SANEADOR-SENTENÇA
NULIDADE DA SENTENÇA
DECISÃO SURPRESA
AUDIÊNCIA PRÉVIA
DISPENSA
TRANSACÇÃO JUDICIAL
RENÚNCIA TÁCITA AO DIREITO
ABUSO DO DIREITO
MÁ FÉ
Sumário


1- Ao instaurar ação declarativa pedindo que se declare a nulidade ou a anulabilidade de transação celebrada com os réus no âmbito de uma providência cautelar e nela homologada por sentença transitada em julgado, com fundamento em simulação, erro sobre o objeto do negócio e dolo, e ao instaurar, na pendência daquela ação declarativa, execução contra os aí réus, dando à execução a sentença que homologou aquela transação (pretendendo que os executados - réus na ação declarativa - sejam coercivamente compelidos a cumprir com as obrigações contratuais que assumiram naquela transação), a autora (exequente) reconheceu necessariamente a validade e regularidade jurídica da transação celebrada e renunciou forçosamente, de modo tácito e concludente, ao direito de invalidação da dita transação que exerce no âmbito da ação declarativa.
2- A renúncia abdicativa é o ato unilateral e voluntário do titular do direito em que aquele abdica do mesmo, tratando-se de uma forma de extinção de direitos, por declaração unilateral do seu titular.
3- Embora a renúncia abdicativa, em regra, não seja admitida no domínio das obrigações, como forma de extinção dos direitos de créditos, mas antes como forma de extinção das garantias reais, no caso dos autos não se está perante uma renúncia pela autora a qualquer direito de crédito que lhe assista perante os réus, mas perante a renúncia por parte daquela do direito potestativo que exerce no âmbito da ação declarativa em ver declarada a invalidade do contrato de transação (esse sim, fonte de direitos de créditos entre a autora e réus), pelo que a renúncia abdicativa por parte da autora ao direito de invalidação da transação que exerce no âmbito da ação declarativa é perfeitamente válida.
4- À mesma solução jurídica se chegaria por via do instituto do abuso de direito: viola de forma clamorosa o sentimento jurídico imperante na comunidade jurídica a autora de ação declarativa em que pede que a sentença homologatória de transação transitada em julgado seja invalidada, com fundamento em simulação, erro sobre o objeto do negócio e dolo, e que, na pendência dessa ação declarativa instaurou execução contra os réus, dando à execução a sentença transitada em julgado que homologou essa mesma transação (pretendendo que os executados - réus da ação declarativa - sejam compelidos judicialmente ao cumprimento das obrigações contratuais que assumiram naquela transação que alegadamente incumpriram) e que pretende que a ação declarativa prossiga para que seja declarada a nulidade ou anulabilidade dessa mesma transação, quando, ao instaurar a dita execução, reconheceu necessariamente, de forma tácita mas concludente, que essa transação é juridicamente válida e regular.
5- A litigância de má-fé é uma sanção estritamente processual em que se sanciona o litigante, não por não lhe assistir o direito substantivo a que se arroga titular perante o réu de onde faz derivar o pedido que contra ele formulou, ou por não assistir ao último o direito de se opor a essa pretensão, mas por, conhecendo da sua falta de razão, ou tendo obrigação de dela conhecer, ter assumido dolosamente ou com negligência grosseira a posição processual que assumiu, demandando ou contradizendo (má-fé substantiva) ou por, ao longo do processo ter feito um uso indevido dos meios processuais que o legislador colocou ao seu dispor para atingir, dolosamente ou com culpa grave, finalidades ilegítimas (má-fé instrumental).

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

EMP01..., Lda., com sede Rua ..., Edifício ..., ..., ... ..., instaurou ação declarativa de condenação contra Massa Insolvente de AA, representada pelo administrador da insolvência, com domicílio profissional na Avenida ..., ... ..., os credores da devedora, a devedora AA, residente na Rua ... ..., o administrador da insolvência a título pessoal, BB, com domicílio profissional na Avenida ..., ... ..., e EMP02..., Lda., com sede no Largo ..., ... ..., pedindo que se:
a- declarasse a nulidade ou anulação da transação celebrada no dia 2 de fevereiro de 2022, no âmbito dos autos de providência cautelar a que se reporta o apenso F, do Processo 326/18...., do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, Juízo de Competência Genérica de Mirandela, Juiz ..., devendo os Réus serem condenados a reconhecer tal nulidade ou anulação do negócio com todas as consequências legais, nomeadamente que a Autora não está obrigada a cumprir com as obrigações que assumiu naquela transação; e
b- condenasse os Réus, solidariamente, a pagar à Autora todos os prejuízos que, por virtude dos factos que lhe são imputáveis tenham causado ou venham a causar à Autora, os quais, porque ainda não são quantificáveis serão a determinar em liquidação de sentença.
Para tanto alegou, em síntese (sem prejuízo de se transcrever parte da alegação da Autora ipsis verbis dado, salvo melhor opinião, não preencher os elementos constitutivos dos institutos da simulação, do erro sobre o objeto do negócio e do dolo – questão que, todavia, não faz parte do objeto do presente recurso): em 08/11/2021, o administrador da insolvência, em representação da massa insolvente, declarou trespassar à 5ª Ré, que declarou aceitar tal negócio, um estabelecimento de farmácia, que se encontrava apreendido à ordem da massa insolvente; a Autora, na qualidade de credora, membro da comissão de credores e pessoa que se encontrava a explorar a dita  farmácia instaurou providência cautelar, que correu termos no apenso F; no âmbito dessa providência cautelar, em 02/02/2022, foi celebrada transação em que: o administrador da insolvência se comprometeu a pagar o capital garantido pela Autora, no montante de 259.056,80 euros, no prazo de 15 dias, por transferência bancária; a Autora reconheceu a legalidade e licitude da alienação pela massa insolvente da farmácia à 5ª Ré; a entrega da farmácia seria feita no dia ../../2021, devoluta de pessoas e bens, com exceção do abrangido pelo âmbito do trespasse (funcionários e bens apreendidos);  até ao dia ../../2021, a Autora e a 5ª Ré obrigaram-se a fazer uma seleção de artigos em stock da primeira, a serem adquiridos pela 5ª Ré, pelo preço de custo, sem IVA, contra a apresentação da respetiva fatura; a Autora declarou desistir da providência cautelar e de todos os requerimentos que tinha junto aos autos principais de insolvência relacionados com este assunto; acontece que o administrador da insolvência não pagou a referida quantia e a 5ª Ré não colaborou na realização do inventário dos artigos existentes em stock na farmácia, e não demonstra ter qualquer intenção de cumprir com essa obrigação; a Autora apenas aceitou celebrar a dita transação caso os Réus cumprissem com as obrigações que assumiram na dita transação; face a esta realidade, a Autora “tem a séria e legítima suspeita que existiu, e existe, conjugação de esforços (conluio) entre os 4º e 5ª Réus, no sentido de que nunca tiveram intenção de cumprir o que acordaram e que, a final de contas pretenderam, e pretendem, apenas dessa forma assaltar (tomar posse) o estabelecimento (de farmácia), que está na posse da Autora e do recheio que a esta pertence, nunca pretendendo cumprir as obrigações assumidas na dita transação. Esta realidade consubstanciará verdadeira simulação negocial entre os 4º e 5ª Réus, em prejuízo da Autora”, o que determina a nulidade da transação celebrada, “pois que os 4º e 5ª Réus emitiram uma declaração contrária à sua vontade com o intuito de enganarem a Autora”; essa transação é ainda anulável, por “inequívoco erro manifesto do objeto do negócio. A Autora só se dispôs a aceitar o referido negócio no pressuposto de, até à data prevista da entrega do estabelecimento (28.02.2022), as contrapartes terem já cumprido as suas prestações/obrigações. Estas não só não cumpriram, como revelam não ter intenção de cumprir (…). É evidente que os Réus não atuaram de boa fé, pelo contrário atuaram e contrataram de má fé. Intencionalmente (com dolo). Ou seja, os Réus, ao atuarem como atuaram enganaram dolosamente a Autora, induziram-na em erro, declararam a realização de prestações (obrigações) que não tinham intenção de prestar, induzindo assim a Autora a prestar as declarações que prestou na dita transação, no pressuposto essencial que os Réus cumpririam as suas prestações, o que estas não intentavam fazer. Em todo o caso, é inequívoco que a referida transação, se não fosse um contrato nulo ou anulável, consubstanciava um acordo entre todas as partes, com prestações recíprocas, sendo a prestação essencial da Autora – entrega do estabelecimento – a que deveria ocorrer em último lugar. Pelo que, e em qualquer caso, a Autora nunca estaria/estará obrigada ao cumprimento da sua prestação enquanto não se mostrarem cumpridas as prestações a que se obrigaram as compartes (Réus); dos factos atrás expostos resultarão prejuízos para a Autora”.
A 5ª Ré, EMP02..., Lda., contestou alegando que a Autora nada alegou “que pudesse dar respaldo a um pedido de declaração de nulidade ou anulação da transação” celebrada e homologada por sentença transitada em julgado, e que, em todo o caso, se estiver “insatisfeita com a prestação de alguma das partes intervenientes na transação, o meio processual é executá-la”.
 Impugnou a alegação da Autora de que os Réus tivessem celebrado a transação com o intuito de a enganarem ou com reserva mental, alegando que quem tem incumprido as obrigações contratuais assumidas naquela transação é a Autora.
Concluiu pedindo que a ação fosse julgada improcedente e se condenasse a Autora como litigante de má fé em multa, indemnização e honorários devidos ao mandatário daquela.
Os Réus Massa Insolvente e administrador da insolvência contestaram requerendo que se suspendesse a instância até ao trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos a proferir nos autos de insolvência.
Impugnaram parte da alegação da Autora, sustentando que é esta quem tem incumprido com as obrigações que assumiu na transação celebrada e homologada por sentença transitada em julgado, ao ter, por diversas vezes, impedido que se efetuasse o inventário dos bens existentes na farmácia.
Concluíram pedindo que se suspendesse a instância e, a final, se julgasse a ação improcedente e se condenasse a Autora como litigante de má fé em multa e em indemnização nunca inferior a 7.500,00 euros.
A Ré massa insolvente formulou reconvenção pedindo que se condenasse a Autora a pagar-lhe a quantia de 330.970,97 euros, acrescida de juros de mora à taxa legal e se declarasse a compensação dos referidos créditos na parte correspondente com o eventual contra crédito reclamado pela Autora nos presentes autos da Ré Massa insolvente.
Para tanto alegou, em suma, que: entre a devedora AA e a Autora-reconvinda foi celebrado um contrato intitulado de “contrato de locação de estabelecimento comercial e promessa de trespasse”, mediante a qual a primeira cedeu à segunda a exploração do estabelecimento denominado “Farmácia ...”, mediante a obrigação desta de pagar as rendas, os consumos de eletricidade, água e todas e quaisquer outras despesas correntes relacionadas com o estabelecimento de farmácia cuja exploração lhe cedeu, e em que também lhe prometeu trespassar, e aquela lhe prometeu tomar de trespasse, o dito estabelecimento de farmácia, pelo preço de 650.000,00 euros, a ser pago pela Autora-reconvinda em prestações mensais de 3.600,00 euros, acrescidas de IVA e das despesas correntes da farmácia; após a apreensão daquele estabelecimento de farmácia para a massa insolvente a Autora-reconvinda não pagou as quantias (que descrimina) que estava obrigada a pagar nos termos daquele contrato e que ascendem ao montante global de 330.970,97 euros.
A Autora replicou alegando que as contestações apresentadas pelas Réus foram apresentadas fora de prazo.
Opôs-se ao pedido de suspensão da instância formulado pelos Réus massa insolvente e administrador da insolvência.
E opôs-se à reconvenção deduzida pela Ré massa insolvente alegando que esta é inadmissível por não se encontrarem verificados os pressupostos legais para a sua admissibilidade legal.
Impugnou os factos alegados na reconvenção pela Ré-reconvinte massa insolvente.
Concluiu pedindo que se julgasse improcedente a reconvenção e os pedidos de condenação daquela como litigante de má-fé e se condenasse as 1ª, 4º e 5ª Réus como litigantes de má-fé em multa e em indemnização.
Por despacho proferido em 05/11/2022 designou-se data para a realização de audiência prévia.
A audiência prévia acabou por ser realizada em 07/02/2023 e nela foi requerida a palavra pela 5ª Ré, EMP02..., Lda., que no seu uso alegou e requereu (procede-se à transcrição ipsis verbis):
“Considera a Ré EMP02..., renúncia tácita ao putativo exercício nos presentes autos pela EMP01... no que concerne ao seu pedido e causa de pedir, atendendo que peticionou nos presentes autos a anulação da transação homologada judicialmente, sendo que, anteriormente à instauração da presente ação a aqui autora deu à execução como título executivo a mesmíssima transação homologada judicialmente, a qual corre termos no Juízo de Execução de Chaves, sob o nº 1030/22...., na qual rogando-se ter a sentença como título executivo, penhorou, com dispensa de citação prévia, à executada aqui ré o saldo bancário, no valor de €:88.850,00, quantia, a qual está penhorada à ordem daqueles autos complementada com o adicional fixado pelo Mmº Juiz daquele processo no âmbito do apenso "A" de Prestação de Caução que a aqui ré teve que prestar sob pena de ter que lutar com as suas contas bancárias penhoradas, sob pena de ter que incumprir com os seus trabalhadores, estado e demais obrigações.
Tal facto deverá ser analisado não só em saneador de sentença, mas também como ainda intentou ainda como litigante de má fé.
Protesta juntar certidão da referida execução de modo a comprovar o ora alegado”.

De seguida, pedida a palavra pela Autora, por esta foi dito:
“A Autora entende não existir razão á Ré EMP02... tanto no que diz respeito à alegada renúncia tácita invocada, tanto no que diz respeito à condenação como litigante de má fé.
No dia ../../2021, as aqui rés em conjunto, apropriadas da contraprestação da Autora, acordaram na transação que é objeto da presente ação.
Nenhuma das rés nos prazos fixados cumpriu a respetiva prestação, nada pagaram à Autora.
A Autora decidiu, pois, anular a transação aqui em causa, pois tal transação será inválida por vício de vontade das Rés, isto é, as Rés nunca quiseram cumprir.
O que não pode, nem podia a Autora é permitir que as Rés recebam coletivamente a sua prestação - o estabelecimento da Farmácia ... -, ficando a Autora a aguardar a decisão a proferir nestes autos para saber se o negócio seria anulado ou não, pelo que, cautelarmente, decidiu salvaguardar os seus interesses. Se este Tribunal, como se espera, anular o negócio em causa, tanto as Rés têm que restituir como esperaria a Autora, como esta terá que restituir-lhe o que, entretanto, tenha recebido no âmbito do processo em causa.
Não existe qualquer renúncia ao direito nem qualquer litigância de má fé por parte da Autora”.

Na sequência, a 1ª Instância determinou que se oficiasse ao processo executivo n.º 1030/22...., a correr termos no Juízo de Execução de Chaves, solicitando que fosse remetida cópia do requerimento executivo, bem como do título executivo e dos articulados que fazem parte dos embargos.
Tendo o Juízo de Execução de Chaves remetido os documentos solicitados, em 06/05/2023, a 1ª Instância proferiu o despacho que se segue:
“Nos termos da redação atual do artigo 595.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, o juiz deve conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.
Aquele normativo tem como escopo, tal como já afirmara o Professor José Alberto dos Reis na vigência do Código de Processo Civil de 1939 (in Código de Processo Civil Anotado, 1985, pág. 189), que se decidam logo determinadas questões no despacho saneador, em homenagem ao princípio da celeridade e economia processuais, mas sem sacrifício da justiça da decisão.
Tendo em conta que o estado dos autos permite, sem necessidade de realização de mais provas e, bem assim, não se verificar qualquer preterição do princípio do contraditório, nos termos dos artigos 595.º, n.º 1, aplicáveis do Código de Processo Civil, passo a conhecer de imediato o mérito da causa”.
Após proferiu despacho fixando à presente ação o valor de 259.056,80 euros.

De seguida, proferiu saneador-sentença, em que julgou a ação improcedente e condenou a Autora como litigante de má-fé, do qual consta a seguinte parte dispositiva:
“Pelo exposto de facto e de direito, decide-se:
5.1. julgar totalmente procedentes e provados os requisitos de renúncia tácita ao putativo exercido ao pedido e causa de pedir, que nos presentes autos a Autora pretende exercer.
5.2.  CONDENO a Autora na multa equivalente a 50 (cinquenta) UC`s a título de litigância de má-fé.
5.3. CONDENO a Autora no pagamento de uma indemnização a Ré, “EMP02..., LDA em 25 (vinte e cinco) UC’s, a título de litigância de má-fé.
5.4. CONDENO a Autora no pagamento de uma indemnização aos Réus, BB e Massa Insolvente de AA em 25 (vinte e cinco) UC’s, a título de litigância de má-fé (a redação deste ponto 5.4 do dispositivo resulta da retificação ordenada por despacho proferido em 12/09/2023).
5.5. Comunique-se, para os fins legalmente previstos, à Ordem dos Advogados dos factos patrocinados pelo Senhor Mandatário da Autora nestes autos. Cfr artigo 545.º CPC.

*
Custas pela Autora (artigo 527º do CPC).
Custas do incidente de litigância de má-fé pela Autora”.

Inconformada com o decidido a Autora, “EMP01..., Lda.”, interpôs recurso, em que formulou as conclusões que se seguem:
I – O Tribunal aceitou a petição inicial, a contestação/reconvenção, os demais articulados, sem ter indeferido liminarmente a petição inicial, nem determinado o seu aperfeiçoamento.
II – Os autos seguiram os seus termos, tendo sido, aliás, marcada audiência prévia, nos termos da Lei.
III– Sem mais, o Tribunal decidiu não julgara ação nem a reconvenção, propalando sentença decidindo sobre uma alegada renúncia tácita ao direito invocado pela A., julgando a ação improcedente e condenando a A. como litigante de má-fé.
IV – A decisão recorrida é, assim, antes de mais, e só por isto, verdadeira decisão-surpresa, sendo nula, por essas características, e proibida por Lei.
V – Pelo que o procedimento está ele também ferido de nulidade, porventura desde a apresentação da petição inicial mas, pelo menos, sempre após a notificação para audiência prévia – nulidade que afeta igualmente a decisão recorrida.
Sem prescindir
VI – De qualquer modo, a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância sofre/sofreria de diversos vícios e decide inadequadamente quer a questão de facto, quer a questão de Direito, violando antes de mais o principio da igualdade das partes, previstonoartº4do CPC, em violação também de imperativos/ normas de natureza constitucional, v.g. artºs 12, 13, 16 e 20 da CRP, mostrando-se também a decisão recorrida verdadeiramente inconstitucional.
Sempre sem prescindir
VII – O procedimento em presença e a decisão recorrida, mostram-se também violadores de muitas outras normas de direito adjetivo e substantivo.
VIII – A decisão recorrida, não obstante deixar o processo chegar ao ponto a que chegou, acaba por julgar a ação improcedente (e esquece a reconvenção, ignorando os pedidos e os contra pedidos).
IX – Ao não fazê-lo e permitindo que o processo pudesse prosseguir, terminando por decidir como decidiu, violou grosseiramente o princípio da igualdade das partes, bem como o princípio da adequação formal, v.g. artigos 6, 7, 590 e 591 do CPC.
Sem prescindir
X – Estes autos são apenas um dos apensos do processo nº 326/18.... – autos principais de insolvência de AA, existindo conexos um conjunto de outros apensos.
XI – Os presentes autos são de resto conexos diretamente com a providência cautelar inominada – Apenso F – e a ação principal de que ela é dependente que corresponde ao Apenso G.
XII – Corre também por apenso aos mesmos autos, desde ../../2022, a execução de sentença nos próprios autos a que corresponde o processo 326/18.....
XIII – Igualmente a execução intentada em 31.05.2022 contra a “EMP02..., Lda.”, que foi efetuada por requerimento nos próprios autos (Apenso F), por se tratar de execução de sentença aí proferida, tendo apenas transitado para o Tribunal de Chaves por virtude da oposição à execução deduzida por esta Co-Ré, “EMP02..., Lda.”.
XIV – Todo este conjunto de processos apensos estão localizados no mesmo Tribunal de Mirandela, sujeitos à sindicância, gestão e decisão do mesmo Senhor Magistrado.
XV – AA. intervém em todos esses autos na qualidade de titular de um conjunto de créditos, garantidos, sobre a Massa Insolvente de AA, sendo também membro da respetiva Comissão de Credores.
XVI – A A. era também titular de um contrato designado de “contrato de locação de estabelecimento comercial e promessa de trespasse”.
XVII – A partir de março de 2021, a A. veio reclamar, quer nos autos principais, quer no apenso de liquidação – Apenso D -, junto do Senhor Magistrado titular dos processos, atos e omissões praticados pelo Senhor Administrador Judicial que considerava ilegais, requerendo mesmo a sua substituição, incidentes que nunca foram decididos.
XVIII – A A. era inicialmente patrocinada nos autos pelo Senhor Dr. CC, sendo que, a partir de 2021 surgiram divergências entre a A. e o seu então patrono.
XIX – Sequencialmente passaram igualmente a surgir divergências significativas entre o Senhor Administrador Judicial e a A., visto que inicialmente o Senhor Administrador Judicial entendia ser do interesse da Massa Insolvente de AA o cumprimento do contrato de trespasse pela A. e, depois, veio, em março de 2021 informar pelo não cumprimento do contrato, embora nunca o tenha “denunciado”.
XX - A intervenção dos atuais mandatários ocorreu apenas em 16.07.2021.
XXI – Depois de diversas vicissitudes, sem cumprimento das pertinentes regras legais e das normas do CIRE, o Senhor Administrador Judicial informa os autos de liquidação - Apenso D – que “trespassou”, já a aqui Co-Ré, “EMP02..., Lda.”, o estabelecimento de “Farmácia ...”, de que a A. tinha posse como exploratária e promitente cessionária, pretendendo a entrega imediata do estabelecimento.
XXII – A A., não tendo tido qualquer resposta do Tribunal aos sucessivos requerimentos por si remetidos aos autos, intenta providência cautelar inominada que corresponde ao Apenso F, para salvaguardar a sua posse do estabelecimento.
XXIII – E propõe a respetiva ação principal a que corresponde o Apenso G.
XXIV– No âmbito de uma tentativa de conciliação marcada nos autos de providência cautelar – Apenso F – a A., cansada do longo litígio inconsequente e perante a sucessiva inércia do Tribunal, aceita transigir, em 02.02.2022, nos termos da transação que é o objeto destes autos.
XXV – Transação essa que transitou de imediato em julgado.
XXVI – Nos termos da referida transação ela consubstanciou um negócio sinalagmático, de prestações recíprocas entre as partes, homologado por sentença.
XXVII – Sucede que nenhuma das RR. cumpriu a prestação a que se havia obrigado para com a A., prestações essas de execução prévia à entrega do dito estabelecimento que a A. se obrigou a realizar no dia 28.02.2022.
XXVIII – As RR., aliás, iniciaram, por atos e omissões, comportamentos manifestos indiciadores que não pretendiam (nem nunca pretenderam) cumprir as suas prestações.
XXIX – A A. dá conhecimento ao Tribunal destes factos, nomeadamente por requerimento de 21.02.2022.
XXX – Porque as RR. declarassem que iriam tomar posse do estabelecimento, ainda que pela força, no dia 28.02.222, não obstante não haverem cumprido as suas obrigações, a A. intenta no dia 25 desse mês a ação de anulação de declaração de nulidade da referida transação, invocando diversos fundamentos - presentes autos.
XXXI– O representante da A. e um dos seus mandatários dirigem-se para o estabelecimento “Farmácia ...”, em ..., no dia 28.02.2022, no sentido de tentar obstar a qualquer tomada pela força do dito estabelecimento, tendo o representante da A. alertado mesmo o comando local da GNR.
XXXII – Nesse dia 28.02.2022 de manhã, chega ao conhecimento do escritório dos mandatários da A. despacho lavrado nos autos pelo Senhor Magistrado concedendo às partes mais 10 dias para cumprirem a transação.
XXXIII – Tranquilizados por este despacho e pelo facto de o senhor AJ não ter comparecido no estabelecimento até ao final dessa manhã, o representante da A. e o seu mandatário retiram-se do estabelecimento, regressando à cidade ....
XXXIV – Posteriormente, são confrontados com a informação de que os RR. haviam tomado (pela força) o referido estabelecimento, assumindo a sua posse, com o apoio da GNR, tendo como suporte uma informação verbal do Senhor Magistrado, transmitida pela secretaria do Tribunal.
XXXV – A A. insurge-se contra todos estes factos, mas aguarda decisão do Tribunal sobre o teor dos requerimentos que havia produzido nos autos e o desenvolvimento dos presentes autos.
XXXVI – Ficando, no entanto, desapossada da prestação a que se tinha comprometido e não obstante o prazo de mais 10 dias que havia sido concedido pelo Tribunal (e às compartes).
XXXVII–Em face desta realidade, a A. acaba por, sem prescindir naturalmente da pretensão formulada nestes autos, dar à execução a sentença que homologou a referida transação com vista a pelo menos colocar do seu lado as prestações a que as RR. se haviam obrigado.
XXXVIII – Em ../../2022 deduz aqueles autos de execução contra a co-Ré Massa Insolvente de AA que continuam apensos aos autos principais – Processo 326/18.....
XXXIX – Nestes autos o Senhor Magistrado titular teve, de resto, diversas intervenções, nomeadamente e com o Senhor Agente de Execução quanto ao prosseguimento da execução.
XL– E no dia 31.05.2022, a A. deduz execução também nos próprios autos contra a co-Ré “EMP02..., Lda.”, autos que, por ter havido oposição desta Ré, transitaram para o Tribunal de Chaves.
XLI – No entretanto é marcada audiência nestes autos para o dia 7.02.2023 e sem mais proferida a decisão recorrida.
XLII – Não obstante toda esta factualidade, o Tribunal na decisão recorrida não decide a ação, esquece a reconvenção formulada e julga a ação improcedente em sede do que designa por renúncia tácita – da A. – ao direito que pretendia fazer valer nestes autos, “com (in) fundamento que a A.”, ao executar a sentença que homologou a transação renunciou ao direito que aqui fazia valer.
XLIII - E condenou a A. (coresponsabilizando o mandatário subscritor) como litigante de má-fé por entender que estes haviam omitido (!?) a existência da execução que corre no Tribunal de Chaves, facto que alegadamente poderia ter induzido em erro o Tribunal e que este considerou de grande “deslealdade” (verdadeira desfaçatez”).
XLIV - Ora, a decisão recorrida, por tudo o que vai dito considera, antes de mais, quanto à questão de facto apenas alguns factos (documentais) suscetíveis de servir exclusivamente o desiderato pretendido, esquecendo todos os outros – inúmeros – sucintamente escritos, que o Tribunal não pode ignorar porque está obrigado a conhecer.
XLV – Invocando até um dos factos de forma incorreta (se não falsa), pois que o Tribunal não podia ignorar a existência das execuções, desde que elas foram intentadas – nos próprios autos - e até visto que uma delas continua a correr os seus termos no mesmo Tribunal de Mirandela e com a intervenção e sob o magistério do mesmo Senhor Magistrado.
XLVI – É manifestamente inadequada e incorreta a decisão recorrida quanto à questão de facto, por manifesta omissão, por não corresponder na sua integralidade à realidade dos autos, e constituir verdadeira omissão e inadequação da sua fundamentação.
XLVII – Facto que por si só fere, de novo, a sentença recorrida de nulidade.
XLVIII – Igualmente, quanto à questão de Direito a sentença recorrida não aprecia, nem decide, o que deveria decidir – os pedidos da ação e da reconvenção, e decide (mal) o que não deveria decidir, o que consubstancia igualmente verdadeira omissão de pronúncia por um lado, e excesso de pronúncia por outro.
Sem prescindir
XLIX – A verdade é que a A. não formulou quaisquer pedidos incompatíveis entre si e muito menos renunciou ao direito que pretendeu fazer valer nestes autos.
L – A transação enquanto não for declarada inválida ou nula é válida, tendo força executiva a sentença que a homologou.
LI – Tal negócio formal é apenas suscetível de ser atacado por via da presente ação de declaração de anulação ou nulidade.
LII – Por outro lado, enquanto não existe decisão nestes autos, a referida transação é executável e exigível, assistindo à A. o direito de obter as prestações que lhe compitam pela forma coerciva.
LIII – Se as RR. tivessem cumprido voluntariamente, ninguém colocaria em crise que a A. pudesse impugnar a referida transação nos termos da Lei.
LIV – Se a ação vier a ser julgada procedente por decisão transitada, haverá que aplicar o regime legal adequado, devendo as partes devolver reciprocamente o que hajam recebido da contraparte.
LV – E tudo voltará à situação inicial, devendo prosseguir a providência correspondente ao Apenso F e a ação principal subsequente – Apenso G.
LVI – Se a ação vier a ser julgada improcedente, manterá validade a transação, mantendo as partes reciprocamente as prestações que hajam recebido (voluntária ou coercivamente).
LVII – Acresce que a invocação de que a ação nunca podia proceder com fundamento em pacto simulatório não é relevante, pois, foram vários os fundamentos invocados pela A. que o Tribunal não considerou.
LVIII – A decisão erra, assim, sucessivamente, na aplicação do Direito.
Quanto à questão da má-fé
LIX – A A. intentou a presente ação, bem como posteriormente deduziu as execuções contra os RR. na convicção do exercício de direitos próprios, inequivocamente compatíveis.
LX – As execuções são execuções de sentença requeridas nos próprios autos, sendo que uma delas constitui um dos apensos de um conjunto de processos, de que faz parte também esta ação de anulação.
LXI – Os referidos procedimentos foram assim desencadeados sob a decisão, sindicância e decisão do Tribunal de Mirandela e do mesmo Senhor Magistrado.
LXII – Sendo que uma das execuções continua aí a correr, tendo aí tido intervenção o mesmo Senhor Magistrado.
LXIII – A A. nunca quis, nem podia, pela própria natureza das coisas, “iludir” ou “induzir o Tribunal em erro”.
LXIV – Na intervenção judiciária, quer nestes autos, quer nos demais que constituem os apensos aos autos principais de insolvência, a A. tem convicção de que quer ela, quer os seus mandatários, intervieram com lisura, respeitando o Tribunal, sem excessos, no exercício de direitos e conforme a prática forense, não obstante a frequente omissão de intervenção atempada do próprio Tribunal às solicitações processuais da A. (para falarmos apenas do que está escrito no processo…).
LXV – A A. só pode concluir que usou o processo legitimamente, nos termos da Lei, ou seja sempre litigou de boa-fé.
LXVI – O (in)fundamento usado pelo Tribunal de deslealdade da A. (e do seu mandatário), aliás de forma, ressalvado o devido respeito, qualificadamente (pelo menos) excessiva, não encontra suporte, nem correspondência, com a realidade dos autos.
LXVII – O Tribunal poderia discordar (bem ou mal, não importa aqui), da utilização processual da A..
LXVIII – O que não poderia era impedir a A. de o fazer à partida, e à chegada condená-la como litigante de má-fé.
LXIX – Em boa verdade, se o Tribunal entendia que os meios processuais usados eram incompatíveis (bem ou mal não importa agora), o que deveria fazer era indeferir liminarmente aqueles que tinham sido intentados em 2º lugar (as execuções).
LXX–A condenação da A. como litigante de má-fé, ainda por cima nos termos em que o foi, representa assim uma errada e errónea aplicação da Lei.
LXXI - Violou, assim a sentença recorrida, por erro na aplicação da Lei, diversas disposições legais, nomeadamente as normas dos artigos 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 150, 152, 153, 154, 542, 543, 545, 588, 590, 607, 619 e 626 do CPC, artigo 1250 do Código Civil, artigos 161 e 164 do CIRE (entre outros) e artigos 4, 12, 13, 20 e 202 e segts. da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência:
A) Deve sempre declarar-se a nulidade da decisão recorrida, sendo ela revogada, nos termos expostos, seguindo o processo os seus ulteriores termos.
Ainda que assim se não entenda
B) Deve sempre ser revogada a decisão recorrida, pela sucessiva ordem de fundamentos, não podendo deixar de mandar-se prosseguir os autos para julgamento.
Pois assim se fará JUSTIÇA.

Apenas a recorrida EMP03..., Lda. (5ª Ré) contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação.
*
A 1ª Instância admitiu o recurso interposto como sendo de apelação, a subir imediatamente, em separado (no sentido de que a sua subida se processaria – como se processou - no próprio apenso que constitui a presente ação declarativa) e com efeito devolutivo, com exceção da condenação da recorrente como litigante de má-fé, à qual atribuiu efeito suspensivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser, nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1].
No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar as seguintes questões:
a- Se o saneador-sentença recorrido é nulo por violação do princípio do contraditório na sua dimensão positiva, constituindo uma decisão-surpresa?
b- Se aquele saneador-sentença é nulo por omissão e/ou excesso de pronúncia uma vez que nele não se conheceu dos pedidos formulados na ação e na reconvenção “e decide mal o que não deveria decidir”?
c- Se a decisão de mérito nele proferida (ao julgar a presente ação improcedente por ter julgado que, ao instaurar ação executiva servindo de título executivo a essa execução a sentença homologatória, transitada em julgado, da transação que aquela pretende ver declarada nula ou anulável na presente ação, esta renunciou tacitamente à invocação desses vícios que assaca àquela transação na presente ação e, bem assim, ao condenar a recorrente como litigante de má-fé) padece de erro de direito?
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III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade no saneador-sentença recorrido:
3.1.1. Correu termos no Juiz ... do Juízo de Competência Genérica de Mirandela o procedimento cautelar, apenso aos presentes autos como a letra ..., no qual EMP01..., LDA é requerente e requeridos a MASSA INSOLVENTE, OS CREDORES da Insolvente, BB, administrador de insolvência, e EMP02..., LDA.
3.1.2.  Na ação referida em 3.1.1.  a Requerente peticiona a declaração de:
A. Ser a Requerida “EMP02..., Lda.” e, bem assim, o senhor Administrado Judicial BB notificados judicialmente para que se abstenha de praticar quaisquer atos suscetíveis de interferir com a posse, retenção e fruição pela Requerente do estabelecimento “Farmácia ...”, sita no Edf. ..., R. DD ..., ... ..., até à primeira decisão judicial transitada em julgado, quer nos autos principais, quer nos autos de liquidação, quer em ação própria a intentar que aprecie a nulidade e ineficácia do ato do Senhor Administrador Judicial de venda do referido estabelecimento à Requerida e que, bem assim, reconheça à Requerente, para além dos direitos que detém dada a sua qualidade de exploratária do referido estabelecimento, os direitos e garantias que as suas qualidades de credora privilegiada e beneficiária de penhor mercantil sobre o dito estabelecimento lhe conferem, até efetivo recebimento dos seus créditos.
B. Sujeitar solidariamente os Requeridos BB e “EMP02..., Lda.” a uma sanção pecuniária nunca inferior a 750€/dia por cada dia em que, não se abstendo da prática dos atos aludidos na alínea anterior, a Requerente esteja, por qualquer motivo, fruto de atuação ou comportamento destes, privada da fruição do estabelecimento “Farmácia ...”, sita no Edf. ..., R. DD ..., ... ....
3.1.3. Na ata de tentativa de conciliação do dia 2/2/2022, do processo identificado em 3.1.1. consta a seguinte transação:

O Ilustre AI nos termos e efeitos do artº 174º compromete-se a proceder ao pagamento do capital garantido da EMP01..., Lda. (anterior Banco 1...) no valor de €:259.056,80, no prazo de quinze dias, por transferência bancária para o IBAN  ...57 da Banco 2....

Pela Requerente (EMP01..., Lda.) foi dito que reconhece a legalidade e a licitude da alienação pela massa da “Farmácia ...”, sita em ... - verba 3 do Auto de Apreensão-, à requerida “EMP02...”.

Que a entrega do estabelecimento seja feita no dia 28 de fevereiro do corrente ano, devoluto de pessoas e bens com exceção do abrangido pelo âmbito do trespasse, (funcionários e bens apreendidos nos presentes autos).

Até ao dia 28/02 do corrente ano a “EMP01...” e “EMP02...”, farão um inventário e seleção dos artigos em stock da primeira (EMP01...) que a EMP02... adquirirá, sendo que o preço a ter em conta será o preço de custo, sem IVA e contra a respetiva fatura.

A requerente “EMP01..., Lda.”, desiste do pedido dos presentes autos cautelares, bem como da ação principal - apenso G -, bem como de todos os requerimentos juntos aos autos principais de Insolvência relacionados com este assunto.

As custas da presente ação ficarão a cargo do desistente/requerente, prescindindo as partes de custas de parte.
3.1.4.  Na ata de tentativa de conciliação do dia 2/2/2022, do processo identificado em 3.1.1.  consta a seguinte sentença:
SENTENÇA
Relatório
"EMP01..., Lda., MASSA INSOLVENTE, CREDORES DA INSOLVENTE, AA, BB, EMP02..., Lda., respetivamente Requerente e Requeridos, vieram requerer a homologação da transação que antecede.
Fundamentos
É lícito às partes, em qualquer estado da instância, transigir sobre o objeto da causa (cfr. artigo 283º, nº 2 do CPC).
A transação é também válida não só quanto ao objeto, como também aos sujeitos intervenientes (cfr. artigos 289º, nº 1 “a contrario”, 290º, nº 1 e 3, do CPC).
Decisão
Pelo exposto, homologo a transação que antecede, condenando as partes nos seus precisos termos e declarando extinta a instância – arts. 45º, nº 2, 277º, nº 1, d), 283º, nº 1, 284º, 289º, nº 1, este último a contrário, e 209º, nº 1 e 3, do C.P.C.
Custas nos termos acordados. cfr. artº 537º, nº 2, do C.P.C.
Valor: €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo). Cfr. artigos 296º, n.º1, 297º, n.º 1, 299º, nº 1 e nº2, e 306º, n.º2 , todos do Cód. Proc. Civil do C.P.C.
Registe. cfr. artº 153º, nº 4, do C.P.C.
Notifique. cfr. artº 220º, nº 1, do C.P.C
Da sentença que antecede, foram todos os presentes devidamente notificados, tendo as partes renunciado ao direito de recurso.
3.1.5. Em 25/02/2022 veio, através dos presentes autos, “EMP01..., LDA.”, INSTAURAR ACÇÃO DE CONDENAÇÃO COM PROCESSO COMUM CONTRA MASSA INSOLVENTE, representada pelo Administrador de insolvência, OS CREDORES da insolvente, a INSOLVENTE AA, BB, administrador de insolvência, e EMP02..., LDA., peticionando que:
1) Deve o Tribunal declarar a nulidade ou anulação da transação realizada no dia 2 de fevereiro de 2022, no apenso F do processo 326/18...., do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, Juízo de Competência Genérica de Mirandela, Juiz ..., devendo os RR. ser condenados a reconhecer tal nulidade ou anulação do negócio, com todas as consequências legais, nomeadamente que a A. não está obrigada ao cumprimento das obrigações que aí assumiu.
2) Mais devem os RR. ser condenados, solidariamente, a pagar à A. todos os prejuízos que, por virtude dos factos que lhe são imputáveis, tenham causado ou venham a causar à A., prejuízos esses porque ainda não quantificáveis a liquidar em execução de sentença.
3.1.6. Em 31/05/2022, o mesmo mandatário Dr. EE que subscreveu os presentes autos, intentou ação executiva de sentença nos próprios autos, no Juízo de Execução de Chaves, sob o nº 1030/22...., alegando os seguintes factos no seu requerimento executivo:
Título Executivo: Decisão judicial condenatória
1º- Por sentença de homologação de transação judicial proferida e transitada em julgado aos 02.02.2022, foi a aqui Executada condenada, sic:
“Até ao dia 28.02 do corrente ano a “EMP01...” e “EMP02...” farão um inventário e seleção dos artigos em stock da primeira (EMP01...) que a EMP02... adquirirá, sendo que o preço a ter em conta será o preço do custo sem IVA e contra a respetiva fatura”.
2º- Decorrido o prazo legalmente fixado para o pagamento - obrigação de prazo certo – não procedeu a Executada ao pagamento à Exequente da quantia a cujo pagamento se obrigou.
3º- Nos termos das disposições legais aplicáveis, v.g. artigo 626º do CPC, é admissível à Exequente, “EMP01..., Lda.”, requerer a execução daquela decisão nos presentes autos – o que esta pretende.
4º- Nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 703º do CPC, as sentenças condenatórias têm força executiva.
5º- Embora não liquidada a quantia em divida, na referida transação foram estabelecidos os indispensáveis fatores de liquidação.
6º- De facto, a referida transação, homologada por sentença, estabelece que a executada deveria pagar à aqui exequente o valor dos bens da exequente em inventário e a seleção dos artigos do comércio da exequente (farmácia), à data da entrega do estabelecimento – 28.02.2022 – pelo preço respetivo, sem IVA.
7º- Sucede que, como se sabe, os estabelecimentos de farmácia, por Lei, estão sujeitos a um registo mensal de stock em inventário o que permite uma rápida liquidação.
8º-  No caso concreto não vigora o ónus de proceder à liquidação no âmbito de processo de declaração, nem se trata de execução de uma decisão arbitral.
9º- Pelo que a exequente pode proceder à sua liquidação direta nos termos do nº 1 do artº 716 do CPC.
10º- A exequente procede, assim, à liquidação da quantia em que foi condenada a executada, no âmbito da referida sentença, nos seguintes termos:
a) medicamentos e outros produtos em stock no estabelecimento designado “Farmácia ...”, sito na Rua ..., Edifício ..., ..., ... ..., à data de 28.02.2022 - data em que a executada tomou posse do referido estabelecimento - no valor de 69 441,02 Euros sem IVA, conforme relação de inventário em anexo;
b) Cruz Led verde, correspondente à fatura nº ...2 emitida pela “EMP04...”, no valor de 2 850,00 Euros sem IVA;
c) Balança cor creme, correspondente à fatura nº ...42 emitida pela “EMP05..., S.L. Unipessoal”, no valor de 950,00 Euros sem IVA;
d) computador e respetivos sistemas de hardware e software, no valor de 2 500,00 Euros sem IVA - tudo num total de 75 741,02 Euros.
11º- Deve, pois, a executada à exequente os referidos valores, na importância global de 75 741,02 Euros, e bem assim os juros vencidos e vincendos até integral e definitivo pagamento.
12º- Os juros vencidos até à presente data somam 1 420,00 Euros.
13º- Não existem, assim, quaisquer dúvidas que estamos perante um título executivo, cuja obrigação é certa, líquida e exigível.
14º- Em suma, a Executada é devedora perante a Exequente da quantia global de 77 161,02 Euros (75 741,02 + 1 420,00) à qual deverão acrescer os juros moratórios e sancionatórios vincendos até efetivo e integral pagamento - o que se requer.
3.1.7.  Em sede de audiência prévia dos presentes autos, datada de 7/02/2023, tomou conhecimento este Tribunal, por requerimento do Ilustre mandatário da Ré EMP02..., FF, da existência do processo executivo referido em 3.1.6..
3.1.8.  Na ata da diligencia referida em 3.1.7.  consta que:
Em seguida, pelo Ilustre mandatário da Ré EMP02..., FF, foi pedida a palavra que ao ser-lhe concedida e no uso da mesma disse:
Considera a Ré EMP02..., renuncia tácita ao putativo exercido nos presentes autos pela EMP01... no que concerne ao seu pedido e causa de pedir, atendendo que peticionou nos presentes autos a anulação da transação homologada judicialmente sendo que anteriormente à instauração da presente ação a aqui autora deu à execução como título executivo a mesmíssima transação homologada judicialmente a qual corre termos no Juízo de Execução de Chaves, sob o nº 1030/22.... no qual rogando-se ter a sentença como titulo executivo, penhorou com dispensa de citação prévia à executada aqui ré o saldo bancário no valor de €:88.850,00 quantia, a qual está penhorada à ordem daqueles autos complementada com o adicional fixado pelo Mmº Juiz daquele processo no âmbito do apenso "A" de Prestação de Caução que a aqui ré teve que prestar sob pena de ter que lutar com as suas contas bancárias penhoradas, sob pena de ter que incumprir com os seus trabalhadores, estado e demais obrigações.
Tal facto deverá ser analisado não só em saneador de sentença, mas também como ainda intentou ainda como litigante de má fé.
Protesta juntar certidão da referida execução de modo a comprovar o ora alegado.
*
Após, pelo mandatário da EMP01..., Dr. EE, foi pedida a palavra que ao ser-lhe concedida e no uso da mesma disse:
A autora entende não existir razão á Ré EMP02... tanto no que diz respeito à alegada renuncia tácita invocada, tanto no que diz respeito à condenação como litigante de má fé.
No dia ../../2021, as aqui rés em conjunto apropriadas da contraprestação da Autora acordaram na transação que é objeto da presente ação.
Nenhuma das rés nos prazos fixados cumpriu a respetiva prestação, nada pagaram à Autora.
A autora decidiu pois anular a transação aqui em causa, pois tal transação será invalida por vicio de vontade das rés, isto é, as rés nunca quiseram cumprir.
O que não pode nem podia a Autora é permitir que as rés recebam coletivamente a sua prestação - o estabelecimento da Farmácia ... - ficando a autora a aguardar a decisão a proferir nestes autos para saber se o negócio seria anulado ou não, pelo que cautelarmente decidiu salvaguardar os seus interesses, se este Tribunal, como se espera anular o negócio em causa, tanto as rés têm que restituir como esperaria a autora, como esta terá que restituir-lhe o que entretanto tenha recebido no âmbito do processo em causa.
Não existe qualquer renuncia ao direito nem qualquer litigância de má fé por parte da Autora.
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IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A- Da nulidade do saneador-sentença recorrido por violação do princípio do contraditório – decisão-surpresa
A recorrente assaca ao saneador-sentença o vício da nulidade por violação do princípio do contraditório, dizendo que aquele consubstancia uma verdadeira decisão-surpresa, na medida em que, o “tribunal aceitou a petição inicial, a contestação/reconvenção, os demais articulados, sem ter indeferido liminarmente a petição inicial, nem determinado o seu aperfeiçoamento. Os autos seguiram os seus termos, tendo sido, aliás, marcada audiência prévia, nos termos da Lei. Sem mais, o Tribunal decidiu não julgara ação nem a reconvenção, propalando sentença, decidindo sobre uma alegada renúncia tácita ao direito invocado pela A., julgando a ação improcedente e condenando a A. como litigante de má-fé”.
Conclui que, consubstanciando o dito saneador-sentença uma verdadeira decisão-surpresa, o mesmo é nulo, “pelo que, o procedimento está ele também ferido de nulidade, porventura desde a apresentação da petição inicial mas, pelo menos, sempre após a notificação para audiência prévia – nulidade que afeta igualmente a decisão recorrida”.
Quid inde?
Seguindo de perto o teor do acórdão por nós relatado de 19/06/2024[2], a par do princípio do dispositivo, o princípio do contraditório continua a constituir um dos princípios nucleares da lei adjetiva nacional.
Subjacente ao princípio do contraditório está “a ideia de que repugnam ao nosso sistema processual civil decisões tomadas à revelia de algum dos interessados, regra essa que apenas sofre desvios quando outros interesses se sobreponham”, como é o caso de determinadas providência cautelares (v.g. restituição provisória de posse – art. 378º - e arresto – 393º, n.º 1, do CPC, a que se reportam todas as disposições legais a que se venha a fazer referência sem indicação em contrário) e, em geral, quando naquelas a audiência do requerido puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência (art. 366º, n.º 1), em que em todas essas situações a audição do requerido e, por conseguinte, o cumprimento do princípio do contraditório é relegado para momento posterior ao decretamento e à realização/execução da providência cautelar[3].
Nessa sua conceção tradicional (que continua a ter consagração no n.º 1, do art. 3º), o princípio do contraditório implica que instaurada uma determinada ação, providência ou execução, em que é formulado pelo autor/requerente ou exequente um determinada pretensão (pedido) contra a pessoa que é demandada, requerida ou executada, com fundamento em determinados fundamentos fáctico-jurídicos (causa de pedir) ou com base num determinado título executivo, não é consentido ao tribunal resolver o conflito de interesses que a ação, a providência ou a execução pressupõe sem que a parte contrária (réu, requerido ou executado) seja devidamente chamada (o que se processa através da citação) para que tome conhecimento e apresente, querendo, a sua defesa.
Na conceção tradicional e negativa o fundamento do princípio reside na necessidade de se salvaguardar à parte contrária a defesa, no sentido negativo de oposição ou de resistência à atuação alheia. Por isso, é que “formulado um pedido ou tomada uma posição por uma parte, deve à outra ser dada oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão, tal como, oferecida uma prova por uma parte, a parte contrária deve ser chamada a controlá-la e ambas sobre ela têm o direito de se pronunciarem, assim se garantindo o desenvolvimento do processo em discussão dialética, com as vantagens decorrentes da fiscalização recíproca das afirmações das partes”[4].
Na referida conceção tradicional e restritiva do princípio do contraditório o seu fundamento é a defesa, visando-se garantir à parte contrária o conhecimento de que contra ela foi proposta uma ação, requerida uma providência, ou instaurada uma execução, em que é formulada uma determinada pretensão (pedido) assentes em determinados pressupostos fáctico-jurídicos (causa de pedir) ou em determinado título executivo para que, por um lado, tome conhecimento e, por outro, apresente, querendo, a sua defesa.
Acontece que, na sequência da revisão operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, ao CPC  o legislador adjetivo nacional adotou uma conceção ampla de contraditoriedade, ao dispor, no n.º 3 do art. 3º, incumbir ao juiz o dever de “observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo em caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Ao assim estatuir o legislador adotou uma conceção ampla e positiva de contraditoriedade, ao proibir a indefesa (art. 20º, n.º 4 da C.R.P.), associado à regra do contraditório, conferindo às partes uma participação efetiva no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que, em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão a ser nele proferida. E, nessa medida, ao proibir ao julgador a possibilidade de proferir qualquer decisão-surpresa, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, ainda que de conhecimento oficioso, sem que previamente tenha sido conferido às partes, especialmente àquela contra quem é dirigida, a efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar[5].
Nessa conceção positiva de contraditoriedade o fundamento do princípio já não é a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, mas sim a influência, no sentido positivo de reconhecimento do direito das partes de influírem ativa e decisivamente no desenvolvimento e no êxito do processo[6], contribuindo para que o processo civil seja transformado numa verdadeira comunidade de trabalho, em que a decisão a proferir pelo julgador é o resultado do labor das partes, advogados e juiz.
O princípio do contraditório na referida conceção ampla de defesa e de influência tem um conteúdo multifacetado que se projeta ao longo de todo o CPC, inspirando as soluções jurídicas que nele foram adotadas pelo legislador e a interpretação e aplicação que se impõe fazer dessas soluções.
Uma das referidas consequências é a consagração pelo CPC de 2013 da figura da audiência prévia.
Com efeito, conforme expende Paulo Pimenta, “mantendo e enfatizando algo que provém, da Reforma de 1995/1996, o CPC de 2013 estabelece a realização de uma audiência a ter lugar na fase intermédia do processo. Trata-se da audiência prévia, que se assume como um dos momentos mais marcantes da ação declarativa. Esta audiência visa assegurar, com efetividade, a aproximação entre as partes, e estas e o tribunal, através de uma cultura de diálogo. Visa ainda que a atuação dos sujeitos processuais seja dominada pela ideia de oralidade e da cooperação entre todos. A audiência prévia contém virtualidades que a tornam um palco privilegiado onde, simultaneamente, atuam todos os intervenientes processuais, numa verdadeira comunidade de trabalho, sendo tal audiência um dos expoentes máximos da oralidade e da cooperação que caracterizam o processo civil moderno”[7].
Deste modo, no âmbito da ação declarativa comum de valor superior a metade da alçada da Relação, que foi o regime adjetivo que a 1ª Instância seguiu no âmbito da presente ação, do confronto do regime jurídico dos arts. 591º, n.º 1, 592º, n.º 1, 593, n.º 3 e 597º, resulta como regra que, uma vez concluídas as diligências realizadas no âmbito do pré-saneador, é convocada obrigatoriamente a audiência prévia, salvo em duas situações: a) quando a lei estabeleça expressamente não ter lugar a realização daquela; ou b) quando o juiz dispense a sua realização, ao abrigo do disposto no art. 593º, n.º 1[8].
Os casos em que a lei processual civil prevê expressamente não haver lugar à realização de audiência prévia encontram-se enunciados, de modo taxativo, no art. 592º, n.º 1, e reconduzem-se a duas situações: 1ª- ações não contestadas que tenham de prosseguir para julgamento devido ao facto de nelas não vigorar o regime da revelia operante (al. a)); e 2ª- ações que devam findar logo no despacho saneador por via da procedência de uma exceção dilatória, desde que esta tenha sido já debatida pelas partes nos seus articulados (al. b)).
Por sua vez, o legislador concedeu ao julgador a faculdade de dispensar a realização de audiência prévia nas ações que devam prosseguir para audiência final e em que a sua realização se destine exclusivamente às finalidades indicadas nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do art. 591º (art. 593º, n. 1), ou seja, quando se destine apenas a ser proferido despacho saneador, nos termos do n.º 1 do art. 595º; a determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6º e no artigo 547º; e a proferir, após debate, despacho identificando o objeto do litígio e enunciando os temas da prova e a decidir as reclamações que sobre essa identificação e enunciação sejam apresentadas pelas partes. 
Destarte, resulta do que se vem expendendo que o julgador não pode dispensar a realização de audiência prévia quando se proponha nela julgar procedente alguma exceção dilatória que não tenha sido debatida pelas partes nos articulados (art. 592º, n.º 2, al. b) a contrario), designadamente, por se tratar de exceção dilatória não suscitada pelas partes que seja de conhecimento oficioso, ou que apenas foi suscitada no último articulado.  E o julgador também não pode dispensar a realização de audiência prévia quando se proponha conhecer do mérito da causa.
Neste sentido pronunciam-se Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ao expenderem que: “A audiência prévia deve ser convocada quando o juiz pretenda apreciar uma exceção dilatória de conhecimento oficioso (cf. o art. 578º) que não tenha sido suscitada e discutida pelas partes nos articulados, evitando uma decisão-surpresa (art. 3º, n.º 3). Outrossim para assegurar o contraditório quanto a exceção dilatória invocada no último articulado admitido no processo (art. 3º, n.º 4) ou quando o juiz considerar útil o aprofundamento da discussão. (…). Quando o juiz entender que dispõe de condições para apreciar já o mérito da causa no despacho saneador (art. 595º, n.º 1, al. b)), a diligência será destinada a facultar às partes uma discussão sobre as vertentes do mérito da causa que o juiz projeta decidir. É de toda a conveniência que o juiz não decida, no todo ou em parte, aspetos materiais do litígio sem um debate prévio, no qual os advogados das partes tenham a oportunidade de produzir alegações orais acerca do mérito da causa. Estas alegações poderão servir também para as partes tomarem posição sobre eventuais exceções perentórias não discutidas nos articulados e que o juiz entenda poder conhecer oficiosamente, prevenindo decisões-surpresa. Além disso, deve ser concedida às partes a possibilidade de produzirem alegações quando o juiz se proponha decidir do mérito da causa num enquadramento jurídico diverso do assumido e discutido pelas partes nos articulados. Em todas estas situações estão em jogo o respeito pelo princípio do contraditório, garantindo às partes pronúncia sobre questões que o juiz irá decidir na fase intermédia do processo, de modo a evitar decisões-surpresa (art. 3º, n.º 3)[9].
No mesmo sentido pronunciam-se Lebre de Freitas e Isabel Alexandre ao advogarem que o juiz somente pode dispensar a realização de audiência prévia quando esta se destine “apenas ao proferimento de despacho saneador, à adequação formal ou gestão processual, ou ao proferimento do despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova. Fora destes casos, o juiz não pode dispensar a audiência prévia, nomeadamente quando se verifiquem os requisitos da alínea b) ou da 2ª parte da alínea c) do art. 591º-1”[10].
E no sentido de que a realização da audiência prévia é obrigatória quando o julgador se proponha conhecer de exceção dilatória não debatida pelas partes nos articulados ou conhecer do mérito da causa, sob pena de incorrer na prolação de uma decisão-surpresa, inquinada pelo vício da nulidade, por violação do princípio do contraditório na sua dimensão positiva (art. 3º, n.º 3), se tem pronunciado a jurisprudência nacional maioritária, se não unânime[11].
Assente nas premissas que se acabam de enunciar, pretende a recorrente que ao ter julgado improcedente a presente ação com fundamento na circunstância de, tendo aquela instaurada ação executiva dando à execução a sentença homologatória, transitada em julgado, da transação que foi celebrada no âmbito da providência cautelar que instaurou contra os réus na presente ação declarativa e que correu termos no apenso F, renunciou tacitamente ao direito que exerce no âmbito da presente ação em que pede que aquela transação seja declarada nula ou anulável com fundamento em simulação, erro quanto ao objeto do negócio de transação e dolo, incorreu em nulidade, por violação do princípio do contraditório, na medida em que essa decisão foi proferida quando “o tribunal aceitou a petição inicial, a contestação/reconvenção, os demais articulados, sem ter indeferido liminarmente a petição, nem determinado o seu aperfeiçoamento” e quando “os autos prosseguiram os seus termos, tendo, aliás sido marcada (designada data para a realização de) audiência prévia”, vindo o tribunal “sem mais a decidir não julgar a ação, nem a reconvenção, propalando sentença, decidindo sobre uma alegada renúncia tácita ao direito invocado pela Autora, julgando a ação improcedente e condenando a Autora como litigante de má fé”.
Sem razão.
É certo que, por via do princípio da economia processual, de modo a obstar que uma determinada ação prossiga os seus termos inutilmente, por padecer de manifestos e evidentes vícios insupríveis (nulidades e exceções dilatórias) que impedem que o julgador possa entrar no conhecimento do seu mérito (v.g., nulidade de todo o processado, por ineptidão da petição inicial, exceção dilatória de incompetência absoluta do tribunal para conhecer da relação jurídica material, etc.), ou quando o pedido for manifestamente improcedente, sempre que o processo comporte despacho liminar, ou, independentemente dele, sempre que o juiz, apercebendo-se desses vícios ordene à secção que o processo lhe seja concluso para prolação de despacho liminar, nos termos do art. 590º, n.º 1, aquele deverá indeferir liminarmente a petição inicial.
Todavia, do facto do juiz não ter indeferido liminarmente a petição inicial não se segue que não o possa fazer posteriormente, nomeadamente, na audiência prévia, na sequência da invocação pelos réus, antes da apresentação da contestação ou neste articulado de nulidades ou de exceções dilatórias (veja-se que, nos termos do art. 198º, as nulidades dos arts. 186º, n.º 1 e 193º, n.º 1 apenas podem ser arguidas pelos réus até à contestação ou neste articulado, mas já quanto às nulidades previstas nos arts. 187º e 194º, estas podem ser suscitadas em qualquer estado do processo enquanto não devam considerar-se sanadas, e que, as exceções dilatórias, nos termos dos arts. 97º, 572º, al. c) e 573º têm de ser suscitadas pelos réus o mais tardar na contestação), ou por, entretanto, delas se ter apercebido e se tratar de nulidades ou exceções de conhecimento oficioso (note-se que as nulidades previstas nos arts. 186º, 187º e 191º, n.º 2, segunda parte, são de conhecimento oficioso, a não ser que devam considerar-se sanadas - art. 196º  -  e que todas as exceções dilatórias, salvo a da incompetência absoluta decorrente da violação de pacto privativo de jurisdição ou da preterição de tribunal voluntário e da incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo disposto no art. 104º, são de conhecimento oficioso do tribunal – art. 578º -, que delas deve conhecer no despacho saneador, não ficando, contudo impedido de delas conhecer na sentença, salvo quando delas tenha conhecido em concreto no despacho saneador – art. 595º, n.º 3) e que, inclusivamente, existem exceções, como é o caso da exceção dilatória da incompetência absoluta, exceto se decorrer da violação de pacto privativo de jurisdição ou de preterição de tribunal arbitral voluntário, que podem ser suscitadas pela partes ou conhecidas oficiosamente pelo tribunal a todo o tempo enquanto a sentença não transitar em julgado – art. 97º, n.º 1.
Portanto, da circunstância do tribunal a quo não ter indeferido liminarmente a petição inicial e de ter pretensamente admitido a reconvenção (o que não é certo na medida em que, compulsados os autos, não vislumbramos que nele a 1ª Instância tenha proferido despacho admitindo ou indeferindo a reconvenção deduzida pela Ré massa insolvente) e, inclusivamente, ter convocado e realizado audiência prévia não se pode extrair qualquer consequência jurídica sobre se o saneador-sentença consubstancia ou não uma violação ao princípio do contraditório que assiste à recorrente, por configurar uma pretensa decisão-surpresa, o que manifestamente não configura.
Com efeito, a recorrente EMP01..., Lda., instaurou em 25/02/2022, a presente ação declarativa de condenação contra a Massa Insolvente da devedora, os credores desta, a própria devedora, o administrador da insolvência a título pessoal e a sociedade EMP02..., Lda., pretendendo que se declare a nulidade ou a anulabilidade da transação celebrada em 2/2/2022, no âmbito dos autos de providência cautelar que instaurou contra os mesmos, que correu termos no apenso F, e nela homologada por sentença transitada em julgado nesse mesmo dia 02/02/2022 (cfr. pontos 3.1.2 a 3.1.4 dos factos apurados), com fundamento em simulação, erro quanto ao objeto do negócio e dolo (cfr. teor da petição inicial).
Os Réus contestaram e a Ré massa insolvente deduziu reconvenção e todos pediram a condenação da Autora como litigante de má-fé.
A Autora replicou, pronunciando-se quanto às exceções invocadas pelas Rés nas contestações, bem como quanto à reconvenção deduzida pela Ré Massa insolvente e, bem assim, quanto ao pedido por elas formulado de condenação daquela como litigante de má-fé, concluindo, pelos fundamentos fácticos e jurídicos que expôs, não litigar de má-fé, pedindo que fosse absolvida deste pedido e que antes se condenasse as Rés como litigantes de má-fé.
Daí que, ao condenar a recorrente (Autora-reconvinda) como litigante de má-fé no saneador-sentença recorrido a 1ª Instância não violou manifestamente o princípio do contraditório que assiste àquela, não consubstanciando essa decisão qualquer decisão-surpresa, na medida em que a mesma teve oportunidade de se pronunciar (e pronunciou-se) quanto ao pedido dos Réus (recorridos) no sentido de ser condenada como litigante de má fé, pelo que, neste conspecto (condenação da recorrente como litigante de má-fé), improcede a nulidade que a recorrente assaca ao saneador-sentença recorrido, por pretensa violação do princípio do contraditório.
Avançando.
A 1ª Instância designou data para a realização da audiência de partes.
Acontece que, nessa audiência, que teve lugar em 07/02/2023, a 5ª Ré (recorrida EMP02..., Lda.) veio alegar que a recorrente (Autora) tinha instaurado uma execução no Juízo de Execução de Chaves, a correr termos sob o n.º 1030/22...., onde pretendia a satisfação coerciva das obrigações assumidas pelos aqui Réus massa insolvente, administrador da insolvência e pela própria 5ª Ré, no âmbito da transação celebrada no apenso J, servindo de título executivo a essa execução a sentença homologatória transitada em julgado dessa transação  (isto é, a sentença transitada em julgado que homologou a transação que nos presentes autos de ação declarativa a recorrente – Autora - pretende que seja declarada nula ou anulável com fundamento em simulação, erro quanto ao objeto do negócio e dolo), alegando que, ao assim proceder, a recorrente renunciou tacitamente ao direito de invalidação daquela transação que exerce na presente ação.
No âmbito da referida audiência prévia a recorrente (Autora) pronunciou-se sobre esta questão nova (a qual, salvo melhor opinião, atenta a alegação da recorrida EMP02..., Lda., e o saneador-sentença que perfilhou essa posição jurídica, configura uma exceção perentória, ao extinguir o direito que a recorrente exerce na presente ação de ver aquela transação declarada nula ou anulável, com fundamento em simulação, erro quanto ao objeto do negócio e dolo), que não tinha antes sido suscitada nos presentes autos, sustentando “não existir razão á Ré EMP02... tanto no que diz respeito à alegada renúncia tácita invocada, tanto no que diz respeito à condenação como litigante de má fé. No dia ../../2021, as aqui rés em conjunto, apropriadas da contraprestação da Autora, acordaram na transação que é objeto da presente ação. Nenhuma das rés nos prazos fixados cumpriu a respetiva prestação, nada pagaram à Autora.  A autora decidiu, pois, anular a transação aqui em causa, pois tal transação será inválida por vício de vontade das rés, isto é, as rés nunca quiseram cumprir. O que não pode, nem podia a Autora é permitir que as rés recebam coletivamente a sua prestação - o estabelecimento da Farmácia ... -, ficando a autora a aguardar a decisão a proferir nestes autos para saber se o negócio seria anulado ou não, pelo que, cautelarmente, decidiu salvaguardar os seus interesses, se este Tribunal, como se espera, anular o negócio em causa, tanto as rés têm que restituir como esperaria a autora, como esta terá que restituir-lhe o que entretanto tenha recebido no âmbito do processo em causa. Não existe qualquer renúncia ao direito, nem qualquer litigância de má fé por parte da Autora”.
 Daí que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, logo na audiência prévia realizada em 07/02/2023, em que a exceção perentória acabada de referir foi suscitada pela primeira vez pela recorrida EMP02..., Lda., em que esta invocou que, ao instaurar a dita  execução, a recorrente renunciou tacitamente às nulidades e anulabilidades que assaca à transação, homologada por sentença transitada em julgado proferida naquele apenso F e que serve de título executivo a essa execução, com os concretos fundamentos que alega na presente ação (causa de pedir), determinando a sua improcedência, e pedindo, inclusivamente, a condenação da recorrente como litigante de má-fé,  a recorrente pronunciou-se quanto a essa exceção perentória (concluindo pela improcedência da mesma exceção e das consequências jurídicas que dela a recorrida - 5ª Ré – pretendia extrair – improcedência da presente ação declarativa e sua condenação como litigante de má-fé), ficando cabalmente observado e cumprido o direito ao contraditório que lhe assistia.
Enfatize-se que, na sequência daquela questão suscitada ex novo pela recorrida EMP02..., Lda., na audiência prévia de 07/02/2023, o tribunal a quo determinou que se oficiasse ao Juízo de Execução de Chaves para que remetesse cópia do requerimento executivo, do título do executivo e, bem assim, dos articulados que nela foram apresentados no âmbito da oposição à execução mediante embargos, e na sequência do envio de tais documentos, proferiu o saneador-sentença, pelo que este foi proferido na sequência da realização daquela audiência prévia (a situação dos autos em nada difere daquela em que o juiz se propõe conhecer de mérito na audiência prévia, transmite esse seu intento aos mandatários das partes e os concretos fundamentos de facto e de direito que preside a essa sua intenção para que se pronunciem, querendo, e após pronúncia destes ordena que os autos lhe sejam feitos conclusões para proferir saneador-sentença por escrito).
Conforme se vê dos documentos remetidos pelo Juízo de Execução de Chaves, a dita execução foi instaurada pela aqui autora (recorrente), ali exequente, em 31 de maio de 2022, isto é, já depois da recorrida EMP02..., Lda. ter apresentado a sua contestação no âmbito da presente ação declarativa (em que essa contestação deu entrada em juízo em 30 de maio de 2022).
Por isso, o requerimento apresentado pela recorrida EMP02..., Lda. na audiência prévia de 07/02/2023, consubstancia um articulado superveniente.
Os factos alegados pela recorrida EMP02..., Lda., na dita audiência  prévia (instauração da identificada execução pela aqui autora – recorrente -, servindo de título executivo a essa execução a sentença transitada em julgado que homologou a transação que a mesma pretende ver declarada nula ou anulável com fundamento em simulação, erro quanto ao objeto do negócio e dolo) e as consequências jurídicas que a mesma daí extrai (renúncia tácita pela aqui recorrente do direito que exerce no âmbito da presente ação declarativa em ver invalidada aquela transação e a condenação daquela como litigante de má fé) não puderam ser por elas alegados  na sua contestação,  uma vez que aquela execução foi proposta em data posterior à apresentação daquele articulado de contestação.
Daí, que aquele facto e consequências jurídicas que foram alegados pela recorrida EMP02..., Lda. na audiência prévia consubstanciem factos supervenientes para efeitos do art. 588º, n.ºs 1 e 2 e tinham de ser por ela alegados em sede de audiência prévia, nos termos da al. a), do n.º 3, daquele art. 588º, como o foram.
Por conseguinte, por via do mencionado articulado superveniente que a recorrida EMP02..., Lda. apresentou tempestivamente em sede de audiência prévia, o facto que nela alegou (instauração da execução) e a exceção perentória que a partir dele extraiu (traduzido na pretensa renúncia tácita da recorrida ao direito que exerce na presente ação declarativa, de ver declarada nula ou anulável aquela transação com fundamento em simulação, erro quanto ao objeto do negócio e dolo, com a consequente improcedência da presente ação e, bem assim, o pedido de condenação desta como litigante de má fé) passaram a fazer parte do objeto da presente ação.
Por isso, o tribunal a quo, sob pena de incorrer no vício da nulidade por omissão de pronúncia, tinha de conhecer desse facto e pretensa exceção perentória, conforme, aliás, fez no âmbito do saneador-sentença recorrido.
Ao assim proceder, a 1ª Instância, contrariamente ao pretendido pela recorrente, não incorreu na violação do direito ao contraditório que assiste à última, na medida em que a mesma, logo na audiência prévia realizada em 07/02/2023, não só teve oportunidade de se pronunciar, como se pronunciou quanto à propositura da execução que foi alegada pela recorrida EMP02..., Lda., como quanto às consequências jurídicas que esta extraiu desse facto (alegada exceção perentória de renúncia tácita ao direito de invalidação que aquela exerce na presente ação declarativa e sua condenação como litigante de má fé) e o saneador sentença foi proferido na sequência da realização daquela audiência prévia.
Resulta do exposto, improceder a nulidade assacada pela recorrente ao saneador-sentença recorrido, com fundamento em pretensa violação do princípio do contraditório, posto que esse princípio foi integralmente observado quanto à recorrente, na audiência prévia de 07/02/2023, onde teve oportunidade de se pronunciar, e se pronunciou quanto aos fundamentos de facto e de direito em que assentou a decisão nele proferida, em que julgou procedente a exceção perentória do direito exercido pela autora (recorrente) na presente ação declarativa de ver invalidada a transação que celebrou, com fundamento em simulação, erro quanto ao objeto do negócio e dolo, decorrente de ter proposto em 31 de maio de 2022, contra as aqui rés (recorrida) execução em que pede a cobrança coerciva das obrigações que estas assumiram na mencionada transação, servindo de título executivo a essa execução a sentença homologatória transitada em julgada dessa transação.

B- Da nulidade do saneador-sentença por omissão e excesso de pronuncia.
Assaca a recorrente ao saneador-sentença o vício da nulidade, por omissão e excesso de pronúncia, uma vez que, na sua perspetiva, aquele “sofre de diversos vícios e decide inadequadamente quer a questão de facto, quer a questão de direito, violando o princípio da igualdade das partes, previsto no art. 4º do CPC”, e os “imperativos/normas de natureza constitucional, v. g., arts 1º, 13º, 16º e 20ª da CRP, mostrando-se a decisão recorrida verdadeiramente inconstitucional”.
Acresce que, “a decisão recorrida, não obstante deixar o processo chegar ao ponto a que chegou, acaba por julgar a ação improcedente (e esquece a reconvenção, ignorando os pedidos e os contra pedidos). Ao não fazê-lo e permitindo que o processo pudesse prosseguir, terminando por decidir como decidiu, violou grosseiramente o princípio da igualdade das partes, bem como o princípio da adequação formal, v.g. artigos 6, 7, 590 e 591 do CPC”.
Concretizando essa alegação, advoga a recorrente que, a presente ação declarativa constitui apenas um dos apensos dos autos de insolvência de AA e respetivos apensos; que aquela intervém no processo de insolvência enquanto credor privilegiado da insolvência e membro da comissão de credores; que, a partir de março de 2021, reclamou, nos autos principais de insolvência e no apenso de liquidação em relação a vários atos e omissões do administrador da insolvência, sem que o juiz tivesse decidido até hoje esses múltiplos requerimentos por si apresentados, o que a levou a instaurar a providência cautelar (apenso F), a fim de salvaguardar a posse quanto ao estabelecimento de farmácia, no âmbito da qual foi celebrada a transação, que foi homologada por sentença transitada em julgado; os recorridos não cumpriram nenhuma das obrigações que assumiram na transação celebrada, do que a recorrente deu conhecimento ao tribunal, mas em relação ao que este também nada decidiu; os Réus, com o apoio da GNR, tomaram posse do estabelecimento de farmácia, do que a recorrente deu conhecimento ao tribunal, sem que este tivesse proferido qualquer decisão quanto ao que por ela foi requerido nos múltiplos requerimentos apresentados, vendo-se obrigada a instaurar a execução, em 31/05/2022, porque foi desapossada da farmácia.
Conclui que, no saneador-sentença recorrido o tribunal esqueceu-se de “toda esta factualidade” que presidiu à instauração da execução.  “A decisão recorrida, quanto à questão de facto considera apenas alguns factos (documentais) suscetíveis de servir exclusivamente o desiderato pretendido, esquecendo todos os outros – inúmeros – sucintamente escritos, que o Tribunal não pode ignorar porque está obrigado a conhecer”. “O tribunal não podia ignorar a existência das execuções, desde que elas foram intentadas – nos próprios autos - e até visto que uma delas continua a correr os seus termos no mesmo Tribunal de Mirandela e com a intervenção e sob o magistério do mesmo Senhor Magistrado. É manifestamente inadequada e incorreta a decisão recorrida quanto à questão de facto, por manifesta omissão, por não corresponder na sua integralidade à realidade dos autos, e constituir verdadeira omissão e inadequação da sua fundamentação. Facto que por si só fere, de novo, a sentença recorrida de nulidade. Igualmente, quanto à questão de Direito a sentença recorrida não aprecia, nem decide, o que deveria decidir – os pedidos da ação e da reconvenção, e decide (mal) o que não deveria decidir, o que consubstancia igualmente verdadeira omissão de pronúncia por um lado, e excesso de pronúncia por outro”
Sem razão, confundindo a recorrente indiscutivelmente causas determinativas de nulidade da sentença, nomeadamente, por omissão ou excesso de pronúncia, e erros de julgamento.
Vejamos:
As causas determinativas de nulidade da sentença (extensivas aos acórdãos por força do art. 666º, n.º 1 do CPC, e aos despachos por via do art. 613º, n.º 1)  encontram-se taxativamente enunciadas no n.º 1 do art. 615º e reconduzem-se a vícios formais ou de conteúdo decorrentes de neles o juiz não ter observado as normas que regulam a sua elaboração e/ou estruturação e/ou as que balizam o seu campo de cognição em termos de fundamentos (causa de pedir e/ou exceções - incorrendo em nulidade por omissão ou excesso de pedido), ou de pretensão (pedido - incorrendo em nulidade por condenação ultra petitum)[12].
As nulidades da sentença, acórdão ou despacho não se confundem com os erros de julgamento (error in judicando) na medida em que estes se traduzem na circunstância de o julgador ter neles incorrido em erro de julgamento da matéria de facto (em virtude da prova produzida impor um julgamento de facto diverso do que realizou) e/ou em erro de direito (por ter errado na seleção das normas jurídicas aplicáveis à relação jurídica material controvertida delineada pelo autor na petição inicial e complementada pelas exceções e pela eventual reconvenção apresentada pelo réu na contestação e, bem assim, pelas contra exceções que o autor opôs às exceções invocadas pelo réu ou pelas exceções que opôs à reconvenção, ou por ter errado na interpretação que fez das normas jurídicas que efetivamente são aplicáveis à relação jurídica material controvertida delineada na ação e/ou na aplicação que delas fez aos factos que julgou provados ou não provados), acabando por proferir uma decisão injusta, porque desconforme à prova produzida e, por isso, à realidade ontológica verificada, e/ou ao direito substantivo aplicável, ou seja, dissonante com a realidade normativa[13].
Entre as causas determinativas de nulidade das decisões judiciais (conceito em que se engloba as sentenças, acórdãos e despachos) conta-se a nulidade por omissão e excesso de pronúncia, a que alude a al. d), do n.º 1, do art. 615º, em que se estabelece que: “É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões de que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
O comando que se acaba de enunciar relaciona-se com o disposto no art. 608º, n.º 2, que impõe ao julgador a obrigação de resolver na decisão todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e que lhe veda a possibilidade de conhecer questões não suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Com efeito, devendo o julgador na decisão judicial que profere conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (isto é, de todos os pedidos deduzidos pelo autor ou pelo réu reconvinte, com fundamento em todas as causas de pedir por eles invocados para ancorar esses pedidos, e de todas as exceções invocadas pelas partes com vista a impedir, modificar ou extinguir o direito invocado pela sua contraparte), o não conhecimento de pedido com fundamento em causa de pedir, de exceção ou contra exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade por omissão de pronúncia; mas já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes que as partes tenham invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC)[14].
Inversamente, o conhecimento de pedido com fundamento em causa de pedir, exceção ou contra exceção não invocadas pelas partes e de que não era lícito ao julgador conhecer oficiosamente, configura nulidade por excesso de pronúncia.
Acresce precisar que, como já alertava Alberto dos Reis[15], impõe-se distinguir entre “questões” e “razões ou argumentos”: “(…) uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”. Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas pelas partes determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões[16].
Do mesmo modo, apenas o conhecimento de questões (causa de pedir, exceção ou contra exceção) não suscitadas pelas partes e de que o tribunal não possa conhecer oficiosamente determina a nulidade da sentença (acórdão ou despacho) por excesso de pronúncia.
“Questões”, reafirma-se, não se confundem com os “argumentos” que as partes invocam em defesa dos seus pontos de vista, ou para afastar o ponto de vista da parte contrária.
Na esteira da doutrina e da jurisprudência, dir-se-á que “questões” são os núcleo fáctico-jurídico essenciais, centrais, nucleares, relevantes ou importantes, submetidos pelas partes ao escrutínio do tribunal para dirimir a controvérsia entre elas existentes e cuja resolução lhe submetem (atentos os sujeitos, os pedidos, causas de pedir, exceções e contra exceções por elas deduzidas) ou que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões, pareceres ou doutrinas expendidos no esgrimir das teses em confronto[17]. “Questões” são, pois, os fundamentos (causa de pedir) invocados pelo autor na petição inicial e que são constitutivos do direito a que se arroga titular e de onde faz derivar o pedido que formula contra o réu e, bem assim, as exceções alegadas pelo réu com vista a impedir, modificar ou extinguir aqueles pedidos e as contra exceções que o autor oponha a essas exceções (v.g. se o contrato cujo incumprimento vem alegado pelo autor e que aquele sustenta ter sido incumprido pelo réu e que serve de fundamento ao pedido condenatório que formula contra o último padece do vício de forma ou do vício de vontade ou de transmissão desta que é invocado pelo último; se numa ação de reivindicação o autor adquiriu o direito de propriedade sobre o prédio que reivindica por usucapião face à impugnação pelo réu dos factos alegados pelo autor e que são constitutivos dessa forma de aquisição originária do direito de propriedade, etc.).
Assente nas premissas que se acabam de enunciar, conforme acima se demonstrou, a circunstância de a recorrente ter instaurado, em 31/05/2022, execução contra os aqui réus (recorridos), pretendendo obter a satisfação coerciva destes das obrigações que assumiram (e que alegadamente incumpriram) no âmbito da transação celebrada na providência cautelar a que se reporta o apenso F, servindo de título executivo a essa execução a sentença homologatória daquela transitada em julgado e as consequências jurídicas que desse facto foi extraído pela recorrida EMP02... (procedência da exceção perentória da renúncia tácita do direito que a recorrente EMP01... Unipessoal, Lda. exerce no âmbito dos presentes autos em ver aquela transação declarada nula ou anulável, com fundamento em simulação, erro quanto ao objeto do negócio e dolo, com a consequente improcedência da presente ação e, bem assim, a condenação da recorrente como litigante de má fé),  integra o thema decidendum da presente ação declarativa, em virtude dessas questões terem sido nela validamente inseridas pela recorrida EMP02..., Lda. mediante o articulado superveniente que apresentou na audiência prévia de 07 de fevereiro de 2023.
Na referida audiência prévia, conforme antedito, a recorrente EMP01... Unipessoal, Lda. teve oportunidade de exercer, e exerceu, o direito ao contraditório quanto a essas questões, pelo que não vislumbramos como possa a 1ª Instância ter violado os princípios da igualdade das partes ou da adequação formal e/ou as normas constitucionais e infraconstitucionais invocadas pela recorrente, quando se verifica que na dita audiência prévia foi-lhe salvaguardado integralmente o direito ao contraditório quanto às questões suscitadas pela recorrente EMP02..., Lda. naquele articulado superveniente e, consequentemente, todos os seus meios de defesa.
É certo que, conforme sustenta a recorrente, a decisão proferida, ao ter julgado procedente aquela exceção perentória e, em consequência, ao ter julgado improcedente a presente ação e, bem assim ao tê-la condenado como litigante de má fé, poderá mostrar-se desconforme ao quadro jurídico aplicável, mas, se assim for tal significa que aquela padece de erro de direito e não de causa determinativa de nulidade por excesso de pronúncia.
Destarte, ao conhecer daquela exceção perentória (renúncia tácita da recorrente ao direito de invalidação da transação celebrada, homologada por sentença transitada em julgado, que exerce na presente ação declarativa) e ao condenar a recorrente como litigante de má fé no saneador-sentença recorrido, é indiscutível que este não padece do vício de nulidade por excesso de pronúncia.
O saneador-sentença também não padece do vício de nulidade por omissão de pronúncia.
Com efeito, é verdade que, conforme acima já se deixou enunciado, compulsados e analisados os autos, não se vislumbra que neles a 1ª Instância tivesse proferido despacho admitindo ou rejeitando a reconvenção que foi deduzida pela recorrida massa insolvente, com o que incorreu em omissão de pronúncia.
Não obstante, apesar da expressão utilizada pelo n.º 1 do art. 615º - “É nula a sentença” -, as causas determinativas de nulidade da sentença (acórdão ou despacho) previstas nas als. b) a e) do n.º 1 daquele art. 615º consubstanciam na realidade causas determinativas de anulabilidade daqueles[18].
Neste sentido milita o n.º 4 do art. 615º, em que se estatui que: “As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1, só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades”.
Com efeito, decorre da previsão legal que se acaba de transcrever, por um lado, que as nulidades das als. b) a e) do n.º 1 do art. 615º, nunca podem ser conhecidas oficiosamente pelo tribunal, mas apenas a requerimento das partes e, por outro, que este apenas pode delas conhecer em sede de recurso, quando o processo comporte recurso ordinário, ou em incidente de reclamação, quando o não comporte, o que significa estar-se perante causas determinativas de anulabilidade de sentença, acórdão ou despacho (e não de nulidade destes).
Ora, sendo a nulidade por omissão de pronúncia de que padece o saneador-sentença recorrido, decorrente de nele a 1ª Instância não se ter pronunciado  quanto à admissibilidade, ou não, da reconvenção deduzida pela recorrida massa insolvente, na realidade uma causa determinativa da sua anulabilidade, apenas a recorrida massa insolvente detém legitimidade para suscitar (em sede de recurso) essa causa determinativa de anulabilidade, por ser a única a quem essa omissão acarreta prejuízo (e não à recorrente, a quem essa omissão não demanda qualquer prejuízo, mas antes benefício, na medida em que, caso aquele pedido reconvencional fosse admitido corria o risco de vir a ser condenada no pedido reconvencional – art. 631º, n.ºs 1 e 2).
Diz a recorrente que, na sentença recorrida a 1ª Instância apenas considerou alguns factos, desconsiderando outros que, na sua perspetiva, seriam essenciais para a decisão de mérito a proferir no âmbito da presente ação.
Antes de mais, incumbe precisar que as vicissitudes a que alude a recorrente como tendo ocorrido no âmbito do processo principal de insolvência e respetivos apensos, nomeadamente, no apenso de liquidação, designadamente, os múltiplos requerimentos que alega ter neles apresentado e que pretensamente não obtiveram ainda decisão da parte do tribunal, são questões (de facto e de direito) totalmente alheias/estranhas à presente ação declarativa, tendo a recorrente de reagir nesses autos principais e seus apensos (em que apresentou aqueles requerimentos) contra o alegado silêncio do tribunal e decisões que neles venham a ser proferidas.
No âmbito da presente ação, apenas releva a relação jurídica material controvertida delineada subjetivamente (quanto aos sujeitos) e objetivamente (quanto ao pedido e causa de pedir) pelo autor na petição inicial, e complementada pelas exceções que foram invocadas pelas recorridas nas contestações e, bem assim, pela recorrida massa insolvente no articulado superveniente que apresentou na audiência prévia que teve lugar em 07 de fevereiro de 2023.
Quanto aos factos essenciais que constituem a causa de pedir em que a recorrente ancora a pretensão em ver declarada a nulidade e/ou a anulabilidade da transação celebrada, homologada por sentença transitada em julgado, com fundamente em simulação, erro quanto ao objeto do negócio e dolo, conforme decorre dos arts. 5º, n.º 1 e 552º, n.º 1, al. d), aquela teve de alegar esses factos essenciais na petição inicial, sob pena de o tribunal não os poder julgar provados, nem não provados, em sede de saneador-sentença.
Por sua vez, as rés (recorridas), nos termos dos arts. 5º, n.º 1, 572º, al. c) e 588º, n.º 1, tiveram de alegar os factos essenciais integrativos das exceções que invocaram nas contestações que apresentaram e, no que respeita à exceção perentória de renúncia tácita invocada pela recorrida EMP02... na audiência prévia, em sede de articulado superveniente que nela apresentou, sob pena daqueles factos não poderem ser julgados provados, nem não provados no saneador-sentença, sob pena de violação do principio do contraditório.
Ora, tendo a 1ª Instância (bem ou mal – se mal, tal consubstancia erro de julgamento da matéria de direito) no saneador-sentença julgado procedente a exceção dilatória suscitada pela recorrente EMP02..., Lda. (nos termos da qual, ao instaurar a execução contra as recorridas, servindo de título executivo a sentença transitada em julgado que homologou a transação que na presente ação a recorrente pretende ver invalidada, esta renunciou tacitamente às causas de invalidade que lhe assaca na presente ação e, em consequência, julgou-a improcedente), automaticamente ficou prejudicado o conhecimento das causas de invalidade com fundamento em simulação, erro quanto ao objeto do negócio e dolo que a recorrente assaca à dita transação no âmbito da presente ação, ou seja, o conhecimento dos pedidos formulados na petição inicial.
Daí que, contrariamente ao pretendido pela recorrente, ao não ter conhecido dos pedidos que formulou na petição inicial, o saneador-sentença não incorreu no vício de nulidade por omissão de pronúncia.
E quanto à facticidade em relação à qual a recorrente sustenta ter a 1ª Instância incorrido em omissão de pronúncia, ao não a ter julgado provada, nem não provada (mas que não cuidou em identificar/concretizar e que não vislumbramos qual seja), urge dizer que, caso assistisse razão à recorrente, essa omissão não configuraria causa determinativa de nulidade do saneador-sentença proferido, nomeadamente, por omissão de pronúncia, mas sim erro de julgamento da matéria de facto, na vertente da deficiência, o qual seria sempre de conhecimento oficioso do tribunal ad quem, que, fazendo uso dos seus poderes de substituição, o teria de suprir (julgando provada ou não provada a facticidade em relação à qual se verificava esse erro de julgamento da matéria de facto na vertente da deficiência), sempre que a prova constante dos autos e da gravação o permitissem fazer com a necessária segurança (art. 662º, n.º 1); de contrário, fazendo uso dos seus poderes de cassação, teria de anular o saneador-sentença recorrido e determinar a baixa do processo à 1ª Instância, ordenando-lhe que, nos termos da al. c), do n.º 2, do art. 662º, ampliasse o julgamento da matéria de facto em relação à qual omitira pronúncia ao não tê-la julgado como provada, nem como não provada, apesar da sua natureza essencial para a decisão de mérito a proferir na presente ação declarativa, de acordo com as várias soluções plausíveis da matéria de direito.
Decorre do excurso antecedente que, ao proferir o saneador-sentença recorrido a 1ª Instância não incorreu em violação dos princípios da igualdade das partes ou da adequação formal e/ou das normas constitucionais e infraconstitucionais por ela identificadas, e, bem assim, que aquele saneador-sentença não padece do vício de nulidade, por omissão e/ou excesso de pronuncia.
Soçobram todos os fundamentos de nulidade impetrados pela recorrente ao saneador-sentença recorrido.

C- Mérito
C.1- Renúncia tácita da recorrente ao direito que exerce na presente ação em ver invalidada a transação com fundamento em simulação, erro quanto ao objeto do negócio e dolo
A 1ª Instância julgou procedente a exceção perentória de renúncia tácita do direito exercido pela autora (recorrente) no âmbito da presente ação declarativa, em que pede que se declare a nulidade ou anulabilidade da transação celebrada, homologada por sentença transitada em julgado, proferida no âmbito da providência cautelar (apenso F), com fundamento em simulação, erro quanto ao objeto do negócio e dolo, decorrente de ter instaurado, posteriormente à instauração da presente ação declarativa, ação executiva contra os aqui réus (recorridos) pretendendo obter a cobrança coerciva das obrigações que assumiram no âmbito daquela transação (que alega terem sido por eles incumpridas) e, em consequência julgou improcedente a presente ação e absolveu  os nela réus do pedido, com os seguintes fundamentos fáctico-jurídicos:
“A renúncia traduz-se na perda voluntária de um direito que o renunciante demite de si, sem o atribuir ou ceder a outrem, cfr Ac. R.C., de 22-6-1977, in Col. Jur., 2.º, p. 737. É a perda absoluta dum direito pela manifestação de vontade nesse sentido do respetivo titular cfr. Castro Mendes, Dir. Civil, Teoria Geral, 1979, II, p. 69.. É uma perda voluntária de um direito por manifestação unilateral de vontade.
Exterioriza-se mediante declaração, que constitui um negócio jurídico unilateral, cfr Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Coimbra, Almedina, 1990, p. 365; Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, p. 248; e José Alberto C. Vieira, Direitos Reais…, p. 442.
Ora, a renúncia pode ser não apenas expressa (e, como vimos não o foi), como tácita (só será expressa caso esteja previsto no próprio negócio jurídico a obrigatoriedade de ser manifestada de forma expressa, designadamente com subordinação à forma).
Porém, mesmo que se pusesse a hipótese da admissão in casu da validade duma renúncia tácita, não pode olvidar-se o que, quanto à vontade tácita de renunciar, com toda a pertinência, escreve Francisco Pereira Coelho, cfr A Renúncia abdicativa no direito civil, algumas notas tendentes à definição do seu regime (no BFDUC, 1995) a p. 162.: «Deve impedir-se que se deduzam renúncias tácitas de factos ou comportamentos menos concludentes (…) Enquanto que, para que se estabeleça uma declaração tácita nos termos gerais do art. 217 do Código Civil, é suficiente um juízo de forte probabilidade — a partir de determinado facto ou comportamento, é fortemente provável que se pretenda exprimir, ou que se revele uma dada vontade negocial tácita — já para que se estabeleça uma declaração tácita de renúncia seria necessário um juízo de fortíssima ou mesmo única probabilidade — a partir de determinado facto ou comportamento, tem forçosamente de se deduzir (pois que não há outra possibilidade) a existência de uma vontade renunciativa.”.
Juízo de “fortíssima ou mesmo única probabilidade” que, de todo em todo, está demonstrado no caso sub judice (bem antes pelo contrário, como a prova produzida bem patenteia) não estando a renúncia obrigatoriamente, sujeita a determinada forma, considera este Tribunal que com o facto de a Autora ter dado à execução, no PN 1030/22...., que corre termos  no Juízo de Execução de Chaves, como título executivo a mesmíssima transação homologada judicialmente que aqui intentada a suna anulação, renunciou tacitamente ao putativo exercido nos presentes autos, o que se decide.
Com efeito, a Autora instaurou uma execução tendo como título uma sentença homologatória de transação, o que logicamente pressupõe que o exequente aceite a validade desse título, assim se afastando da sua posição anterior, mediante a qual pretendia invalidar esse título por via judicial.
Ao fazê-lo, a Autora adotou um comportamento que de forma inequívoca evidencia que se conformou com a validade do título, renunciando de forma tácita à invocação da anulabilidade que fizera valer nestes autos, sob pena de estarmos perante um “venire contra factum proprium” sancionado pelo artigo 334.º do Código Civil.
Deste modo, caso se concluísse pela anulabilidade da transação objeto de sentença homologatória, com um dos possíveis fundamentos invocados pela Autora na petição inicial, questão cuja concreta apreciação depende da prova a produzir, sempre o direito à anulação se mostraria extinto, por renúncia, pelo que se revela prejudicada a produção das provas apresentadas pelas partes relativamente à matéria de facto controvertida (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do C.P.C.)”. 
A recorrente imputa ao assim decidido erro de direito alegando essencialmente os mesmos argumentos que já tinha invocado na audiência prévia de 07 de fevereiro de 2023, e que reconduzem ao seguinte: “a transação, enquanto não for declarada inválida é válida, tendo força executiva a sentença que a homologou; tal negócio formal apenas pode ser atacado por via da presente ação de declaração de anulação ou nulidade; enquanto não existir essa decisão, a referida transação é executável e exigível, assistindo à Autora o direito de obter as presentações que lhe compita, pela forma coerciva; se a ação vier a ser julgada procedente por decisão transitada, haverá que aplicar o regime legal adequado, devendo as partes devolver reciprocamente o que hajam recebido da contraparte; e se vier a ser julgada improcedente, manterá validade a transação, mantendo as partes reciprocamente as prestações que hajam recebido (voluntária e coercivamente) – conclusões XLIX a LVI das alegações de recurso.
Conclui que, contrariamente ao decidido no saneador-sentença, ao instaurar a ação executiva contra os réus na presente ação declarativa, exigindo o cumprimento das prestações a que se obrigaram na transação homologada por sentença transitada em julgado, limitou-se a exercer os direitos que lhe assistem e que decorrem da força vinculativa do trânsito em julgado da sentença que homologou aquela transação, face ao incumprimento das obrigações nela assumidas pelos aqui réus, sem que isso signifique que renunciou tacitamente ao direito que exerce na presenta ação declarativa em ver aquela transação declarada nula ou anulável por simulação, erro sobre o objeto do negócio e dolo.
Vejamos se lhe assiste razão.
Seguindo agora de perto o acórdão desta Relação de 09/12/2024[19], por nós relatado, a transação judicial é um contrato, conforme decorre do disposto o art. 1248º do CC, onde se estatui que: “Transação é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões” (n.º 1), podendo essas concessões “envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos dos controvertidos” (n.º 2), conjugado com o preceituado no art. 283º, n.º 2, em que se preceitua ser “lícito às partes, em qualquer estado da instância, transigir sobre o objeto da causa”, com o disposto no art. 284º, em que se dispõe que a transação “modifica o pedido ou faz cessar a causa nos precisos termos em que se efetue”, e com o art. 289º, em que se estabelece não ser “permitida a transação que importe a afirmação da vontade das partes relativamente a direitos indisponíveis”.
Deste modo, o art. 1248º do CC define transação como um contrato e adianta que, mediante a sua celebração as partes previnem (transação extrajudicial) ou terminam (transação judicial) um litígio mediante recíprocas concessões, as quais podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido.
O contrato de transação pode, assim, assumir a modalidade de transação extrajudicial ou transação judicial.
A transação extrajudicial é a que é celebrada entre as partes antes da propositura da ação e tem por escopo prevenir a instauração de ação judicial com vista a dirimir o conflito de direitos ou de interesses que as contrapõe (sem prejuízo de se considerar que assume a natureza de transação extrajudicial aquela que seja celebrada entre autor e réu em ação já intentada para o qual o último ainda não tenha sido citado[20], e também se considerar estar-se na presença de uma transação extrajudicial quando autor e réu em ação pendente, para a qual o último já tenha sido citado, transijam  em documento público ou particular, que depois juntam ao processo[21]).
Por sua vez, a transação assume a natureza de transação judicial quando se destina a compor um litígio já explanado numa ação já pendente, para a qual o réu já se tenha sido citado e que seja celebrada por termo – n.º 1 do art. 290º -, ou em ata – n.º 4 do art. 290º).
Em ambas as modalidades (extrajudicial ou judicial), a transação configura, assim, um contrato típico e nominado, em que as partes, fazendo uso da liberdade contratual (art. 405º do CC), dentro dos limites da lei e independentemente da solução jurídica que decorreria da aplicação do direito processual e substantivo para o concreto litígio que as contrapõe decidem pôr termo, total ou parcialmente, a esse conflito de direitos ou de interesses, mediante mútuas concessões, isto é, constituindo, regulando, modificando ou extinguindo relações jurídicas entre elas em função dos seus interesses e conveniências.
Enquanto contrato típico e nominado, a transação judicial encontra-se submetida aos requisitos gerais estabelecidos pela lei substantiva para a válida celebração dos negócios jurídicos, designadamente quanto aos sujeitos, à vontade, à sua exteriorização, ao objeto negocial e às regras interpretativas[22]. E enquanto contrato processual, a transação encontra-se  submetida a determinados requisitos fixados na lei adjetiva, como é o caso, do objeto do processo, impondo que o julgador, em sede de homologação (ou não) da transação celebrada verifique se o objeto daquela se encontra (ou não) na disponibilidade das partes (art. 289º),  se os sujeitos que nela intervêm têm (ou não) capacidade e legitimidade para celebraram o concreto negócio jurídico que se encontra explanado na transação que celebraram (art. 287º, entre outros) e da pertinência do objeto da transação celebrada para o processo, isto é, da sua coincidência com o pedido deduzido no processo, sem que se exija, contudo, uma absoluta coincidência  entre o objeto da transação e o pedido[23].
Com efeito, para que a transação judicial adquira força executiva e força vinculativa intra e extraprocessualmente a mesma carece de ser homologada pelo juiz por sentença, e que esta transite em julgado, sem que, todavia, esse ato judicial retire à transação celebrada entre as partes a sua natureza de negócio jurídico, isto é, de contrato típico e nominado, e sem que, por isso, afaste a aplicação ao mesmo do regime jurídico aplicável à validade dos negócios jurídicos em geral (arts. 280º a 284º e 294º do CC), as normas gerais relativas à conclusão dos negócios jurídicos (arts. 224º a 235º do CC), as relativas à falta e vícios da vontade (arts. 240º a 257º do CC) e/ou as relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos (arts. 236º a 238º do CC)[24].
Na verdade, o papel que se encontra reservado ao juiz em sede de homologação (ou não) da transação judicial é uma função de puro controlo de apreciação da legalidade da transação celebrada, atento o seu objeto e a qualidade das pessoas nela intervenientes (n.º 3 do art. 290º) e de lhe atribuir força executiva, sem que tome posição acerca do fundo/mérito do contrato de transação celebrado, de cujo alcance e sentido fica de fora e de que não lhe cabe indagar.
Dito por outras palavras, quando homologa uma transação o juiz não procede a qualquer apreciação do mérito ou da substância da relação jurídica material controvertida que lhe foi submetida pelas partes à sua apreciação e decisão, nem toma posição a propósito do mérito (ou demérito) da transação celebrada, limitando-se, em sede de apreciação da legalidade a verificar se a transação celebrada entre as partes se mostra (ou não) conforme às regras gerais aplicáveis aos negócios jurídicos em termos de partes (capacidade e legitimidade), de objeto e, bem assim se estão (ou não) verificados os requisitos processuais impostos pela lei adjetiva para que a possa homologar.
Quando homologa a transação judicial não é o juiz que, dentro dos cânones fixados pela lei processual, uma vez realizado o julgamento da matéria de facto e convocadas as normas substantivas que considera serem aplicáveis à relação jurídica material controvertida delineada pelo autor na petição e complementada pelas exceções invocadas pelo réu na contestação e pelas contra exceções que o autor oponha a essas exceções, uma vez interpretadas essas normas jurídicas e aplicando-as aos factos que julgou provados e não provados, soluciona o litígio, emanando o dictat autoritário quanto ao modo como esse litígio deve ser solucionado, mas são antes as próprias partes que, no uso da sua liberdade contratual, dentro dos limites da lei, de acordo com as suas conveniências e interesses dirimem o concreto litígio que as contrapõe, indiferentes ao resultado que resultaria para essa resolução da aplicação ao mesmo das normas processuais e substantivas que lhe seriam aplicáveis caso esse litígio fosse solucionado pelo juiz.
Destarte, embora a sentença homologatória da transação judicial seja uma decisão de mérito, na medida em que soluciona em definitivo e com força vinculativa própria de uma sentença de mérito transitada em  julgado o litígio que contrapõe as partes[25], não se trata de uma sentença de mérito igual àquela que é proferida pelo juiz, na medida em que não é ele que, após ter procedido ao julgamento da matéria de facto e ao julgamento da matéria de direito (convocando as normas jurídicas, interpretando-as e aplicando-as aos factos que julgou provados e não provados), decide o modo como o litígio entre as partes deve ser e é solucionado.
Por isso é que, ao proferir a sentença homologatória de transação judicial, não conhecendo o juiz do mérito ou da substância da relação jurídica material controvertida que lhe foi submetida pelas partes a julgamento, não faça sentido invocar-se quanto a essa sentença o instituto do caso julgado em qualquer uma das suas dimensões positiva ou negativa, mas antes em exceção inominada de transação homologada por sentença transitada em julgado[26].
Não obstante, os efeitos jurídicos decorrentes do trânsito em julgado da sentença que homologou a transação são os mesmos que decorrem do trânsito em julgado de uma sentença de mérito proferida pelo juiz, tornando-se aquela (o acordado pelas partes na transação) obrigatória e incontestável intra e extraprocessualmente. 
Decorre do exposto que a circunstância da transação judicial ter de ser homologada pelo juiz para que possa adquirir força vinculativa intra e extraprocessualmente, esse facto não retira àquela a natureza de contrato típico e nominado (o contrato de transação), em que, reafirma-se, são as partes que, dentro do exercício da sua autonomia privada e dentro dos limites da lei solucionam o concreto litigio que as contrapõe, contrato esse que fica sujeito às vicissitudes que podem viciar geneticamente aquele acordo, quer por a vontade dos nele contratantes não se ter formado em termos adequados, quer porque apesar dessa vontade se ter formado geneticamente em termos adequados, a vontade por eles declarada não corresponder à sua vontade real por vício ocorrido na sua transmissão.
Por isso, torna-se perfeitamente compreensível que o n.º 2, do art. 291º estabeleça que: “O trânsito em julgado de sentença proferida sobre a confissão, a desistência ou a transação não obsta a que se intente a ação destinada à declaração de nulidade ou à anulação de qualquer delas, ou se peça a revisão da sentença com esse fundamento, sem prejuízo do direito à anulação”.
O trânsito em julgado da sentença homologatória da transação celebrada não impede, assim, os nela contratantes de recorrerem a dois meios alternativos com vista a obterem a declaração de nulidade ou a anulação da transação: o recurso extraordinário de revisão ou a instauração de ação autónoma, sem prejuízo da caducidade desta última, alegando e provando os vícios geradores de nulidade ou anulabilidade da transação que celebraram.
Os mencionados vícios podem ser da mais variada natureza, entre os quais se contam os vícios genéticos na formação da vontade – vícios de vontade -, decorrente desta não se ter formado de forma esclarecida e livre, mas antes ter sofrido no processo da sua formação desvios em confronto com o modo julgado normal, por ter assente “na ignorância (falta de representação exata) ou numa falsa ideia (representação inexata), por parte do declarante, acerca de qualquer circunstância de facto ou de direito que foi decisiva na formação da sua vontade, por tal maneira que se ele conhecesse o verdadeiro estado das coisas não teria querido o negócio, ou pelo menos não o teria querido nos precisos termos em que o conclui”[27] e, bem assim, vícios ocorridos na transmissão dessa vontade interna devidamente formada, mas em que na exteriorização/transmissão dessa vontade interna (real) ocorreram vícios que fizeram com que a vontade declarada na transação não tenha correspondência com a vontade real (interna) do declarante[28].  
No caso dos autos, tendo a recorrente instaurado contra as recorridas (réus no âmbito da presente ação declarativa) providência cautelar, que correu termos no apenso F, em 02/02/2022, os mesmos celebraram transação, que foi homologada por sentença que transitou imediatamente em julgado, em virtude de terem renunciado ao direito ao recurso (cfr. pontos 3.1.1 a 3.1.4 dos factos apurados).
A recorrente instaurou em 25/02/2022, a presente ação declarativa contra os recorridos (requeridos no âmbito daquela providência cautelar) requerendo que a transação celebrada e homologada por sentença transitada em julgado fosse declarada nula ou anulável com fundamento em simulação, erro sobre o objeto do negócio e dolo.
Em 31/05/2022, a recorrente instaurou ação executiva contra os aqui recorridos dando à execução a sentença homologatória da transação celebrado no âmbito da referida providência cautelar, transitada em julgado, alegando que os recorridos não cumpriram com as obrigações contratuais que nela assumiram e pretendendo obter daqueles a satisfação coerciva dessas obrigações alegadamente incumpridas (cfr. pontos 3.1.6 dos factos apurados).
Como é sabido, as ações executivas são os meios processuais que a lei adjetiva coloca ao dispor do credor, no caso de inadimplência do devedor, para obter dele (diretamente ou através de terceiro) a satisfação coerciva do direito de crédito (pagamento de quantia pecuniária, entrega de coisa determinada ou prestação de determinado facto, positivo ou negativo) que lhe foi reconhecido em sentença judicial transitada em julgado ou já acertado noutro título executivo para-judicial ou extrajudicial.
O exercício do direito de ação, na sua vertente executiva, pressupõe, portanto, sempre “a apresentação de título executivo, documento cuja natureza judicial, para-judicial ou extrajudicial transporta uma forte, ainda que variável, presunção da existência e da titularidade do direito de crédito”[29].
Para a instauração da ação executiva não basta, assim, a invocação pelo exequente de um direito de crédito sobre o executado, mas é necessário que esse direito já se encontre reconhecido numa sentença judicial transitada em julgado ou em documento para-judicial ou extrajudicial, a quem a lei atribua a natureza de título executivo, sendo através dele que se determinam o fim e os limites da ação executiva (arts. 10º, n.º s 4 a 6 e 703º). 
Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, ao instaurar ação executiva contra os aqui recorridos (réus) para cumprimento forçado das obrigações que os mesmos assumiram na transação celebrada no âmbito da providência cautelar e nela homologada por sentença transitada em julgado, alegando que estes incumpriram com essas obrigações contratuais e pretendendo que sejam, coerciva e judicialmente, compelidos a cumprirem com as mesmas, a recorrente (autora na presente ação declarativa e exequente na ação executiva instaurada)  está, forçosa e necessariamente, a reconhecer a validade e a regularidade jurídica daquela transação, tanto assim que, na dita execução reclama o cumprimento coercivo das obrigações por eles assumidas (que sustenta terem sido por eles incumpridas) e que se encontram acertadas no título executivo que serve de base e de ponto de partida da execução que instaurou: a sentença homologatória transitada em julgado, da transação celebrada no âmbito dos autos de providência cautelar.
Ao assim proceder, a recorrente colocou-se numa situação de contradição processual, na medida em que, por um lado, no âmbito da presente ação declarativa, instaurada em 25/02/2022, pretende que a referida transação, homologada por sentença transitada em julgado, seja declarada nula ou anulada com fundamento em simulação, erro sobre o objeto do negócio e dolo e se condene os nela réus (recorridos) a isso verem declarado; e, por outro, mais de três meses após a instauração da presente ação declarativa, em 31/05/2022, intentou ação executiva contra os recorridos (nela executados) alegando que estes incumpriram com as obrigações contratuais que assumiram naquela transação, homologada por sentença transitada em julgado, e pretendendo que sejam forçados a cumprir com essas obrigações contratuais que nela assumiram, com o que, necessária e forçosamente, reconheceu a validade e regularidade jurídica dessa transação.
Daí que, tal como corretamente foi decidido pela 1ª Instância, ao instaurar aquela ação executiva três mês após a instauração da presente ação declarativa, forçoso é concluir que a recorrente renunciou tacitamente ao direito de invalidação daquela transação que exerce no âmbito da presente ação declarativa.
Na verdade, a renúncia é  “ato voluntário pelo qual uma pessoa perde um direito de que é titular, sem uma concomitante atribuição ou transferência dele para outrem: a renúncia é, pois, um negócio unilateral abdicativo – e, por isso, dispositivo – do direito”[30].
A renúncia abdicativa é a perda voluntária do direito por ato unilateral de vontade do titular desse direito e não se confunde com a remissão, na medida em que conforme decorre do art. 863º, n.º 1 do CC, a remissão é um contrato em que “o próprio credor, com a aquiescência do devedor, renuncia ao poder de exigir a prestação devida, afastando definitivamente da sua esfera jurídica os instrumentos de tutela do seu interesse, que a lei lhe conferia”. Para haver remissão “não basta, por conseguinte, a declaração abdicativa ou renunciativa do credor para extinguir a obrigação. Esse efeito só resulta do acordo entre os dois titulares da relação creditória, ainda que a lei seja especialmente aberta à prova da aceitação do devedor (art. 234º do CC)”. A renúncia é, por sua vez, “a perda voluntária de um direito, em que a declaração do renunciante não tem como destinatário pessoa determinada”[31].  
Ora, se é certo que, nos termos do art. 809º do CC, “É nula a cláusula pela qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados nas divisões anteriores nos casos de não cumprimento ou mora do devedor, salvo o disposto no n.º 2 do artigo 800º”, e sendo também verdade que a renúncia não é admitida, em regra, no domínio das obrigações como forma de extinção dos créditos, mas antes como forma de extinção das garantias reais, no caso sobre que versam os autos não se está perante nenhuma dessas situações.
Com efeito, ao instaurar a execução, reclamando o cumprimento coercivo das obrigações que os recorridos assumiram na transação homologada por sentença transitada em julgado, a recorrente não está a renunciar antecipadamente a quaisquer direitos que lhe são conferidos pelo CC que decorrem do não cumprimento ou mora das obrigações assumidas pelos recorridos (devedores) no âmbito daquela transação que celebraram. E, por outro, a recorrente também não está a renunciar a quaisquer direitos de crédito que detenha sobre os recorridos emergentes daquele transação, mas sim, tacitamente e por ato inequívoco seu (traduzido na instauração da dita execução), a renunciar ao exercício do direito que exerce no âmbito da presente ação declarativa de ver a dita transação invalidada por alegada simulação, erro quanto ao objeto do negócio e  dolo, por via da qual pretende que aquele contrato de transação (que é a fonte das obrigações  - direitos de crédito -  em relação às quais a lei proíbe a renúncia), seja eliminada da ordem jurídica.
Destarte, salvo melhor opinião, não existe qualquer obstáculo legal à validade jurídica da renúncia tácita ao direito potestativo que a recorrente exerce no âmbito da presente ação declarativa, em ver declarada a nulidade ou anulabilidade do contrato de transação que celebrou com os recorridos (réus), homologado por sentença transitada em julgado, com fundamento em simulação, erro quanto ao objeto do negócio e dolo[32], e de que a mesma, necessária e tacitamente, renunciou por vontade unilateral sua ao instaurar execução, em 31 de maio de 2022, dando a execução a mencionada sentença homologatória transitada em julgado daquela transação, alegando que os aqui réus (recorridos e ali executados) tinham incumprido com as obrigações contratuais que assumiram e pretendendo que sejam compelidos, coerciva e judicialmente, ao cumprimento dessas obrigações, com o que necessariamente reconheceu a validade jurídica da transação celebrada, renunciando, consequentemente, à invocação dos vícios genéticos que lhe assaca na presente ação.
Acresce dizer que, ainda que assim não fosse (como é), impunha-se concluir pela improcedência da presente ação por via da procedência da exceção perentória do abuso do direito, do art. 334º do CC.
Com efeito, o instituto do abuso de direito encontra-se previsto em termos amplos pelo legislador português no art. 334º do CC e visa obtemperar a situações em que a concreta aplicação de um preceito legal que confere um direito subjetivo a uma determinada pessoa perante um determinado devedor, na normalidade das situações seria ajustada, mas numa específica situação da relação jurídica estabelecida entre credor/devedor se revela injusta e fere o sentido de justiça dominante[33].
O instituto do abuso do direito configura uma válvula de segurança, uma das cláusulas gerais, com que o legislador visa obtemperar à injustiça chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalecente na comunidade, isto é, em que se visa dar remédio à injustiça de proporções intoleráveis para o sentimento jurídico imperante, em que redundaria o exercício de um direito por lei conferido a uma determinada pessoa, numa particular situação em que esse exercício ocorre.[34]
No abuso de direito não se trata da violação de um direito de outrem, ou da ofensa a uma norma tuteladora de um interesse alheio, mas do exercício anormal do direito por parte do seu titular, que o exerce em termos considerados clamorosamente reprovados pela ordem jurídica, na medida em que embora o exerça respeitando a estrutura formal daquele, atentas as situações particulares do caso concreto em que o exerce, viola a afetação substancial, funcional ou teleológica do mesmo, de modo que se impõe considerar que esse exercício, por referência ao quadro concreto em que é exercido, é ilegítimo[35], impondo-se neutralizar a conduta do titular do direito em causa, declarando-a ilícita, com as consequências de todo o ato ilegítimo, máxime, em sede indemnizatória.
Para que essa neutralização do exercício do direito seja determinada importa, porém, enfatizar ser necessário que o titular do direito o exerça em termos clamorosamente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante, de acordo com uma conceção objetiva.
Logo, para que ocorra uma situação de abuso de direito não é necessário que o titular tenha a consciência de que no exercício do direito que lhe assiste está a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito em causa, bastando que exceda em termos objetivos esses limites, atento o padrão do homem médio, de são critério (bonus pater familiae) que se encontrasse na concreta situação em que se encontra.
Sendo a conceção de abuso de direito adotada pelo legislador a objetiva, na sua concretização impõe-se atender, de modo especial, às conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade à data do exercício do direito em causa, o que exige o apelo a considerações políticas, sociológicas, históricas e culturais vigentes naquela concreta comunidade e específico momento histórico em que o direito é exercido.
O instituto do abuso de direito pressupõe, portanto, que o direito por parte de quem o exerce exista efetivamente na sua esfera jurídica, mas que o modo como é exercido ofende, em termos objetivos e clamorosos os sentimentos de justiça socialmente dominante atentas as específicas circunstâncias em que aquele é exercido e assenta no princípio geral de que “as pessoas devem ter um comportamento honesto, correto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros”[36].
No caso dos autos, após ter instaurado a presente ação, em que pretende que se declare a nulidade ou a anulabilidade da transação celebrada, homologada por sentença transitada em julgado, com fundamento em simulação, erro quanto ao objeto do negócio e dolo, numa atitude de total e absoluta contradição processual, a recorrente, em 31 de maio de 2022, instaurou ação executiva dando à execução a mesma sentença transitada em julgado que homologou aquela transação, pretendendo que os recorridos incumpriram com as obrigações contratuais nela assumidas e que sejam, coerciva e judicialmente, compelidos a cumprir com essas obrigações contratuais, com o que necessariamente reconheceu a validade e a regularidade jurídica da transação celebrada.
Aceitar-se que a recorrente pudesse prosseguir com a presente ação declarativa, com vista a obter a declaração da invalidada daquela transação, por pretenso vício genético que afetou a formação e a transmissão da sua vontade, quando veio, posteriormente, a reconhecer a validade e regularidade jurídica dessa mesma transação, ao ter instaurado, em 31/05/2022, execução contra os aqui réus (recorridos), agredindo o património destes (aí executados), além de ser um contrassenso jurídico, seria um manifesto abuso de direito da parte da recorrente, que sempre se impunha neutralizar, julgando a presente ação improcedente, por via da cláusula geral do art. 334º do CC, na vertente de desequilíbrio das posições jurídicas.
Com efeito, com a instauração daquela execução, servindo de título executivo a transação homologada por sentença transitada em julgado que pretende ver invalidada na presente ação declarativa, a recorrente reconheceu a validade e regularidade jurídica dessa transação, pelo que, a sua pretensão em ver prosseguir a presente ação declarativa para ver invalidada a mesma com fundamento em simulação, erro sobre o objeto do negócio e dolo, constitui um exercício abusivo por parte daquela do direito potestativo de invalidação daquela transação que exerce contra os recorridos no âmbito da presente ação declarativa (a declaração da nulidade ou da anulação da transação por pretensa simulação, erro sobre o objeto do negócio e dolo) de que apenas decorriam danos para os últimos e malefícios para a ordem jurídica, nomeadamente, ao nível da economia processual, quando a recorrente já reconheceu que aquela transação é juridicamente válida e regular ao pedir que os réus da ação declarativa (recorridos), em sede de ação executiva, sejam compelidos coercivamente a cumprir com as obrigações nela assumidas e que alegadamente incumpriram e que, consequentemente, a dita transação não enferma dos vícios de formação e de transmissão de vontade que lhe assaca na presente ação declarativa (não, como foi decidido pela 1ª Instância, de abuso de direito na modalidade de venire factum proprium, uma vez que a presente ação declarativa é anterior à instauração da execução).
Decorre do que se vem dizendo que, ao julgar improcedente a presente ação, por via da procedência da exceção perentória da renuncia tácita da recorrente ao direito potestativa que exerce no âmbito da presente ação em ver declarada nula ou anulável a transação celebrada no âmbito dos autos de providência cautelar (apenso F), com fundamento em simulação, erro quanto ao objeto do negócio e dolo, decorrente de ter instaurado execução contra os recorridos (réus na presente ação declarativa), onde deu à execução aquela mesma transação, homologada por sentença transitada em julgado, pretendendo obter o cumprimento coercivo das obrigações por eles nela assumidas perante o alegado incumprimento dessas obrigações, com o que aquela necessariamente renunciou a esse direito de invalidação daquela transação ao reconhecer a sua validade e a regularidade jurídica, o saneador-sentença recorrido não padece dos erros de direito que lhe são assacados pela recorrente.
Deve, em consequência, improceder este fundamento de recurso.

C.1- Da condenação da recorrente como litigante de má-fé
A 1ª Instância condenou a recorrente como litigante de má-fé, com os seguintes fundamentos fáctico-jurídicos:
“Compulsados os autos dúvidas inexistem que em sede de audiência prévia agendada nestes autos, datada de 7/02/2023, o ilustre mandatário da Autora tinha conhecimento que tinha interposto uma ação executiva em 31/05/2022, onde juntou a mesma sentença que nestes autos tenta anular.
Refira-se que, não fosse a informação prestação pelo ilustre mandatário da Ré “EMP02..., LDA”, o Tribunal poderia estar a laborar em erro; acresce que tal atitude demonstram uma total falta de lealdade do ilustre mandatário da Autora para com este Tribunal, a justiça bem como os seus intervenientes; violando de forma despudorada e dolosa o princípio da cooperação e os deveres de boa-fé e de recíproca correção, cfr  artigos 7.º, 8.º, 9.º  todos do CPC.
Acresce ainda a desfaçatez de o mesmo mandatário requerer a condenação dos Réus como litigantes de má fé quando o mesmo subscreve duas ações, em que numa intenta a anulação de uma sentença e em outra tenta e execução daquela que quer anular.
Perante a clareza do apontado elenco factual que só pode ser explicado por despudor, tecnicamente chamado de total e absoluta má-fé processual, impõe-se a condenação do Autor como litigante de má-fé.
Também assim o acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 11/06/2019, que que foi relatora a Senhora Desembargadora Maria Catarino Gonçalves e disponível em www.dgsi.pt onde se dispõe que:
O que está em causa na litigância de má-fé não é o facto de a parte ter ou não razão ou o facto de conseguir (ou não) fazer prova dos factos que alegou; o que está em causa é um determinado comportamento processual que, correspondendo a um incumprimento doloso ou gravemente negligente dos deveres de cooperação e de boa-fé processual, a que as partes estão submetidas – deveres que se encontravam previstos nos arts. 7º e 8º CPC- , é censurável e reprovável por atentar contra o respeito pelos Tribunais e prejudicar a ação da justiça.
Assim sendo, e tendo por base o contexto supra assinalado e a manifesta ousadia com que a Autora, deliberadamente deduziram duas pretensões incompatíveis uma pretensão sem fundamento, é bem patente a conduta dolosa na sua forma direta com que a mesma litiga.
Esta intensidade da culpa merece ser sancionada com a multa de 50 (cinquenta) UC’s, e na indemnização peticionado pela Ré , “EMP02..., LDA em 25 (vinte e cinco) UC’s,  e aos Réus GG e mulher, HH em 25 (vinte e cinco) UC’s,  as quais se consideram adequadas e proporcionais à medida da violação do dever de probidade a que a Autora, enquanto parte num processo judicial, estão obrigados bem como à natureza dos autos e ao valor da causa”.
E ordenou que, nos termos do art. 545º do CPC, se desse conhecimento do facto à Ordem dos Advogados, tendo em consideração que a atitude plasmada nos autos, pelo Senhor Mandatário da Autora demonstra, é sintomático de uma total falta de lealdade para com este Tribunal, com a justiça bem como os seus intervenientes; violando de forma despudorada e dolosa o principio de cooperação e os deveres de boa-fé e de recíproca correção, cfr  artigos 7.º, 8.º, 9.º todos do CPC”.
Imputa a recorrente erro de direito ao decidido advogando “nunca ter querido, nem podia, pela própria natureza das coisas, “iludir” ou “induzir o tribunal em erro”, dado que “as execuções são execuções de sentença requeridas nos próprios autos, sendo que uma delas constitui um dos apensos de um conjunto de processos, de que faz parte também esta ação de anulação. Os referidos procedimentos foram, assim, desencadeados sob a sindicância e decisão do Tribunal de Miranda e do mesmo Senhor Magistrado”.
Conclui que, a sua condenação como litigante de má fé representa uma errada aplicação da lei.
A propósito do instituto da má-fé processual urge dizer constituírem princípios estruturantes e nucleares da lei adjetiva nacional os princípios da cooperação e da boa fé processual.
Pelo princípio da cooperação magistrados, mandatários judiciais e partes encontram-se obrigados, tanto na condução do processo como na intervenção nele, a cooperarem entre si, de modo a transformarem aquele numa “comunidade de trabalho”[37], a fim de atingirem os fins a que o mesmo se destina e para que foi concebido pelo legislador: a prolação de uma decisão justa em prazo razoável (art. 7º).
O princípio da cooperação veda, por isso, a magistrados, mandatários, partes e terceiros que, nos termos do art. 417º sejam chamados a colaborarem com o tribunal para a descoberta da verdade material, o recurso a expedientes processuais que prejudiquem o correr normal do processo ou que sejam aptos a contribuir para o proferimento de uma decisão injusta. Assim, sem prejuízo das naturais divergências quanto à matéria de facto e à questão de direito em litígio, o dever de cooperação impõe aos mandatários e às partes a obrigação de encararem “o processo como um simples instrumento necessário à busca da solução justa, com reflexos na ilegitimidade de formulação de pretensões e argumentos inconsistentes, dedução de incidentes ou oposição sem fundamento razoável ou iniciativas tomadas com o mero objetivo de dilatar a conclusão do processo”[38].
O princípio da cooperação é reflexo ou expressão do princípio da boa fé processual, consagrado no art. 8º, o qual, por sua vez, é uma das vertentes em que se desdobra o princípio geral da boa-fé previsto nos arts. 227º e 762º, n.º 2 do CC, que obriga as partes, tanto na negociação do contrato, como na sua celebração e execução a agirem de boa-fé.
Em sentido objetivo e ético agir de boa-fé significa atuar com honestidade e lealdade, no respeito equilibrado e justo pelos interesses dos outros.
A boa-fé em sentido objetivo é, portanto, uma regra de conduta, uma norma cogente, de ordem pública, “um conceito indeterminado, uma cláusula geral de direito privado, que cabe ao julgador preencher casuisticamente, de acordo com as circunstâncias concretas de cada caso e à luz das convicções historicamente dominantes em cada momento na sociedade”[39], que atua independentemente da consciência ou da vontade dos interessados e mesmo contra a vontade destes, que não podem impedir a sua aplicação.
Por isso, a boa-fé não pode deixar de ser aplicada e de se projetar na relação jurídico-processual, conformando o comportamento processual que nela tem de ser assumido pelas partes (art. 8º), mandatários (art. 90º do Estatuto da Ordem dos Advogados) e tribunal, impondo a todos os quanto nela participem uma conduta proba e leal.
Mas a boa-fé também pode ser a convicção errónea (subjetiva) quanto à existência de um facto ou de um direito ou da validade de um negócio, estando aqui a boa-fé a ser considerada na sua aceção subjetiva ou em sentido psicológico.
Nessa dimensão,  sanciona-se o sujeito quando se conclua que a sua conduta não só, em termos éticos e objetivos,  é lesiva da boa-fé, como que o mesmo tinha a consciência, ou tinha a obrigação de a ter, da infração cometida[40]. E é nessa aceção subjetiva de boa-fé que o art. 542º atende para efeitos de condenação em litigância de má-fé ao exigir para essa condenação o dolo ou a negligência grave.
Na litigância de má fé sanciona-se as partes por causa de terem incorrido, dolosamente ou com culpa grave, numa quebra da boa-fé processual[41], decorrente de terem instrumentalizado o direito processual para conseguirem um objetivo considerado ilegítimo  pelo direito subjetivo (litigância de má-fé substancial) ou por terem utilizado os meios processuais que a lei coloca ao seu dispor para emperrarem a máquina judiciária (litigância de má-fé instrumental).
Sobre a litigância de má-fé substancial versam as alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 542º, as quais se relacionam com o mérito da causa, ou seja, conhecendo da sua falta de razão ou tendo obrigação de dela conhecer a parte atua dolosamente ou com culpa grave no sentido de conseguir uma decisão injusta ou de realizar um objeto que se afasta da função processual. E as alíneas c) e d) do mesmo n.º 2 versam sobre a litigância de má-fé instrumental, em que se abstrai do mérito da causa e se sanciona a conduta processual adotada pelas partes ao longo do processo quando essas condutas traduzam uma quebra grave para com o dever de cooperação ou quando se traduzam num uso indevido e manifestamente reprovável dos meios processuais que a lei coloca ao seu dispor com o objetivo de atingirem um dos fins ilegítimos que constam da al. d) desse n.º 1.
A condenação por litigância de má-fé é, assim, uma sanção que recai exclusivamente sobre o comportamento processual das partes, decorrente de terem, com dolo ou culpa grave, instrumentalizado o processo civil, nas diversas vertentes já enunciadas, com vista a obterem uma decisão de mérito ilegítima ou dando aos meios processuais um uso contrário para os quais foram concebidos pelo legislador.
Dito por outras palavras, condena-se a parte como litigante de má-fé, não porque não tenham razão, nomeadamente, por ao autor não assistir o direito substantivo a que se arrogou titular sobre o réu e em que alicerçou o pedido que contra este formulou, ou por ao réu não assistir fundamento substantivo para contestar a ação que lhe foi movida pelo autor, mas por terem instaurada a ação ou terem deduzido a defesa, apesar de não desconhecerem, ou terem obrigação de não desconhecerem da sua falta de razão quanto à inexistência do direitos substantivos ou das exceções que invocaram, ou por terem ao longo do processo feito um uso indevido dos meios processuais que a lei coloca ao seu dispor para finalidades ilegítimas.
Nesse sentido já expendia Alberto dos Reis que, na base da condenação como litigante de má fé, “(…) está o princípio da responsabilidade subjetiva: a culpa e o dolo do litigante. Se a parte procedeu de boa fé, sinceramente convencida de que tinha razão, a sua conduta é perfeitamente lícita; por isso, em caso de insucesso, suporta unicamente o peso das custas, como risco inerente à sua atuação. Mas se procedeu de má fé ou com culpa, se sabia que não tinha razão ou se não ponderou com prudência as pretensas razões, a sua conduta assume o aspeto de conduta ilícita. Demandando ou contestando em tais circunstâncias, pratica um facto ilícito, um facto contrário à ordem jurídica; daí a sua responsabilidade subjetiva que emerge precisamente do seu estado de consciência – do dolo ou da culpa. Quer dizer, o que inquina o facto da parte, o que lhe imprime a mancha ou o vício, o que transforma de facto lícito em facto ilícito, é justamente o dolo ou a culpa com que ela se conduziu em juízo. (…). A ordem jurídica põe a tutela jurisdicional à disposição de todos os titulares de direitos; que no caso concreto o litigante tenha ou não razão, é indiferente: num e noutro caso goza dos mesmos poderes processais. Mas ao princípio da licitude do exercício dos meios processuais a mesma ordem jurídica põe uma limitação: que o exercício seja sincero, que a parte esteja convencida da justiça da sua pretensão. Quando falta este requisito, o ato passa a ter o caráter de ilícito. Estamos perante um ilícito processual (…). Por outras palavras, uma coisa é o direito abstrato de ação ou de defesa, outra o direito concreto de exercer a atividade processual. O primeiro não tem limites; é um direito inerente à personalidade humana. O segundo sofre limitações, impostas pela ordem jurídica; e uma das limitações traduz-se nesta exigência de ordem moral: é necessário que o litigante esteja de boa fé ou suponha ter razão. Portanto, revelada a má fé, torna-se patente que ele exerceu atividade ilícita. Há, em tal caso, segundo alguns, abuso de direito; parece-nos mais rigoroso dizer que não há direito” (destacado nosso)[42].
Frise-se que, antes da revisão operada pelo DL. n.º 329-A/95, de 12/11, ao CPC, apenas se sancionava o dolo processual, ou seja, a utilização maliciosa e abusiva do processo, pelo que, para haver condenação como litigante de má-fé era necessário que a parte sabendo da sua falta de razão assumisse ainda assim intencionalmente, ou como consequência necessária ou eventual da sua conduta processual um dos comportamentos tipificadas no n.º 2, do art. 542º, mas já não integrava litigância de má-fé a lide temerária ou a litigância imprudente, o que significa que apenas se sancionava a litigância de má-fé dolosa, em qualquer uma das suas vertentes (dolo direto, necessário ou eventual).
Acontece que, com o objetivo de conseguir uma maior responsabilização das partes, o legislador ampliou a litigância de má fé à negligência grave.
Antes de mais impõe-se ter presente que, agir com negligência consiste na omissão pelo agente de um dever objetivo de cuidado que lhe é imposto por lei e que o mesmo podia e devia ter observado ante as concretas condições subjetivas em que se encontrava (tanto, atento o conhecimento que efetivamente tinha, como as capacidades intelectuais que efetivamente detinha).
De acordo com a terminologia tradicional distingue-se a negligência grave, leve e levíssima, em função da intensidade ou grau de ilicitude da conduta do agente (da intensidade da violação do dever objetivo de cuidado que lhe era imposto e que infringiu) e da culpa (o grau dessa violação que aquele concreto agente era capaz de prestar segundo os seus conhecimentos e capacidades pessoais).
A figura da negligência grosseira corresponde a uma negligência particularmente grave, qualificada, atento, designadamente, o elevado grau de inobservância do dever de cuidado por parte do agente que lhe era imposto e de previsibilidade da verificação do dano ou do perigo pelo mesmo, a ser apreciada em concreto, em face das suas condições, e não em função do padrão geral, abstrato, de conduta[43].
Neste sentido, ponderam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, citando Paula Costa e Silva que, para que se verifique a negligência grosseira em relação à situação da al. a), do n.º 2, do art. 542º, basta que “à parte fosse exigível esse conhecimento, cabendo-lhe indagar se a sua pretensão era concretamente fundamentada, no plano de facto e do direito: a parte pratica um ato desconforme e provocador de um dano num bem juridicamente protegido porque, antes de agir, devia ter observado os deveres de indagação que sobre ela impendiam; o desconhecimento quanto à  falta de fundamentação é-lhe imputável, sendo censurável, tanto revelando a negligência consciente como a negligência inconsciente. A exigibilidade do conhecimento quanto à falta de fundamentação constitui realidade diversa do conhecimento efetivo, sendo que o conhecimento deste equivaleria a inviabilizar praticamente o funcionamento da norma”. Não se exige, portanto, que a parte tenha conhecimento efetivo da sua falta de razão, mas é necessário que, atento o parâmetro de aferição do dever de diligência da generalidade das pessoas, pertencentes à sua categoria social e intelectual, “colocadas naquela situação em concreto, ter-se-iam abstido de litigar, uma vez que, cumprindo os seus deveres de indagação, teriam concluído não terem, quer a pretensão, quer a defesa, fundamento. Só um sujeito extraordinariamente desleixado age como agiu a parte[44].
Dito por outras palavras, ocorre negligência grosseira quando, cumpridos com os deveres de indagação que impendem sobre as partes, antes de formular a pretensão (autor) ou a oposição (réu) em juízo que os princípios da cooperação e da boa fé processual lhes impõem, respetivamente, ao autor e ao réu,  independentemente do efetivo conhecimento pelos mesmos  sobre a sua falta de razão para deduzirem em juízo as posições processuais que nele assumiram, atento o grau de diligência da generalidade das pessoas da sua categoria social e intelectual, quando colocadas na situação concreta em que se encontravam, teriam concluído da sua falta de razão, e se teriam abstido de deduzir a pretensão ou a oposição que deduziram, pelo que, apenas o fizeram por não terem cuidado em adotar precauções mínimas, exigidas pelas mais elementares regras da prudência ou da previsão, que devem ser observadas nos usos correntes da vida[45].
Ao assim se estabelecer, impôs-se um dever de indagação sobre os litigantes, que os obriga, antes de demandarem ou de contestarem a um dever de indagarem sobre se existe (ou não) fundamento fáctico e/ou jurídico para assumirem a posição processual que vieram a adotar, sancionando-se como litigantes de má-fé quando se vier a constatar que os mesmos não tinham efetivamente razão e que essa sua atitude processual apenas foi assumida devido a uma situação de especial ligeireza e desleixo, na medida em que apenas um cidadão médio especialmente imprevidente e desleixado, da mesma categoria social e intelectual da concreta parte, face às circunstâncias específicas do caso concreto em que se encontrava aquela, nomeadamente, o conhecimento que tinha e as suas capacidades intelectuais, teria assumida a posição processual que assumiu.
Daí que seja pacífico o entendimento de que litiga de má fé a parte que nega factos pessoais que vieram a ser julgados provados.
Já em termos de direito tem-se entendido que a sustentação de teses jurídicas controvertidas na doutrina e/ou na jurisprudência quanto à interpretação e aplicação de regras de direito, ainda que especiosamente feitas, mesmo que integre litigância ousada, não consubstancia litigância de má-fé, na medida em que não existe um claro limite entre o que é razoável e o que é absolutamente inverosímil ou desrazoável no que concerne à interpretação da lei e sua aplicação aos factos[46].  
E também se considere que a mera dedução de pretensão ou oposição com fundamentos fáticos que não se venham a apurar, mas em que também não se prove a tese fáctica contrária não consubstancia litigância de má fé[47].
Revertendo ao caso dos autos, tendo, na audiência prévia realizada em 07/02/2023, a recorrida EMP02... invocado a exceção perentória de renúncia tácita do direito exercido pela recorrente na presente ação declarativa em ver declarada a nulidade ou a anulabilidade da transação celebrada no âmbito da providência cautelar e aí homologada por sentença transitada em julgado, decorrente de ter instaurado contra as recorridas execução reclamando o cumprimento coercivo das obrigações contratuais que assumiram naquela transação, verifica-se que a mesma não negou ter instaurado a identificada ação executiva, pretendendo, porém, que, ao fazê-lo, não renunciou ao direito de obter a invalidação da transação que exercia na presente ação declarativa.
Sucede que, a posição jurídica assumida pela recorrente em sede de audiência prévia não colhe arrimo fáctico e jurídico, uma vez que a mesma não podia ignorar que, face à natureza de uma ação executiva, ao dar à execução a sentença transitada em julgado que homologou a transação que pretende ver invalidada no âmbito da presente ação declarativa com fundamento em simulação, erro quanto aos motivos do negócio e dolo, ao exigir naquela execução o cumprimento coercivo das obrigações contratuais assumidas pelos executados (réus na presente ação declarativa) naquela mesma transação, alegando o incumprimento pelos mesmos dessas obrigações e pretendendo que estes fossem, judicial e coercivamente, compelidos ao cumprimento dessas obrigações, necessariamente reconheceu a validade jurídica do contrato de transação que com eles celebrou e, por conseguinte, renunciou forçosamente, de modo tácito e concludente, ao direito de invalidação dessa transação que exercia na presente ação declarativa.
 A recorrente encontrava-se representada na audiência prévia por mandatário judicial, pessoa tecnicamente habilitada, que não devia, nem podia ignorar que, ao instaurar a execução, a sua representada, de modo tácito, mas concludente renunciou ao direito de invalidação daquela transação que exercia na presente ação declarativa.
Acresce que, qualquer cidadão médio de são critério que se encontrasse na posição da recorrente EMP01..., Lda. (mais concretamente, dos seus legais representantes) não ignorava, nem podia ignorar que, ao instaurar uma execução contra os réus na presente ação declarativa, dando à execução a sentença homologatória, transitada em julgado, que homologou a transação que pretende ver declarada nula ou anulável na presente ação declarativa, por pretensa simulação, erro sobre o objeto do negócio e dolo, alegando que os nela réus (executados) incumpriram com as obrigações contratuais que na transação assumiram e pretendendo que fossem judicialmente compelidos ao cumprimento de tais obrigações, independentemente de quaisquer conhecimentos jurídicos que pudessem ter sobre as repercussões jurídicas decorrentes da propositura da execução na ação declarativa pendente, sabia que, com a instauração da execução, estava necessariamente a reconhecer a validade e regularidade jurídica dessa mesma transação e, assim, estava impreterivelmente a renunciar ao direito de invalidação que exercia no âmbito da ação declarativa, por se tratar de uma consequência que decorre das normas da lógica e do normal acontecer.
E também não podia ignorar que a pretensão de que a ação declarativa prosseguisse, a fim de ser declarada a invalidade da transação celebrada, após instauração contra os réus de ação executivo em que exige o cumprimento coercivo das obrigações contratuais que aqueles nela assumiram, configurar uma conduta processual desonesta, que atentar contra os mais elementares sentimentos de justiça e de boa-fé. É que, inerente à propositura dessa execução está o reconhecimento da validade e da regularidade jurídica da transação celebrada, tanto assim que aquele se sentiu legitimado a instaurar essa execução, exigindo o cumprimento das obrigações nela assumidas pelos executados (réus na ação declarativa) e agredindo o património destes.
Daí que, ao opor-se à pretensão da recorrida EMP02..., Lda., no sentido de que fosse julgada procedente a exceção perentória de renúncia tácita pela recorrente do direito à invalidação da transação que por ela estava a ser exercido no âmbito da ação declarativa, pretendendo não ter renunciado ao direito de invalidação daquela e que a ação declarativa prosseguisse os seus termos para que a transação fosse judicialmente invalidada com fundamento em simulação, erro sobre o objeto do negócio e dolo quando, em 31 de maio de 2022, deu a sentença transitada em julgado homologatória dessa mesma transação à execução, alegando que os aí executados (réus na ação declarativa) incumpriram com as obrigações contratuais nela assumidas e requerendo que fossem, judicial e coercivamente, compelidos a cumprir essas obrigações (com o que, necessariamente e de forma concludente, reconheceu a regularidade e validade jurídica da transação), a recorrente agiu pelo menos com negligência grosseira.
Com efeito, ao instaurar a execução, servindo de título executivo a sentença transitada em julgado que homologou a transação, a recorrente não podia ignorar que renunciava, de modo tácito mas concludentemente ao direito de invalidação da transação que exerce na presente ação declarativa, dado tratar-se de uma consequência lógica que decorre da mera propositura da execução e em que o prosseguimento da ação declarativa feriria os mais elementares sentimentos de justiça e de boa-fé.
Destarte, ao deduzir oposição à pretensão da recorrida EMP02..., Lda. no sentido de ver julgada extinta a presente ação declarativa por via da procedência da exceção perentória da renúncia tácita da recorrida ao direito de invalidação que nela exercia, a recorrente exerceu a dita oposição com pelo menos grave negligência, incorrendo em litigância de má fé substantiva da al. a), do n.º 2, do art. 544º do CPC.
Deste modo, ao condená-la como litigante de má-fé, salvo o devido respeito por entendimento contrário, a 1ª Instância não incorreu em nenhum dos erros de direito que lhe são assacados pela recorrente.
Verificando-se que a recorrente não colocou em crise o montante da multa e das indemnizações em que foi condenada por via da má-fé com que litigou – pelo que essas questões não fazem parte do objeto do presente recurso -, mas apenas imputou erro de direito à decisão da 1ª Instância que a condenou como litigante de má-fé, pretendendo não se encontrarem preenchidos os pressupostos legais necessários à sustentação dessa condenação, o que, conforme sobejamente demonstrado, não é o caso, resta concluir pela improcedência do fundamento de recurso acabado de analisar.
Resulta do excurso antecedente improcederem todos os fundamentos de recurso invocados pela recorrente, impondo-se julgar o presente recurso improcedente e confirmar o saneador-sentença recorrido.
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V- Decisão

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam o saneador-sentença recorrido.
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Custas do recurso pela recorrente EMP01..., Lda.  dado que nele ficou “vencida” (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Guimarães, 06 de março de 2025

José Alberto Moreira Dias – Relator
Maria Gorete Morais – 1ª Adjunta
Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade – 2ª Adjunta

     

[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[2] Ac. RG., de 19/09/2014, Proc. 684/11.4TMBRG-F.G1, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos a que se venha a fazer referência sem menção em contrário.
[3] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 21.
[4] Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil Conceitos e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, 1996, pág. 96.
[5] Ac. RC. de 20/09/2016, Proc. 1215/14.0TBPBL-B.C1.
[6] Lebre de Freitas, ob. cit., págs. 96 e 97.
[7] Paulo Pimenta, “Processo Civil Declarativo”, 2014, Almedina, pág. 225.
[8] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., págs. 709 e 710; Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, pág. 639, nota 2.
[9] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., págs. 711 e 712. A fls. 716 adiantam: “A lei confia ao juiz a possibilidade de dispensar a audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados nas als. d), e) e f) do n.º 1 do art. 591º, sempre num cenário em que, seguramente, a ação prosseguirá para além do momento do despacho saneador. (…). Se o juiz projetar conhecer apenas de uma exceção dilatória no despacho saneador, julgando-a procedente e absolvendo o réu da instância, poderá dispensar a audiência prévia, desde que tal exceção tenha sido debatida nos articulados, aplicando-se o art. 592º, n.º 1, al. b). Sempre que projete conhecer do mérito da causa no despacho saneador, seja quanto a algum pedido, seja quanto a alguma exceção perentória, e independentemente do possível sentido da decisão, deverá convocar audiência prévia para os efeitos do art. 591º, n.º 1, al. b). Daqui resulta com total clareza o propósito legislativo no sentido de que as ações declarativas não incluídas na previsão do art. 597º não podem terminar com decisão de mérito no despacho saneador sem que o mesmo seja proferido no contexto da realização de uma audiência prévia” (destacado nosso).
No mesmo sentido Paulo Pimenta, ob. cit., págs. 225 a 232.
[10] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2, 3ª ed., Almedina, pág. 650.
[11] Acs. STJ., de 16/12/2021, Proc. 4260/15.4T8FNC-E.L1.S1; de 19/12/2008, Proc. 3454/15.7T8LRS.L1.S1; R.G., de 22/06/2023, Proc. 3731/21.8T8BRG-A.G1; R.L., de 11/12/2018, Proc. 103/16.OT8OER-A.L1-2; de 23/10/2018, Proc. 1121/13.5TVLSB.L1-1; RC., de 03/03/2020, Proc. 1628/18.8T8CBR-A.C1; RE., de 24/05/2016, Proc. 10442/15.1T8STB-A.E1
[12] Abílio Neto, “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, Ediforum, pág. 734, em que expende: “Os vícios determinativos de nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvida sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia) – als. a) a e) do n.º 1 do art. 615º. São sempre vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afetada”.
[13] Acs. STJ., de 27/11/2008, Proc. 08B2608; de 06/05/2010, Proc. 4670/2000.S1; de 30/09/2010, Proc. 341/08.9TCGMR.G1.S2.
[14]Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, 5º vol., págs. 142 e 143, onde pondera que: “Esta nulidade está em correspondência direta com o 1º período da 2ª alínea do art. 660º. Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” e onde aponta como exemplo de nulidade por omissão de pronúncia, o seguinte caso retirado da prática judiciária: “Deduzidos embargos a posse judicial com o fundamente de posse baseada em usufruto, se o embargado alegar que este não podia produzir efeitos em relação a ele por não estar registado à data em que adquiriu o prédio e a sentença ou acórdão deixar de conhecer desta questão, verifica-se a nulidade (…). O embargado baseara a sua defesa na falta de registo do usufruto; pusera, portanto, ao tribunal esta questão de direito: se a falta de registo do usufruto tinha como consequência a ineficácia, quanto a ele, da posse do usufrutuário, o tribunal estava obrigado, pelo art. 660º, a apreciar e decidir esta questão; desde que a não decidiu, a sentença era nula”.
Ac. RC. de 22/07/2010, Proc. 202/08.1TBACN-B.C1, em que se expende: “…O juiz deve, antes de tudo, tomar em consideração as conclusões expressas nos articulados, já que a função específica destes é a de fornecer a delimitação nítida da controvérsia. Mas não só; é necessário atender, também aos fundamentos em que essas conclusões assentam, ou, dito de outro modo, às razões e causas de pedir invocadas (…). Em última análise, questão será, pois, tudo o que respeite ao litígio existente entre as partes, no quadro, tanto do pedido e da causa de pedir, como no da defesa por exceção”.
[15] Alberto dos Reis, in ob. cit., 5º vol., págs. 55 e 143.
[16] No mesmo sentido Ferreira de Almeida, “Direito de Processo Civil”, vol. II, Almedina, 2015, pág. 371, em que reafirma que “questões” são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas, integrando “esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico processuais); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de qualquer elemento de retórica argumentativa produzido pelas partes”. 
[17] Acs. STJ.  30/10/2003, Proc. 03B3024; 04/03/2004, Proc. 04B522; 31/05/2005, Proc. 05B1730; 11/10/2005, Proc. 05B2666; 15/12/2005, Proc. 05B3974.
[18] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., pág. 735: “Os casos das alíneas b) a e), do n.º 1 (excetuadas a ininteligibilidade da parte decisória da sentença) constituem, rigorosamente, situações de anulabilidade da sentença, e não verdadeira nulidade”.
No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., págs. 763, ao defenderem que: “No que concerne à arguição das nulidades da sentença, importa distinguir os casos em que a mesma admite ou não recurso ordinário. Naquela primeira situação, as nulidades apenas podem ser suscitadas em sede de recurso de apelação (ou, depois, em sede de recurso de revista), como fundamentos autónomos da sua impugnação. Nos casos em que a sentença não admita recurso ordinário, as nulidades devem ser arguidas incidentalmente, sendo apreciadas pelo juiz, depois de cumprido o contraditório. A lei não deixa margem para tergiversações, sendo a solução legal sustentada no anterior uso abusivo do incidente de arguição de nulidades que, por esta via radical, se procurou sancionar”.
[19] Ac. R.G., de 09/12/2024, Proc. 220/24.2T8P.G1
[20] Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, Lisboa 1997, pág. 195, em que enuncia: “Apesar de a ação se considerar proposta logo que seja recebida a respetiva petição inicial na secretaria, os efeitos em relação ao réu só se produzem, em regra, a partir da citação, pelo que só após esse ato o réu pode confessar o pedido. Quanto à participação do demandado numa transação, a solução é distinta: dada a categoria substantiva desse negócio (art. 1248º, n.º 1, CC), o réu pode intervir em qualquer transação, que, se for realizada antes da sua citação, é ainda uma transação extrajudicial”.
[21] Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, Coimbra 1946, pág. 489, onde refere que: “O que caracteriza a transação judicial é o objeto, e não a forma. A transação reveste este aspeto pelo facto de dizer respeito a um litígio já afeto ao tribunal, e não por ser feita em juízo. (…). Quando a transação se celebra por escritura pública ou por documento autêntico, faz-se fora de juízo: o documento junta-se depois ao processo, mas não deixa de ser extrajudicial. Todavia a transação considera-se judicial em atenção ao seu objeto e fim: visa compor um litígio pendente em juízo”.
[22] Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 198.
[23] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 4ª ed., Almedina, págs. 586 e 587.
[24] Neste sentido Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 198, em que pondera: “A desistência, a confissão e a transação devem ser apreciadas atendendo à sua qualidade como negócios processuais e como atos jurídicos. Como negócios processuais, elas deveriam exigir os normais pressupostos dos atos processuais (como a capacidade e a representação judiciárias, o patrocínio judiciário e o interesse processual). Mas, como se pode concluir especialmente da invalidade (substantiva) prevista nos arts. 300º, n.º 5 e 301º, n.ºs 1 e 3 (atuais arts. 290º, n.º 3 e 291º, n.ºs 1 e 2 do CPC vigente), esses pressupostos só têm autonomia quando não sejam consumidos pelos requisitos gerais dos atos jurídicos. Isto é, esses negócios processuais, quando não são tipificados como negócios materiais – como sucede com a transação (art. 1248º, n.º 1 do CC) -, são tratados, no seu regime, como os correspondentes negócios substantivos, produtores de idênticos efeitos (ou seja, como, por exemplo, o negócio unilateral de reconhecimento de uma dívida, art. 458º, n.º 1 do CC). Os negócios processuais que conformam a decisão da causa exigem os requisitos gerais de qualquer negócio jurídico, nomeadamente quanto aos sujeitos, à vontade e ais exteriorização. É por isso que, por exemplo, é nula a desistência, confissão ou transação cujo objeto seja contrário à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes (art. 280º, n.º 2 do CC”; Acs. STJ., de 07/12/2016, Proc. 187/13.2TBPRD.P1.S1; RG., de 03/11/2004, Proc. 1775/04.1.
[25] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., pág. 587.
[26] Acs. STJ. de 07/12/2016, Proc. 187/13.2TBPRD.P1.S1; RG., de 26/03/2015, Proc. 2454/14.9TBBR.G1; de 03/11/2004, Proc. 1775/04.1; RL., de 29/10/2019, Proc. 672/17.7T8PDL.L1-1; de 11/01/2008, Proc. 8008/16.8T8SNT-B.L1-2; RE., de 12/04/2018, Proc. 1017/17.8FAR.E1.
Alberto dos Reis, ob. cit., págs. 495 a 497: “A transação pressupõe uma autocomposição (…). As partes ao celebrarem a transação, não se preocupam com a declaração da relação jurídica duvidosa, não realizam um ato semelhante ao do juiz; põem termo à lide segundo o seu interesse ou a sua conveniência, sem quererem saber se o resultado a que chegam é conforme ao direito constituído, isto é, se o litígio viria a ter solução idêntica, caso fosse decidido pelo juiz. Suponhamos que, realizada uma transação, judicial ou extrajudicial, uma das partes propõe contra a outra uma ação cujo objeto versa precisamente sobre a relação abrangida pela transação. O que deve fazer o réu? Atento o disposto nos artigos (…) poderia parecer que a defesa a opor, por parte do réu, é a exceção do caso julgado; mas não é assim. A exceção referida pressupõe que, tendo uma causa sido decidida por sentença com trânsito em julgado, se propõe posteriormente a mesma causa. Esse pressuposto não se verifica no caso sujeito. A lide não foi decidida por sentença anterior; foi composta por acordo das partes. É certo que sobre a transação judicial há-de incidir sentença do tribunal, sem o que o ato de vontade das partes não produz efeito; mas a função dessa sentença não é decidir a controvérsia substantiva, é unicamente fiscalizar a regularidade e validade do acordo. De maneira que a verdadeira fonte da solução do litígio é o ato de vontade das partes e não a sentença do juiz. Portanto, desde que o conflito em si não foi decidido por sentença, não tem cabimento a exceção de caso julgado. As partes estão perante uma situação que tem o mesmo valor e a mesma eficácia que o caso julgado; mas não estão, de verdade, perante um caso julgado. Em vez de opor a exceção de caso julgado, o que o réu deve opor é a exceção de transação”.
[27] Manuel Domingues de Andrade, “Teoria Geral de Relação Jurídica”, vol. II, Coimbra 1983, pág. 233.
[28] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., págs. 356 a 357; Ac. R.E., de 16/06/2016, Proc. 1591/15.7T8PTM.E1
[29] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 17.
Lebre de Freitas, “A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6ª ed., Coimbra Editora, pág. 37: “Para que possa ter lugar a realização coativa duma prestação devida (ou do seu equivalente), há que satisfazer dois tipos de condição, dos quais depende a exequibilidade do direito à prestação: a) O dever de prestar deve constar dum título: o título executivo. Trata-se dum pressuposto de caráter formal, que extrinsecamente condiciona a exequibilidade do direito, na medida em que lhe confere o grau de certeza que o sistema reputa suficiente para a admissibilidade da ação executiva; b) A prestação deve mostrar-se certa, exigível e líquida. Certeza, exigibilidade e liquidez são pressupostos de caráter material, que intrinsecamente condicionam a exequibilidade do direito, na medida em que sem eles não é admissível a satisfação da pretensão”. A pág. 43 a 45, adianta que: “(…) o acertamento é o ponto de partida da ação executiva, pois a realização coativa da prestação pressupõe a anterior definição dos elementos (subjetivos e objetivos) da relação jurídica de que ela é objeto. O título executivo constitui a base da execução, por ele se determinando «o fim e os limites da ação executiva» (art. 10-5), isto é, o tipo de ação e o seu objeto, assim como a legitimidade, ativa e passiva, para ela (art. 53-1), e, sem prejuízo de poder ter que ser complementado (arts. 714 a 716), em face dele se verificando se a obrigação é certa, líquida e exigível (art. 713º)”.    
[30] Ana Prata, “Dicionário Jurídico”, vol. I, 5ª ed., Almedina, pág. 1280.
[31] Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. II, 7ª ed., Almedina, págs. 243 a 249. Ainda Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 155, em que expendem: “A remissão, que o Código de 1987 designava também por perdão, é um negócio jurídico bilateral. Tal como a remisse de dette no direito francês, ela tem como fonte um contrato, que pode ser oneroso ou gratuito. Nisto se distingue da renúncia, que é a perda voluntária de um direito por manifestação unilateral de vontade. A renúncia não é admitida, em termos gerais, no domínio das obrigações, como forma de extinção dos créditos. É admitida, porém como forma de extinção das garantias reais (cfr. arts. 664º, 677º, 730º, al. d), 752º e 761º). Não se confunde, pois, a remissão com a renúncia. Para que uma dívida seja remitida, é necessário sempre o consentimento do devedor (invito non datur beneficium). Pelo contrário, a renúncia, quando admitida, produz os seus efeitos independentemente da aceitação do beneficiado. Vaz Serra, no seu anteprojeto, admitia, para efeitos de aceitação, dois regimes. Se a remissão era onerosa (dação em cumprimento, novação), seria necessário o contrato; se a remissão era gratuita, bastaria a declaração feita pelo credor ao devedor, a não ser que este, em prazo razoável, declarasse ao credor que não aceitava a remissão. Esta distinção não foi admitida no Código Civil, o que não significa que o silêncio do devedor não possa valer como manifestação do consentimento nos termos do art. 218º. Os usos, sobretudo, podem justificar em muitos casos esta solução. Também a vontade de remitir por parte do credor pode resultar de uma manifestação tácita de vontade, revelada, por exemplo, através da entrega do recibo da dívida ou de restituição do título dela. Não basta, porem, qualquer destes factos, pois qualquer deles é de significação imprópria. Não exige a lei que o consentimento do devedor seja manifestado por forma expressa. Ela está, portanto, sujeita às regras gerais sobre declarações negociais (arts. 217º e 218º)” (destacado e sublinhado nosso).
[32] Ac. R.E., de 18/11/2004, Proc. 315/04-2, em que a propósito do direito de preferência no caso de venda de prédio rústico, pondera: “A expressão do Autor “terra de mais já eu tenho”, em resposta ao anúncio de venda das terras por parte dos Réus, sem sequer saber qual o preço por estes pedido, não pode deixar de ser entendida como uma declaração de desinteresse em qualquer compra desses terrenos. Tal expressão interpretada por um destinatário normal (art. 236º do CC) configura uma declaração de vontade abdicativa do exercício do direito de preferir (renúncia) na compra dos ditos prédios e consequentemente é geradora na contraparte da convicção fundada de que assim sucederia. A renúncia é uma forma de extinção do direito e embora, em regra, não seja admitida, no domínio das obrigações, como forma de extinção dos créditos, mas antes como forma de extinção das garantias reais – arts. 664º, 677º, 730º, al. d), 752º e 761º, todos do CC – é perfeitamente legal no tocante ao direito de preferência já que, por um lado se trata de um direito potestativo e, por outro de um direito real de aquisição”.
[33] Ac. STJ. de 15/03/2013, Proc. 600/06.5TCGMR.G1.S1, in base de dados da DGSI.
[34] Manuel de Andrade, “Teoria Geral das Obrigações”, 1958, pág. 63.
[35] Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª ed., Almedina, pág. 563.
[36] Coutinho de Abreu, in “Do Abuso de Direito”, pág. 55.
[37] Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 62.
[38] Abrantes Geraldes, Paulo Pimento e Luís Filipe Sousa, ob. cit., pág. 36.
[39] Ana Prata, “Dicionário Jurídico”, vol. I, 5 ed., Almedina, pág. 214.
[40] Ana Prata, ob. cit., pág. 214.
[41] Neste sentido, Teixeira de Sousa, ob. cit., págs. 62 e 63, em que expende: “O dever de cooperação assenta, quanto às partes, no dever de litigância de boa fé. A infração do dever do honeste procedere pode resultar de uma má fé subjetiva, se ela é aferida pelo conhecimento ou não ignorância da parte, ou objetiva, se resulta da violação dos padrões de comportamento exigíveis”.
[42] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, 3ª ed., Coimbra Editora, págs. 260 e 261.
No mesmo sentido Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., págs. 615 e 616, nota 2; Pais de Amaral, “Direito Processual Civil”, 2016, 12ª ed., Almedina, págs. 27 e 28.
Na jurisprudência, Acs. R.G., de 06/02/2025, Proc. 1341/21.9T8VRL-A.G1; de 04/04/2024, Proc. 3650/16.0T8VCT.
[43] Ac. STJ., de 29/11/2005, Proc. 05S1924.
[44] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 616.
[45] Acs. STJ. de 28/05/2009, Proc. 09B681; de 03/02/2011, Rev. 351/2000, Sumários, 2011, pág. 77.
[46] Ac. STJ, de 23/04/208, Proc. 097S894; Ac. n.º 442/91, TC, de 20/11/1991, BMJ, 411º, pág. 611; Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 263.
[47] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, ob. cit., pág. 616