I – Uma decisão cumulatória, se bem que não possa interferir na matéria da culpabilidade quanto a cada um dos crimes abrangidos, não deixa de formular um juízo quanto ao comportamento global do condenado – personalidade do arguido/condenado, ilícito e culpa globais e necessidades preventivas -, em razão dos fins próprios do conhecimento superveniente do concurso, tendo por base factos e meios de prova, nomeadamente aqueles que determinam a verificação dos pressupostos de realização do cúmulo jurídico.
II - Tem-se entendido, considerando o artigo 449.º, n.º3, do CPP, que a revisão, com base na descoberta de novos factos ou meios de prova que, por si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, não é admissível com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.
III - Numa interpretação restritiva, o acórdão de 14.03.2013, proferido no proc. 693/09.3JABRG-A.S1, entendeu que a expressão normativa contida no artigo 449.º, n.º3, sugere fortemente que o que a lei afasta é, apenas, a revisão da determinação da medida concreta da pena, dentro da moldura abstrata correspondente à infração imputada ao condenado. Considerou o legislador inequivocamente que a sujeição a revisão do procedimento de determinação da pena concreta, enquadrado que está pela moldura abstrata, constituiria uma desproporcionada ofensa ao caso julgado, afetando de forma excessiva os interesses que ele protege. Para a “correção” da medida da pena existem os recursos ordinários e, com o trânsito em julgado, fixada fica definitivamente a pena.
IV - Num caso como o que está em apreço, a questão não é de mera correção da pena concretamente aplicada dentro de uma determinada moldura – saber se ao condenado deve ser aplicada mais pena ou menos pena -, mas de determinação da própria moldura abstrata em que a pena conjunta teria de ser fixada, por inclusão indevida de penas parcelares relativas a factos que não deveriam ter sido considerados na avaliação do ilícito e da culpa globais do condenado. Por isso, estando em causa o conhecimento superveniente do concurso, não nos parece caber no âmbito da proibição do artigo 449.º, n.º3, a revisão de decisão cumulatória que vise a exclusão do cúmulo de determinados factos-penas – desde que verificados os pressupostos da revisão -, o que, a acontecer, se repercutirá necessariamente na moldura abstrata do cúmulo e, por via disso, na medida da pena única, podendo, inclusivamente, verificar-se uma evidente desproporção entre as reações penais em referência, a justificar a qualificação como “injusta” da decisão cumulatória transitada.
V - Nem todos os erros conducentes a condenações injustas são admitidos ao procedimento legal da respetiva revisão, que depende, sempre, da verificação dos respetivos requisitos, sendo certo que eventuais interpretação equivocadas da lei, ou que sejam mesmo, manifesta e ostensivamente, erradas, são cobertas pelo caso julgado e insuscetíveis de revisão, se não enquadradas nas alíneas do artigo 449.º, n.º1.
VI - Porém, o que ocorre é que o tribunal competente para o cúmulo fixou factos relevantes com base numa certificação (meio de prova) desconforme à realidade – um erro de facto e não uma mera questão de interpretação da lei -, sendo certo que, presentemente, um novo facto se impõe, com base num novo meio de prova, que não tinha como ser considerado, nem pela 1.ª instância, nem pelo STJ: a pena de prisão suspensa na sua execução imposta no Proc. 693/09.3... foi autonomamente declarada extinta por despacho transitado em julgado. Não estamos, tão somente, perante o erro de certificação no que concerne ao trânsito em julgado do despacho que revogou a suspensão da execução da pena imposta no Proc. 693/09.3..., mas também perante a extinção dessa mesma pena, o que não pode deixar de suscitar, com base num facto novo e num novo meio de prova, graves dúvidas sobre a justiça do acórdão cumulatório, nomeadamente no que diz respeito ao facto provado n.º 13, uma vez que a inclusão, no cúmulo jurídico, das penas parcelares do referido processo, condicionou, naturalmente, a fixação da moldura abstrata do cúmulo, tornando-a mais elevada no seu máximo (em 11 anos e 3 meses) e, consequentemente, a pena única aplicada.
I – RELATÓRIO
1. AA, com os restantes sinais dos autos, foi condenado, em cúmulo jurídico, por acórdão de 04.06.2019, na pena única conjunta de 14 anos e 6 meses de prisão.
Interpôs recurso desse acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que por acórdão de 19.12.2019, no provimento parcial do recurso, fixou a pena em 10 anos de prisão.
2. Invocando como fundamento o previsto na alínea d), do n.º 1, do artigo 449.º, do Código de Processo Penal (doravante, CPP), veio o referido condenado interpor pedido de revisão, alegando:
« I – Enquadramento
Por Acórdão proferido nestes autos em 04.06.2019 procedeu-se ao cúmulo jurídico da pena de prisão aplicada ao Arguido nestes autos (5 anos) e ainda:
- da pena de 3 anos em que fora condenada no processo 55/04.9... do Juízo Central Criminal de ... – Juiz ...;
– da pena de 3 anos em que fora condenada no processo 2889/05.8... que correu termos no Juízo Central Criminal de ... – Juiz ...; e
– da pena de 5 anos em que fora condenada no processo 693/09.3... que correu termos no Juízo Central Criminal de ... – Juiz ...;
Tendo o Arguido sido, então, condenado na pena única de 14 anos e 6 meses de prisão.
No elenco dos factos dados como provados consta que:
“11.Por acórdão proferido 31.05.2012 e transitado em julgado 03.07.2012 – no âmbito do processo n.º 639/09.3... [lapso de escrita entretanto corrigido] que correu termos no Juízo Local Criminal de ... – Juiz ... –, foi o arguido condenado pela prática – entre 03.03.2008 a 12.2008 – de um crime de falsificação ou contrafação de documento agravado previsto e punido pelo artigo 256.º n.ºs 1, alínea a), e 3, um crime de burla qualificada previsto e punido pelos artigos 217.º n'.º 1 e 218.º n.º 1 do Código Penal e dois crimes de burla qualificada previsto e punido pelo artigo 217.º n.º 1 e 218.º n.ºs 1 e 2, alínea a), do Código Penal, nas penas parcelares de 1 ano e 3 meses de prisão, de 2 anos de prisão, de 4 anos de prisão e de 4 anos de prisão, respectivamente;
12.Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de pena única de 5 anos de prisão suspensa por 5 anos, com sujeição a regime de prova e à condição de pagar, no mesmo prazo, a BB a quantia de €37.500,50 e a CC a quantia de €44.000,00.
13.Por decisão proferida em 22.04.2014 e transitada em julgado em 09.04.2019 foi a suspensão da execução da pena única revogada e determinado o cumprimento da pena de prisão efectiva”.
Quanto à revogação da pena suspensa que se deu como provada no ponto 13 consta ainda do Acórdão sub iudice que tal foi dado como provado com base no “teor do despacho que revogou a suspensão da pena de prisão nesse mesmo processo, junto a fls. 1267/1269”.
Mais se tendo feito expressamente constar do Acórdão que a pena relativa ao processo 693/09.3... foi incluída no cúmulo apenas porque “após a marcação da audiência de cúmulo, se verificou que a suspensão da pena de prisão foi revogada por decisão transitada em julgado, tal como se fez constar no ponto 13) dos factos provados”
(cfr. o último parágrafo da pág. 30 do referido Acórdão).
É já evidente, como infra veremos, que a decisão de revogar a suspensão da pena de prisão do processo 693/09.3... nunca chegou a transitar em julgado.
Aliás, após a prolação do referido Acórdão foram juntos aos autos documentos que tal demonstravam (e demonstram cabalmente) e que provieram inclusivamente do próprio processo 693/09.3...
O Arguido recorreu de tal Acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, onde, para além de outras questões, veio arguir o referido lapso quanto ao trânsito em julgado da decisão de revogar a suspensão da pena de prisão do processo 693/09.3...
Apesar de parecer favorável do digníssimo Procurador Geral Adjunto no Supremo Tribunal de Justiça quanto a tal questão, no Acórdão proferido em 11.12.2019 o Supremo Tribunal de Justiça decidiu não tomar conhecimento dessa questão pois que entendeu que no âmbito do recurso em causa não tinha poder para alterar a decisão da matéria de facto (isto é, o referido ponto 13).
Tendo, contudo, decidido reduzir a pena única aplicada ao Arguido para 10 anos.
Ora, entende o Arguido que não tendo sido possível alterar a decisão da matéria de facto em sede de recurso e estando, como veremos, perante uma gritante injustiça decorrente de um lapso apenas imputável ao Tribunal que proferiu o processo 693/09.3... e existindo documentos que demonstram que tal decisão de cúmulo jurídico teve por base factos errados, que estão reunidos os requisitos para lançar mão do presente recurso de revista.
Aliás, é este o caminho que o digníssimo Procurador Geral Adjunto no Supremo Tribunal de Justiça aponta no seu douto Parecer para o caso de a decisão transitar em julgado (cf. o terceiro parágrafo da página _ do dito parecer).
II – Fundamento do recurso de revisão
Conforme acima vimos, resulta claro do Acórdão recorrido que a pena aplicada no processo 693/09.3... só foi incluída na decisão recorrida por já ter transitado em julgado a decisão de revogar a suspensão da pena.
De facto, a jurisprudência da Supremo Tribunal de Justiça tem sido clara no sentido de que não pode ser incluído num cúmulo jurídico uma pena suspensa cujo prazo de suspensão já tenha decorrido enquanto não existir trânsito em julgado da decisão de revogação da mesma.
Sendo que tal inclusão violaria o previsto nos artigos 78.º, 77,º n.º 1 e 57.º n.ºs 1 e 2 do Código Penal.
Neste sentido ver, entre outros o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu douto Acórdão proferido em 15.07.2020 (disponível em www.dgsi.pt e referente ao processo 3325/19.8T8PNF.S1 ).
Ora, perscrutando os presentes autos resulta que a consideração no Acórdão recorrido do suposto trânsito em julgado da decisão de revogação da pena suspensa teve por base a informação prestada pelo processo 693/09.3... em 15.04.2019 no sentido de que de tal decisão já tinha transitado em julgado em 09.04.2019 - cfr. o Doc. n.° 1 que se junta.
Contudo, tal certificação do trânsito em julgado provinda do processo 693/09.3... decorreu de lapso da secretaria desse Tribunal.
Tendo o Tribunal em causa vindo informar em 29.10.219 que não só a certificação do trânsito tinha sucedido por lapso como inclusivamente o Tribunal da Relação de Lisboa tinha decidido anular a decisão de revogação da pena suspensa - cfr. os Docs. n.° 2 e 3 que se juntam.
Ademais, a pena suspensa em causa foi posteriormente inclusivamente declarada extinta - cfr. o Doc. n.° 4 que se junta.
Assim temos que dos documentos acima referidos resulta inequívoco que a decisão em causa teve por base factos demonstradamente inverídicos, a saber, a decisão de revogação da suspensão não transitou em julgado como veio a ser anulada.
Assim, acha-se demonstrado que foi cometida séria ilegalidade, porquanto, como acima vimos, não podia a decisão de cúmulo jurídico ter incluído a pena em causa por ainda não ter transitado em julgado a decisão da sua revogação e com tal foram violados os artigos 78º, 77º n.º 1 e 57º nos 1 e 2 do Código Penal.
Ademais, dos referidos documentos resulta ainda que foi cometida grave injustiça, já que o Arguido viu-se condenado numa pena única certamente superior ao que era justo e proporcional por nele se ter incluído indevidamente uma pena de prisão de 5 anos.
Pelo que, salvo melhor opinião, acha-se demonstrado que os novos meios de prova (os acima referidos documentos 2 a 4) são mais do que suficientes para neles se fundar uma revisão do Acórdão recorrido nos termos do aludido 449.º, n.º 1. alínea d) do CPP.
Sendo que, por dever de patrocínio, sempre se diga que o facto de os documentos acima referidos já constarem dos autos não obsta a que sirvam de fundamento a um recurso de revisão desde que, como no caso em apreço, sejam posteriores à decisão objecto de recurso.
Neste sentido ver, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 07.05.2009 (disponível em www.dgsi.pt e referente ao processo n.º 73/04.7PTBRG-D.S1 ) onde se decidiu que pode fundar recurso de revisão documentos juntos aos autos após a prolação da decisão mas antes do seu trânsito em julgado.
Assim sendo, deve o recurso de revisão ser aceite e, em consequência, deve o Acórdão recorrido ser expurgado do ponto 13. dos factos dados como provados sendo substituído por outro em que se dê como provado que a pena em causa foi declarada extinta e elaborando-se novo cúmulo jurídico onde apenas se tenha em consideração as penas aplicadas no presente processo e nos processos 55/04.9... 2889/05.8....
Termos em que deve este Alto Tribunal dar provimento ao presente recurso de revisão.
Assim se fazendo JUSTIÇA!
(…).»
3. O requerimento mostra-se instruído com documentos.
4. O Ministério Público, junto do tribunal de 1.ª instância, respondeu no sentido de que o pedido de revisão deverá merecer provimento.
5. O Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto, neste Supremo Tribunal de Justiça, no visto a que alude o artigo 455.º, n.º1, do CPP, emitiu parecer no sentido de que não se verificam, no caso em apreço, os pressupostos da revisão do acórdão condenatório, dizendo, a dado passo:
« “(…) III - Novos meios de prova são aqueles que são processualmente novos, que não foram apresentados no processo da condenação; a novidade, neste sentido, refere-se ao meio de prova, seja pessoal, documental ou outro, e não ao resultado da produção da prova.”
Em acórdão mais recente, este Supremo Tribunal veio reafirmar que “Os factos, com relevo para a revisão de sentença com o fundamento previsto na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, são os que, compondo o crime, devem constituir o tema da prova (“factos probandos”) e os meios de prova são constituídos pelas provas que se destinam a demostrar a verdade de quaisquer factos, ou que constituem o crime, ou que indiciam a existência ou inexistência do crime (“as provas relativas a factos probandos”)”.
Ora, o recorrente não interpõe aqui recurso de revisão de uma decisão condenatória, mas sim de um acórdão cumulatório, em conhecimento superveniente, que foi já confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, tribunal esse que se pronunciou especificamente sobre a questão aqui levantada, considerando não ser de criticar a inclusão das penas parcelares aqui em apreço no cúmulo efetuado.
Dito de outra forma, a questão que aqui se coloca não se prende com a prova do crime, nem permite suscitar graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado, a ponto de nos levar a fazer prevalecer as exigências da justiça sobre a necessidade de segurança ou da certeza.
A questão que serve de objeto a este recurso reconduz-se à resolução do descordo jurídico resultante da consideração, para efeitos de cúmulo, de pena de prisão cuja execução se encontrava suspensa, sem que tivesse sido declarada extinta, questão essa que é totalmente estranha ao quadro normativo constante do artigo 449º e ss. do CPP.
Problema diverso, mas que não está aqui em apreciação, prende-se com as consequências da declaração de extinção da pena suspensa aplicada ao recorrente no processo 693/09.3..., constante do despacho proferido pelo Juízo Central Criminal de ... -Juiz ..., em 03.07.2020, ou seja, em data posterior ao trânsito em julgado do acórdão cumulatório aqui em causa, que ocorreu em 14.01.2020, e que integrou tal pena no cúmulo jurídico.
5. Face ao exposto e examinados os fundamentos do recurso, emite-se parecer no sentido de que não se verificam os fundamentos de admissibilidade da revisão, pelo que deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.»
6. Notificado o requerente da posição assumida pelo Ministério Público, para, em 10 dias, querendo, dizer o que tivesse por conveniente, foi apresentada resposta na qual aquele reafirma, no essencial, as razões apresentadas no pedido de revisão.
7. Após verificar-se que não tinha sido prestada informação nos termos do artigo 454.º do CPP, solicitou-se a mesma, tendo a Mm.ª Juíza titular do processo prestado informação sobre o mérito do pedido nos seguintes termos:
«Por Acórdão proferido nestes autos em 04.06.2019 procedeu-se ao cúmulo jurídico da pena de prisão aplicada ao Arguido (5 anos) e ainda:
- da pena de 3 anos em que fora condenado no processo 55/04.9... do Juízo Central Criminal de ... – Juiz ...;
- da pena de 3 anos em que fora condenado no processo 2889/05.8... que correu termos no Juízo Central Criminal de ... – Juiz ...;
E - da pena de 5 anos em que fora condenado no processo 693/09.3... que correu termos no Juízo Central Criminal de ... – Juiz ...;
Tendo o Arguido sido condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 14 anos e 6 meses de prisão.
O arguido funda o seu recurso no facto de a pena aplicada no âmbito do processo 693/09.3... ser uma pena de prisão suspensa na execução por 5 anos, cujo prazo já havia decorrido aquando da realização do cúmulo e que foi incluída no presente cúmulo por haver uma errada informação acerca do trânsito em julgado do despacho que procedeu a revogação da suspensão daquela pena. Na verdade, tal despacho não havia transitado em julgado por ter havido recurso, o qual veio a obter provimento e, posteriormente, a pena aplicada ao arguido naqueles autos veio a ser julgada extinta.
Assim, conclui o arguido pela injusta da decisão por resultar uma moldura muito superior a que deveria ser aplicada e, consequentemente, também uma pena única mais elevada.
O arguido veio requerer a revisão da sobredita decisão condenatória ao abrigo do disposto nos artigos 449.º, n.º 1, alínea d), 450.º, n.º 1, alínea c) e 451.º, todos do Código de Processo Penal, e, ainda, no artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa.
O arguido juntou aos autos as informações prestadas pelo processo n.º 693/09.3..., nomeadamente a informação sobre o trânsito em julgado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão em 09.04.2019, a informação de se ter atestado erroneamente o trânsito em julgado do aludido despacho e o despacho que declarou extinta aquela pena.
Assim, pugna o arguido pela existência de novos factos e meios de prova que, não tendo sido oportunamente apreciados nos autos principais, determinam a injustiça da condenação por si sofrida.
*
O recurso extraordinário de revisão, cujo regime está regulado nos artigos 449.º e ss. do Código de Processo Penal, “…assenta num compromisso entre, por um lado, a salvaguarda do caso julgado, que assegura a certeza e a segurança do direito e é, portanto, condição essencial da manutenção da paz jurídica, e, por outro, as exigências da justiça material. Trata-se de um remédio excecional contra decisões (transitadas) notoriamente injustas, permitindo a sua revisão naqueles casos em que subsistência da decisão (injusta) seria insuportável para o sentimento de justiça da comunidade.” - cf. Ac. do STJ, de 23.11.2010, proc. n.º 1359/10.7GBBCL-A.S1, disponível em www.dgsi.pt.
Em concreto, dispõe o artigo 449.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal - invocado pelo arguido no seu requerimento de interposição de recurso - que “A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: “Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.”
Quanto ao que sejam “factos ou meios de prova novos”, tem-se por maioritário o entendimento de que correspondem tão-somente àqueles capazes de suscitar grandes dúvidas sobre a justiça da condenação (e não apenas dúvidas ou dúvidas razoáveis), devendo, bem assim, ser novos não só para o Tribunal, como também para o próprio arguido, sendo esta a interpretação que melhor se coaduna com o carácter excecional do recurso de revisão.
A este propósito, João Conde Correia (in “O Mito do Caso Julgado e a Revisão Propter Nova”, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, pág. 583, apud Paulo Pinto de Albuquerque in “Comentário do Código de Processo Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Lisboa: UCE, 2011, 4.ª Ed., pág. 1211) admite a revisão tendo em conta a “assunção pública e voluntária” da autoria dos factos por um terceiro.
Baixando ao caso concreto, compulsados os autos resulta que aquando da audiência de cúmulo, realizada no dia 28 de Maio de 2019, e da prolação do acórdão cumulatório, no dia 04 de Junho de 2019, não havia informação nestes autos acerca do Acórdão que procedeu à revogação do despacho proferido a 12.04.2014, no Proc. nº 693/09.3..., que revogou a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido AA, nesses mesmos autos.
Ocorre que foi solicitada informação àquele processo acerca do estado da pena, cuja resposta, foi recebida certidão, datada de 28.02.2019, dando conta de que essa pena não tinha sido revogada nem declarada extinta – cfr. fls. 1223. Nesta sequência, o Tribunal solicitou que fosse remetida informação acerca do cumprimento da pena (fls. 1242).
Em 10.04.2019, o Tribunal proferiu despacho julgando verificados os pressupostos do concurso superveniente de crimes relativamente aos processos n.ºs 45/09.5..., 55/04.9... e 2889/05.8... No entanto, considerou-se que a pena aplicada no processo n.º 693/09.3... não poderia ser cumulada por se tratar de uma pena suspensa cujo prazo já havia decorrido sem que tivesse sido declarada extinta ou revogada.
No dia 15.04.2019 foi junto aos presentes autos ofício proveniente do Proc. n.º 693/09.3... informando que havia sido revogada a suspensão da pena aplicada naqueles autos por despacho transitado em julgado em 09.04.2019 – fls. 1267.
No CRC do arguido, ora recorrente, junto aos autos no dia 06.05.2019, a fls. 1273 a 1285, consta a revogação da suspensão da execução da pena naquele processo e a sua condenação na pena 5 anos de prisão efetiva – cfr. fls. 1285.
No entanto, não resulta dos autos que o arguido ou o seu ilustre defensor tenham sido notificados de tais informações (CRC e trânsito em julgado do despacho que revogou a suspensão da pena de prisão).
O recurso que incidiu sobre o Acórdão cumulatório proferido nos presentes autos, no dia 04.06.2019, foi decidido pelo Ac. proferido pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça, no dia 11.12.2019, transitado em julgado no dia 14.01.2020.
No dia 29.01.2020 esse Acórdão foi comunicado pelo Proc. n.º 45/09.5... ao Proc. n.º 693/09.3...
No dia 09.07.2020 foi proferido despacho no Proc. n.º 693/09.3... declarando extinta a pena única de 5 anos de prisão suspensa na sua execução ali aplicada ao arguido AA, ao abrigo do disposto no artº 57.º n.º 1, do Cód. Penal.
Ora, da conjugação de todas estas informações e elementos constata-se que o despacho proferido no Proc. n.º 693/09.3... no dia 28.10.2019, dando conta do erro referente ao trânsito em julgado do despacho proferido naqueles autos, que revogou a suspensão da execução da pena única ali imposta, afigura-se que deve constituir “novo meio de prova”, para os efeitos do disposto no artº 449.º, n.º 1, al. d), do CPP uma vez que não foi considerado aquando da audiência de cúmulo e do acórdão cumulatório.
Nesse sentido, suscitam-se graves dúvidas sobre a justiça do acórdão cumulatório, nomeadamente no que diz respeito ao facto provado n.º 13 – que considerou revogada a suspensão da pena de prisão de 5 anos em que o arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 693/09.3... – uma vez que a inclusão de tal pena no cúmulo jurídico, teve, naturalmente, influencia na moldura do cúmulo, tornando-a mais elevada, e, consequentemente, na pena única aplicada.
Desta forma, e de harmonia com o supra exposto, entendemos que se mostram reunidos os pressupostos para que possa ser autorizado o processo de revisão.»
9. O requerente (existe alguma controvérsia acerca da verdadeira natureza da revisão – pedido de anulação/ação de impugnação ou verdadeiro recurso) tem legitimidade para requerer a revisão [artigo 450.º, n.º 1, al. c), do CPP] e este tribunal é o competente [artigos 11.º, n.º 4, al. d), e 454.º do CPP).
Não foram apresentadas conclusões, o que não obsta à admissibilidade e conhecimento do pedido.
Visto o Capítulo II, Título II do Livro IX, do CPP, que regula os trâmites da revisão, aí não se inclui qualquer norma que obrigue à apresentação de conclusões e, ao invés do que acontece para o recurso extraordinário de fixação da jurisprudência, inexiste norma com âmbito idêntico à do artigo 448.º que mande aplicar subsidiariamente as regras dos recursos ordinários.
Neste sentido se decidiu já nos acórdãos do STJ de 10.11.2022, proc. n.º 3624/15.8JAPRT-G.S1 e de 13.09.2023, proc. n.º 7/22.7PBCHV-A.S1 (disponíveis em www.dgsi.pt).
10. Realizada a conferência, nos termos do artigo 455.º, n.º 3, do CPP, cumpre apreciar e decidir sobre a verificação dos fundamentos de admissibilidade da revisão de sentença previstos na alínea d), do n.º 1, do artigo 449.º, do CPP.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. FACTOS RELEVANTES
2.1. Estão dados como assentes os seguintes factos, no acórdão cumulatório (transcrição, estando a negrito os factos que aqui relevam):
1. Por acórdão proferido em 04.06.2014 e transitado em julgado em 31.10.2018, nestes autos, foi o arguido AA condenado pela prática – entre 01.05.2008 e 01.06.2009 – de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º n.º 1 e 218.º n.ºs 1 e 2, alínea a), do Código Penal e de um crime de uso de documento falsificado agravado, previsto e punido pelo artigo 256.º n.ºs 1, alínea e), e 3, por referência ao artigo 255.º, alínea a), do Código Penal e aos artigos 1.º, 12.º, 14.º, 19.º e 29.º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque, nas penas parcelares de 4 anos e 6 meses e 2 anos de prisão, respectivamente.
2. Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 5 anos de prisão.
3. No âmbito do referido processo foram considerados provados, entre outros, os seguintes factos:
- Em data não concretamente apurada, mas seguramente entre 01.05.2008 e 04.07.2011, o arguido AA apropriou-se do cartão multibanco e da documentação bancária do seu pai, DD, nascido em ........1926, com residência em ..., em ....
- Na posse de tal documentação, o arguido AA, de forma não concretamente apurada, requisitou e tornou-se possuidor de cheques emitidos em nome de DD, da conta n.º ...01 do Banco Finibanco, titulada por DD, com vista a utilizá-los posteriormente.
- Em data não concretamente apurada, mas seguramente entre 01.08.2008 e 30.09.2008, EE conheceu o arguido AA, no âmbito de uma campanha promocional relativa à venda do direito de utilização de apartamentos em regime de time-sharing efetuada pelo Hotel..., em ....
- No dia 11.08.2008, o arguido AA, na qualidade de representante legal da sociedade I..., S.A., celebrou com EE um contrato de compra e venda de título de direito de habitação periódica do imóvel n. ..., tipologia T1, sito na ..., em ..., durante duas semanas por ano e por um prazo de 30 anos, pelo valor total de 16.000,00 (dezasseis mil euros).
- Foi ainda acordado entre EE e o arguido AA que tal valor seria pago em quatro prestações, sendo a primeira no valor de 2.000,00€ (dois mil euros) paga em 11.08.2008, a segunda, no valor de 6.000,00€ (seis mil euros), a pagar no dia 31.08.2008, a terceira, no valor de 4.000,00€ (quatro mil euros), a pagar no dia 30.10.2008 e a última prestação, no valor de 4.000,00€ (quatro mil euros), a pagar no dia 31.12.2008.
- Entre 11.08.2008 e 04.12.2008, o arguido AA contactou telefonicamente, por diversas vezes, EE, dizendo-lhe que tinha em vista outros negócios que lhe poderiam interessar, e que quando tivesse oportunidade, passaria pela sua residência, em ..., para conversarem.
- No dia 04.12.2008, o arguido AA dirigiu-se à residência de EE, sita na ..., em ... e propôs-lhe a celebração de mais dois contratos de compra e venda de dois imóveis, pelo valor global de 64.000,00€ (sessenta e quatro mil euros).
- Nestas exatas circunstâncias, o arguido AA declarou a EE que os mesmos direitos seriam vendidos posteriormente, volvidos três meses, a um terceiro comprador, pelo valor de 88.000,00€ (oitenta e oito mil euros), e que EE receberia, na mesma data, o valor pago, acrescido de 24.000,00€ (vinte e quatro mil euros), resultantes da diferença entre o valor de compra e o valor de venda dos direitos daqueles apartamentos, e que correspondia à margem do lucro do mesmo no negócio.
- Ato contínuo, o arguido AA entregou a EE os dois contratos supra referenciados, os quais já se encontravam preenchidos com o nome de outros compradores, sendo em tudo semelhantes ao contrato pelo mesmo anteriormente celebrado.
- Nestas exatas circunstâncias, e para pagamento do preço dos contratos referenciados, EE entregou ao arguido AA sete cheques, no valor total de 64.000,00€ (sessenta e quatro mil euros), com as seguintes características:
a. dois cheques no valor de 4.000,00€ (quatro mil euros) cada;
b. três cheques no valor de 10.000,00€ (dez mil euros) cada e
c. dois cheques no valor de 13.000,00€ (treze mil euros) cada,
d. todos sacados sobre a conta n.º ...30, da Caixa Geral de Depósitos, titulada por EE.
- Nestas exatas circunstâncias, para garantia do cumprimento de tal contrato, o arguido AA entregou a EE dois cheques, preenchidos e assinados, com as seguintes características:
a. um cheque com o n.º ...01, emitido pelo Finibanco, da conta nº ...01, titulada por DD, no valor de 30.000,00€ (trinta mil euros), datado de 02.02.2009, e com local de emissão “...”;
b. e um cheque com o n.º ...77, emitido pelo Finibanco, da conta nº ...01, titulada por DD, no valor de 58.000,00€ (cinquenta e oito mil euros), com o n.º ...77, datado de 15.02.2009, e com local de emissão “...”;
c. totalizando ambos, o valor de 88.000,00€ (oitenta e oito mil euros), correspondente ao valor pelo qual seria efetuada a revenda dos direitos que EE tinha acabado de adquirir.
- Contudo, apresentados a pagamento por EE, tais cheques vieram devolvidos na Compensação de ..., nos dias 05.03.2009 e 25.03.2009, respetivamente, por falta de provisão.
- Pese embora os insistentes contactos de EE para o telemóvel do arguido AA, tais quantias nunca lhe foram pagas.
- Em datas não concretamente apuradas, mas que se situam, seguramente, entre 01.12.2008 e 01.06.2009, o arguido AA movimentou em exclusivo as contas bancárias tituladas pelo seu pai, DD, do Finibanco e da Caixa Geral de Depósitos, conta nº ...35 e nº ...31, respetivamente, tendo em seu poder o cartão multibanco e respetivo código de acesso relativos àquelas contas.
- No dia 04.07.2011, foram apreendidos ao arguido AA, por se encontrarem no interior da sua residência, sita na Vila ..., Urbanização ..., em ..., os seguintes objetos:
a. No quarto, dentro do roupeiro, uma pasta azul com riscas vermelhas, contendo a seguinte documentação diversa relativa à compra e venda de férias em apartamentos;
b. No quarto, no interior do roupeiro, diversa documentação bancária cujo titular é DD e notificações expedidas pelo tribunal, em nome de DD e em nome do arguido.
c. No quarto, no interior do roupeiro, documentação diversa relativa à compra e venda de férias em apartamentos;
d. No quarto, um computador portátil, da marca Apple, cor prateada, sem número de série visível, um frasco de spray de gás paralisante, de cor preta, com a designação “KO Spray 007”, um relógio da marca Emporio Armani, com bracelete de cor beje; um relógio da marca United Colors of Benetton; um relógio da marca Emporio Armani, com bracelete de cor preta; um relógio da marca Dolce & Gabanna, com bracelete de cor branca, um relógio da marca Tag Heuer, com bracelete em metal prateado; um relógio da marca Guess, com bracelete de cor castanha e dourada; um relógio da marca Camel, com bracelete de metal de cor dourada; um relógio da marca Swatch, com bracelete de cor prateada; um relógio da marca Emporio Armani, com bracelete de cor castanha; um relógio da marca Nautica, com quatro braceletes de cores diversas; dois anéis em prata, da marca Emporio Armani; um relógio da marca “One”, com cinco braceletes de diversas cores; um telemóvel da marca Motorola, com o IMEI nº ...70; um telemóvel da marca Apple, modelo AI332, EMC 380B, com o cartão SIM da Vodafone nº ...82, com o nº ...98; um IPOD da marca Apple, com o número de série ...ZA.
e. Na sala, um computador portátil da marca Toshiba, com o número de série ...0Q; documentos de contrato de adesão de sócio do P..., em nome de FF; uma máquina fotográfica da marca Sony, modelo DSCI200, de cor preta, com cartão de memória; um IPOD da marca Apple, de 80GB, com o número de série ...MV; um IPOD da marca Apple, de 16GB, com o número de série ...4T; um IPOD da marca Apple, com 64GB, com o número de série ...K4; diversos acessórios para IPOD; um conjunto de colunas e amplificador da marca Bowers & Wilkins, com o número de série ...66; uma televisão da marca Pioneer, modelo PDPLX5090H de 50 polegadas, de cor preta, com o número de série ...EW;
f. Na garagem, no lugar atribuído ao arguido AA, foi apreendida documentação bancária em nome de DD, documentação relativa à compra e venda de apartamentos de férias e notificações expedidas pelo tribunal, em nome de DD e em nome do arguido;
- No dia 04.07.2011, foram apreendidos ao arguido AA, por se encontrarem no interior do seu veículo automóvel, marca BMW, série 1, matrícula ..-..-BZ, os seguintes objetos:
a. Um cartão Cetelem, com o nº ...24, emitido em nome de DD;
b. Um cartão Credial XL, com o nº ...94, emitido em nome de DD;
c. Um cartão Finibanco, com o nº ...79, emitido em nome de DD;
d. Um cartão Citibank, com o nº ...05, emitido em nome de DD;
e. Uma requisição de cheques relativa à conta nº ...01, do Banco Finibanco, titulada por DD;
- No dia 04.07.2011, foram apreendidos ao arguido AA, por se encontrarem no interior da sua residência, sita na Rua ..., em ..., os seguintes objetos:
a. Na sala de estar, uma notificação em nome de DD, emitida pelo Serviço do Ministério Público de ..., no âmbito do Inquérito nº 1263/02.2... e quatro fotocópias de cheques da conta n.º ...31, da Caixa Geral de Depósitos, titulada por DD;
b. Na sala de jantar, correspondência expedida por Citybank, Cetelem e Banco Santander, tudo em nome de DD; uma carta expedida por Intrum Justitia, relativa a uma dívida à GE Money, em nome de DD, e uma notificação expedida pela PSP de ..., em nome de DD, para comparência em ato processual;
- O arguido AA sabia que os documentos supra referenciados constituíam cheques, que tal texto se encontrava expresso nos títulos, e que incorporavam um mandato puro e simples de pagar as quantias neles inscritas e, não obstante, quis agir da forma supra descrita, colocando em circulação os cheques como se de um legítimo título de crédito se tratassem, apesar de saber que não tinham sido emitidos por DD, titular da conta, e que se encontravam adulterados nos seus elementos identificativos essenciais, prejudicando o Estado, a economia nacional e a especial credibilidade e confiança pública naqueles títulos de crédito.
- Ao entregar os cheques descritos o arguido AA agiu com o intuito concretizado de fazer sua a quantia de 64000,00€ pertencente a EE, tendo para tanto convencido este a entregar-lhe tal quantia mediante a criação da convicção de um pagamento devido pela celebração de dois contratos de direito real de habitação periódica e de uma restituição de tal montante no prazo de três meses, contratos que sabia que não terem sido efetuados e restituição que sabia que não iria ocorrer, tendo, à custa de tal engano, levado aquele a proceder ao efetivo pagamento de tal quantia.
- Sabia ainda o arguido que tais atos teriam como consequência direta e necessária a privação da entrada no património de EE do valor pago pelo mesmo, acrescido do lucro de 24000,00€ e, não obstante, quis atuar da forma por que o fez.
- O arguido atuou de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
4. Por acórdão proferido em 25.05.2004 e transitado em julgado em 16.04.2012 – no processo n.º 55/04.9... do Juízo Central Criminal de ... – Juiz ... – foi o arguido condenado pela prática – entre data não concretamente apurada mas anterior a 30.09.1997 e 06.08.1998, – de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal e de um crime de falsificação de documento agravado, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.ºs 1, alínea a), e 3, do mesmo diploma legal, nas penas parcelares de 2 anos e 10 meses de prisão e de 1 ano e 3 meses de prisão, respectivamente;
5. Em cúmulo jurídico foi arguido condenado na pena única de 3 anos de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 5 anos, com subordinação à obrigação de o arguido, no prazo de 12 meses, demonstrar nos autos ter pago à ofendida, a título de parcial ressarcimento, a quantia de €10.000,00.
6. Por decisão proferida em 01.03.2018 e transitada em julgado em 20.04.2018 foi a suspensão da execução da pena única revogada e determinado o cumprimento da pena de prisão efectiva.
7. No âmbito do referido processo foram considerados provados, entre outros, os seguintes factos:
- No período compreendido entre inícios de 1997 a Setembro de 1998, o arguido AA foi empregado da M..., Lda., com sede na Rua ..., em ..., que se dedicava à venda de equipamentos de escritório.
- Em 1997, a M..., Lda. lançou uma campanha promocional para venda de equipamentos de fotocópia a cores, que consistia em conceder aos clientes que adquirissem o equipamento, em regime de leasing a 60 meses, a oferta de uma quantia monetária equivalente a seis meses de renda, e aos clientes que escolhessem modo de pagamento diverso a oferta de uma quantia monetária que correspondia aos referidos seis meses de rendas, o que consubstanciava a um desconto significativo na comercialização de tal equipamento) negociado caso a caso.
- Após a venda, a M..., Lda. emitiu cheques da sua conta n.º ...66, do Banco Nacional Ultramarino, emitido à ordem dos clientes, ou do sócio-gerente da sociedade cliente, apondo ali o montante monetário que tinha sido acordado.
- O arguido desempenhava as funções de chefe de vendas, e vendedor, de tal empresa, cabendo-lhe, a par de outro vendedor, de nome GG, que agia sob as suas ordens, vender os equipamentos, tratar da documentação para instruir os processos de leasing, explicar o funcionamento das máquinas e proceder à entrega das quantias acordadas para reembolso das tais primeiras seis rendas, e das quantias pagas a título de publicidade.
- O arguido, em data não concretamente apurada, mas antes de Setembro de 1997, decidiu apoderar-se de quantias tituladas por cheques emitidos pela M..., Lda. a favor de clientes que tinham adquirido fotocopiadoras, nas condições promocionais acima referidas, fazendo das mesmas coisa sua.
- Para tal, o arguido, após receber cada cheque, emitido a favor de daqueles clientes, com o seu punho, no verso dos mesmos, escreveu o nome da pessoa à ordem da qual estavam emitidos, fabricando assim o endosso.
- Quanto a tais cheques, de seguida identificados, o arguido, ou o outro vendedor, GG, sob a sua direcção, deslocou-se aos estabelecimentos dos clientes e solicitou que endossassem o ou os cheques, alegando que tal era necessário para ser mais célere a conclusão dos contratos e que depois lhes entregaria tais quantias monetárias.
- Em execução do plano que tinha delineado, o arguido, entre 30.09.1997 a 06.08.1998, depositou, em agências de ..., tais cheques nas suas contas bancárias, e respetivamente:
a. na conta n.º ...81, do Banco Comércio e Industria, por si titulada:
N° do cheque | Montante | Destinatário | Data Depósito |
...23 | Esc: 901.530$00 | HH | 22.10.1997 |
...58 | Esc: 901.529$00 | II | |
...20 | Esc: 161.584$00 | JJ | 19.12.1997 |
...22 | Esc: 194.000$00 | KK | |
.. _. | Total | Esc: 2.158.643$00 |
b. na conta n.º ...82, do Banco Internacional de Crédito, por si titulada:
N° do cheque | Montante | Destinatário | Data Depósito |
...88 | Esc: 648.767$00 | LL | 30.09.1997 |
...16 | Esc: 530.280$00 | MM | 17.10.1997 |
...35 | Esc: 843.030$00 | NN | 31.10.1997 |
...12 | Esc: 232.830$00 | OO | 22.12.1997 |
.... | . ... | ||
...96 | Esc: 901.559$00 | PP | 05.01.1998 |
...18 | Esc: 367.257$00 | 12.01.1998 | |
...88 | Esc: 901.559$00 | RR | 02.03.1998 |
_ .. ...14 | Esc: 289.066$00 | R... | 06.03.1998 |
...23 | Esc: 361.694$00 | KK | 16.03.1998 |
...24 | Esc: 300.000$00 | KK | 16.03.1998 |
...51 | Esc: 903.132$00 | SS | 23.03.1998 |
Total | Esc: 6.279.174$00 |
c. na conta n.º ...67, do Banco Nacional Ultramarino, por si titulada:
N° do cheque | Montante | Destinatário | Data Depósito |
.... _-_. ...15 | Esc:371.250$00 | MM | 17.10.1997 |
...07 | Esc:341.612$00 | TT | 30.04.1998 |
...60 | Esc:289.066$00 | UU | 06.08.1998 |
Total | Esc: 1.001.928$00 |
- Actuando da forma descrita, o arguido conseguiu que os empregados bancários que o atenderam, se convencessem de que ele era legítimo portador dos cheques de que estes haviam sido regularmente endossados e entregues, apenas por isso conseguindo que tais funcionários lhe creditassem nas suas contas os montantes de cada um dos mencionados cheques.
- Com a sua conduta, o arguido apoderou-se da quantia total de Esc: 9.439.745$00 (nove milhões quatrocentos e trinta e nove mil setecentos e quarenta e cinco escudos), hoje €47.085,24 (quarenta e sete mil oitenta e cinco euros e vinte e quatro cêntimos), quantia que gastou e geriu em seu proveito.
- Aquele GG, julgado por condutas idênticas, em processo separado, mas relativa a outros valores, ressarciu, ali, igualmente, os titulares de alguns cheques relativos a quantias de que o seu “chefe de equipa”, o arguido AA, se apoderou, - entregando o mesmo GG, em dinheiro ou depósito bancário, e entre outros a ele respeitante, aos indivíduos de seguida identificados, as quantias também a seguir referidas:
a. a MM, entre 02.07.98 a 16.11.98, a quantia total de Esc:597.000$00;
b. a II, entre 20.10.98 a 16.11.98, a quantia total de Esc: 148.500$00;
c. a PP, em data não apurada, a quantia total de Esc: 90 1.559$00;
d. a LL, no dia 22.10.97, a quantia total de Esc: 296.636$00; e
e. a NN, no dia 02.] 2.98, a quantia total de Esc: 965.250$00, valor mais elevado ao que teria direito a receber, no montante de Esc: 843.030$00.
- O arguido, ao agir como descrito, fê-lo consciente e voluntariamente, com o propósito de se locupletar com quantias a que não tinha direito, sabendo que o cheque é um título de crédito apto à circulação, que ao apor as aludidas menções punha em causa a confiança e credibilidade merecida pelo mesmo - causando um prejuízo ao Estado e a terceiros -, que os clientes a quem se destinavam os cheques não precisavam de os endossar para que a compra das fotocopiadoras se realizasse com celeridade, e que a sua conduta era proibida por lei.
- A M..., Lda. teve, à data dos factos, por força da apurada conduta do arguido, seu chefe de vendas, e também do tal GG, que se apoderou, igualmente, de um total de 3.254.558$00, como referido, e perante aqueles clientes, período de descrédito e perda de reputação.
- A referida M..., Lda. recebeu o valor das vendas levadas a cabo pelo arguido, tendo todas a fotocopiadoras sido pagas pelas empresas de locação financeira, correspondendo os descontos a parte do preço de que o estabelecimento prescindiu.
- A conduta do arguido originou onda de protestos, que se prolongou por vários meses, através de reclamações junto da sede da M..., Lda., por vezes com a natureza de manifestação ruidosa nos respectivos escritórios e mesmo em plena rua, com efeitos negativos junto de alguma clientela da empresa, e de locadoras dos bancos.
- O arguido e aquele GG, da equipa de vendas, abandonaram, depois, a M..., Lda. e constituíram empresa concorrente, desviando para ali negócios daquela que estavam a decorrer, incluindo alguns que se encontravam já na fase do pedido de financiamento (leasing).
- O arguido, empresário, abandonou, posteriormente, a área da residência, vivendo, actualmente, no Algarve.
8. Por acórdão proferido a 10.10.2012 e transitado em julgado em 18.12.2017 – no âmbito do processo n.º 2889/05.8... que correu termos no Juízo Central Criminal de ... – Juiz ... –, foi o arguido condenado pela prática – entre data não concretamente apurada de 05/2005 e 01.08.2005 – de um crime de falsificação ou contrafacção de documento agravado, previsto e punido pelos artigos 256.º n.ºs 1, alínea a), e 3, do Código Penal na redação anterior à Lei 59/2007 de 4 de Setembro e de um crime de abuso de confiança previsto e punido pelos artigos 205.º n.ºs 1 e 4, alínea b), do Código Penal nas penas parcelares de 1 ano e 6 meses de prisão e de 2 anos e 6 meses de prisão, respectivamente;
9. Em cúmulo jurídico foi arguido condenado na pena única de 3 anos de prisão.
10. No âmbito do referido processo foram considerados provados, entre outros, os seguintes factos:
- A sociedade ME..., Lda., com sede no edifício ..., ..., CF ...20, inscrita na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o n.º ...50 tem como sócias- gerentes VV e WW.
- XX, em 2005, era vendedora comissionista da ME..., Lda. e namorava com o arguido AA.
- Com o propósito de expandir a sua actividade no Sul do país, a gerência da ME..., Lda. pretendia abrir uma filial no centro da cidade de ....
- Em Abril de 2005, XX deu a conhecer à gerência da ME..., Lda. que se encontrava à venda urna fracção autónoma num prédio antigo sito no centro de ..., com uma área superior a 1.000 m2 e que o arguido, à data seu companheiro, estava encarregado da sua venda.
- A fracção situava-se no prédio urbano sito na Rua de ... em ..., inscrita na matriz sob o artigo ...4-F e encontrava-se descrita na ....ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...3-1 a favor de YY, ZZ, AAA, BBB e CCC, sem determinação de parte ou direito.
- Em Maio de 2005, VV, na qualidade de gerente da ME..., Lda., deslocou-se a Faro para conhecer as instalações da referida fracção, encontrando-se aí com o arguido, XX e DDD, filho de CCC e sobrinho dos demais proprietários do prédio.
- Na referida ocasião o arguido AA alegou que existia um mau relacionamento entre os proprietários do prédio, o que dificultava a sua negociação, pelo que era essencial a sua intervenção no negócio com vista à sua concretização, designadamente no sentido de ser possível baixar o preço inicialmente proposto.
- A partir da data referida VV, na qualidade de gerente da ME..., Lda. foi negociando com o arguido o preço da aquisição da referida fracção, bem como as condições de pagamento.
- O arguido estabeleceu contacto com BBB, entretanto incumbido pelos demais irmãos de tratar da venda do referido imóvel.
- BBB entregou ao arguido os dados pessoais dos proprietários, tendo o arguido enviado à ME..., Lda. fotocópias da descrição de teor e predial da fracção e fotocópias dos bilhetes de identidade e cartões de contribuinte dos proprietários, bem como da sua pessoa.
- Em Julho de 2005, o arguido comunicou à gerência da ME..., Lda. que as negociações haviam chegado a bom termo, enviando para o efeito um contrato-promessa com as condições previamente acordadas, entretanto corrigido por ter havido lapso de escrita quanto ao montante do sinal, o qual totalizava €99.000,00.
- O contrato-promessa foi entregue pela gerência da ME..., Lda. ao arguido a fim de este o dar a assinar aos proprietários da fracção.
- O arguido havia informado VV que, dadas as más relações entre os proprietários da fracção, o sinal deveria ser entregue individualmente a cada um deles, pelo que aquela, com data de 21.07.2005 preencheu e assinou cinco cheques da conta n.º ...07 da agência de ... do Banco Espírito Santo, titulada pela ME..., Lda., à ordem de cada um dos proprietários com a correspondente parte do valor do sinal previsto no contrato-promessa, assim discriminados:
a. Cheque n.º ...62, no valor de €15.000,00 à ordem de CCC;
b. Cheque n.º ...71, no valor de €21.000,00 à ordem de YY:
c. Cheque n.º ...89, no valor de €21.000,00 à ordem de ZZ;
d. Cheque n.º ...97, no valor de €21.000,00 à ordem de AAA;
e. Cheque n.º ...01, no valor de €21.000,00 à ordem de BBB.
- Os cheques referidos foram entregues ao arguido que, por sua vez, entregou uma declaração na qual se constituía fiel depositário dos cheques e se responsabilizava em os entregar aos vários proprietários da fracção, à medida que estes fossem assinando o contrato-promessa, com assinaturas reconhecidas, o que deveria ocorrer no prazo de uma semana,
- Na posse dos referidos cheques arguido endossou ao portador os mesmos, apondo no seu verso uma assinatura como se fosse a do respectivo destinatário, c depositou-os na conta n.º ...31 da Agência de ... da Caixa Geral de Depósitos, titulada por DD e EEE, seus pais.
- O arguido apôs as referidas assinaturas e depositou os cheques nas seguintes datas:
a. Cheque n.º ...97: apôs uma assinatura imitando a de AAA e depositou o cheque no dia 22.07.2005;
b. Cheque n.º ...01: apôs uma assinatura imitando a de BBB e depositou o cheque no dia 25.07.2005;
c. Cheque n.º ...71: apôs uma assinatura imitando a de YY e depositou o cheque no dia 25.07.2005;
d. Cheque n.º ...62: apôs uma assinatura imitando a de CCC e depositou o cheque no dia 27.07.2005;
e. Cheque n.º ...89: apôs uma assinatura imitando a de ZZ e depositou o cheque no dia 01.08.2005.
- As quantias tituladas pelos referidos cheques foram debitadas na conta n.º ...07 do Banco Espírito Santo da ME..., Lda., ficando esta desembolsada da quantia de €99.000,00 que se destinava ao pagamento do sinal mencionado no contrato-promessa.
- Não obstante as diversas diligências da gerência da ME..., Lda., o arguido até à presente data não devolveu aquela quantia nem o contrato-promessa.
- O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei, ciente da falta de autenticidade das assinaturas que apôs no verso dos referidos cheques, com o propósito de obter um benefício que sabia ser ilegítimo e com o propósito de lazer seus os referidos cheques, o aludido contrato-promessa, bem como as quantias tituladas por tais cheques no montante global de €99.000,00, ciente que os mesmos não lhe pertenciam e que os havia recebido com o fim específico de entregar os cheques aos seus destinatários e devolver o contrato-promessa à gerência da ME..., Lda..
- Em consequência da conduta do arguido a ME..., Lda. teve um prejuízo no montante global de €99.000,00, o que atingiu a sua capacidade financeira.
- A gerência da ME..., Lda. acreditou que estava a negociar com um legitimo e sério representante e intermediário, nunca pondo cm causa a sua seriedade.
11. Por acórdão proferido 31.05.2012 e transitado em julgado 03.07.2002 – no âmbito do processo n.º 639/09.3... que correu termos no Juízo Local Criminal de ... – Juiz ... –, foi o arguido condenado pela prática – entre 03.03.2008 a 12.2008 – de um crime de falsificação ou contrafacção de documento agravado previsto e punido pelo artigo 256.º n.ºs 1, alínea a), e 3, um crime de burla qualificada previsto e punido pelos artigos 217.º n'.º 1 e 218.º n.º 1 do Código Penal e dois crimes de burla qualificada previsto e punido pelo artigo 217.º n.º 1 e 218.º n.ºs 1 e 2, alínea a), do Código Penal, nas penas parcelares de 1 ano e 3 meses de prisão, de 2 anos de prisão, de 4 anos de prisão e de 4 anos de prisão, respectivamente;
12. Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 5 anos de prisão suspensa por 5 anos, com sujeição a regime de prova e à condição de pagar, no mesmo prazo, a BB a quantia de €37.500,50 e a CC a quantia de €44.000,00.
13. Por decisão proferida em 22.04.2014 e transitada em julgado em 09.04.2019 foi a suspensão da execução da pena única revogada e determinado o cumprimento da pena de prisão efectiva.
14. No âmbito do referido processo foram considerados provados, entre outros, os seguintes factos:
- No ano de 2008, o arguido colaborava, em regime de prestação de serviços. com a sociedade “D..., S.A.”, na comercialização de direitos de habitação turística sobre algumas das unidades de alojamento do hotel “D...”, em ...;
- O direito de habitação turística comercializado pela “D..., S.A.” permitia, à pessoa que o adquirisse, usufruir de uma semana de férias nessa unidade hoteleira, mediante a prévia celebração de um contrato de compra e venda;
- Com vista a uma maior agilidade na celebração dos referidos contratos, a “D..., S.A.” criou “formulários-tipo” de contratos de compra e venda do direito de habitação turística, nos quais bastava ao comercial preencher os dados de identificação do cliente/ comprador, o tipo de alojamento comercializado, bem como o respectivo valor;
- Os referidos contratos encontravam-se, previamente, assinados por um legal representante da “D..., S.A.”, pelo que o contrato se considerava celebrado com a assinatura do cliente/ comprador;
- Os referidos “formulários-tipo” do contrato de compra e venda do direito de habitação turística encontravam-se guardados na sede da “D..., S.A.”, sita na Av ..., em ..., local onde deveriam ser celebrados com os clientes;
- Por via da sua colaboração com a “D..., S.A.” na comercialização dos direitos de habitação turística, o arguido tinha acesso aos referidos “formulários-tipo” de contratos de compra e venda, previamente assinados por representantes da “D..., S.A.”, e, a dada altura, decidiu utilizá-los em proveito próprio;
- Assim, no dia 7 de Março de 2008, o arguido, na posse do “formulário-tipo” do contrato de compra e venda do direito de habitação turística n.º ...07. deslocou-se ao café “T...”, sito na Estrada de ..., em ...;
- Uma vez nesse local, encontrou-se com BB que tinha intenção de adquirir uma semana de férias no “D...” em ...;
- Assim. nesse mesmo dia, o arguido preencheu o formulário do contrato de compra e venda do direito de habitação turística com os dados pessoais de BB. com indicação do título de habitação turística e respectivo valor a pagar, o qual foi por si assinado;
- Para pagamento desse direito, e na mesma data, BB entregou ao arguido o cheque n.º ...27, sacado sobre a conta n.º ...00, da Caixa Geral de Depósitos, pelo mesmo titulada, no montante de € 13.000,50, emitido à ordem de “D...” e com data de 10.03.2008;
- Na posse do referido cheque, o arguido, no local onde BB havia escrito o nome do beneficiário do cheque, “D...”, com o seu próprio punho, alterou-o para o nome “FFF”;
- No verso do cheque, o arguido escreveu novamente o nome “FFF”, como se da assinatura desta pessoa se tratasse, simulando, dessa forma, um endosso:
- No dia 10 de Março de 2008, na posse do cheque assim rasurado e indevidamente endossado, o arguido deslocou-se a uma agência da Caixa Geral de Depósitos onde procedeu ao depósito do mesmo na conta n° ...31, titulada pelos seus pais, DD e EEE, e à qual tinha acesso;
- O arguido nunca deu conhecimento à “D..., S.A.” da celebração do referido contrato, nem lhe entregou o montante titulado no cheque.
- Pretendendo adquirir novos direitos de habitação turística sobre duas unidades de alojamento, em Setembro de 2008, BB contactou novamente o arguido;
- Assim, em meados de Setembro de 2008, o arguido, na posse de dois outros “formulários-tipo” de contrato de compra e venda de habitação turística, cujo número não se logrou apurar, deslocou-se ao café “T...”, sito na Estrada de ..., em .... onde se encontrou com BB;
- Nesse mesmo dia, o arguido preencheu os formulários do contrato de compra e venda de direito de habitação turística com os dados pessoais de BB, com indicação do título de habitação turística e respectivo valor a pagar, o qual foi por si assinado:
- Para pagamentos desses direitos, num total de € 24.500,00, BB efectuou as seguintes transferências bancárias para a conta do Finibanco com o NIB ...18, titulada pelo pai do arguido, DD, e à qual tinha acesso:
a. €16.100,00. no dia 22.09.2008;
b. €1.000,00, no dia 02.10.2008;
c. €1.000,00, no dia 02.10.2008;
d. €1.000,00, no dia 06.10.2008;
e. €900,00, no dia 13.10.2008;
f. €1.000,00, no dia 15.10.2008;
g. €1.000,00, no dia 15.10.2008;
h. €500.00, no dia 18.10.2008;
i. €1.000,00, no dia 23.10.2008; e
j. €1.000,00. no dia 31.10.2008;
- Para garantia do investimento de BB, o arguido emitiu e entregou a este o cheque n.º ...98, sacado sobre a conta n.º ...01, do Finibanco. titulada por DD, no montante de €28.250,00, datado de 19.12.2008;
- Apresentando a pagamento por BB, no dia 22.12.2008, tal cheque foi devolvido, por falta de provisão;
- O arguido nunca deu conhecimento à “D..., S.A.” da celebração dos referidos contratos, nem lhe entregou os montantes depositados na conta titulada por DD;
- No dia 16 de Fevereiro de 2008, a assistente CC em representação da sociedade “R..., Lda.”, celebrou com a “D..., S.A.”, dois contratos de compra e venda de títulos de habitação turística, referentes a duas semanas de férias no “D...”, em ...;
- O intermediário de tal negócio foi o arguido, na qualidade de colaborador da “D..., S.A.”;
- Em meados de Abril de 2008. o arguido deslocou-se ao local de trabalho da assistente. CC, e, alegando estar em representação da “D..., S.A.” propôs-lhe a troca dos dois títulos adquiridos, referentes a duas semanas de férias, por outros dois, referentes a duas semanas de férias na época alta.
- Mais alegou o arguido que, por essa troca, a assistente teria de pagar o montante de € 8.000.00;
- Crente de que se trataria de um negócio vantajoso para si, nessa mesma data a assistente aceitou a proposta do arguido e emitiu e entregou-lhe os seguintes cheques:
a. Cheque n° ...31, sacado sobre a conta do BES n.º ...06, titulada pela assistente. no montante de € 4.000.00, e datado de 11.04.2008; e
b. Cheque n° ...40, sacado sobre a conta do BES n.º ...06. titulada pela assistente, no montante de € 4.000,00, e datado de 30.04.2008;
- O montante do cheque n.º ...31 foi, desde logo, levantado ao balcão do BES, e o montante do cheque n° ...40 foi depositado na conta do Finibanco com o NIB ...18, titulada pelo pai do arguido, DD, e à qual o arguido tinha acesso;
- Em meados de Maio de 2008 o arguido voltou a dirigir-se ao local de trabalho da assistente e afirmou que a “D..., S.A.” ia promover a venda de semanas de férias no Hotel ..., e que, pelo preço de €27.000,00, conseguia-lhe quatro semanas de férias nesse hotel;
- Crente, mais uma vez, que seria um bom negócio para si, nessa mesma data a assistente aceitou a proposta do arguido, e emitiu e entregou-lhe os seguintes cheques no valor global de €34.500,00:
a. Cheque n.º ...82, sacado sobre a conta do BES n.º ...06, titulada pela assistente, no montante de €6.500.00 e datado de 16.05.2008;
b. Cheque n.º ...91, sacado sobre a conta do BES n.º ...06, titulada pela assistente, no montante de €6.500,00 e datado de 16.05.2008;
c. Cheque n.º ...83, sacado sobre a conta do BES n.º
...18. titulada pela sociedade “E..., Lda.”, no montante de €6.500.00 e datado de 16.06.2008; e
d. Cheque n.º ...75, sacado sobre a conta do BES n.º ...18, titulada pela sociedade “E..., Lda.”, no montante de €15.000,00 e datado de 04.06.2008.
- Os montantes dos cheques n.ºs ...91 e ...75 foram, desde logo, levantados ao balcão do BES pela assistente, e entregues ao arguido;
- Os montantes dos cheques n.ºs ...82 e ...83 foram depositados na conta do Finibanco com o NIB ...18, titulada pelo pai do arguido, DD, e à qual o arguido tinha acesso;
- No início de Outubro de 2008, o arguido deslocou-se, novamente, ao local de trabalho da assistente, CC, e disse-lhe que já tinha vendido duas das quatro semanas por esta adquiridas, pelo preço de €21.000,00;
- Assim, nessa data, o arguido entregou-lhe o cheque n? ...58, sacado sobre a conta n° ...01, do Finibanco, titulada por DD, no montante de €21.000,00, datado de 30.11.2008, emitido à ordem do arguido e por este endossado;
- A título de comissão por essa suposta venda, o arguido solicitou à assistente o valor de €1.000,00, que esta lhe entregou mediante a emissão de cheque:
- Apresentado a pagamento pela assistente, no dia 04.12.2008. o cheque n.º ...58 foi devolvido por falta de provisão;
- O arguido nunca deu conhecimento à “D..., S.A.”, da celebração dos referidos contratos com a assistente, nem lhe entregou quaisquer montantes resultantes dos mesmos:
- Através da descrita conduta, logrou o arguido obter de BB a quantia de €37.500,00, e da assistente, CC, a quantia de €44.000,00, que fez suas;
- Ao alterar o nome do beneficiário do cheque n.º ...27. da conta da Caixa Geral de Depósitos titulada por BB, bem sabia o arguido que o fazia com o desconhecimento e contra a vontade do seu legítimo titular, e que estava a fazer constar do mesmo um facto que não era verdadeiro, tendo perfeita consciência de que tal actuação lhe era proibida;
- Com a sua actuação, procurou o arguido fazer crer que os elementos constantes do cheque por si forjados correspondiam à verdade e, consequentemente, colocou em causa a credibilidade que os cheques assumem perante terceiros como meios de pagamento:
- Dessa forma, o arguido abalou a confiança que os cheques assumem perante a generalidade das pessoas. causando um prejuízo ao Estado e a terceiros;
- Ao forjar o nome do beneficiário do cheque, e ao apresentá-lo a pagamento, agiu o arguido movido pelo propósito de obter para si benefícios económicos a que sabia não ter direito. consubstanciados em fazer sua a quantia monetária titulada no cheque. da qual se apropriou;
- Nas abordagens que efectuou a BB e a CC, procurou o arguido convencê-los de que, na realização dos negócios supra descritos, se encontrava a actuar em nome e no interesse da “D..., S.A.”.
- Acresce que o arguido convenceu BB e CC de que o dinheiro que por estes lhe foi entregue se destinava ao pagamento da aquisição dos direitos de habitação turística, induzindo-os em erro quanto a tais factos;
- Na verdade, e ao contrário do que fez crer a BB e a CC o arguido não pretendeu vender, em nome da “D..., S.A.” quaisquer direitos de habitação turística, e nunca teve o propósito de envidar qualquer tipo de actividade ou de realizar qualquer diligência no sentido de atribuir tais direitos aos referidos compradores;
- Pelo contrário, o arguido actuou com o único e exclusivo propósito de induzir em erro BB e CC, quanto a tal facto, e de, por meio do artifício que utilizou, que sabia ser idóneo, levá-los a entregar-lhe, a título de pagamento dos direitos de habitação turística, que nunca existiram, as quantias monetárias supram referidas. a que sabia não ter direito;
- O arguido concretizou tal propósito, dado que BB e CC apenas lhe entregaram as quantias supra descritas porque se encontravam convictos de que as mesmas se destinavam ao pagamento de direitos de semanas de férias;
- Sabia o arguido que, da sua actuação, resultaria um prejuízpara BB e CC, nos montantes supram mencionados;
- O arguido actuou sempre de forma livre, deliberada e voluntária, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e criminalmente punidas.
Mais resultou provado que:
15. Após ter sido declarado contumaz no âmbito dos processos n.ºs 763/08.5..., 1096/04.1... e 104/02.5..., o arguido foi detido no dia 14.11.2017, tendo-lhe sido aplicada, por decisão proferida em 16.11.2017, a medida de coação de prisão preventiva, situação que se manteve até iniciar, em 12.02.2018, o cumprimento da pena de prisão que lhe foi aplicada no processo n.º 2889/05.8...;
16. O arguido encontra-se, à presente data, no Estabelecimento Prisional de ..., tendo vindo a apresentar um comportamento adequado às normas institucionais e onde frequenta o Curso de Empreendedorismo.
17. O arguido é oriundo de um agregado familiar constituído pelos progenitores – o pai maquinista da CP e a mãe doméstica –, referenciado como possuindo condições económicas estáveis e normativo e estruturado a nível social.
18. Estudou até ao 12.º ano de escolaridade, tendo iniciado um Curso de Eletrotecnia, no Instituto Superior Técnico que abandonou para iniciar a vida profissional.
19. Durante o seu período profissional trabalhou como comercial para várias empresas, tendo vindo a estabelecer-se por conta própria, durante cerca de 4 anos, como representante da marca Ricoh.
20. À data da sua detenção o arguido residia com a sua companheira, de há 12 anos, e a filha de 4 anos de idade, de ambos, em ..., numa casa arrendada;
21. Sendo que desde há 6 anos se havia estabelecido nessa zona do país, onde trabalhava em Time Share em diversas empresas da zona, mas sem contrato de trabalho, auferindo como rendimento as comissões relativas às vendas que efectuava.
22. O arguido mantinha o seu bilhete de identidade caducado desde 30.09.2012, a sua carta de condução caducada desde 03.05.2008 e não efectuava descontos para a Segurança Social.
23. O arguido possui duas filhas fruto de outro relacionamento já adultas, com quem não mantém qualquer relacionamento desde há mais de 28 anos.
24. Para além das condenações supram aludidas o arguido também já foi condenado – no processo n.º 17220/00.0... do Juízo Local Criminal – J..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – por decisão proferida em 16.03.2004 e transitada em julgado em 14.12.2017, pela prática – em 27.03.2000 – de um crime de emissão de cheque sem provisão, numa pena de 180 dias de prisão, substituída por 180 dias de multa, à razão diária de €3,00, num total de €540,00, extinta por cumprimento;
25. Foi condenado – no processo n.º 359/08.1..., do Tribunal Judicial de ... – por decisão proferida em 16.02.2012 e transitada em julgado em 22.12.2012, pela prática – em 02.2008 – de um crime de um crime de abuso de confiança agravado e de um crime de abuso de confiança, na pena de 220 dias de multa, à razão diária de €10,00, num total de €2.200,00, extinta por prescrição;
26. E já foi condenado – no processo n.º 6274/03.8..., do Juízo Local Criminal – J..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa– por decisão proferida em 16.10.2012 e transitada em julgado em 14.12.2017, pela prática – em 20.09.2001 – de um crime de um crime de burla qualificada, na pena de 200 dias de multa, à razão diária de €6,00, num total de €1.200,00, extinta por cumprimento.
*
2.2. Em sede de motivação da decisão de facto, o tribunal de 1.ª instância disse, relativamente aos pontos 11) a 14), que se atentou no teor da certidão do acórdão proferido no processo n.º 639/09.3... que correu termos no Juízo Local Criminal de ... – Juiz ..., junta a fls. 1223/1241 e no teor do despacho que revogou a suspensão da pena de prisão nesse mesmo processo, junto a fls. 1267/1269, conjugadamente com o Certificado de Registo Criminal.
*
2.3. Importa, ainda, reter os seguintes elementos, que temos como relevantes para a decisão e que se extraem da informação prestada e da consulta dos autos:
a) no dia 15.04.2019 foi junto ofício proveniente do Proc. n.º 693/09.3... informando que havia sido revogada a suspensão da pena aplicada naqueles autos por despacho transitado em julgado em 09.04.2019 – (fls. 1267) ref. ...59.
b) no CRC do arguido, ora requerente, junto aos autos no dia 06.05.2019, a fls. 1273 a 1285, constava a revogação da suspensão da execução da pena naquele processo 693/09.3... – cf. fls. 1285 (p. 13 do CRC);
c) no entanto, não resulta dos autos que o arguido ou o seu ilustre defensor tenham sido notificados de tais informações (CRC e trânsito em julgado do despacho que revogou a suspensão da pena de prisão);
d) diversamente das informações a que se referem a) e b), o despacho de revogação da suspensão da execução da pena não tinha transitado, antes tendo sido objeto de recurso e revogado por acórdão da Relação de Lisboa;
e) no dia 28.10.2019, no proc. n.º 693/09.3..., a Sr.ª Escrivã Auxiliar abriu conclusão com a informação de que, por lapso, tinha certificado o trânsito do despacho de revogação da suspensão da execução da pena, tendo o Mm.º Juiz relevado a falta e mandado informar o proc. 45/09.5...
f) o recurso que incidiu sobre o acórdão cumulatório foi decidido por acórdão do STJ, de 11.12.2019, transitado em julgado no dia 14.01.2020;
f) esse acórdão do STJ foi comunicado pelo Proc. n.º 45/09.5... ao Proc. n.º 693/09.3...;
g) no dia 09.07.2020 foi proferido despacho no Proc. n.º 693/09.3... declarando extinta a pena única de 5 anos de prisão suspensa na sua execução ali aplicada ao arguido AA, ao abrigo do disposto no artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, com o seguinte teor:
«Nos presentes autos, o arguido AA foi condenado pela prática de 1 crime de falsificação de boletins, actas ou documentos, p. e p., no artigo 256.º n.º 1 alínea b) e n.º 3 do Código Penal, de 1 crime de burla qualificada, p. e p., nos artigos 217.º n.º 1 e 218.º n.º 1 ambos do Código Penal e de 2 crimes de burla qualificada, p. e p., nos artigos 217.º n.º 1 e 218.º n.º 1 e n.º 2 alínea a) ambos do Código Penal, na pena única de 5 (cinco) anos, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova a homologar.
Deste modo, decorrido o prazo de suspensão de execução da pena de prisão imposta ao arguido, tendo o arguido logrado atingir os objectivos propostos no PIRS e sem que tenham sido cometidos quaisquer ilícitos criminais susceptíveis de fundamentar a revogação do juízo de suspensão da execução da pena de prisão, é de declarar a extinção de tal pena - cfr., artigo 57.º n.º 1 do Código Penal.
*
Nos termos e pelos fundamentos expostos, declaro extinta a pena de 5 anos de prisão imposta ao arguido AA.
Notifique.»
h) o despacho referido em g) transitou em julgado.
*
3. O DIREITO
3.1. O direito à revisão de sentença condenatória tem consagração, como direito fundamental, no artigo 29.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que dispõe: «Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.»
A consagração constitucional do direito à revisão funda-se na necessidade de salvaguardar as exigências da justiça e da verdade material, tendo em vista superar, dentro dos limites que impõe, eventuais injustiças a que a imutabilidade absoluta do caso julgado poderia conduzir.
Também o artigo 4.º, n.º 2, do Protocolo n.º 7, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), admite a quebra do caso julgado «...se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afetar o resultado do julgamento».
Consiste a revisão num meio extraordinário que visa a impugnação de uma sentença transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento, tendo em vista remediar situações de intolerável injustiça cobertas pelo caso julgado.
Constituindo um expediente excecional, que «prevê a quebra do caso julgado e, portanto, uma restrição grave do princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito» só «circunstâncias "substantivas e imperiosas"» podem legitimar o recurso extraordinário de revisão, de modo que se não transforme em «uma apelação disfarçada (appeal in disguise)» (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 5.ª ed. atualizada, Volume II, p.705).
Outro entendimento constituiria uma restrição grave ao princípio da segurança jurídica, permitindo, contra o caso julgado, a eternização da discussão das matérias controvertidas no processo, transformando um mecanismo que se pretende “extraordinário” e que tem como traço marcante a sua excecionalidade, em um novo e encapotado recurso ordinário, de modo que nunca estaria garantida a paz jurídica, que é essencial para a própria paz social.
Por isso, a revisão não admite uma reapreciação da prova produzida em julgamento, nem se destina a analisar nulidades processuais ou outros vícios do julgamento ou da sentença (como os previstos no artigo 410.º, n.º2, do CPP), pois para essas situações existe o recurso ordinário. O caso julgado cobre inexoravelmente todos os erros de julgamento (entre outros, o acórdão do STJ, de 06.11.2019, proc. 739/09.5TBTVR-C. S1, disponível em www.dgsi.pt, como outros que sejam citados sem diversa indicação).
Para Simas Santos/Leal-Henriques (in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 6.ª edição, pág. 129) o legislador, “com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material”, consagrou a possibilidade de revisão das sentenças penais, limitando a respetiva admissibilidade aos fundamentos taxativamente enunciados no artigo 449.º, n.º 1, do CPP.
O juízo de grave dúvida sobre a justiça da condenação, revelado através da demonstração de fundamento contido na enumeração taxativa da lei, que justifica a realização de novo julgamento, sobrepõe-se, nesse caso, à eficácia do caso julgado. Porém, as garantias e procedimentos que devem ser respeitados tendo em vista a formação de uma decisão judicial definitiva de aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo as possibilidades de impugnação, de facto e de direito, por via de recurso ordinário, ao reduzirem e prevenirem substancialmente as possibilidades de um erro judiciário que deva ser corrigido por via de recurso extraordinário de revisão contra as “injustiças da condenação”, elevam especialmente o nível de exigência na apreciação dos fundamentos para autorização da revisão (acórdão do STJ, de 20.12.2022, proc. 5/05.5PBOLH-D.S1, da 3.ª Secção).
A revisão passa, sucessivamente, por três etapas ou momentos (que alguns agrupam em duas fases, unindo a rescindente preliminar com a rescindente intermédia), a saber:
(i) uma fase rescindente preliminar que abrange a apresentação do respetivo requerimento no tribunal que proferiu a decisão a rever, que deve ser sempre motivado e conter a indicação dos meios de prova, para além de ser instruído com determinados documentos, culminando esta fase, após ter expirado o prazo de resposta dos restantes sujeitos processuais afetados pelo recurso e realizadas as diligências indispensáveis à descoberta da verdade [se o fundamento da revisão for o do n.º1, al. d), do artigo 449.º], com a remessa do processo ao Supremo Tribunal de Justiça, com informação prestada pelo juiz sobre o mérito do pedido:
(ii) uma fase rescindente intermédia que inclui toda a tramitação no Supremo até à decisão que concede ou denegue a revisão; e
(iii) uma fase rescisória, no caso de a revisão ser autorizada, que se inicia com a baixa do processo e termina com um novo julgamento.
Estabelece o artigo 449.º, sobre fundamentos e admissibilidade da revisão:
«1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;
f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.
2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.
3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.
4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.»
*
3.2. No que concerne ao invocado fundamento de revisão consagrado no artigo 449.º, n.º1, al. d), exige-se não só a descoberta de novos factos ou de novos meios de prova, mas também que os mesmos, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
Só a cumulação destes dois requisitos garante a excecionalidade do recurso de revisão, justificando, por isso, a lesão do caso julgado que a revisão implica.
Antes do mais, importa clarificar o que se entende por factos novos ou novos meios de prova e para quem devem ser novos os factos (“factos probandos”) ou os meios de prova (“as provas relativas a factos probandos”) que fundamentam a revisão da sentença.
São três as orientações que o Supremo Tribunal de Justiça segue a este respeito, como se expõe no acórdão de 25.05.2023, proc. 149/17.0T9CSC-A.S1 (Conselheiro Orlando Gonçalves):
Uma primeira, com interpretação mais ampla, considera que são novos os factos ou os meios de prova, invocáveis em sede de revisão de sentença, que não tiverem sido apreciados no processo que levou à condenação do arguido, por não serem do conhecimento do tribunal, na ocasião em que ocorreu o julgamento, pese embora, nessa altura, pudessem ser do conhecimento do condenado.
Uma outra, mais restritiva, apelando, essencialmente, à natureza extraordinária da revisão e ao dever de lealdade processual que recai sobre todos os sujeitos processuais, sustenta que os novos factos ou meios de prova, invocáveis em sede de revisão, são apenas aqueles que eram desconhecidos do requerente da revisão aquando do julgamento.
Finalmente, uma terceira orientação, mais restritiva do que a primeira e mais ampla que a segunda, sustenta que os novos factos ou novos meios de prova, invocáveis em sede de revisão, são os que embora conhecidos de quem cabia apresentá-los, no momento em que o julgamento teve lugar, seja apresentada uma justificação bastante para a omissão verificada (por impossibilidade ou por, na altura, se considerar que não deviam ter sido apresentados os factos ou os meios de prova agora novos para o tribunal).
Esta a posição atualmente majoritária na jurisprudência do STJ: como fundamento de revisão, os novos factos ou novos meios de prova não são apenas os desconhecidos pelo tribunal, mas também os que, conhecidos de quem cabia apresentá-los, ao tempo em que o julgamento teve lugar, seja apresentada uma justificação bastante para a sua não apresentação no julgamento que produziu a condenação revidenda.
Porém, a inércia voluntária e injustificada em fazer atuar os meios ordinários não pode ser compensada pela atribuição de um meio extraordinário de defesa como a revisão de sentença, o que determina a exigência de especial e acrescida justificação, pelo condenado, das razões pelas quais não pôde apresentar as provas cuja existência já conheceria ao tempo da decisão. Doutra forma, a excecionalidade da revisão de sentença e os princípios nela envolvidos (segurança jurídica e caso julgado) sairiam intoleravelmente lesionados.
Em suma, os factos e/ou as provas têm de ser “novos” no sentido de desconhecidos do tribunal e do arguido ao tempo do julgamento, tendo desse desconhecimento resultado a não apresentação oportuna, considerando-se ainda equiparável ao desconhecimento a não apresentação da prova em julgamento, embora conhecida de quem cabia apresentá-la, por razões atendíveis e ponderosas que possam justificar essa omissão.
Como já se disse, para que seja autorizada a revisão com base no fundamento indicado na alínea d), do n.º 1, do artigo 449.º, não basta a descoberta de novos factos ou novos meios de prova, tornando-se necessário um outro pressuposto: que eles suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
As dúvidas relevantes para a revisão têm de ser qualificadas, efetivamente fortes e consistentes. Como diz Paulo Pinto de Albuquerque (ob. cit., p. 759), «não se trata apenas de uma dúvida “razoável”, mas de uma dúvida “grave” sobre a justiça da condenação. E como graves só podem ser havidas as dúvidas que “atinjam profundamente um julgado passado na base de inequívocos dados presentemente surgidos”».
Dúvida, por conseguinte, que há de elevar-se do patamar da mera existência e ser suficientemente grave, sólida e séria para pôr a condenação em causa, sugerindo fortemente a verificação de um erro judiciário e a inocência do condenado (entre outros, com extensas referências jurisprudenciais, o acórdão do STJ, de 30.01.2013, proc. 2/00.7TBSJM-A.S1; também o acórdão de 28.10.2020, processo 1007/10.5TDLSB-B.S1).
3.3. O ora requerente foi condenado, em cúmulo jurídico, por acórdão de 04.06.2019, na pena única conjunta de 14 anos e 6 meses de prisão.
Interpôs recurso desse acórdão para o STJ, que por acórdão de 19.12.2019, no provimento parcial do recurso, fixou a pena em 10 anos de prisão.
No recurso para o STJ, o então recorrente alegou que o despacho que revogou a suspensão da execução da pena conjunta imposta no processo n.º 693/09.3... tinha sido objeto de recurso e revogado pela Relação de Lisboa, razão por que não transitou em julgado e as respetivas penas principais de prisão (que tinham sido cumuladas, dando origem à pena conjunta cuja execução foi suspensa) não deveriam ter sido incluídas no cúmulo jurídico.
No âmbito do recurso para o STJ, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no Supremo emitiu parecer no sentido de que, efetivamente, tais penas não deveriam ter sido abrangidas no cúmulo jurídico, tendo o acórdão recorrido incorrido em equívoco ao dar como provada a revogação da suspensão da execução da pena decretada no PCC n.º 693/09.3... por via de «decisão proferida em 22.04.2014 e transitada em julgado em 09.04.2019» (cf. ponto de facto assente n.º 13).
Diz-se no dito parecer:
«Na verdade e apesar de involuntariamente, é agora claro que o Acórdão Recorrido incorreu em equívoco ao dar como provada a revogação da suspensão da execução da pena de prisão decretada no PCC n.º 693/09.3... por via de «decisão proferida em 22.04.2014 e transitada em julgado em 09.04.2019».
Facto que assentou em informação prestada por tal processo em 15.4.2019 - ofício n.º ...93, mas que se veio a revelar incorreta, como o próprio Juízo Central Criminal reconheceu e confirmou no expediente que remeteu em 29.10.2019, of. ...38, onde, entre o mais, se refere o seguinte:
(…)
— «[...] compulsados os autos verifiquei que por lapso, a fls. 822 e seguintes, certifiquei o trânsito do despacho de fls. 647, que tinha sido anulado pelo Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. fls. 774). Como tal anulação se deveu à não notificação do arguido do parecer do Ministério Público de fls. 645 e tal promoção foi notificada ao arguido em 7-03-2019 (fls. 821) e ao seu mandatário, que continua sem juntar aos autos qualquer procuração em seu nome, a fls. 808 e 816, para se no prazo de 10 dias se pronunciarem, não o tendo feito, tal levou ao lapso da certificação do trânsito» - informação de 28.10.2019 da Sra. Escrivã Auxiliar GGG.~
— «Oficie ao processo 45/09.5... informando que a pena de prisão imposta ao arguido nos presentes autos não foi declarada cumprida, embora já tenha decorrido o prazo de suspensão de execução da mesma.
Com efeito, a suspensão da execução da pena de prisão foi condicionada ao pagamento de uma quantia à ofendida e a regime de prova.
Ora, no processo o arguido não se submeteu a regime de prova nem efectuou o pagamento em questão.
A suspensão da execução da pena de prisão foi revogada, mas o despacho em causa foi revogado por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que ordenou a audição do arguido para efeitos de revogação da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta.
Tal audição não foi efectuada por ter sido obtida a informação do arguido estar em situação de reclusão à ordem do processo 45/09.5... e, ainda, que no âmbito desse processo iria ser efectuado cúmulo jurídico de penas de prisão.
A informação do trânsito em julgado do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão imposta nos presentes autos e prestada ao processo 45/09.5... decorreu de um lapso da unidade de processos» - despacho, da mesma data do Senhor Juiz Dr. HHH.
(…)
Tudo indicando, desse modo, que o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa referido pelo Senhor Juiz é o mesmo que o arguido convoca e que anulou o despacho de 22.4.2104 nos termos descritos referidos em 6. supra..
E resultando, ainda, de tudo - di-lo, também, o despacho do Senhor Juiz de Lisboa -, que à anulação decretada no Tribunal da Relação (ainda) não se seguiu no Juízo Central Criminal qualquer acto em vista da reedição do procedimento revogatório da pena de substituição, pelo que, no momento actual se mantém em vigor a suspensão da execução da pena única de 5 anos de prisão ali decretada com trânsito a 3.7.2012.
8. Demonstrado o erro na fixação do facto, há que providenciar pela sua sanação. O que suscita, logo, a questão de saber por que via e em que lugar tal deve acontecer.
Sabe-se que o Supremo Tribunal de Justiça é um tribunal de revista, conhecendo, tendencialmente, apenas do direito - art. 434.º do CPP. De facto conhecerá, somente, nos estritos, e estreitos, limites do art. 410.º n.º 2 e 3 do CPP e (sempre) por sua própria e exclusiva iniciativa, nunca a pedido - art. 434.º primeira parte, e art. 410.º n.º 2 (corpo) do CPP.
A concreta situação - avaliação correcta do meio probatório informação de 15.4.2019, mas desconformidade do conteúdo desta com a realidade dos factos não cabe facilmente na previsão de qualquer uma das alíneas do art. 410.º n.º 2 citado - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; contradição insanável na fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; erro notório na apreciação da prova - nem na da nulidade do n.º 3 -, pelo que se tem alguma dificuldade em promover a correcção da decisão de facto em tal contexto.
Tem-se, porém, como certo que o facto da revogação da suspensão não aconteceu e que ele só ficou assente no Acórdão Recorrido em razão do erro na informação que lhe foi prestada.
E tem-se, ainda, presente que, acaso o Acórdão Recorrido tivesse transitado em julgado, a descoberta de que, afinal, não tinha havido revogação, talvez que pudesse ser fundamento de revisão de sentença, nos termos do art. 449.º n.º 1 al. a d) do CPP, por ser manifesta a injustiça da inclusão na condenação cumulada de pena(s) de prisão suspensa(s) sem que se soubesse de certeza certa que não se tinham extinguido pela forma prevista no art. 57.º do CP.
O que tudo vale por dizer que, podendo fundar o mais - isto é, podendo derrogar o caso julgado que eventualmente se pudesse ter formado -, decerto que a situação verificada também poderá fundar o menos - isto é, a modificação neste Supremo Tribunal e neste recurso da decisão de facto.
9. Razões por que, com atenção a todo o exposto, e porque este Tribunal dispõe de todos os elementos necessários - designadamente, a informação prestada em 29.10.2019 pelo Juízo Central Criminal de ... transcrita nos seus passos mais significativos em 7. supra -, entende o signatário que os factos narrados sob no n.º 13 dos factos provados do Acórdão Recorrido devem dele ser expurgados, passando a constar, no mesmo lugar e em sua substituição e por essas palavras ou equivalentes que, até 28.10.2019 nem foi proferido despacho de modificação, prorrogação, revogação ou extinção pena de suspensão da execução da pena de prisão decretada no PCC n.º 693/09.3..., nos termos do previsto nos art. 55.º, 56.º e 57.º do CP, nem aí estava em curso procedimento em vista de tais finalidades, nos termos do previsto nos art. 492.º a 495.º do CPP.
Nessa estrita medida procedendo, nesta parte, o recurso interposto.»
Perante a situação relativa às penas impostas no processo 693/09.3..., disse o STJ, no seu acórdão de 19.12.2019:
«Na situação concreta o acórdão recorrido dá como assente que "13. Por decisão proferida em 22.04.2014 e transitada em julgado em 09.04.2019 foi a suspensão da execução da pena única revogada e determinado o cumprimento da pena de prisão efectiva."
E, como refere a motivação da decisão de facto:
"Relativamente aos pontos 11) a 14) atentou-se no teor da certidão do acórdão proferido no processo n. g 639/09.3... que correu termos no Juízo Local Criminal de ... - Juiz ..., junta a fls. 1223/1241 e no teor do despacho que revogou a suspensão da pena de prisão nesse mesmo processo, junto a fls. 1267/1269, conjugadamente com o Certificado de Registo Criminal."
Perante a matéria de facto fixada pelo acórdão recorrido, e inexistindo qualquer vício nos termos do art. 410.º n.º 2 do CPP, nada mais incumbe apreciar pelo Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista.»
Quer isto dizer que o STJ entendeu que não estava na sua mão corrigir o lapso invocado, tendo em vista os limites dos seus poderes de cognição, não tendo adotado, por isso, o caminho apontado pelo parecer do Ministério Público.
Relativamente ao conhecimento superveniente do concurso, a jurisprudência do STJ é hoje amplamente majoritária, se não for uniforme, na defesa da orientação de que as penas de execução suspensa entram no cúmulo jurídico como penas de prisão - as penas de prisão substituídas -, só no final se decidindo se a pena conjunta resultante do cúmulo deve ou não ficar suspensa na sua execução (cf., entre outros, acórdãos de: 02.03.2006, Proc. n.º 186/06, da 5.ª Secção; 05.04.2006, proc. n.º 101/06, da 3.ª Secção; 08.06.2006, proc. n.º 1558/06, da 5.ª Secção, todos disponíveis nos Sumários de Acórdãos do STJ; 04.12.2008, Proc. n.º 08P3628; 14.01.2009, Proc. n.º 08P3975; 16/11/2011, Proc. n.º150/08.5JBLSB.L1.S1; 21.03.2013, Proc. n.º 153/10.0PBVCT.S1; 25.09.2013, Proc. n.º 1751/05.9JAPRT.S1; 12.06.2014, Proc. n.º 300/08.1GBSLV.S2; 4.11.2015, Proc. 1259/14.1T8VFR.S1; 13.02.2019, Proc. n.º1205/15.5T9VIS.S1; 27.04.2023, Proc. 360/19.0PBFAR.S1).
Ressalvam-se, porém, as situações em que as penas suspensas (o mesmo com outras penas de substituição) já tenham sido anteriormente declaradas extintas, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, pois nesses casos o seu englobamento no cúmulo jurídico afrontaria a paz jurídica do condenado derivada do trânsito em julgado do despacho que as declarou extintas (cf. acórdão de 12.06.2014, Proc. n.º 300/08.1GBSLV.S2).
Esta é também a doutrina de Figueiredo Dias, segundo o qual, num concurso de crimes, as penas parcelares não devem ser suspensas na sua execução, só no final, isto é, na determinação da pena única, valorada a situação em globo, se devendo ponderar se essa pena, que é a que o condenado tem de cumprir, pode ou não ficar suspensa na sua execução, desde que ocorra o necessário pressuposto formal (a medida da pena de prisão aplicada não ultrapassar o limite exigido por lei, atualmente de cinco anos) e o pressuposto material (prognóstico favorável relativamente ao comportamento do agente e satisfação das finalidades da punição, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal).
Se, porém, uma pena parcelar tiver sido suspensa na sua execução, o que frequentemente sucede nos cúmulos jurídicos em que o concurso de crimes é de conhecimento superveniente, «para efeito de formação da pena conjunta relevará a medida da prisão concretamente determinada», e, uma vez determinada aquela, «o tribunal decidirá se ela pode legalmente e deve político-criminalmente ser substituída por pena não detentiva» [cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, 1993, pp. 285 (§ 409), 290 (§ 419) e 295 (§ 430)].
A referida jurisprudência assenta na ideia de que não se forma caso julgado sobre a pena de substituição, mas tão somente sobre a medida da pena principal substituída, entendendo-se que a substituição está resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso, e bem assim nas ideias de provisoriedade da suspensão da execução da pena e de julgamento rebus sic stantibus quanto a tal questão, orientação que o Tribunal Constitucional já julgou não ser inconstitucional (cf. Acórdão n.º 3/2006, de ........2006, proferido no processo n.º 904/05-2.ª Secção, publicado in DR - II Série, de 07.02.2006; também com interesse, Acórdão n.º 341/2013, in www.tribunalconstitucional.pt).
Este entendimento tem ainda a sancioná-lo as posições doutrinais assumidas por Paulo Dá Mesquita (O concurso de penas, 1997, p. 95), André Lamas Leite («A Suspensão da Execução da pena privativa de liberdade sob pretexto da revisão de 2007 do Código Penal», Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, AAVV, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, T. 2.º, Coimbra Editora, 2009, pp 608-610, também publicado em separata) e Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2008, p. 246, n.º 5).
Tem-se entendido, pois, que a obrigatoriedade da realização do cúmulo jurídico de penas, nos termos dos artigos 77.º e 78.º, do Código Penal, não exclui as que tenham sido suspensas na sua execução e ainda subsistam, as quais, se incluídas em cúmulo anterior, retomam a sua autonomia como penas parcelares – as penas principais substituídas - para a determinação da nova moldura do concurso.
Porém, se à data da elaboração do cúmulo jurídico se mostrar decorrido o tempo de suspensão de execução – foi o que ocorreu - que se conta a partir do trânsito em julgado da decisão que aplica tal pena de substituição (artigo 50.º, n.º 5, do Código Penal), não deverá a pena ser considerada no cúmulo sem previamente ser averiguado se foi proferida decisão de extinção, de revogação da suspensão ou de prorrogação do período de suspensão, sob pena de nulidade da sentença nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP (neste sentido, entre muitos, os acórdãos de: 28.9.2017, Proc. 302/10.8TAPBL.S1; 15.11.2017, Proc. 336/11.5GALSD.S1; 13.02.2019, Proc. n.º1205/15.5T9VIS.S1).
No caso em apreço, quando o tribunal de 1.ª instância procedeu ao cúmulo jurídico, abrangendo no mesmo as penas parcelares impostas no Proc. n.º 693/09.3..., partiu do facto assente de que a pena conjunta de prisão suspensa na execução em que aquelas parcelares haviam sido cumuladas tinha sido objeto de despacho transitado que revogara a suspensão da execução.
Facto assente – o n.º 13 – que se sabe não corresponder à realidade, por ter como base uma informação errada prestada pelo Proc. 693/09.3...
Como é evidente, não é indiferente para o condenado que no cúmulo jurídico tenham abrangidas as penas parcelares impostas no Proc. 693/09.3... – basta pensar que, pela inclusão no cúmulo jurídico dessas parcelares, o máximo da moldura legal do concurso foi aumentado em 11 anos e 3 meses, que não deveriam ter sido considerados para essa moldura.
Argumenta o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, em sentido contrário à revisão, com a natureza extraordinária da mesma e com a circunstância de não estar em causa a revisão de uma decisão condenatória, mas sim de um acórdão cumulatório, em conhecimento superveniente, que foi já confirmado pelo STJ, tribunal esse que se pronunciou especificamente sobre a questão.
Vejamos.
De harmonia com o disposto no artigo 472.º do CPP, o tribunal competente, nos casos de conhecimento superveniente do concurso, designa dia para a realização de audiência, ordenando, oficiosamente ou a requerimento, as diligências que se lhe afigurem necessárias para a decisão. Na sequência da realização de audiência de julgamento, com a produção de prova que seja necessária – em muitos casos, será bastante a prova documental pertinente -, é proferido o ato decisório de condenação na pena conjunta, sob a forma de sentença ou acórdão.
Como é evidente, aquando do cúmulo jurídico, por conhecimento superveniente do concurso de crimes, o objeto de atuação do tribunal está legalmente delimitado, devendo atender aos factos criminosos, qualificações jurídicas e penas parcelares, julgadas e decididas nos processos englobados no cúmulo jurídico. Não pode, por conseguinte, o tribunal competente para o cúmulo, aferir do mérito dos julgamentos parcelares, cobertos pelo trânsito em julgado.
Porém, não deixa de estar em causa um ato de julgamento, em que é decisivo para a determinação da medida concreta da pena conjunta que se obtenha uma visão de conjunto dos factos que tenha em vista a eventual conexão dos mesmos entre si e a relação com a personalidade unitária de quem os cometeu.
As conexões ou ligações fundamentais, na avaliação da gravidade do ilícito global, são as que emergem do tipo e número de crimes; da maior ou menor autonomia e frequência da comissão dos delitos; da igualdade ou diversidade de bens jurídicos protegidos violados; da motivação subjacente; do modo de execução, homogéneo ou diferenciado; das suas consequências e da distância temporal entre os factos – tudo analisado na perspetiva da interconexão entre todos os factos praticados e a personalidade global de quem os cometeu, de modo a destrinçar se o mesmo tem propensão para o crime, ou se, na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, devendo a pena conjunta refletir essas singularidades da personalidade do agente
No final, a decisão de aplicação da pena única conjunta constitui uma decisão de condenação, razão por que não se identifica razão para excluir, à partida, esse tipo de sentença / acórdão do âmbito do pedido de revisão.
Não se ignora o entendimento de que os fundamentos e a admissibilidade da revisão respeitam à “questão da culpabilidade” e não à “questão da determinação da sanção”.
Porém, uma decisão cumulatória, se bem que não possa interferir na matéria da culpabilidade quanto a cada um dos crimes abrangidos, não deixa de formular um juízo quanto ao comportamento global do condenado – personalidade do arguido/condenado, ilícito e culpa globais e necessidades preventivas -, em razão dos fins próprios do conhecimento superveniente do concurso, tendo por base factos e meios de prova, nomeadamente aqueles que determinam a verificação dos pressupostos de realização do cúmulo jurídico.
Tem-se entendido, considerando o artigo 449.º, n.º3, do CPP, que a revisão, com base na descoberta de novos factos ou meios de prova que, por si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, não é admissível com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.
Numa interpretação restritiva, o acórdão de 14.03.2013, proferido no proc. 693/09.3JABRG-A.S1, entendeu que a expressão normativa contida no artigo 449.º, n.º3, sugere fortemente que o que a lei afasta é, apenas, a revisão da determinação da medida concreta da pena, dentro da moldura abstrata correspondente à infração imputada ao condenado. Considerou o legislador inequivocamente que a sujeição a revisão do procedimento de determinação da pena concreta, enquadrado que está pela moldura abstrata, constituiria uma desproporcionada ofensa ao caso julgado, afetando de forma excessiva os interesses que ele protege. Para a “correção” da medida da pena existem os recursos ordinários e, com o trânsito em julgado, fixada fica definitivamente a pena.
Ocorre, porém, que num caso como o que está em apreço, a questão não é, a nosso ver, de mera correção da pena concretamente aplicada dentro de uma determinada moldura – saber se ao condenado deve ser aplicada mais pena ou menos pena -, mas de determinação da própria moldura abstrata em que a pena conjunta teria de ser fixada, por inclusão indevida de penas parcelares relativas a factos que não deveriam ter sido considerados na avaliação do ilícito e da culpa globais do condenado. Por isso, estando em causa o conhecimento superveniente do concurso, não nos parece caber no âmbito da proibição do artigo 449.º, n.º3, a revisão de decisão cumulatória que vise a exclusão do cúmulo de determinados factos-penas – desde que verificados os pressupostos da revisão -, o que, a acontecer, se repercutirá necessariamente na moldura abstrata do cúmulo e, por via disso, na medida da pena única, podendo, inclusivamente, verificar-se uma evidente desproporção entre as reações penais em referência, a justificar a qualificação como “injusta” da decisão cumulatória transitada.
Está em causa, por conseguinte, uma verdadeira análise da personalidade global do arguido refletida nos factos praticados, que não deve ter por base factos que lá não deviam ser incluídos.
Tal como refere Figueiredo Dias, na determinação da pena em sede de concurso “(…)Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado” (ob. cit., p. 291, § 421). Se estamos a avaliar a gravidade do ilícito global a partir de factos que não deviam estar naquele conjunto (como é o caso), não estamos perante uma simples operação de determinação da pena, mas sim perante uma determinação da ilicitude do comportamento global e, consequentemente, da culpabilidade global do arguido. No caso, a condenação acabou por ter por base factos que não a deviam integrar, pelo que, nessa medida, está em causa a justiça da condenação.
A reponderação da factualidade e da personalidade do arguido não envolve nenhuma violação do princípio da proibição da dupla valoração, pois na determinação da pena conjunta podem ser valoradas circunstâncias já consideradas na fixação das penas parcelares, desde que essas circunstâncias sejam reportadas ao conjunto dos factos e à apreciação geral da personalidade do agente, sendo essa avaliação global, que não se confunde com a ponderação das circunstâncias efetuada relativamente a cada crime, que é necessariamente parcelar, que releva para a determinação da medida da pena conjunta.
Atente-se que não está em causa – nem podia estar – uma situação em que se pretenda, por via da revisão, obter a reformulação do cúmulo jurídico e redução da medida concreta da pena única aplicada, por se entender, por exemplo, que uma pena de prisão suspensa na sua execução não deveria ter sido englobada na pena única, devendo a mesma manter a sua autonomia. Uma questão desse tipo, constituindo, na verdade, uma mera discordância de entendimentos jurídicos sobre a inclusão ou exclusão, no cúmulo, de penas suspensas na sua execução, teria de ser, necessariamente, resolvida em sede de recurso ordinário.
Nem todos os erros conducentes a condenações injustas são admitidos ao procedimento legal da respetiva revisão, que depende, sempre, da verificação dos respetivos requisitos, sendo certo que eventuais interpretação equivocadas da lei, ou que sejam mesmo, manifesta e ostensivamente, erradas, são cobertas pelo caso julgado e insuscetíveis de revisão, se não enquadradas nas alíneas do artigo 449.º, n.º1.
Porém, o que ocorre é que o tribunal competente para o cúmulo fixou factos relevantes com base numa certificação (meio de prova) desconforme à realidade – um erro de facto e não uma mera questão de interpretação da lei.
Não temos como certo que o STJ se tenha pronunciado especificamente sobre a questão, porquanto, como já se assinalou, o que se extrai do acórdão de 11.12.2019 é que o STJ entendeu que, inexistindo vicio do artigo 410.º, n.º2, do CPP, nada mais lhe cabia apreciar, sendo certo que, presentemente, um novo facto se impõe, com base num novo meio de prova, que não tinha como ser considerado, nem pela 1.ª instância, nem pelo STJ: a pena de prisão suspensa na sua execução imposta no Proc. 693/09.3... foi autonomamente declarada extinta por despacho transitado em julgado.
Quer isto dizer que não estamos, tão somente, perante o já assinalado erro de certificação no que concerne ao trânsito em julgado do despacho que revogou a suspensão da execução da pena imposta no Proc. 693/09.3..., mas também perante a extinção dessa mesma pena, o que não pode deixar de suscitar, com base num facto novo e num novo meio de prova, graves dúvidas sobre a justiça do acórdão cumulatório, nomeadamente no que diz respeito ao facto provado n.º 13, uma vez que a inclusão, no cúmulo jurídico, das penas parcelares do referido processo, condicionou, naturalmente, a fixação da moldura abstrata do cúmulo, tornando-a mais elevada no seu máximo (em 11 anos e 3 meses) e, consequentemente, a pena única aplicada.
Desta forma, e de harmonia com o supra exposto, entendemos que se mostram reunidos os pressupostos para que seja autorizada a revisão, não se verificando, porém, fundamento para lançar mão do mecanismo do artigo 457.º, n.º2, do CPP.
*
III - DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em julgar procedente o pedido deduzido pelo condenado AA, autorizando a revisão.
Ordena-se o reenvio do processo nos termos e para os efeitos do artigo 457.º, n.º1, do CPP.
Supremo Tribunal de Justiça, 6.03.2025
(certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)
Jorge Gonçalves (Relator)
Ernesto Nascimento (1.º adjunto)
Vasques Osório (2.º Adjunto)
Helena Moniz (Presidente da Secção)