ESTATUTOS
REGIÃO AUTÓNOMA
ELEIÇÃO
CASA DO POVO
ABUSO DE DIREITO
Sumário

-Os estatutos regionais são leis de valor reforçado, que prevalecem sobre as leis gerais da República;
- No âmbito de eleições para os órgãos sociais de Casa do Povo sita na Região Autónoma da Madeira, na falta de regulamento eleitoral, entendemos ser aplicável o Decreto Regulamentar Regional 20/82/M, de 1 de Outubro, o qual tem o CAPÍTULO VI, dedicado a Eleições;
- Age com manifesto abuso de direito o autor/recorrente - na qualidade de Presidente da Direcção - que, para além de não ter invocado no âmbito dos presentes autos ter reclamado por escrito de qualquer omissão ou inscrição indevida na lista de sócios da CASA DO POVO, era um dos responsáveis pela sua elaboração, tentando aproveitar-se de uma irregularidade para a qual o próprio contribuiu.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I.O relatório
AAA instaurou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra:
A CASA DO POVO …;
BBB;
CCC;
e DDD.
Alega, em suma, que:
(i) a lista “A” foi irregularmente excluída, quando deveria ter sido convidada a suprir os vícios formais;
(ii) verificou-se a falta de regulamento eleitoral;
(iii) os cadernos eleitorais encontravam-se desactualizados e houve eleitores que não puderam exercer o seu dever cívico;
(iv) nos cadernos eleitorais deveria constar a data de admissão de sócios para efeitos de antiguidade/capacidade de eleger e ser eleito;
(v) a constituição da mesa da assembleia geral/eleitoral “ad hoc” está eivada de ilegalidade, pois a alínea g) do n.º 1 do art.º 33.º dos Estatutos não foi talhada para assembleias eleitorais, sob pena de estarmos perante um “fato à medida”;
e (vi) houve tentativa de viciação do acto eleitoral confundindo nomes de listas.
Finaliza, peticionando que:
1. Seja declarada a ilegalidade do acto eleitoral que decorreu no dia 30 de Abril de 2022 na CASA DO POVO …;
2. Seja declarado nulo ou anulado o acto de apuramento dos resultados pronunciado por uma assembleia geral “ad hoc” constituída em abuso da letra e do espírito dos Estatutos;
3. Seja a Ré CASA DO POVO … condenada a aceitar ao sufrágio a lista encabeçada pelo Autor AAA, uma vez supridas as supostas irregularidades, na ausência de Regulamento Eleitoral;
4. Seja ordenada a marcação de novas eleições, em que sejam cumpridas as formalidades dispostas na Lei e nos Estatutos.
***
Os Réus CASA DO POVO …., BBB, CCC e DDD defenderam-se por excepção e impugnação.
Alegam, em suma, que:
(i) os Réus BBB, CCC e DDD são partes ilegítimas;
(ii) (o direito de acção do Autor caducou, nos termos do artigo 371.º do Código de Processo Civil;
(iii) a lista “A” apresentada pelo Autor às eleições da Casa do Povo … apresentava várias ilegalidades e irregularidades insanáveis, a saber: (a) a lista “A” não apresentou os termos de aceitação dos candidatos aos vários órgãos sociais tal como estipula o artigo actual n.º 252, n.º 3, do CSC, bem como o edital convocatório publicado em 30 de Marco de 2002 pelo Presidente da Assembleia Geral; e (b) a lista “A” não apresentou lista de subscritores tal como está previsto no edital convocatório publicado em 30 de Março de 2022 pelo Presidente da Assembleia Geral e assim tornado publico;
(iv) tais requisitos eram do conhecimento de todos os sócios porque foi tornado publico em edital de Convocatória publicado em 30 de Março de 2022;
(v) a lista “A” apresentou como candidatos dois cônjuges para ocupar funções nos mesmos órgãos, violando o n.º 2 do artigo 50.º dos Estatutos da Casa do Povo;
(vi) concretamente, a associada n.º 94 EEE como candidata ao cargo de secretária da Assembleia Geral e simultaneamente para o mesmo órgão seu marido como candidato suplente, o sócio n. o 104 FFF;
(vii) a lista “A” continha nomes de candidatos a ocupar órgãos da Casa do Povo que não residem na Ilha do Porto Santo há décadas, concretamente, o sócio GGG sócio n.º 65 que reside no Canadá;
(viii) a lista “A” continha nomes de candidatos a ocupar órgãos da Casa do Povo que desconheciam que faziam parte dessa lista, concretamente, (a) a sócia HHH, sócia n.º 1, (b) o sócio n.º 24, III, (c) o sócio n.º 431 JJJ, bem como (d) a sócia n.º 426 LLL;
(ix) a lista “A” continha nomes de candidatados a ocupar órgãos da Casa do Povo que não autorizaram que sua integração na lista;
(x) a lista “A” apresentou-se a eleições de forma totalmente irregular, violando os Estatutos, os editais convocatórios e a Lei.
Finalizam, peticionando que (i) os Réus sejam absolvidos da instância, ou, em alternativa, (ii) que a presente acção seja julgada improcedente.
Por requerimento datado de 14 de Fevereiro de 2023, veio o Autor pronunciar-se sobre as excepções invocadas pelos Réus.
***
Foi proferido despacho saneador, em sede do qual:
(i) o Tribunal fixou o valor da causa;
(ii) (absolveu os Réus BBB, CCC e DDD da instância;
(iii) fixou o objecto do litígio;
(iv) e  fixou os temas da prova.
Foi realizada audiência de discussão e julgamento.
Em 12/05/2024, foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
Termos em que, o Tribunal decide julgar a presente acção declarativa sob a forma de processo comum instaurada por AAA totalmente improcedente e, por conseguinte, absolver a CASA DO POVO … de todos os pedidos deduzidos.
***
Inconformado, o autor AAA interpôs recurso de apelação para esta Relação e formulou na sua alegação as seguintes conclusões:
I- O despacho saneador errou ao julgar procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva dos Réus BBB, CCC e DDD absolvendo-os da instância.
II- A sentença não seguiu os temas de prova fixados em despacho saneador, designadamente aferir se os subscritores da lista “A” que foi rejeitada foram convidados a suprimir as irregularidades, aferir da capacidade eleitoral ativa dos sócios eleitores e aferir da capacidade eleitoral passiva dos sócios que concorreram nas eleições.
III- A decisão a quo errou ao enquadrar o presente caso no Decreto-Lei n.º 4/82, de 11 de Janeiro (diploma nacional que Define o Regime Jurídico das Casas do Povo) e não, como seria correcto, o Decreto Regulamentar Regional 20/82/M, de 1 de Outubro (Aprova o Estatuto das Casas do Povo).
IV- A decisão a quo deu como FACTOS NÃO PROVADOS e que deveriam ter sido declarados FACTOS PROVADOS que: A) No dia do acto eleitoral circulou no Porto Santo uma lista, cujos nomes são os da lista “B” mas se afirmava ser “Lista A” (cfr. artigo 36.º da PI) e que B) Houve eleitores que se dirigiram no dia do escrutínio para exercerem o seu dever cívico e não votaram porque não constavam do “caderno eleitoral” (cfr. artigo 42.º da PI).
V- A lista “A” foi irregularmente excluída, quando deveria ter sido convidada a suprir os vícios formais pois o cabeça de lista nunca foi notificado, nem pelo presidente
da Assembleia-Geral nem pelo presidente “ad-hoc” da Assembleia Eleitoral para proceder à regularização da sua candidatura.
VI- Andou mal o tribunal a quo quando decide que, na ausência de regulamento eleitoral, será com base na “convocatória”, datada de 30 de Março de 2022, que o Tribunal irá extrair os parâmetros normativos aplicáveis à candidatura do Autor (cfr. FACTO 10.)”. Na ausência de regulamento eleitoral aplicam-se os Estatutos e a lei civil, não uma Convocatória. A ausência de Regulamento Eleitoral não pode ser pretexto para a subtração de direitos dos associados, designadamente do direito de eleger e ser eleito.
VII- Os cadernos eleitorais encontravam-se desactualizados e houve eleitores que não puderam exercer o seu dever cívico. O Recorrente logrou fazer prova do alegado, designadamente através das Declarações de parte do Autor.
VIII- Nos cadernos eleitorais deveria constar a data de admissão de sócios para efeitos de antiguidade/capacidade de eleger e ser eleito. Com os cadernos que serviram de base ao escrutínio é impossível verificar essa capacidade. A decisão a quo reconhece-o mas não extrai daí a devidas consequências jurídicas. Parece-nos evidente que se trata de uma ilegalidade.
IX- A constituição da mesa da assembleia geral/eleitoral “ad hoc” está eivada de ilegalidade, pois a alínea g) do n.º 1 do art.º 33.º dos Estatutos da Casa do Povo …  não foi talhada para assembleias eleitorais, sendo, tal assembleia “ad-hoc” anulável, nos termos do artigo 178.º, n.º 1, do Código Civil.
X- A comissão “ad hoc” auto-legitimou-se ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do art.º 33.º dos Estatutos. Exorbitou claramente as suas competências. A competência conferida pela alínea g) do n.º 1 do art.º 33.º dos Estatutos remete para a alínea b) do n.º 32 dos Estatutos e essa só confere a quem substitui “dirigir reuniões, disciplinando e orientando a discussão e votação”. Não há qualquer competência no âmbito de uma assembleia eleitoral. Caso contrário, abrir-se-ia um precedente em que, sempre que houvesse eleições, caso a mesa da Assembleia Geral fosse “inconveniente”, não comparecia à dita assembleia e seria criada uma ad-hoc mais “conveniente”.
XI- Houve tentativa de viciação do acto eleitoral confundindo nomes de listas. Circulou no [LOCAL] no dia do acto eleitoral uma lista (VER DOC7 da PI), cujos nomes são os da lista “B” mas se afirmava ser “Lista A”. Isto foi alegado e provado, ao contrário do que diz a decisão a quo.
XII- A decisão deve ser revogada e substituído por outro que anule todo o procedimento eleitoral.
Nestes Termos, e nos melhores de Direito que V. Exªs. doutamente suprirão, julgando procedente a presente apelação por se encontrarem reunidos os pressupostos legais, deverão V.ª Exºas:
Revogar a decisão do tribunal a quo e substituir por outro que:
-Declare a ilegalidade do ato eleitoral que decorreu no dia 30 de abril de 2022 na Casa do Povo ….
-Seja declarado nulo ou anulado o ato de apuramento dos resultados pronunciado por uma assembleia geral “ad hoc” constituída em abuso da letra e do espírito dos Estatutos.
-Seja a Requerida Casa do Povo condenada a aceitar ao sufrágio a lista encabeçada pelo Requerente AAA, uma vez suprimidas as supostas irregularidades, na ausência de Regulamento Eleitoral;
-Seja ordenada a marcação de novas eleições, em que sejam cumpridas as formalidades dispostas na Lei e nos Estatutos.
Ou,
Julgando procedente a apelação, determinar a baixa do processo para que o tribunal a quo adeque a decisão à matéria de facto e de direito alegada no presente recurso.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Questão prévia (admissibilidade de recurso):
Das alegações de recurso decorre que o recorrente, além de recorrer da sentença final, também recorre da decisão do despacho saneador que julgou procedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva dos Réus BBBs, CCC e DDD absolvendo-os da instância.
Decore do art. 644º nº 1 al. b) do CPC, que pode ser objecto de apelação autónoma a decisão do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos, o que sucedeu nos presentes autos.
Ora, perante a decisão do despacho saneador, quanto à ilegitimidade de parte dos réus, deveria o autor/recorrente ter recorrido autonomamente de tal decisão nos termos do mencionando regime e não no recurso da decisão final, até porque a decisão referida não cabe no âmbito de aplicação do nº 3 do citado artigo- sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.
Em face do exposto, rejeita-se o recurso interposto apenas quanto à decisão do despacho saneador que julgou procedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva dos Réus BBB, CCC e DDD absolvendo-os da instância.
II. Objecto e delimitação do recurso
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo. Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável).
Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, a questão a resolver é a seguinte:
- aferir da legalidade ou ilegalidade das deliberações e acto eleitoral ocorrido no dia 30 de Abril de 2022, correspondente à eleição para os órgãos sociais da Casa do Povo ….
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
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III. Os factos
Recebeu-se da 1ª instância o seguinte elenco de factos provados e não provados:
Factos provados:
1.AAA instaurou um procedimento cautelar não especificado contra a CASA DO POVO …, BBB, CCC e DDD, pedindo (i) que seja declarada a ilegalidade do acto eleitoral que decorreu no dia 30 de Abril de 2022 na Casa do Povo …, (ii) que seja declarado nulo ou anulado o acto de apuramento dos resultados pronunciado por uma assembleia geral “ad hoc” constituída em abuso da letra e do espírito dos Estatutos, (iii) que seja a requerida CASA DO POVO condenada a aceitar ao sufrágio a lista encabeçada pelo requerente AAA, uma vez supridas as supostas irregularidades, na ausência de Regulamento Eleitoral e que seja ordenada a marcação de novas eleições, em que sejam cumpridas as formalidades dispostas na Lei e nos Estatutos (cfr. certidão junta no passado dia 30 de Março de 2023 – N/REF. 5180652);
2. O referido procedimento cautelar não especificado correu termos sob o n.º …/22.7T8… no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira – Juízo Central Cível do Funchal – Juiz 1 (cfr. certidão junta no passado dia 30 de Março de 2023 – N/REF. 5180652);
3. Por sentença datada de 26 de Maio de 2022 e proferida no âmbito do processo n.º …/22.7T8…, o Tribunal decidiu indeferir liminarmente o procedimento cautelar requerido, por ser manifestamente improcedente (cfr. certidão junta no passado dia 30 de Março de 2023 – N/REF. 5180652);
4. A sentença referida em 3. foi confirmada pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do Acórdão datado de 07 de Julho de 2022 (cfr. certidão junta no passado dia 30 de Março de 2023 – N/REF. 5180652);
5. O Acórdão referido em 4. transitou em julgado no passado dia 26 de Julho de 2022 (cfr. certidão junta no passado dia 30 de Março de 2023 – N/REF. 5180652);
5.-A AAA instaurou a presente acção no dia 03 de Outubro de 2022 (cfr. petição inicial);
6. No dia 08 de Abril de 2018, tomaram posse os órgãos sociais eleitos da Casa do Povo … (cfr. auto de tomada de posse – requerimento datado de 04 de Abril de 2024 – N/REF. 55141457):
“Mesa de Assembleia Geral
Efectivos:
Presidente: BBB;
Vice-Presidente: EEE;
Secretário: FFFF;
Suplentes: GGG; HHH; III; (…).
Direcção Efectivos:
Presidente: AAAA;
Secretário: JJJ;
Tesoureiro: LLL; (…).
Conselho Fiscal
Efectivos:
Presidente: (…) MMM;
Secretário: NNN;
Vogal: OOO; (…)”:
7. No dia 06 de Julho de 2021, por escritura pública, e em cumprimento da deliberação tomada em sede de Assembleia Geral da Associação “CASA DO POVO …” consignada na ACTA N.º 36 foi alterado o estatuto da referida associação (cfr. escritura pública – junta com a Contestação – DOC. 1);
8. Na sentença recorrida fez-se constar deste ponto os regimes dos “ESTATUTOS CASA DO POVO … relevantes para a boa decisão da causa.
8.-A A CASA DO POVO … não tem regulamento eleitoral (cfr. artigo 31.º da petição inicial);
8.-B Da “RELAÇÃO DE ELEITORES – CASA DO POVO … (NOS TERMOS DO DESPACHO 438 DE 30/09/86)” consta apenas (cfr. DOC. 1 - PI):
➢ O número do sócio (por ordem decrescente);
➢ O nome do sócio;
➢ A residência do sócio;
9. No dia 30 de Março de 2022, foram os associados da CASA DO POVO … convocados para reunirem em Assembleia Geral no dia 30 de Abril de 2022 com a seguinte ordem de trabalhos (cfr. convocatória junta com a Contestação – DOC. 3):
“Único – Eleições dos órgãos sociais da Casa do Povo ….”
10. Da convocatória datada de 30 de Março de 2022, assinada pelo “presidente da Messa da Assembleia Geral”, BBB, consta o teor da convocatória junta com a Contestação – DOC. 3-, cujo teor aqui damos integralmente por reproduzido.
11. AAA é sócio n.º 2 da CASA DO POVO … (cfr. DOC. 1 – PI);
12. AAA apresentou uma lista aos órgãos sociais (Assembleia Geral, Direcção e Conselho Fiscal) (cfr. DOC. 4 – Contestação);
13. À lista referida em 12. foi atribuída a designação “A” (cfr. DOC. 4 – Contestação);
14. Da Lista “A” constam os candidatos identificados na sentença sob sindicância.
14.-A A lista “A” não veio acompanhada com os termos de aceitação dos candidatos aos vários órgãos sociais (cfr. artigo 22.º da Contestação);
14.-B A lista “A” não veio acompanhada com a lista de subscritores (cfr. artigo 23.º da Contestação);
15. Foi igualmente aceite uma lista cuja cabeça de lista à Direcção é CCC (cfr. DOC. 4 – PI);
16. Tal lista assumiu a designação “B” (cfr. DOC. 4 – PI);
17. Por carta datada de 28 de Abril de 2022, dirigida ao Presidente da Assembleia Geral da Casa do Povo, BBB, e recepcionada pelos serviços da CASA DO POVO… no dia 28 de Abril de 2022, conforme carimbo aposto no documento, CCC, sócia n.º 22, declarou o que consta do Doc. 5 junto com a contestação, e cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido.
18. Dá-se por integralmente reproduzido o teor da “Acta Da Assembleia Geral Eleitoral Casa Do Povo…”, datada de 30 de Abril de 2022, que não foi impugnada e junta com o requerimento datado de 12 de Março de 2024 – N/REF. 5680649.
19. Na ausência do Presidente da Mesa da Assembleia Geral, bem como dos secretários, pelas 09:00 da manhã de 30 de Abril de 2022, a assembleia geral procedeu à eleição de uma nova mesa de entre os sócios presentes (cfr. acta datada de 30 de Abril de 2022, que não foi impugnada, junta com o requerimento datado de 12 de Março de 2024 – N/REF. 5680649 e edital datado de 30 de Abril de 2022 junto com a contestação – DOC. 2):
➢ Presidente: DDD, sócio n.º 315;
➢ Secretário: EEEE, sócia n.º 42;
➢ Secretário: FFFF, sócia n.º 360;
20. A deliberação referida em 19. foi tornada pública através da afixação em edital (cfr. edital datado de 30 de Abril de 2022 junto com a contestação – DOC. 2);
21. Dá-se por integramente reproduzido o teor do edital “CONSTITUIÇÃO DE MESA DA ASSEMBLEIA GERAL ELEITORAL CASA DO POVO…”, que consta do doc. 2 junto com a contestação;
22. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do requerimento que CCC, sócia n.º 22, dirigiu à mesa da assembleia geral que consta do documento junto com o requerimento datado de 12 de Março de 2024 – N/REF. 5680649 e acta datada de 30 de Abril de 2022, que não foi impugnada, junta com o requerimento datado de 12 de Março de 2024 – N/REF. 5680649):
23. Dando prosseguimento ao requerimento apresentado, DDD, na qualidade de presidente da mesa da assembleia, solicitou ao secretário da Direcção, EEEE, a apresentação do processo de constituição das listas candidatas à presente eleição para verificação do cumprimento dos critérios de elegibilidade das mesmas;
24. Entregues os processos de constituição das listas candidatas à presente eleição, dá-se por integralmente reproduzido o teor do requerimento que   FFFF apresentou à mesa da assembleia um segundo requerimento sob a forma de reclamação, apresentado por, sócia n.º 40 , que consta como documento  junto com o requerimento datado de 12 de Março de 2024 – N/REF. 5680649 e acta datada de 30 de Abril de 2022, que não foi impugnada, junta com o requerimento datado de 12 de Março de 2024 – N/REF. 5680649).
25. Analisados os processos, a mesa da assembleia constatou que a lista “A” não vinha acompanhada dos “termos de aceitação e respectiva identificação nominal dos candidatos devidamente assinados”;
26. Analisados os processos, a mesa da assembleia constatou que a lista “A” não vinha acompanhada com as respectivas “listas de subscritores em número não inferior a nove associados devidamente assinadas”;
27. Analisados os processos, a mesa da assembleia constatou que a lista “A” apresenta como candidatos ao órgão “Assembleia Geral”, a associada n.º 94, EEEE, ao cargo efectivo de secretária da Assembleia Geral, e como candidato suplente, o sócio n.º 104, FFFFF;
28. EEEE é casada com FFFF (cfr. confessado pelo Autor);
29. O referido em 25., 26. e 27. foi dado a conhecer aos sócios presentes (cfr. acta datada de 30 de Abril de 2022, que não foi impugnada, junta com o requerimento datado de 12 de Março de 2024 – N/REF. 5680649);
30. Verificada a factualidade referida em 25., 26. e 27., foi votada favoravelmente a retirada da “Lista A” do acto eleitoral (com vinte e três votos favoráveis, três votos contra e uma abstenção) (cfr. acta datada de 30 de Abril de 2022, que não foi impugnada, junta com o requerimento datado de 12 de Março de 2024 – N/REF. 5680649);
31. Disto se lavrou edital, afixado à porta da sede da CASA DO POVO … (cfr. Edital junto com o requerimento datado de 12 de Março de 2024 – N/REF. 5680649):
32. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do edital referido no ponto anterior, junto com o requerimento datado de 12 de Março de 2024 – N/REF. 5680649.
33. Seguidamente procedeu-se ao início da votação, pelas 09:45 horas, com a publicação e afixação do edital junto com o requerimento datado de 12 de Março de 2024 – N/REF. 5680649,  cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido.
34. A Assembleia Geral Eleitoral para eleição dos órgãos Sociais foi dada por encerrada pelas 14:00 horas (cfr. acta datada de 30 de Abril de 2022, que não foi impugnada, junta com o requerimento datado de 12 de Março de 2024 – N/REF. 5680649);
35. Dá-se por integralmente reproduzido o teor da acta datada de 30 de Abril de 2022, junta com o requerimento datado de 13 de Março de 2024 – N/REF. 5680649.
36. AAA foi presidente da Direcção da Casa do Povo …, durante aproximadamente 20 anos, até ao ano de 2022 (cfr. artigo 16.º da Contestação – por confissão);
37. AAA tinha conhecimento do teor do edital de Convocatória publicado em 30 de Março de 2022 (cfr. 24.º da Contestação – por confissão);
38. HHHH reside há anos no estrangeiro (cfr. artigo 27.º da Contestação – por confissão);
39. AAA, na qualidade de Presidente da Casa do Povo durante 20 anos, conhecia as regras existentes nos estatutos e na Lei para as assembleias gerais, entre estas, as eleitorais (cfr. artigo 31.º da Contestação – por confissão);
40. LLLL, sócia n.º 1, desconhecia que integrava a lista “A” (cfr. artigo 28.º da Contestação).
Factos não provados:
A) No dia do acto eleitoral circulou no [LOCAL] uma lista, cujos nomes são os da lista “B” mas se afirmava ser “Lista A” (cfr. artigo 36.º da PI);
B) Houve eleitores que se dirigiram no dia do escrutínio para exercerem o seu dever cívico e não votaram porque não constavam do “caderno eleitoral” (cfr. artigo 42.º da PI);
C) (i) O sócio n.º 24, (ii) o sócio n.º 431 e (iii) a sócia n.º 426, desconheciam que integravam a lista “A” (cfr. artigo 28.º da Contestação).
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IV. O mérito do recurso
Da impugnação da decisão sobre matéria de facto
Dispõe o art. 662º n.º 1 do Código de Processo Civil que A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Nos termos do art. 640º n.º 1 do mesmo Código, quando seja impugnada a matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O n.º 2 do mesmo preceito concretiza que, quanto aos meios probatórios invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. Para o efeito poderá transcrever os excertos relevantes. Em contrapartida, cabe ao recorrido o ónus de apontar os meios de prova que infirmem essas conclusões do recorrente, indicar as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, e caso assim o entenda, transcrever os excertos que considere importantes, tudo isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
A lei impõe assim ao apelante específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o qual implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida em primeira instância.
No que respeita à observância dos requisitos constantes do citado artigo 640º, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» (Ac. STJ de 01/10/2015 (Ana Luísa Geraldes); Ac. STJ de 14/01/2016 (Mário Belo Morgado); Ac. STJ, de 19/2/2015 (Tomé Gomes); Ac. STJ de 22/09/2015 (Pinto de Almeida); Ac. STJ, de 29/09/2015 (Lopes do Rego) e Acórdão de 31/5/2016 (Garcia Calejo), todos disponíveis na citada base de dados.
No corpo das alegações, o recorrente declara pretender a adição de seis novos factos à factualidade dada como assente, porém, estes factos não são replicados na síntese conclusiva e, assim, por desrespeito ao regime do art. 640º do CPC, não irão aqui ser apreciados. 
De acordo com as conclusões das alegações de recurso, o recorrente questiona, ainda, os seguintes factos dados como não provados:
A) No dia do acto eleitoral circulou no Porto Santo uma lista, cujos nomes são os da lista “B” mas se afirmava ser “Lista A” (cfr. artigo 36.º da PI);
e B) Houve eleitores que se dirigiram no dia do escrutínio para exercerem o seu dever cívico e não votaram porque não constavam do “caderno eleitoral” (cfr. artigo 42.º da PI).
Pretende o recorrente que os mesmos sejam dados como provados.
No que diz respeito ao facto A, a invocação de que Circulou no [LOCAL] no dia do acto eleitoral uma lista (…), cujos nomes são os da lista “B” mas se afirmava ser “Lista A”(cfr. ponto XI das conclusões), sustenta-se no teor do doc. 7 junto com a petição inicial, ora tal documento só por si, e desacompanhado de outros meios de prova, é insuficiente  para levar à conclusão pretendida: de que circulou na ilha uma lista com os candidatos da lista B, mas que se dizia serem da lista A.
No que tange ao facto B, o recorrente entende que logrou fazer prova do alegado, designadamente através das declarações de parte do autor/recorrente.
Pelo nosso lado, temos vindo a entender que a prova por declarações de parte é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, sendo, porém, normalmente insuficiente para valer como prova de factos favoráveis à procedência da acção, desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente, ou, sequer, indicie.
Neste sentido escreve-se no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-04-2022: Com efeito, e apesar de o tribunal apreciar livremente as declarações das partes como meio de prova, não podemos ignorar que elas serão produzidas por quem tem um manifesto e direto interesse na acção, no processo, razão pela qual poderão ser declarações interessadas, parciais ou não isentas. Logo, essas declarações, como princípio, não podem ser consideradas sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, já que se trata da versão da parte interessada - quem as produz tem um manifesto interesse na acção, sendo por isso de considerar, em regra, de irrazoável e insensato, que sem o auxílio de quaisquer outros meios probatórios, o Tribunal dê como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos (Ac. proferido no proc. 63725/20.8YIPRT.C1, versão integral em www.dgsi.pt).
Desta forma, na ausência de outros meios de prova, as declarações de parte do autor, mesmo confirmando o facto (favorável à sua pretensão), são insuficientes para concluir pela demonstração do mesmo.
Em face do exposto, seja por incumprimento dos requisitos previsto no art. 640º do CPC, seja por insuficiência dos meios de prova invocados, improcederá totalmente a impugnação sobre a matéria de facto.
***
O DIREITO
Estabilizado o quadro factual do litígio, cumpre agora analisar juridicamente a pretensão do recorrente, à luz do mesmo.
1.O tribunal recorrido decidiu julgar a presente acção declarativa sob a forma de processo comum instaurada por AAA totalmente improcedente e, por conseguinte, absolver a CASA DO POVO … de todos os pedidos deduzidos.
Concluiu o mesmo, que as deliberações e acto eleitoral ocorrido no dia 30 de Abril de 2022, correspondente à eleição para os órgãos sociais da Casa do Povo … não enferma de qualquer ilegalidade.
Analisemos.
2. O recorrente alega que: (i) a lista “A” foi irregularmente excluída, quando deveria ter sido convidada a suprir os vícios formais; (ii) verificou-se a falta de regulamento eleitoral; (iii) os cadernos eleitorais encontravam-se desactualizados e houve eleitores que não puderam exercer o seu dever cívico; (iv) nos cadernos eleitorais deveria constar a data de admissão de sócios para efeitos de antiguidade/capacidade de eleger e ser eleito; (v) a constituição da mesa da assembleia geral/eleitoral “ad hoc” está eivada de ilegalidade, pois a alínea g) do n.º 1 do art.º 33.º dos Estatutos não foi talhada para assembleias eleitorais, sob pena de estarmos perante um “fato à medida”; e (vi) houve tentativa de viciação do acto eleitoral confundindo nomes de listas.
Por economia de exposição, vamos excluir da análise jurídica os fundamentos dos pontos i, iii, iv e vi, por ser evidente que a factualidade dada como assente e o objecto do recurso, não permite sustentar a procedência do recurso com base nos mesmos.
Remanescem, pois, as seguintes questões: (1) a lista “A” foi irregularmente excluída, quando deveria ter sido convidada a suprir os vícios formais; (2) verificou-se a falta de regulamento eleitoral; (3) e a constituição da mesa da assembleia geral/eleitoral “ad hoc” está eivada de ilegalidade, pois a alínea g) do n.º 1 do art.º 33.º dos Estatutos não foi talhada para assembleias eleitorais.
Como pauta jurídica, entendeu-se na sentença recorrida que, nos termos do artigo 1.º do Estatuto da CASA DO POVO …, “[a] Casa do Povo…, é uma associação, constituída por tempo indeterminado e com o objectivo de promover o desenvolvimento das comunidades onde se insere e rege-se pelos presentes estatutos e pelas disposições legais aplicáveis”.
Considerando ser aplicável ao caso concreto, de forma hierárquica, os seguintes diplomas:
➢ O referido Estatuto;
➢ O Decreto-Lei n.º 4/82, de 11 de Janeiro (Define o Regime Jurídico das Casas do Povo);
➢ O Código Civil, aplicável ex vi do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 4/82, de 11 de Janeiro (cfr. artigos 157.º a 166.º e 167.º a 184.º, todos do Código Civil).
Quanto a este juízo, só temos uma discordância: a eventual aplicação do Decreto-Lei n.º 4/82, de 11 de Janeiro.
Em 01/10/1982, foi aprovado o Decreto Regulamentar Regional 20/82/M, de 1 de Outubro, que se encontra em vigor, o qual estabelece o Estatuto das Casas do Povo na Região Autónoma da Madeira, como é o caso da aqui ré.
Ora, os estatutos regionais são leis de valor reforçado que prevalecem sobre as leis gerais da República. A este respeito, escreve-se no Ac. do Tribunal Central Administrativo do Sul que Neste enquadramento não será descabido conceber que entre a lei geral da República (fora do núcleo dos seus princípios fundamentais) e a lei regional se estabelece uma relação do tipo lei geral / lei especial, com as consequências fáceis de adivinhar em face da regra estatuída no artigo 7º/3 do Código Civil (A lei geral não revoga a lei especial) (Ac. proferido no proc. 10245/00, versão integral em www.dgsi.pt).
Assim sendo, em caso de situação não prevista no Estatuto da ré/recorrida, aplicar-se-á o Decreto Regulamentar Regional 20/82/M, de 1 de Outubro.
3.Sobre a invalidade de deliberações sociais.
A propósito da sindicância de eventuais deliberações sociais inválidas ou ineficazes, lê-se no art. 177.º do CC que as «deliberações da assembleia geral contrárias à lei ou aos estatutos, designadamente pelo seu objeto, são anuláveis pelos associados»; e, de acordo com o art. 178.º, n.º 1 do mesmo CC, esta anulabilidade «pode ser arguida, dentro do prazo de seis meses».
Logo, podendo as deliberações sociais enfermar de vícios que resultem da preterição de formalidades essenciais no respectivo processo de formação (v.g. a convocação, a reunião, a discussão e a apresentação de propostas, a votação, a contagem dos votos, o apuramento dos votos e a determinação do resultado final da votação), ou de uma deficiência substancial ao nível do seu próprio conteúdo, serão em princípio anuláveis (Neste sentido, Ac. da RG, de 08.10.2015, proferido no proc. n.º 319/14.3BEMDL.G1 - in www.dgsi.pt ).
Afastou-se, assim, a lei do regime estabelecido por ela própria da invalidade dos negócios jurídicos praticados contra norma imperativa, uma vez que o art. 294.º do CC comina para os mesmos a sanção da nulidade. Aqui (e de forma conforme com a solução consagrada no art. 58.º do CSCom.) optou expressamente pela anulabilidade das deliberações sociais viciadas - «O fundamento desta escolha (…) não foi casual», assentando «na teoria das deliberações sociais em cadeia, segundo a qual as deliberações não podem, em princípio, estar sujeitas a uma invalidade radical, sob pena de declaradas nulas sem dependência de prazo, poderem comprometer a subsistência de todas as que nelas se alicerçarem» (cfr. Paulo Olavo da Cunha, Comentário ao Código Civil – Parte Geral, coordenação de Luís Carvalho Fernandes e José Brandão Proença, Universidade Católica, 2014, págs. 384-385).
Contudo, admite-se que, face a vícios de tal forma graves que afectem deliberações sociais, as mesmas não sejam passíveis de se consolidarem pelo decurso do prazo durante o qual poderiam ser impugnadas, sendo por isso nulas, e não meramente anuláveis. Será esse o caso de deliberações cujo conteúdo se revele contrário a norma imperativa, contrário à ordem pública ou aos bons costumes, ou de objecto impossível (Neste sentido: Paulo Olavo da Cunha, ibidem).
4.Entende o recorrente que a constituição da mesa da assembleia geral/eleitoral “ad hoc” está eivada de ilegalidade, pois a alínea g) do n.º 1 do art.º 33.º dos Estatutos não foi talhada para assembleias eleitorais.
In casu, BBB, na qualidade de Presidente da Assembleia Geral, assinou a convocatória datada de 30 de Março de 2022, mediante a qual foram convocadas eleições na Casa do Povo, para o dia 30 de Abril de 2022, para a totalidade dos órgãos sociais (cfr. FACTO 10.). Sucede que, no dia das eleições, não compareceram os membros da Mesa da Assembleia Geral, sendo que aos mesmos cabia dirigir a assembleia geral convocada (cfr. artigo 27.º do Estatuto).
Na ausência do Presidente da Mesa da Assembleia Geral, bem como dos secretários, pelas 09:00 da manhã de 30 de Abril de 2022, decidiram os sócios presentes submeter à votação uma proposta de constituição da mesa.
Submetida a votação, a proposta foi aprovada por maioria, recolhendo 23 votos favoráveis e três abstenções (cfr. FACTO 18.). Assim sendo, a assembleia geral procedeu à eleição de uma nova mesa de entre os sócios presentes (cfr. FACTO 19.), a saber:
➢ Presidente: O sócio n.º 315;
➢ Secretário: A sócia n.º 42;
➢ Secretário: A sócia n.º 360. A deliberação referida em 19. foi tornada pública através da afixação em edital (cfr. FACTO 20.).
Nos termos do art. 26.º do Estatuto, “[a] Assembleia Geral é constituída por todos os associados no pleno gozo dos respectivos direitos”. Compete à assembleia geral (cfr. art. 29.º do Estatuto), entre outros actos: a) Eleger por escrutínio secreto a Mesa da Assembleia Geral, os membros da Direcção e do Conselho Fiscal;
Nos termos do artigo 27.º do Estatuto, “[a] assembleia geral é dirigida por uma Mesa, constituída por um presidente e dois secretários”. Compete ao presidente da Mesa da Assembleia Geral (cfr. artigo 32.º do Estatuto), entre outros actos: a) Convocar a assembleia geral para reuniões ordinárias e extraordinárias; b) Dirigir reuniões, disciplinando e orientando a discussão e votação.
Nas faltas ou impedimentos do presidente da mesa e dos secretários, as funções previstas na alínea b) do artigo 32.º são exercidas pelo associado ou associados presentes que forem designados pela Assembleia, os quais cessam as suas funções no termo da reunião (cfr. art.33.º, n.º 2, do Estatuto).
Contrariamente ao sustentado pelo recorrente, não tendo comparecido no acto eleitoral os membros da Mesa da Assembleia Geral, da conjugação dos regimes previstos nos arts. 32º al. b) e 33º nº 2 do Estatuto da ré, era perfeitamente viável e legalmente possível proceder à eleição de uma nova mesa de entre os sócios presentes, com o objectivo de regular o acto eleitoral, o que foi efectivamente feito.
Entende o recorrente que a constituição da mesa da assembleia geral/eleitoral “ad hoc” está eivada de ilegalidade, pois a alínea g) do n.º 1 do art.º 33.º dos Estatutos da Casa do Povo … não foi talhada para assembleias eleitorais, sendo, tal assembleia “ad-hoc” anulável, nos termos do artigo 178.º, n.º 1, do Código Civil. Segundo o recorrente, a comissão “ad hoc” auto-legitimou-se ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do art.º 33.º dos Estatutos. Exorbitou claramente as suas competências. A competência conferida pela alínea g) do n.º 1 do art.º 33.º dos Estatutos remete para a alínea b) do n.º 32 dos Estatutos e essa só confere a quem substitui “dirigir reuniões, disciplinando e orientando a discussão e votação”. Não há qualquer competência no âmbito de uma assembleia eleitoral. Caso contrário, abrir-se-ia um precedente em que, sempre que houvesse eleições, caso a mesa da Assembleia Geral fosse “inconveniente”, não comparecia à dita assembleia e seria criada uma ad-hoc mais “conveniente” (cfr. ponto X das conclusões do recurso).
Mal se compreende a argumentação do recorrente, em situação de normalidade institucional- que não se verificou, dado que os membros  da Mesa da Assembleia Geral não compareceram ao acto eleitoral -competiria a estes dirigir a assembleia eleitoral, na sua ausência, foi cumprido, em bem, o nº 2 do art. 33º dos Estatutos da ré, com a eleição de uma nova mesa com competência apenas para o acto, devendo salientar-se que o acto eleitoral, com as suas nuances, não deixa de ser uma assembleia, cabível na previsão  do art. 32º al. b) dos Estatutos e sujeita ao regime de faltas ou impedimentos dos membros da mesa que decorre do art. 33º nº 2 do Estatutos da ré.
Não se alcança aqui qualquer ilegalidade/irregularidade.
5.Mais sensíveis, são as questões da falta de regulamento eleitoral e exclusão da lista “A”.
Nos termos do art. 51.º do Estatuto, “[a]s eleições para os órgãos sociais da Casa do Povo regem-se pelas normas constantes do Regulamento eleitoral, aprovado por deliberação da assembleia geral, sem prejuízo das disposições gerais constantes dos presentes estatutos”.
A CASA DO POVO … não tem regulamento eleitoral (cfr. FACTO 8.-A). 
Na ausência de regulamentação especial e geral, foi com base na “convocatória”, datada de 30 de Março de 2022, que o Tribunal a quo extraiu os parâmetros normativos aplicáveis à candidatura do Autor.
Com base na convocatória, foram estabelecidas as seguintes regras para o referido processo eleitoral: (cfr. FACTO 10.):
1. A partir do dia 30 de Março de 2022, por um prazo de 10 (dez) dias, serão afixados na Porta da Casa do Povo: a) Os Estatutos; e b) A lista de sócios desta instituição, em condições de serem eleitores ou eleitos;
2. Por um período de 15 (quinze) dias, a contar da supra mencionada afixação, qualquer associado pode reclamar por escrito, de qualquer omissão ou inscrição indevida nas referidas listas;
3. As listas candidatas: a) Devem prever membros efectivos e igual número de suplentes para todos os órgãos sociais da Casa do Povo; b) Devem ser acompanhadas por “termos de aceitação assinados”, contendo a respectiva identificação nominal e contactos; c) Devem ser acompanhadas com as respectivas “listas de subscritores (não inferior a 9 (nove) sócios) devidamente assinadas”;
4. As listas candidatas devem ser dirigidas ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral até ao dia 24 de Abril de 2022;
5. No dia seguinte ao da respectiva apresentação, as listas candidatas entregues serão afixadas na sede da Casa do Povo em local visível;
6. No período de 5 (cinco) dias seguintes a essa afixação, qualquer sócio poderá apresentar, por escrito, reclamação, por falta de requisitos formais ou de elegibilidade dos propostos, junto do Presidente da Mesa da Assembleia Geral;
7. Todas as reclamações serão analisadas e decididas por uma comissão eleitoral composta pela Mesa da Assembleia Geral e um representante de cada lista;
8. Se ocorrer alguma irregularidade deve ser notificado o representante que a Lista tiver designado, a fim de proceder à regularização, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas;
9. Completado o exame das listas, será atribuído uma designação de “A” a “Z” a cada uma das definitivamente admitidas, por ordem da respectiva apresentação, sendo as mesmas novamente afixadas na sede até à data da realização da assembleia geral.
Discordamos desta orientação do Tribunal recorrido, porquanto, na falta de regulamento eleitoral, entendemos ser aplicável, pelas razões já supra expostas, o Decreto Regulamentar Regional 20/82/M, de 1 de Outubro, o qual tem o CAPÍTULO VI, dedicado a Eleições, rezando a SECÇÃO XIII o seguinte regime:
Art. 48.º Podem tomar parte no acto eleitoral todos os indivíduos que se encontrem devidamente recenseados e que estejam inscritos como sócios das casas do povo.

Art. 49.º A direcção da casa do povo, no ano em que findar o exercício e até 30 de Novembro, apresentará ao presidente da mesa da assembleia geral a lista das candidaturas para os corpos gerentes a eleger para o triénio imediato.
Art. 50.º No prazo referido no artigo anterior poderão ser apresentadas outras listas de candidaturas, subscritas por um número de sócios eleitores correspondentes a 5% do total dos sócios inscritos, o qual, no entanto, nunca poderá ser inferior a 25.
Art. 51.º As listas serão compostas por 6 elementos, quer para a assembleia geral, quer para a direcção, tendo à cabeça a entidade proposta para presidente e contendo igualmente o nome completo e o número de inscrição dos sócios propostos.
Art. 52.º A mesa da assembleia geral apreciará a legitimidade das candidaturas apresentadas e fixará na sede da casa do povo, até ao dia 20 de Dezembro, a relação das listas aceites, numerando-as por ordem de apresentação e enviando cópia à Comissão Provisória de Apoio às Casas do Povo.
Art. 53.º As reclamações quanto à aceitação ou recusa das candidaturas poderão ser apresentadas por escrito ao presidente da mesa da assembleia geral até 31 de Dezembro.
Art. 54.º A assembleia geral para efeito de eleição reunirá até 31 de Maio.
Art. 55.º Antes de proceder à votação, deve a assembleia geral deliberar acerca das reclamações oportunamente apresentadas relativamente à aceitação das listas anteriormente propostas
.
Art. 56.º As listas terão a forma rectangular com as dimensões de 15 cm x 10 cm, em papel branco, sem marca ou sinal externo, e conterão, bem legíveis, os nomes dos candidatos e o número correspondente da sua inscrição de sócio.
Art. 57.º Consideram-se nulas e não serão contadas as listas em branco e aquelas que não obedeçam aos requisitos exigidos no artigo anterior.
Art. 58.º As votações serão feitas por escrutínio secreto, devendo as listas, convenientemente dobradas, ser entregues pelos eleitores ao presidente da mesa.
Art. 59.º O escrutínio efectuar-se-á imediatamente depois de concluída a votação, servindo de escrutinadores os sócios que forem escolhidos pelo presidente da mesa, em número que este julgar conveniente.
Art. 60.º As dúvidas que se levantarem no apuramento da votação serão resolvidas pela mesa da assembleia geral.
Art. 61.º Finda a eleição, será proclamada vencedora a lista mais votada.
Art. 62.º No caso de empate, efectuar-se-á novo acto eleitoral no prazo máximo de 8 dias.

Art. 63.º Dos resultados das eleições será dado conhecimento à Comissão Provisória de Apoio às Casas do Povo.
Art. 64.º Os cargos que ficarem vagos no decurso do mandato serão preenchidos por eleição parcial, se necessário em assembleia geral extraordinária, com efeitos até ao termo do triénio em curso, observando-se, com as adaptações convenientes, o disposto no presente capítulo.
Art. 65.º No caso de se verificarem irregularidades no acto eleitoral, competirá à Comissão Provisória de Apoio às Casas do Povo dar conhecimento das mesmas ao Secretário Regional da Agricultura e Pescas, que sobre a ocorrência tomará as medidas que tiver por convenientes.
Se descontarmos o calendário eleitoral do regime citado, que não se discute aqui, entendemos que os termos da convocatória só chocam com  o art. 55º do Decreto Regulamentar Regional,  segundo o qual,   antes de proceder à votação, deve a assembleia eleitoral deliberar acerca das reclamações oportunamente apresentadas relativamente à aceitação das listas anteriormente propostas, o que difere do teor da convocatória no qual se estabelece que se ocorrer alguma irregularidade deve ser notificado o representante que a Lista tiver designado, a fim de proceder à regularização, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas (Ponto 8).
Quanto aos demais termos da convocatória, porque não contrários ao estatuído no Decreto Regulamentar Regional e código civil, temos os mesmos como aplicáveis.
Aplicando-se o regime emergente do art. 55º do Decreto Regulamentar Regional 20/82/M, as reclamações quanto à aceitação das listas são (1) apreciadas na própria assembleia eleitoral e (2) não há prazo para o apresentante regularizar a lista, ora, foi precisamente isso que foi feito na assembleia eleitoral aqui em análise, a saber:   
-por carta datada de 28 de Abril de 2022, dirigida ao Presidente da Assembleia Geral da Casa do Povo, BBB, e recepcionada pelos serviços da CASA DO POVO … no dia 28 de Abril de 2022, conforme carimbo aposto no documento, CCC, sócia n.º 22, reclamou da lista apresentada pelo Autor, por entender que, no caso concreto, a mesma violava o disposto no artigo 50.º, n.º 2, do Estatuto;
-após, a assembleia eleitoral deliberou excluir a lista A, por a candidatura do Autor não ter sido (i) acompanhada com os termos de aceitação dos candidatos aos vários órgãos sociais (cfr. FACTO 14.-A), nem (ii) com a lista de subscritores (cfr. FACTOS 14.-A).
Neste capítulo da deliberação e exclusão da lista A, não vislumbramos qualquer ilegalidade/irregularidade.
6.O Autor defende, igualmente, no âmbito dos presentes autos que dos cadernos eleitorais deveria constar a data de admissão de sócios para efeitos de antiguidade/capacidade de eleger e ser eleito.
Cumpre apreciar.
Nos termos do art. 49.º do Estatuto, “[s]ão eleitores dos órgãos da Casa do Povo os associados em pleno gozo dos seus direitos, que em 31 de Dezembro do ano anterior ao das eleições se encontrem inscritos e contarem, pelo menos, um ano de inscrição”.
Por sua vez, nos termos do art. 50.º, n.º 1, do Estatuto “[s]ão elegíveis os associados, com pelo menos um ano de vida associativa que tenham nacionalidade portuguesa, saibam ler e escrever, se encontram no pleno gozo dos seus direitos e não estejam abrangidos por alguma das incapacidades que privam da qualidade de cidadão eleitor, salvo o disposto nos números seguintes”.
Nos termos do art. 35.º, alínea p), do Estatuto, compete à Direcção – composta por um presidente, um secretário e um tesoureiro (cfr. artigo 34.º do Estatuo) – elaborar, no ano em que findar o seu mandato, a relação dos associados eleitores e preparar os demais elementos necessários à eleição dos órgãos sociais da Casa do Povo.
No caso concreto, decorre do FACTO 8.-B que da relação dos associados eleitores consta apenas:
➢ O número do sócio (por ordem decrescente);
➢ O nome do sócio;
➢ A residência do sócio.
É, pois, evidente que da referida relação falta a informação referente à “data de inscrição de cada um dos sócios”.
 Sucede que, tal como observou a sentença recorrida, o recorrente, para além de não ter invocado no âmbito dos presentes autos ter reclamado por escrito de qualquer omissão ou inscrição indevida na lista de sócios da CASA DO POVO, era – na qualidade de Presidente da Direcção –, um dos responsáveis pela sua elaboração (cfr. artigo 35.º, alínea p)).
Assim sendo, ao invocar o referido fundamento, o autor/recorrente age com má fé, pois tentou aproveitar-se de uma irregularidade para a qual o próprio contribuiu, agindo, assim, com abuso de direito (cfr. artigo 334.º do Código Civil), estando-lhe vedado invocar este fundamento para tutelar a sua pretensão jurídica.
Aliás, encontramos na atitude do autor um comportamento que pode ser reconduzido à figura da suppressio, sobre esta refere-se no sumário Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-11-2020
I – O termo suppressio é a tradução latina proposta por Menezes Cordeiro, na sua tese de doutoramento “Da boa fé no direito civil”, da figura da Verwirkung do direito alemão, a qual conheceu as suas primeiras manifestações no último quartel do século XIX, ainda em tempos anteriores à entrada em vigor do B.G.B.
(…)
III - Fruto da teorização desta figura no direito português, introduzida por Menezes Cordeiro, a mesma tem vindo a ser objeto de profusa equação nos tribunais desde os últimos anos do século XX, invocando as mais diversas decisões que ponderaram a sua aplicação, em diferentes situações, o instituto do abuso de direito, consagrado no art.º 334º do C. Civil.
IV - É opinião corrente entre nós que a suppressio abrange situações próximas ou que constituem uma modalidade da figura do venire contra factum proprio, em que o exercício de um direito se revela contraditório com um anterior comportamento de inação prolongada, que, atentas as circunstâncias que caracterizam o caso concreto, induzem o sujeito obrigado por esse direito a, legitimamente, confiar que o mesmo já não será exercido, pelo que a sua ativação ofende os ditames da boa fé.
V - Costumam ser enunciados como requisitos de aplicação desta figura:
- um não exercício prolongado do direito;
- uma situação de confiança daí derivada para a contraparte, coadjuvada por elementos circundantes que a sustentem;
- uma justificação para essa confiança;
- um investimento de confiança;
- a imputação ao não exercente da confiança criada. (Ac, proferido no proc. 4472/18.9T8VIS-A.C, versão integral em wwww,dgsi.pt)
Pelas razões expostas, e não se alcançando qualquer ilegalidade/irregularidade nas deliberações tomadas no acto eleitoral ocorrido no dia 30 de Abril de 2022, correspondente à eleição para os órgãos sociais da Casa do Povo …, improcederá a presente apelação.
*
V. Decisão
Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em julgar totalmente improcedente a apelação apresentada, mantendo-se na íntegra a sentença proferida na primeira instância.
Custas pelo recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 06-03-2025
João Brasão.
Anabela Calafate.
Cláudia Barata.