo aproveitar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, na forma estabelecida na lei (artº 199º nº 1 do CPC). Mas, não devem aproveitar-se os actos já praticados, se do facto resultar uma diminuição das garantias do réu (nº 2). Ora …, tendo em conta o menor prazo de apresentação da contestação no procedimento de injunção, não esquecendo a própria diferença de regime do efeito cominatório… (…) …os princípios da celeridade e da economia processual inerentes ao aproveitamento dos actos praticados não podem por em causa as maiores garantias de defesa da contra-parte. (…) Caso assim não fosse estaríamos perante uma situação que favoreceria o demandante que utilizou indevidamente uma forma processual mais gravosa para os direitos abstractos da contra-parte. Ora isso violará o princípio da igualdade processual das partes ou da igualdade de armas, que se encontra consagrado no artigo 3º-A do Código de Processo Civil obriga que as partes gozem de um estatuto processual idêntico sempre que a sua posição no processo seja equiparável, não sendo admissível a introdução de discriminações no uso de diferentes meios processuais em função da natureza subjectiva da parte em causa.”
Ora, salvo o devido respeito, a posição jurisprudencial que defende que o uso indevido do procedimento de injunção apenas afecta a parte do pedido que foi indevidamente exercido e permite que a execução da injunção possa prosseguir na “parte não afectada”, tem como pressuposto o entendimento, implícito, ou pelo menos como resultado prático, que o vício de uso indevido do procedimento de injunção se traduz em erro na forma de processo. Daí, o aproveitamento de parte dos actos…
Não se pode confundir o vício de erro na forma de processo com o vício do uso indevido do procedimento de injunção.
Como vimos acima, entre a forma errada e a forma adequada existe uma incompatibilidade absoluta e, por isso, não é possível aplicar o disposto no nº 1 do artº 193º do CPC.
Saliente-se que o nº 2 do artº 193º do CPC proíbe o aproveitamento dos actos se disso resultar uma diminuição de garantias do réu.
Do que se expôs podemos concluir que o uso indevido do procedimento de injunção implica a inexequibilidade do título executivo, vício que afecta a exequibilidade de toda a pretensão material e não apenas parte dela.
Se assim é, não vislumbramos fundamento para “aproveitar” um título inexequível e, realizar coactivamente parte da pretensão material pretendida exercer ilegalmente.
Dito isto estamos em condições de nos pronunciarmos sobre os argumentos usados pela apelante:
1)- O tribunal não podia conhecer, oficiosamente, excepções dilatórias relacionadas com o conteúdo do título executivo, porque no elenco do artº 726º do CPC não consta referência ao uso indevido do procedimento de injunção;
2)- A injunção constitui um meio adequado à exigência do pagamento de despesas administrativas para cobrança das facturas relativas à prestação de serviços;
3- A desistência parcial do pedido relativo à quantia peticionada a título de cláusula penal.
Quanto à 1ª questão: inadmissibilidade de o tribunal conhecer oficiosamente a excepção de uso indevido do procedimento de injunção.
Manifestamente a exequente/apelante não tem razão.
O artº 14º- A nº 2, al. a) do DL 269/98 (redacção da Lei 117/2019), exclui a ocorrência do efeito preclusivo quando haja uso indevido do processo de injunção, ou ocorram outras excepções dilatórias de conhecimento oficioso, sem condicionar a sua invocabilidade ao seu carácter manifesto, ou seja, à sua maior ou menor evidência.
Nos comentários do mencionado Grupo de Trabalho (Teixeira de Sousa, Lopes do Rego, Abrantes Geraldes, Pinheiro Torres) é dito “Implica este regime que - como, aliás, parece razoável – a preclusão da revelia do requerido no procedimento de injunção nunca será susceptível de limitar os poderes de conhecimento oficioso do juiz da execução (…) a inércia do requerido…nunca poderá determinar a preclusão do conhecimento de questões – processuais ou substantivas – que o juiz de execução tem o poder-dever de conhecer e apreciar ex officio.” (O Novo Regime…cit., pág. 215).
Tanto basta para concluirmos como começámos: o juiz da execução não está impedido, antes tem o poder-dever, de conhecer da excepção dilatória de uso indevido do processo de injunção.
Quanto à segunda questão:)- a injunção constitui um meio adequado à exigência do pagamento de despesas administrativas para cobrança das facturas relativas à prestação de serviços.
Por este argumento, a exequente pretende fundamentar que o título executivo em causa, injunção com aposição de fórmula executória, é apto a obter a cobrança coerciva das quantias que não o valor correspondente à cláusula penal.
Pois bem, mais uma vez é nosso entendimento que não tem razão.
Na verdade, como vimos acima, o uso indevido do procedimento de injunção consubstancia um vício que implica a inexequibilidade do título e, por conseguinte, afecta a possibilidade de obtenção coerciva de todas as quantias que a exequente pretendia alcançar. Não há título executivo válido, não pode haver execução (nulla executio sine titulo).
Esta conclusão serve igualmente para responder à terceira questão: a desistência parcial do pedido relativo à quantia peticionada a título de cláusula penal.
Com efeito, como vimos acima, a inexequibilidade do título decorre do não preenchimento dos requisitos para que o documento possa servir de título executivo. Se não há título executivo, não pode ser exercida qualquer pretensão na acção executiva.
O mesmo é dizer, a exequente não pode desistir de quantia que não pode executar: a inalcançabilidade da quantia decorre do vício de inexequibilidade e não da manifestação de vontade da exequente.
A esta luz, somos a concluir pela improcedência do recurso.
***
III- DECISÃO
Em face do exposto, acordam os juízes da 6ª Secção Cível em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão sob impugnação.
Custas na instância de recurso pela apelante.
Lisboa, 06/03/2025
Adeodato Brotas
Nuno Gonçalves, (com declaração de voto)
Vera Antunes, (com voto de vencida)
Declaração de voto:
Votei o presente acórdão, subscrevendo a posição do Exmo. Relator, revendo a posição anteriormente subscrita, nomeadamente no processo nº 4709/23.2T8SNT.L1, e valorizando que, como bem é apontado, no artº 14º-A nº 2, al. a), do DL 269/98, o legislador não elegeu o erro da forma de processo, mas antes uma excepção “nova” dilatória, agora nominada, uso indevido do procedimento de injunção, ao lado das outras excepções dilatórias de conhecimento oficioso. Seguir-se-á o consequente regime geral quanto às excepções dilatórias.
(Nuno Gonçalves)
*
Voto de Vencida:
Nos termos dos Acórdãos proferidos nesta mesma 6ª Secção nos Processos n.º 20009/22.2T8SNT.L1 e n.º 4709/23.2T8SNT.L1, nos quais foi Relator Eduardo Petersen Silva e a aqui subscritora 1º Adjunta (os dois aliás decididos por unanimidade), deferia parcialmente o recurso interposto entendendo que o indeferimento do requerimento executivo devia ser apenas parcial. Neste sentido vai ainda o Voto de Vencido de Elsa Melo no Acórdão proferido no Processo n.º 5820/24.8T8SNT.L1, citado neste Acórdão.
Assim, alterei o entendimento que subscrevi no Acórdão de 07/04/2022, proferido no Proc. 16709/11 e referido neste Acórdão.
Antes de mais, cabe expressar (no que se afigura, aqui sim, ser entendimento praticamente unânime e pacífico na Jurisprudência) que nada obsta a que, não obstante na tramitação da execução sumária não estar prevista a prolação despacho liminar, como resulta do disposto pelo artigo 855°, número 1 do Código de Processo Civil, o juiz venha a conhecer questões que sejam passíveis de conhecimento oficioso, designadamente as de falta ou
de insuficiência do título executivo, nos termos do artigo 726°, n.º 2 a) do Código de Processo Civil.
Efectivamente, o artigo 734° do Código de Processo Civil prevê precisamente que o juiz conheça oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726° do mesmo diploma, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.
Tal norma é aplicável ao processo sumário por força da remissão prevista no n.º 3 do artigo 551° do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, nada obsta a que em sede de execução sumária o juiz conheça oficiosamente das questões que poderiam suscitar indeferimento liminar do requerimento executivo caso a execução seguisse a forma ordinária, e que são as elencadas no artigo 726°, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Determinante para este entendimento é também a inclusão na redacção do art.º 14.º-A do DL 269/98 da excepção prevista no n.º 2, a) ao efeito cominatório da falta de dedução da oposição nos casos de “… alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso; (…)”.
Posto isto, temos igualmente por assente que o regime processual especial de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, aqui convocado por força do que dispõe o art.º 7º do DL 269/98: “Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro”[o sublinhado é nosso]; só é aplicável às obrigações pecuniárias directamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, de enriquecimento sem causa ou de relações de condomínio, e com tal não comporta a possibilidade de cobrança da indemnização por encargos decorrentes da cobrança da divida - questão relativamente à qual se tem por ser o entendimento maioritário ou praticamente unânime da Jurisprudência, no que se concorda com o Acórdão aqui proferido.
Estamos assim perante um uso indevido do procedimento de injunção, o que constitui excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso.
A divergência com o decidido assenta na questão do indeferimento ser total ou parcial. Entende-se que no caso o indeferimento deve ser parcial.
De facto, a Lei permite o indeferimento parcial do requerimento executivo, conf. parece resultar inequivocamente do art.º 857.º do Código de Processo Civil:
“1 - Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.
2 - Verificando-se justo impedimento à dedução de oposição ao requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção, nos termos previstos no artigo 140.º, podem ainda ser alegados os fundamentos previstos no artigo 731.º; nesse caso, o juiz receberá os embargos, se julgar verificado o impedimento e tempestiva a sua declaração.
3 - Independentemente de justo impedimento, o executado é ainda admitido a deduzir oposição à execução com fundamento:
a) Em questão de conhecimento oficioso que determine a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção;
b) Na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso.”
Aponta no mesmo sentido do indeferimento parcial o constante no art.º 726º, n.º 3 do Código de Processo Civil: “É admitido o indeferimento parcial, designadamente quanto à parte do pedido que exceda os limites constantes do título executivo ou aos sujeitos que careçam de legitimidade para figurar como exequentes ou executados.”
Na parte em que o Exequente reclama o pagamento das quantias directamente emergentes do contrato, esse requerimento executivo, obtido com base em procedimento de injunção, não padece de qualquer vício, podendo e devendo ser aproveitado, tal com a Lei permite; aliás, tal como a Lei o impõe, face ao princípio do máximo aproveitamento dos actos presente no direito adjectivo português relativamente a nulidades, erros ou outros vícios de natureza processual e em nome das regras da economia processual e da proporcionalidade e no carácter tendencialmente definitivo da decisão administrativa não impugnada.
Com a nova redacção do art.º 14º-A, supra citada, acautelaram-se as situações em que se apusesse a fórmula executória em r.i. onde para além das quantias directamente emergentes do contrato se viesse a peticionar outras, através da intervenção judicial já em sede de execução.
No entanto, para as quantias directamente emergentes do contrato, nenhum vício ocorre; nem se pode falar, nesta parte, em diminuição de garantias para o requerido – se o r.i. apenas respeitasse a estas quantias, nenhum vício se lhe podia apontar.
Recorde-se aquele que foi o escopo do procedimento de Injunção, conforme consta do preâmbulo do DL n.º 269/98, de 01 de Setembro:
“A instauração de acções de baixa densidade que tem crescentemente ocupado os tribunais, erigidos em órgãos para reconhecimento e cobrança de dívidas por parte dos grandes utilizadores, está a causar efeitos perversos, que é inadiável contrariar.
Na verdade, colocados, na prática, ao serviço de empresas que negoceiam com milhares de consumidores, os tribunais correm o risco de se converter, sobretudo nos grandes meios urbanos, em órgãos que são meras extensões dessas empresas, com o que se postergam decisões, em tempo útil, que interessam aos cidadãos, fonte legitimadora do seu poder soberano.
Acresce, como já alguém observou, que, a par de um aumento explosivo da litigiosidade, esta se torna repetitiva, rotineira, indutora da “funcionalização” dos magistrados, que gastam o seu tempo e as suas aptidões técnicas na prolação mecânica de despachos e de sentenças.
É impossível uma melhoria do sistema sem se atacarem a montante as causas que o asfixiam, de que se destaca a concessão indiscriminada de crédito, sem averiguação da solvabilidade daqueles a quem é concedido.
Não podendo limitar-se o direito de acção, importa que se encarem vias de desjudicialização consensual de certo tipo de litígios, máxime do que acima se apontou. Com efeito, a solução não é a de um quotidiano aumento de tribunais, de magistrados, de oficiais de justiça, na certeza de que sempre ficariam aquém das necessidades.
É elevadíssimo o número de acções propostas para cumprimento de obrigações pecuniárias, sobretudo nos tribunais dos grandes centros urbanos.
Como ilustração, atente-se em que, apenas nos tribunais de pequena instância cível de Lisboa, deram entrada nos anos de 1995, 1996 e 1997 respectivamente 46760, 56667 e 88523 acções, quase todas com o referido objecto.”
Afigura-se, sem sombra de dúvida, que a primeira finalidade do Legislador foi a de afastar dos tribunais de pequena instância o elevadíssimo número de processos em causa, instituindo um outro meio sem necessidade de intervenção judicial para a cobrança destas dívidas.
Desta forma e conforme também a fundamentação dos Acórdãos proferidos nos Processos n.º 20009/22.2T8SNT.L1 e n.º 4709/23.2T8SNT.L1, nos quais fui 1º Adjunta e supra citados:
“Pensemos: - o devedor não paga. O credor interpela-o para pagar a dívida e pagar outras quantias, incluída uma cláusula penal. O devedor paga voluntariamente. Não há necessidade de recurso a injunção. Segundo cenário: - o devedor, interpelado, não paga. O credor recorre ao procedimento especial de injunção, onde inclui quantias relativas a cláusula penal, por exemplo. Se o devedor não se opõe, obtém fórmula executiva, obtém um título executivo que o dispensa da acção declarativa, sem que esteja nas condições substanciais que a lei que institui o procedimento especial autoriza. Se, obtida a fórmula, o devedor paga voluntariamente, estamos de regresso ao primeiro cenário, nenhuma censura havendo a fazer. Se o devedor não paga e o credor dá o título obtido à execução, a partir do momento em que maioritariamente admitimos o conhecimento oficioso da excepção inominada de utilização indevida do procedimento injuntivo, qual é o risco de beneficiar alguém que indevidamente recorreu ao procedimento injuntivo? Nenhum. Assim, quando se defende o indeferimento total, que cobre as dívidas para as quais inequivocamente o legislador permitiu o recurso ao procedimento de injunção, esse indeferimento funciona só como sanção, porque para essas dívidas nenhum obstáculo havia a recorrer ao procedimento. Donde, aplicamos uma sanção – obrigamos o “infractor” a tudo repetir em sede de acção declarativa – para quem além de pedir as quantias em dívida resultantes do contrato, também pede uma indemnização por incumprimento do contrato ou os custos com a cobrança de um contrato incumprido pela contraparte.
Com o devido respeito, quando o legislador quer sancionar, assim o faz e assim o diz. O propósito da instituição do procedimento especial de injunção foi o de agilizar a vida económica (agilizar cobranças) e simultaneamente o de libertar os tribunais das acções declarativas subjacentes. Defender a absolvição total, o indeferimento total, é fazer exactamente o contrário, ou seja, estamos perante uma interpretação que se revela contrária ao propósito e à lógica do legislador, havendo de presumir-se que o legislador sabe exprimir o que quer, e que não legisla sem sentido.
Repare-se que o legislador, ou melhor dizendo, a lei, por definição, é geral e abstracta. Não pode o intérprete não a considerar como tal, como tendo sido feita nesses termos.
Se há credores que têm condições para saber como devem legalmente fazer e se esses credores recorrem massivamente a este tipo de procedimento, em função dos seus negócios e dos volumes de negócio, não quer isto dizer que não haja credores sem essas condições nem nessas condições de volume de negócios, que não tenham interesse em agilizar as suas cobranças.
Em suma, entendemos que não se encontra na lei qualquer indício de um propósito sancionatório nem discriminatório dos credores, de modo que, por efectivo e racional princípio de aproveitamento dos actos processuais, por um princípio de utilidade, e porque em sede executiva se prevê realmente esse aproveitamento, com assim resulta claramente do artigo 726º nº 3 do Código de Processo Civil, não podemos, em conclusão, concordar com a posição jurisprudencial que defende o indeferimento total.
Em cada caso, ou processo, o indeferimento será parcial ou total, consoante a origem das dívidas relativamente às quais houve recurso ao procedimento de injunção.”.
Concluindo, no presente caso deferia parcialmente o recurso, sendo o indeferimento apenas parcial e determinado o prosseguimento da execução relativamente às quantias directamente decorrentes do contrato e respectivos juros de mora, dadas à execução e sobre as quais foi obtida a fórmula executiva, ou seja: “Das facturas emitidas, permanece(m) em dívida a(s) seguinte(s): €26.11 de 26/06/2019, €109.61 de 26/07/2019, €106.76 de 26/08/2019, €110.75 de 26/09/2019, €122.63 de 26/10/2019, €113.92 de 26/11/2019, €130.19 de 26/12/2019, €54.71 de 26/01/2020, €500 de 05/03/2020, vencidas, respectivamente, em 19/07/2019, 19/08/2019, 19/09/2019, 19/10/2019, 19/11/2019, 19/12/2019, 19/01/2020, 19/02/2020 e 01/04/2020. Enviada(s) ao Rdo logo após a data de emissão e apesar das diligências da Rte, não foi(ram) a(s) mesma(s) paga(s), constituindo-se o Rdo em mora e devedor de juros legais desde o seu vencimento.”
(Vera Antunes)